Estudo Sociológico da Mulher Boliviana

Agar Peñaranda

1975


Primeira Edição: Obras de Agar Peñaranda, La Paz, Setembro de 1988, Editorial Brigada Revolucionaria de Mujeres.

Fonte: Obras de Agar Peñaranda

Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez, Dezembro de 2020.

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


CONSIDERAÇÕES BÁSICAS

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As reflexões que vamos desenvolver nesta palestra buscam fazer uma aproximação ao estudo e ao balanço da situação social, económica e política das mulheres na Bolívia.

A definição do status dos estratos sociais implica uma posição desigual dos elementos valorizados socialmente entre as pessoas e os grupos que estão em categorias diferentes. A definição de status social das mulheres, só pode ser apreciado em relação ao do homem.

Começaremos por considerar a interpretação do papel social da mulher, a partir da ideia dos traços eternos do caráter feminino, que seriam os determinantes invariáveis ​​da sua situação social. Esta concepção, segundo a qual os fatores congénitos e constitucionais são a chave do que se considera o tipo característico da personalidade da mulher, constitui um fatalismo biológico, que identifica os termos de caráter sexual e que, levado às últimas consequências, conclui expressando que o destino é a anatomia.

Sobre essas bases, estabeleceu-se historicamente a dicotomia homem-mulher, em que se polarizaram qualidades opostas, que seriam: superioridade-inferioridade, sujeito-objecto; bem-mal, transcendência-imanência. O homem é considerado o único essencial; a mulher não é, é para o homem. Teorias como a de Weininger são escritas nessa linha, tão sedutora para os homens, que nega à mulher personalidade, individualidade e transcendência, o que equivale a negar a sua qualidade humana, da mesma forma que a tradição judaico-cristã lhe nega a posse da alma.

Estudos realizados em sociedades primitivas comprovam que atitudes e traços, considerados femininos ou masculinos, são atribuídos a ambos os sexos segundo a forma de organização social e segundo diferentes avaliações. As mulheres desempenham diferentes funções nas diferentes sociedades e, segundo elas, revelam diferentes atitudes e características mentais, como resultado do impacto da situação histórica nas estruturas de carácter.

Toynbee diz que a emancipação das mulheres e a sua evasão de casa e do trabalho na rua, é um dos três fenómenos revolucionários da época. Assim, a questão é plenamente válida e, portanto, deve ser analisada de forma objectiva e dentro das possibilidades, cientificamente.

O pensamento moderno reconhece uma multiplicidade de factores na formação da personalidade. Dentre esses factores, vale mencionar os seguintes com referência à personalidade da mulher:

As demandas limitadas do meio social, simplificam o carácter que corresponde a essas pequenas circunstâncias; se as exigências são diversificadas, o pensamento e a acção tornam-se mais complexos. Assim, o carácter responde não apenas de acordo com a sua capacidade, mas também segundo com os interesses, incentivos e o papel social que desempenha numa determinada cultura.

A grande massa de mulheres esteve à margem da história. Somos herdeiros dos nossos ancestrais tanto em termos de qualidades inatas quanto em termos de qualidades adquiridas; a sociedade é o produto duma longa evolução. Muitos hábitos, tabus, medos, instituições, costumes, sobrevivem, pesam ainda irracionalmente.

Do que foi dito pode-se concluir que os seres humanos e, portanto, as mulheres, são condicionados socialmente. O factor biológico seria uma condição do desenvolvimento da personalidade, não a sua causa. Consequentemente, os traços psicológicos das mulheres parecem ser em grande parte devidos às influências sociais que são exercidas sobre ela desde o nascimento. A mente feminina, além de características sexuais inatas, dependeria de ideais e necessidades sociais. Dessa forma, o masculino e o feminino seriam apenas núcleos em torno dos quais se forma a personalidade, ou seja, os traços psicológicos não são estáticos e eternos, mas respondem à estrutura da sociedade. A consciência que as mulheres adquirem de si mesmas não depende apenas da sua sexualidade, mas reflecte uma situação emergente na estrutura económica da sociedade, que por sua vez reflecte o grau de evolução técnica alcançado pola humanidade.

Em suma, as atitudes e os padrões de comportamento fazem parte do organismo social no seu contexto integral, são apresentados como o aspecto subjectivo da cultura.

A mulher da sociedade contemporânea experimenta uma mudança notável na sua condição social que, segundo Fichte, se apresenta sob os seguintes aspectos: tem maior liberdade de acção para participar de grupos sociais, jogos, esportes, etc., a sua situação económica mudou, isto é, possui dinheiro por seus próprios meios, o que constitui um critério de valorização social, conquistou direitos políticos e, finalmente, geralmente é a representação do status social de seu marido.

Por outro lado, a estrutura do carácter da mulher foi modificada polo novo estudo da vida, pola mudança de diferentes instituições sociais, diferentes morais sexuais, tabelas de valores a serem apreciadas de diferentes perspectivas, afastamento de casa, criaram uma nova mulher.

Na Bolívia, uma vez que os países atrasados ​​estão passando por etapas de desenvolvimento, a situação da mulher sofreu uma evolução muito rápida, cujo início pode ser traçado já avançado o século.

Vamos analisar esta situação nos diversos campos da actividade social. Os parâmetros não têm sido tomados como pontos de referência, porque não os temos, mas sim dados estatísticos e observações porque para compreender um processo é necessário estar dentro dele.

Para estudar a condição social das mulheres bolivianas, é preciso não esquecer a nítida divisão de classes determinada polo desenvolvimento desigual da economia, pola dependência e polo atraso, diferenciação que se radicaliza em relação à classe camponesa. Com uma cifra de mais de três milhões de habitantes, o campesinato constitui uma classe marginalizada dentro da qual o indígena também desenvolve uma personalidade marginalizada.

É preciso também levar em conta as divergências inevitáveis, dentro das diretrizes de valores e comportamentos, entre as diferentes gerações, a respeito das quais não é possível enunciar avaliações idênticas.

STATUS LEGAL

Segundo o materialismo histórico, a subjugação das mulheres ocorreu como resultado do surgimento dos direitos de propriedade e tem sido mantida porque devia ser preservada. Quanto maior a importância do patrimônio, maior a subjugação das mulheres, portanto, nas cidades onde não existia propriedade fundiária, a sua condição era mais branda. Por razões semelhantes dentro das classes despossuídas, não há predominância masculina: marido e mulher compartilham a miséria e o trabalho igualmente.

As religiões sempre foram adversas às mulheres, portanto, nos povos orientais, careciam de todos os direitos. Ao longo da história, o status da mulher sofreu algumas variações, mas em qualquer caso, o status legal sancionou a sua inferioridade jurídica.

O código de Napoleão - que definiu o destino das mulheres - durante polo menos um século, foi a expressão legal da revolução burguesa triunfante, mas não quebrou a estrutura econômica da sociedade nem mudou o destino das mulheres, uma vez que os valores estabelecidos foram respeitados. O código teve como fundamento a letra morta do direito romano e sancionou a servidão feminina. Segundo Napoleão, a mulher pertencia ao homem. Colocou-a sob a sua tutela, proibiu a investigação de patenidade, condenou duramente a condição da mãe solteira e do filho ilegítimo e afirmou o poder conjugal exercido sobre a pessoa e as cousas.

Por outro lado, a legislação foi influenciada polo direito canónico e polas leis germânicas, todas adversas às mulheres. Essas foram as fontes da codificação boliviana que privou as mulheres de direitos civis, inclusive dos seus próprios bens, caso fossem casadas, e as colocava em situação de minoria ou deficiência em muitos aspectos. É também notório que os países latinos, como os orientais, oprimem as mulheres em maior medida polo rigor dos costumes do que pola dureza das leis.

Essa situação persistiu até 1932, quando a Lei do Divórcio foi promulgada. Esta lei pode ser considerada como o primeiro dispositivo legal que quebra a tradição da desigualdade jurídica. Em 1933, a Bolívia assinou o Tratado de Montevidéu, que garante direitos iguais às mulheres. Posteriormente, a Lei Geral do Trabalho concedeu-lhe direitos sociais. A Constituição Política de 1938, a primeira após a Guerra do Chaco, que revelou a crise total da sociedade boliviana em todos os níveis, fez mudanças revolucionárias na Lei Fundamental: incluiu um capítulo sobre a família que foi submetido a proteção do Estado e estabeleceu a igualdade jurídica dos cônjuges e a igualdade dos filhos. a Constituição de 1944-45 mantém o regime familiar anterior e reconhece o casamento de facto. A investigação de paternidade é permitida por lei. A Constituição promulgada em 1967 decreta a reorganização do sistema familiar, prevendo a sanção dos códigos da Família e Menores para a proteção da mulher e da criança com o objetivo de estabilidade e permanência do grupo familiar na mutante realidade social.

Por sua vez, a Lei de Organização Judiciária e de Jurisprudência Civil revogou expressamente ou pôs em desuso os artigos que inibem a mulher de gozar dalgum dos seus direitos.

Em suma, em poucos anos, as mulheres conquistaram a plenitude dos direitos civis e também os políticos a que nos referiremos mais adiante, isso porque a situação está de acordo e foi determinada pelo desenvolvimento social, porém, as pessoas e grupos muito protegidos tendem a perder dignidade e pudor. As leis que protegem mulheres e filhos podem ser usadas a serviço de interesses económicos e pessoais. A mulher deve ser considerada um ser humano consciente e responsável e esse deve ser o tratamento que a lei permitir.

SITUAÇÃO POLITICA

A Revolução Francesa que estabeleceu o sistema liberal manteve a validade das normas sociais do antigo regime porque era do interesse da nova classe dominante, mas o seu ideal individualista e democrático era favorável às mulheres. A Declaração dos direitos do homem não declara explicitamente os das mulheres, mas as classes oprimidas podem entender muito bem que a declaração era dos direitos do ser humano e esse era de facto o caso nas ideias e concepções políticas dos enciclopedistas.

A Filosofia do Iluminismo promoveu a independência dos países americanos que organizaram os seus sistemas políticos dentro de moldes liberais. Essa ideologia padronizou as Constituições. Esse foi o caso da Bolívia, onde os pressupostos teóricos permaneceram inalterados por um século inteiro.

Quanto à posição da mulher, as denúncias feministas de Adela Zamudio datam de 1887, embora as publicações jornalísticas que defendem os direitos das mulheres tenham surgido já em 1848, possivelmente devido à influência das revoluções europeias.

A rápida evolução das concepções sobre o papel da mulher foi uma das manifestações de grande abalo da consciência nacional, consequência da guerra internacional de 1932. Do seu seio emergiram novas correntes ideológicas e um balanço negativo do nosso desenvolvimento social. Por outro lado, a guerra permitiu que as mulheres ocupassem cargos deixados vagos polos combatentes, circunstância que as tirou de casa e lhes permitiu medir as suas possibilidades de atuação na sociedade.

O governo Busch, depois da guerra, fez reformas constitucionais em 1938. Em seguida, a Constituição de 1944, modificou o Art. 41 que definia o conceito de nacionalidade, prejudicial às mulheres. A mesma Constituição concedeu-lhe cidadania e voto, como teste para a formação de governos municipais. Mas foi o processo social emergente do movimento revolucionário de 1952, que modificou as estruturas sociais, o determinante da supressão da discriminação legal baseada no sexo. A Constituição de 1961, ao estabelecer o voto universal, concedeu-lhe a cidadania plena com direito a voto e o exercício de função pública sem limitações legais.

Em relação ao exercício dos direitos políticos nas diversas classes sociais, encontramos também diversas atitudes.

A raça subjugada e a mulher nativa estão repletas de inibições implícitas não só por causa da sua categoria de marginalidade, mas também polas suas próprias atitudes internas decorrentes de múltiplos conflitos, entre os quais a ambivalência de valores que resulta da participação de duas formas culturais, é uma dos decisivos. O seu carácter introvertido é acentuado pola falta de comunicação com os centros urbanos, tanto pola distância quanto pola diferença de linguagem. No entanto, a tradição heróica de Bartolina Sisa sobrevive na raça indígena e embora o seu comportamento se deva a motivações bastante emocionais, ela participou das agitações camponesas que precederam a Reforma Agrária. Nos dias da Reforma, quando o camponês acreditava estar assistindo ao alvorecer da sua redenção, assistia a comícios e manifestações e depositava a sua esperança nas urnas eleitorais. Depois da euforia, foi recolhido na grande massa anónima que manipula a ambição de poder de turno.

Contudo, o campesinato não voltou à sua condição anterior. Como toda classe que tomou consciência duma situação de injustiça, não volta ao mesmo ponto de partida.

Quando a camponesa sai do campo em busca de trabalho, o faz no Altiplano, nas minas, em condições de palliri(1). Lá, participa das ações de reivindicação dos seus companheiros mineiros e geralmente morre sob as suas bandeiras. A mulher do povo boliviano, participa de motins e costuma ser admirável pola sua coragem e determinação.

A história da Bolívia preserva a memória das mulheres que se cobriram de glória na guerra da independência, com extraordinária integridade e força moral, animadas pola ideia de liberdade.

Na era republicana, houve casos de mulheres que tiveram participação activa e ousada nos movimentos políticos. Desde há algum tempo, se formam em certa medida nas fileiras dos partidos, mas pode-se dizer que, com raras excepções, as mulheres bolivianas carecem de formação ideológica e política, normalmente agem movidas por motivos sentimentais. A maioria não está interessada em problemas públicos de ideias gerais, nem de problemas sociais, até mesmo as mulheres profissionais das universidades encorajam a convicção de que política é cousa de homem. Deste modo, a mulher que assiste aos eventos políticos com seu voto, nada mais faz senão dobrar os votos masculinos, pois, sob a influência das pessoas ao seu redor, adopta a atitude que qualquer influência lhe impõe. É claro que não pode ser chamada de participação política à adesão a um governo polas vantagens que essa posição implica.

A política, para quem tem uma ideia racional dela, é um dever de consciência. Fundada numa concepção do mundo, é realizada numa práxis cujo objectivo deve ser o ideal de felicidade e libertação do homem pola criação de novas formas de existência humana. Assim concebida, não se trata simplesmente duma questão de homens ou de mulheres, é um problema humano cuja solução diz respeito a toda a sociedade humana.

Nas gerações mais novas, parece que as mulheres estão mais inclinadas a fazer parte das correntes políticas. A qualidade de universitária, identifica-a em maior medida do que em outros tempos com as preocupações dos seus colegas. Além disso, os costumes políticos mudaram muito em pouco tempo, a democracia está em declínio e as mulheres conquistaram um último direito político, o de sofrer perseguição e humilhação, prisão e exílio, dentro do novo estilo de barbárie do Estado moderno. Este facto parece mostrar que as mulheres estão começando a aderir ao processo político com mais convicção e com ideias definidas.

Quanto à orientação ideológica que poderia buscar nas mulheres, de acordo com o seu caráter conservador, mais conservador entre nós devido à herança espanhola, foi quase violentamente alienada polos sectores da extrema direita, principalmente sob a influência da Igreja. Agora, ao contrário, ela está se afastando duma religião que parece retornar às suas origens cristãs.

O sindicalismo, que pode ser uma escola política, foi um movimento poderoso nos anos 1950 que se tornou o protagonista e motor do processo histórico. A mulher só participou esporadicamente desse processo.

Quanto à função pública, as mulheres não atingem funções gerenciais. Os estágios de transformação social a favorecem, pois desde 1952 estava entrando em situações às quais não tinha acesso até aquele momento. Teve representação parlamentar, uma ou duas chegaram a membros dos Tribunais de Justiça, uma foi Ministra de Estado, há muitas mulheres que ocupam cargos de juízes; uma mulher formou um corpo chamado Conare(2). A mulher tem cátedras nas universidades. Onde têm mostrado melhores condições, tem sido na administração pública e comunal, certamente devido à sua experiência na gestão doméstica.

Nada obstante, tem-se a impressão de que mais do que por mérito próprio e como culminação duma carreira brilhante, as situações ocupadas se devem a laços políticos ou influências doutra natureza. As oportunidades para as mulheres não são iguais às oferecidas aos homens. Estudos iguais não significa oportunidades iguais.

Concluindo, podemos notar que os direitos políticos foram concedidos à mulher boliviana sem que ela tivesse a preparação ou vontade de exercê-los, muito menos fazer qualquer esforço para conquistá-los. Espera-se que a evolução do país contribua para a sua educação e para a sua crescente intervenção nos problemas nacionais. O exercício dos direitos políticos deve certamente contribuir para a formação do seu sentido político e social. Caso contrário, a sua personalidade permaneceria relegada porque a independência econômica não tem sentido se não engendrar capacidade política.

SITUAÇÃO LABORAL

Enquanto a família constituía uma unidade económica, a mulher se encarregava tanto da produção dos elementos necessários à vida quanto da gestão doméstica. Quando a revolução industrial mudou o modo de produção, da economia familiar para a produção comercial, as mulheres foram privadas de grande parte das suas ocupações domésticas. Assim, o surgimento da fábrica, por sua vez, determinou uma situação de parasitismo nas mulheres das classes burguesas e médias e, por outro lado, jogou na fábrica mulheres pobres que formaram um exército de reserva de mão-de-obra que foi explorado polo capitalismo nascente. Desta forma, a mulher fugiu de casa e se juntou à massa proletária. A burguesia, por outro lado, livre de alguns fardos domésticos, buscava derivações para a sua actividade, principalmente no cultivo das letras, porque o trabalho remunerado era considerado desonroso. Mas as barreiras foram superadas e a mulher buscou a profissionalização.

Para as mulheres trabalhadoras, por outro lado, a opressão económica eliminou todas as possibilidades individuais, embora a desigualdade dos sexos não fosse tão marcante como nas classes altas.

Foi, portanto, a economia que abriu uma nova era para as mulheres. As mesmas condições sociais determinaram o surgimento das associações de trabalhadores, às quais as mulheres aderiram tardiamente.

Na Bolívia, da população geral do país, 51% correspondem ao setor feminino, ou seja, 2.581.600 mulheres. A população economicamente activa na área urbana é estimada num total de: 422.342 pessoas, 182.292 mulheres, ou seja 23,1 por cento. O maior percentual corresponde ao comércio, o restante se divide em fábricas, escritórios, empregadas domésticas, etc. O último censo realizado no país, apontou o maior percentual ocupacional feminino na categoria profissional, que inclui ensino, serviços domésticos e pessoais, 74 por cento; na administração pública apenas 24% correspondem a mulheres; 42% no comércio, 48% na agricultura, 9% na indústria, 5% no transporte, etc. Em termos de idades, o maior número de mulheres trabalhadoras encontra-se na faixa dos 15 aos 19 anos. Quanto ao estado civil, 45 por cento são solteiras, 51 por cento casadas, 0,52 por cento divorciadas. Em todas as ocupações os cargos de chefia e os mais bem remunerados correspondem a homens, a renda no sector masculino é sempre superior à feminina. No entanto, nalgumas cidades como Cochabamba, o número de contribuintes do sexo feminino supera o dos homens. A grande maioria das empresas, com excepção da grande indústria, está nas mãos de mulheres. A natureza do trabalho varia de acordo com as várias classes sociais.

Desde o império inca, as mulheres indígenas compartilhavam com os homens, cooperavam na agricultura e cuidavam do trabalho doméstico. Actualmente, este trabalho de cooperação familiar continua. Ela trabalha com tecelagem, costura, tinturaria e algumas outras ocupações. Não chegaram ao campo, às leis trabalhistas ou às previdências sociais, a lei da Reforma Agrária aboliu o trabalho gratuito.

Na empresa agrícola, os trabalhadores camponeses estão sujeitos às determinações das leis sociais.

Se a camponesa emigra para a cidade, geralmente entra no trabalho doméstico, é a única possibilidade de mobilidade social.

A mulher da aldeia, a chola(3) é uma mulher forte e paciente. Comerciante hábil, contribui para a manutenção da casa ou a sustenta sozinha; ela é quase exclusivamente responsável pola educação dos filhos. Normalmente lida com comércio retalhista e também, inegavelmente, com pequeno contrabando.

Nos centros industrializados, há algum percentual de operárias fabris, nenhuma qualificada. Em todo caso, a mulher popular sempre gozou da liberdade de trabalho e, consequentemente, de costumes.

Os salários mínimos indicados por lei são: operários de ambos os sexos, 950 pesos bolivianos, comércio, 1.250 pesos bolivianos, gastronómicos não alimentares, 1.200 pesos bolivianos. É claro que os salários dos homens, em virtude da qualificação técnica, sobem acima do mínimo. Dentro desta classe está também a que presta serviço doméstico, actualmente em trânsito para profissionalização, principalmente na docência.

A mulher de classe média, trabalha em cargos subalternos da administração com salários mínimos, no ensino são poucas as profissionais que vivem do trabalho independente: médicos, advogados e escritoras ou artistas.

A Lei Geral do Trabalho, de acordo com a Constituição Política do Estado, protege a mulher trabalhadora. São prohibidos o trabalho em locais insalubres e pesados, que afectem a moral, o trabalho nocturno, excepto em casos específicos como enfermagem ou serviço doméstico.

Reconhece a lei, licença-maternidade com direito a 50% do salário, licença-lactação, obrigação das empresas instalarem infantários. Estabelece jornada de trabalho de 8 horas diárias ou 40 horas semanais. Existem regulamentos relativos ao serviço doméstico em relação a férias anuais e horários de trabalho.

Por sua vez, o Código da Segurança Social contém disposições a favor da mulher trabalhadora ou da esposa ou companheira do trabalhador. A seguridade social é expressa em renda de viúva, renda de órfão, seguro-maternidade, serviço de higiene preventiva de maternidade e infantil, abonos de família que consistem em subsídios para casamento, nascimento e amamentação, assistência médica hospitalar e cirurgia de maternidade.

A operária deve ser, por força da lei, assistida por serviço social contratado pola empresa. Todas as leis que fazem parte da avançada legislação social boliviana, são respeitadas de forma relativa, a sua aplicação na prática é contornada.

No que diz respeito ao movimento sindical, as mulheres, que desde o início eram avessas a se associar, se conscientizaram da sua importância e necessidade e foram gradativamente incorporadas. Hoje todas as trabalhadoras pertencem a organizações sindicais, mas não ocupam cargos de chefia. Em todo caso, houve uma mudança na consciência das mulheres trabalhadoras sobre os seus direitos e as vantagens do sindicato.

SITUAÇÃO CULTURAL

Na Bolívia, a educação das mulheres começou bem no século.

Segundo Dalence, em 1823 havia apenas uma escola para meninas no país com um total de 62 alunas, em 1.848 eram quatro. O historiador Arguedas, dá um quadro lamentável da ignorância das mulheres da época.

Em 1841, foram regulamentadas as escolas de alunos que admitiam moças da burguesia. A educação visava formar mulheres que iriam brilhar na sociedade, com perspectivas matrimoniais.

Eram ensinados bordado, desenho, algum instrumento musical, uma língua estrangeira, geralmente o francês,. Em termos de conhecimento, não ultrapassavam a simples leitura e escrita.

O governo liberal que deu tanto impulso à educação no país, também deu início ao das mulheres. Em 1906 e em 1907, enviou duas missões de jovens ao Chile, incluindo 18 mulheres, para continuar estudos. Em 1909 foi fundada a Escola Normal de Mestres, que teve que enfrentar todas as formas de resistência social a ponto de exigir muita coragem para entrar nas suas salas de aula, que eram muito mal consideradas socialmente. No entanto, a Escola Normal deu profissões a centenas de meninas. Posteriormente, foram sucessivamente criados outros centros de formação para a docência, de modo que se pode dizer que a educação está nas mãos das mulheres, a Escola Normal tem contribuído para a evolução da mentalidade feminina e para a sua independência económica.

Em 1913, foi fundado em Sucre o primeiro colégio feminino, que foi único por muitos anos. Jovens de grupos abastados inicialmente frequentavam as suas salas de aula. Foi um passo progressivo porque até então a educação das mulheres não fora considerada uma necessidade. A mulher popular era completamente analfabeta.

Em 1915, um grupo de intelectuais proeminentes organizou uma academia chamada Universidade Feminina. Segundo a Costa du Rels, fora inspirada na Universidade dos Anais de Paris. Foram ministradas palestras sobre diversos temas. Após dous anos, a limitação e a intolerância do meio ambiente acabaram com essa tentativa.

Em 1919 e em 1923 ingressaram nas Faculdades de Medicina e Direito de Sucre, as primeiras mulheres admitidas em universidades do país. Simultaneamente, outra o fez em La Paz. Em 1925 formou-se a primeira médica e em 1928 a primeira advogada. A atitude das mulheres que ingressaram na Universidade naquela época foi muito valiosa; elas limparam o caminho que as gerações subsequentes seguiram sem dificuldade. Hoje há uma verdadeira invasão de mulheres na Universidade, principalmente em algumas faculdades. Curiosamente, grande número escolhe a carreira de advogado que hoje perdeu prestígio. No passado, os advogados eram os guias do país, hoje dão técnicos. Os estudos de economia também são preferidos, embora na prática profissional seja comum que permaneçam em cargos de secretariado. Existem estudos especificamente femininos, como enfermagem e assistência social, com oportunidades ocupacionais apreciáveis. Os estudos de farmácia também atraem um maior número de mulheres. Percebe-se que os estudos humanísticos permanecem para as mulheres enquanto os estudos técnicos são quase exclusivamente masculinos.

Embora a Universidade abra as portas sem restrições, não se pode falar dum alto nível cultural do sector feminino. A profissão é buscada, mais como instrumento de cultura, como solução para o problema económico e também, sem dúvida, como meio na busca duma solução para o casamento.

Dum modo geral, pode-se afirmar que apenas uma elite de mulheres possui um grau mais ou menos alto de cultura. O Dicionário Biográfico de Elsa Paredes lista 162 nomes de mulheres, mas estão incluídas aquelas que se destacaram em todas as atividades.

Porém, é nas formas de cultura, principalmente nas letras e nas artes, que as mulheres se afirmam desde a antiguidade, que o seu destino esteve profundamente ligado à evolução cultural. Na América Latina, as mulheres mais proeminentes estão na poesia, da mesma forma que na Bolívia se destacam muitas poetisas. Parece que a mulher se expressa naturalmente no verso. As mulheres bolivianas também são jornalistas, escritoras, escultoras e pintoras, e incluem figuras de qualidade. Existem prêmios nacionais em poesia e romances. A escultora Marina Nuñez del Prado, goza de prestígio internacional.

Organizações culturais femininas foram formadas no país, embora as de natureza religiosa e caritativa continuem a predominar.

Em 1923 foi fundado o Ateneu Femenino de Bolívia, em 1936 a Legião Femenina América, que postulava ideias muito avançadas com tendência socialista, em 1948 foi fundada a Associação de Mulheres Universitárias. Existem também agrupações de mulheres em várias profissões.

Mencionamos as possibilidades das mulheres que têm à cultura. Nos grupos sociais mais negligenciados, se as condições económicas e sociais das camponesas são diferentes das da cidade, a distância cultural é incomensurável, devido às circunstâncias económicas e sociais observadas. A camponesa sofre, em maior grau do que o homem rural, a falta de acesso à educação, a tal ponto que a variável sexo está diretamente relacionada ao analfabetismo. Estudos realizados em comunidades indígenas, indicam percentagens cada vez maiores de desconhecimento da língua espanhola nas mulheres do que nos homens, é sabido que o único meio de comunicação com os organismos educativos é o espanhol. Os percentuais de analfabetismo e analfabetismo funcional também são mais agudos, a saída também é maior, mesmo a partir do ciclo básico, não há meninha camponesa que passe desse ciclo. Por outro lado, apenas os homens deixam a comunidade em busca de trabalho ou em atividades comerciais, enquanto as camponesas ficam longe dos centros de cultura.

A mulher trabalhadora, a obreira, enfrenta o problema do desenvolvimento intelectual porque não tem oportunidades, tempo e dinheiro. A questão do trabalho é decidida polo imperativo económico.

Uma tabela estatística relacionada à educação das mulheres, produz os seguintes dados:

O sector feminino em grau de escolaridade é de 900.187 alunas, compreendendo as áreas: rural, urbana, pública e privada. O ciclo superior tem 4.830 alunas e o nível universitário 5.200, como se pode ver, a comparação do ano de 1923 que dá 3 universitárias com mais de 4.000 hoje, dá a medida do progresso na educação das mulheres.

No sector de trabalho feminino, o percentual de analfabetismo é 30%, analfabetismo 3%, educação básica 20% e intermediário 20%.

COSTUMES

Os sistemas morais, diretrizes de valores, fazem parte das estruturas sociais, bem como dos sistemas políticos, religiosos, educacionais, etc.

Hoje, a economia, a tecnologia e os meios de comunicação unificaram o mundo de tal forma que as instituições e valores, característicos da sociedade de massa e de consumo de nosso tempo, atingem todos os povos e os processos contemporâneos de despersonalização, de alienação, de perda de identidade pessoal, de dividualidade, são comuns em todos os lugares. Somente nas classes marginais, isoladas da civilização, sobrevivem os velhos hábitos. Entre os nossos camponeses, a família subsiste, as uniões têm caráter monogâmico e persistem as formas de casamento pré-hispânico: o tannacu(4) e o sirviñacu(5), normalmente anteriores ao casamento legal religioso ou civil, que cobre 90%. No campo, a moralidade sexual é rígida, o divórcio, a prostituição e o adultério são desconhecidos. O camponês professa um sincretismo religioso que combina elementos de antigos cultos indígenas, pensamento mágico primitivo e formas externas de culto católico.

Nos centros urbanos, não faz muito tempo que as mulheres abandonaram os padrões tradicionais. A Igreja exerceu um controle rigoroso sobre os sentimentos e os comportamentos das mulheres burguesas, que viviam mais ou menos de acordo com as suas normas, controle esse que chegava à direção do grupo familiar. A moralidade sexual era rigorosa e a conduta que se desviava da regra geral era julgada severamente. A mulher era profundamente religiosa e conservadora, apegando-se às formas rituais do catolicismo em vez dos seus fundamentos conceituais.

A situação atual é totalmente diferente. O declínio e relação da família e a regulamentação do princípio de autoridade dentro dela é um fenômeno característico da época. O rádio, o cinema, as revistas quebraram a rigidez dos costumes. O crescente desrespeito religioso é acompanhado por uma liberdade sexual mais acentuada à medida que surgem novas gerações.

As mulheres jovens superaram os velhos tabus do sexo, reivindicam os mesmos direitos que os homens à experiência sexual antes do casamento. Mas os sentimentos sociais, os tradicionais duplos padrões não desapareceram, a contradição gera problemas de todo tipo que sombreiam a vida das mulheres novas.

CONCLUSÕES

Dissemos que as mudanças nas formas de produção retiraram as mulheres de casa e as integraram ao trabalho. A evolução da estrutura social ocorreu ao mesmo tempo e surgiram mudanças culturais e novas necessidades que influenciaram a situação das mulheres. O processo técnico facilitou o trabalho, já que o manuseio das máquinas não exige esforço físico considerável, o processo da ciência reduziu o domínio das superstições e modificou hábitos, a função e organização da família se transformou, perdendo o seu caráter de unidade econômica e o seu poder de controle.

Tudo isso resultou numa mudança de atitude e mentalidade da mulher que buscou a sua emancipação económica, a sua libertação intelectual e a conquista dos seus direitos. Mas, todo benefício é um fardo, o direito ao trabalho implica uma sujeição que não é compensada pola conquista da liberdade plena, da autonomia económica total e da dignidade social.

Toynbee disse que as mulheres alcançaram a sua emancipação, mas perderam a sua verdadeira liberdade, o óbvio é que elas nunca foram livres.

Além disso, a mulher que se liberta não está em pé de igualdade com os homens moral, psicológica ou socialmente. O mundo em que se aventura é um mundo masculino. Os homens criaram religiões, leis, costumes e valores. Eles decidem o destino das mulheres levando em consideração as suas necessidades, os seus interesses, os seus medos. E a sociedade não se rege apenas por leis, hábitos, resistências tradicionais e, sobretudo, atitudes e sentimentos inconscientes pesam mais. O homem não perdeu prestígio nem poder, a evolução social modificou mas não mudou as estruturas então, a mulher que trabalha, não escapa do mundo feminino tradicional, continua a formar um universo separado.

Além disso, a mulher que exerce uma profissão ou ofício não pode abandonar as obrigações familiares. Ao seu trabalho fora de casa, que exige eficiência e responsabilidade, somam-se as inúmeras e cansativas que faz em casa. Soma-se à escravidão do serviço social as desvantagens que a sua condição feminina acarreta. E ainda assim, deve tentar ser atraente ou, polo menos, não ser desagradável. Toda esta dispersão e acumulação de atividades supõe uma acrobacia febril e esgotadora que impede qualquer realização autêntica, a obra da criação exige concentração.

Tais circunstâncias criam distúrbios e aumentam a infelicidade. O estilo psicológico das mulheres modernas aparece como um conflito resultante tanto da sua posição ambivalente quanto do contraste entre as novas situações e as atitudes tradicionais sobreviventes. A mulher está dividida, dilacerada entre as obrigações do seu trabalho e as imposições do seu lar. Por isso, é necessário um grande esforço moral e coragem para escolher o caminho mais difícil, construir o seu destino e assumir a sua condição humana de forma integral. Assim, as mulheres se sentem compelidas a escolher a subordinação no casamento, caso em que constitui uma carreira profissional que pode atender ao alto padrão de vida da sociedade moderna. O casamento parasitário é mais confortável do que a conquista da liberdade por meio do trabalho.

Outra circunstância adversa é que as qualidades que a profissão exige: segurança, responsabilidade, independência, contradizem o ideal feminino tradicional, o que pode gerar frustrações no campo sentimental e a solidão que o individualismo acarreta.

Mas, a história não se inverte. A mulher que considerou a sua libertação não retornará à sua antiga condição e a sua libertação sem mistificações, reais, com plenos direitos, com possibilidades concretas, só pode chegar como um aspecto da solução do problema social como um todo, do qual é apenas uma parte. As mulheres realizarão a sua liberdade, projetando-a na sociedade humana na qual a liberdade e a justiça podem ser realizadas sem restrições. O ser humano deve buscar o reino da liberdade no mundo dos dados. Para ela, a fraternidade humana deve ser afirmada sem equívocos e isso não é real se não existir na relação do homem com a mulher, assim como entre todos os homens.


Notas de rodapé:

(1) Leia-se palhiri. Palliri é a designação das pessoas que exercem o ofício de colectar, escolher e pulverizar rochas residuais da indústria de mineração com o desejo de encontrar minerais. É um trabalho realizado principalmente por mulheres. (retornar ao texto)

(2) Conselho Nacional de Reitores. (retornar ao texto)

(3) Chola é a designação genérica para mulheres mestiças em vários países como Equador, Peru, Bolívia, Argentina, Chile, México, Costa Rica e Colômbia. (retornar ao texto)

(4) O casamento tannakuy ou experimental é uma instituição de casamento andino. A legislação boliviana iguala ao casamento de facto se eles viveram juntos como um casal, equiparando "casamento" e "união livre". A pesar de ter filhos, os casais podem se separar. Caso Tribunal de Tarabuco: Prova de união tantanakuy: Após a morte do homem G. a sua viúva, H., pede ao juiz o reconhecimento da condição de esposa polo casamento em tantanakuy. O juiz aceita o depoimento de vizinhos da comunidade como prova de que o casal conviveu por muito tempo. A base argumentativa é que os membros do casal compartilham trabalhos e obrigações. (retornar ao texto)

(5) Também chamado de Servinakuy é um casamento em ensaio. Com a anuência das partes, o noivo pode levar para casa à mulher, onde ela deverá satisfazer as demandas do companheiro por um período acordado polos pais dos candidatos, que pode variar de seis meses a um ano. Após este período de experiência, e em caso de entendimento, procede-se então à união formal. Obviamente, o Sirviñacu responde a um sistema claramente patriarcal. (retornar ao texto)

Inclusão: 02/03/2021