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A 16 de janeiro de 1940, no auge da drôle de guerre, uma Câmara que perdera toda noção de interesse nacional e toda dignidade, votou — fato sem precedentes nos anais parlamentares — a cassação do mandato dos parlamentares comunistas.
De renegação em renegação, de abdicação em abdicação, de queda em queda, chegava ao ponto de, eleita sobre um programa de luta contra o fascismo, fazer-se o instrumento dócil dos homens do fascismo e dos agentes estipendiados da Alemanha hitlerista. Votando a cassação dos mandatos dos comunistas, privando dos seus representantes, a quem continuavam a dar a sua confiança, um milhão e meio de franceses, a Câmara votava a sua própria dissolução e dava um passo decisivo para a Assembléia chamada nacional de Vichy, que levantou, a 15 de julho de 1940, sob os escombros da Terceira República, a ditadura sanguinolenta dos boches Pétain—Laval.
A aplicação do programa de 1936, sobre que esta Câmara fora eleita, teria assegurado a ordem republicana dentro do país e garantido o nosso país contra toda ameaça de agressão vinda de fora. No plano interior, previa, entre outras coisas, a dissolução e o desarmamento das ligas fascistas, a reforma da imprensa que obrigasse os jornais a tornar públicos os seus recursos. No plano exterior, prescrevia a colaboração internacional, a segurança coletiva pela definição do agressor e a aplicação automática e solidária das sanções em caso de agressão, o desenvolvimento do pacto de assistência mútua franco-soviético.
Para os comunistas, interessados no bem público e no destino da França, interessados na paz interior e exterior, esse programa era a lei. Para eles, os compromissos assumidos não eram trapos de papel. Lutaram até o fim no país e no seio do Parlamento para que esses compromissos fossem mantidos e muitas vezes se declararam prontos a assumir as suas responsabilidades nesse sentido, num governo reforçado e constituído à imagem da Frente Popular.
Não aconteceu o mesmo com muitos outros membros da maioria parlamentar, que cediam sem combate diante da ofensiva desfechada pelos trustes no dia seguinte à vitória eleitoral. No plano interior, não somente as ligas fascistas não foram dissolvidas nem desarmadas, mas os seus chefes, que jamais foram inquietados, puderam conspirar livremente contra a nação, constituir, com o concurso do estrangeiro, numerosos depósitos de armas sobre toda a extensão do território. Não houve "sopro republicano" nas administrações do Estado, na polícia, na magistratura, no Exército. E sabe-se hoje com que zelo todos os traidores que nessas organizações se haviam infiltrado serviram o invasor durante quatro anos, depois de haverem preparado as vias da capitulação, com que zelo muitos dentre eles, que continuam nos seus postos depois da libertação, o servem ainda hoje. Os grandes jornais, com raras exceções, continuaram a ser financiados pelo capital financeiro e prosseguiram, mais do que nunca, na sua criminosa tarefa de divisão e de desmoralização dos franceses, utilizando em primeiro lugar a arma envenenada do anticomunismo e do anti-sovietismo. Vimos esta imprensa apodrecida em funcionamento, também sob a ocupação alemã, nas campanhas abjetas contra os heróis da Resistência, apresentando o trabalho forçado na Alemanha como um dever patriótico e justificando assim a deportação em massa de franceses. Em vez de se bater contra todos os inimigos jurados do povo da França, apoiando-se sobre as grandes camadas da nação, a Câmara, com exceção dos comunistas, aprovou todas as medidas de capitulação que lhe foram submetidas.
Para tentar justificar essa política reacionária, essas renegações escandalosas, alguns argumentavam com a situação internacional. Argumento sem valor, tanto mais que, no plano exterior, a capitulação do Parlamento revestira um caráter ainda mais grave. Por unanimidade, — salvo os comunistas, que, sozinhos, votaram contra, — a Câmara precedente ratificara os acordos de Roma, de 7 de janeiro de 1935, que davam carta branca a Mussolini na Etiópia. A ratificação foi seguida pela sabotagem das sanções contra o agressor fascista pelo traidor Laval; e, assim, não somente a Itália fascista pôde se reforçar e nos vibrar, mais tarde, a punhalada de junho de 1940 mas sobretudo os acordos foram um verdadeiro incitamento à agressão, denunciado por G. Péri, que não perdia de vista o inimigo principal: a Alemanha hitlerista em plena febre de rearmamento, que de modo algum dissimulava os seus desígnios de ajustar, uma vez por todas, as suas contas com a França.
Foi em oposição à política de Laval, já toda impregnada do espírito de traição, que a Frente Popular inscrevera no seu programa o princípio da segurança coletiva.
A Câmara tinha o dever de fazer respeitar esse princípio nas discussões internacionais, mas, logo depois de instalada, lhe voltou as costas. A guerra civil desfechada na Espanha, no mês de julho, por Franco e um punhado de facciosos, tomou, em poucos dias, o caráter de verdadeira agressão do fascismo internacional contra a República espanhola. Entregue a si mesmo, Franco jamais teria triunfado. Foi-lhe necessário, para isso, o apoio de poderosos corpos expedicionários alemães e italianos. O interesse da França era ter um povo amigo para além dos Pireneus. Era uma fronteira de menos para guardar, um aliado provável na eventualidade de agressão hitlerista, de toda maneira um bom vizinho. Inversamente, a instauração de uma ditadura fascista na Espanha era o cerco da França quase completamente realizado — e se viu, depois, pelas atrocidades cometidas sobre o seu solo pela Divisão Azul, pela colaboração com as ilhas de resistência alemãs no Atlântico e pelas divisões falangistas concentradas sobre a nossa fronteira sudoeste, o perigo de uma cooperação militar franco-hitlerista.
Entretanto, mais uma vez, cedendo à pressão dos homens do fascismo, a Câmara renegou os seus compromissos e sustentou, contra os interesses vitais da França, a política chamada de "não intervenção". O nosso Partido, com os seus deputados, salvou nesse momento a honra da França, organizando o apoio, sob todas as formas, à Espanha, em particular enviando, aos milhares, os seus melhores militantes para combater nas fileiras das gloriosas Brigadas Internacionais, sob a direção do nosso grande camarada André Marty.
Assim, a política de mãos livres, denunciada por G. Péri a 27 de março de 1935, condenada pelo povo francês quando da consulta eleitoral de 1936, era retomada pela Câmara que dela surgira. Constituía tal incitamento à agressão que os fazedores de guerra de Berlim a de Roma verdadeiramente não mais precisavam incomodar-se.
Depois da Espanha, foi a Áustria. A Áustria invadida no momento em que o gabinete do traidor Chautemps acabava de se demitir — sem outro protesto na Câmara senão a da bancada parlamentar comunista. Depois, Munich! Não se tratava, desta vez, da Checoslováquia, com quem estávamos ligados por um pacto de assistência mútua. Situada no coração da Europa Central, dotada de um sistema montanhoso de que se pudera dizer que "quem domina a Boêmia domina a Europa", a Checoslováquia, com um povo reputado pela sua coragem e tenacidade, dispunha de um Exército moderno, bem treinado e perfeitamente armado, dum equipamento industrial de primeira ordem, em particular grandes fábricas de armas e munições, como as usinas Skoda. Certamente, a Checoslováquia teria honrado a sua assinatura e teria acorrido ao nosso lado no momento de uma agressão hitlerista contra a França — e pode-se duvidar de que teria, assim, feito pesar uma grave ameaça sobre o flanco esquerdo do Exército alemão? Eis porque a destruição do Estado checoslovaco entrou no plano hitlerista como uma das condições essenciais duma guerra vitoriosa contra a França. Desde então, não se tratava mais, para os nazistas, do que de fazer a mise-en-scène com mentiras e provocações. A questão da união dos sudetos ao Reich hitlerista foi o pretexto. Hitler ameaçava com o desencadear da guerra, se não se satisfizessem as suas reivindicações territoriais. Esta grosseira chantagem foi repetida pela imprensa dos trustes no nosso país, juntamente com violentos ataques contra o nosso Partido e contra a URSS, que preconizavam a firmeza diante da chantagem de Berlim: o interesse da França ordenava o apoio à sua aliada, a sua reputação no inundo exigia o respeito à assinatura aposta ao pacto de assistência mútua; a lealdade mais elementar indicava que colaborasse com a grande e pacífica União Soviética, que, consultada por Parague, prometera o seu auxílio, no caso em que o nosso país se visse levado a um conflito ao lado da Checoslováquia. Sabe-se o que aconteceu: a URSS foi afastada da Conferência de Munich e os quatro compadres, Hitler, Mussolini, Chamberlain e Daladier, tranqüilamente firmaram o Diktat que consagrava a perda da nossa aliada a Checoslováquia e comprometia irremediavelmente as chances de paz. Foi, entretanto, como salvador da paz que o presidente do Conselho se apresentou, a 4 de outubro, diante das Câmaras. A Câmara aprovou por unanimidade, menos os comunistas e dois outros deputados, a sua atuação. Como os acontecimentos nos deram razão quando, em face da matilha desenfreada, proclamávamos que Munich não era a paz, mas a guerra, e uma traição vergonhosa! Os que haviam acreditado, ou fingido acreditar, nas promessas do Hitler puderam constatar, alguns meses mais tarde, que o que tinham feito era reforçar o nosso futuro agressor. Em março de 1939, o Exército alemão invadiu a Checoslováquia, que foi pura e simplesmente anexada ao Reich sob a forma hipócrita do protetorado da Boêmia e Morávia. Mais uma vez, “a França e a Grã-Bretanha, que se tinham comprometido sem reservas e sem demora, foram cúmplices do golpe". Esperavam, assim, voltar contra a URSS o insaciável imperialismo hitlerista. Sublinhemos de passagem que a camarilha pró-hitlerista de Varsóvia, que conta atualmente em Londres ilustres representantes, se lançou sobre o corpo estranhado da Checoslováquia, apoderando-se, pela força, do território de Teschen. A Câmara, cada vez mais sem energia, se inclinou diante do fato consumado e, a 28 de abril, na ópera Kroll. Hitler podia gabar-se, cinicamente, do resultado do seu saque: uma quantidade considerável de armas e munições, um material de guerra enorme e uma indústria florescente, que se voltaram contra nós em maio de 1940.
Em Munich, porém, a França perdeu muito mais. Perdeu o seu renome e a confiança dos povos que haviam acreditado na sua missão.
Tal era o resultado da louca política dos governos de então — e essa política foi cegamente sustentada por uma Câmara, que já não tinha muita coisa mais a renegar, que só encontrava energia para abafar os sobressaltos patrióticos da nação indignada, como, por exemplo, a greve de 30 de novembro. Esta Câmara, que demonstrava tal desprezo pelo povo que a elegera, devia necessariamente chegar ao abandono das suas prerrogativas mais essenciais, inscritas na Constituição. Tendo retomado a política anti-popular e anti-nacional da Câmara precedente, devia igualmente adotar os seus métodos anti-democráticos. Foi assim que concedeu plenos poderes, duas vezes, ao governo Daladier. "Por um singular paradoxo, — escreveu Jacques Duclos, — deram-se plenos poderes ao governo toda vez que este trouxe uma derrota para o nosso país. Em seguida, a Munich, o governo obteve uma primeira vez plenos poderes e, como se isso não bastasse, em seguida à entrada em Praga, das tropas hitleristas, obtinha-os de novo, por um período de oito meses". Mas o país estava descontente. Sem dúvida teria condenado, severamente, nas eleições que deviam ter lugar em 1940, toda esta política de renegação, de capitulação e de traição. E eis porque o medo do povo fez amadurecer, no seio desta assembléia depravada que era a Câmara de 1939, o projeto de prorrogação do mandato legislativo. Esse projeto caíra graças à campanha do nosso Partido e à firmeza dos seus representantes. Por outro lado, quando a situação internacional, agravando-se dia a dia, exigia maior atividade do Parlamento e um controle vigilante e permanente da atividade governamental, a Câmara se apressou a ratificar, a 27 de junho de 1939, o decreto de encerramento da sessão. A França e a. Grã-Bretanha estavam empenhadas em negociações particularmente importantes com a URSS, a que estávamos ligados por um pacto de assistência mútua. Tratava-se de concluir com essa grande potência um pacto tripartite, que teria levantado diante do imperialismo alemão uma coalizão de natureza a fazê-lo recuar. Era a última carta da França.
As negociações pela conclusão de um pacto tripartite, iniciadas na base das propostas de Londres de 15 de abril, a que a França se associara, se arrastavam, terrivelmente, por culpa dos governos francês e britânico. Parecia, claramente, que os governos de Londres e de Paris não desejavam tratar com a URSS na base da igualdade e da reciprocidade, mas queriam um tratado em que a URSS, como disse Zhdanov no "Pravda", "teria o papel de guardião de granja e teria suportado, sozinha, todo o peso dos compromissos". Foi assim que uma das primeiras más razões invocadas pelos governos francês e britânico foi a impossibilidade de a França e a Grã-Bretanha garantirem os Estados bálticos, porque estes não haviam solicitado essa garantia.
Ora, — e aqui se mostra toda a duplicidade dos negociadores de Paris e de Londres — a França, a Grã-Bretanha e a Polônia haviam dado tais garantias à Lituânia e à Holanda, sem solicitação destas últimas. Isto significava que, em caso de ataque alemão sobre os países bálticos, por conseqüência no caso de uma agressão claramente dirigida contra a URSS, a Franca e a Grã-Bretanha se teriam desinteressado.
Mas foi a propósito da atitude polonesa que se manifestou mais claramente toda a hipocrisia dos governos de Paris e ele Londres. Para edificação dos leitores, acreditamos útil reproduzir a entrevista do camarada Voroshilov, publicada a 27 de agosto de 1938 no "Izvéstia" :
P — Como terminaram as negociações com as missões militares da Inglaterra e da França?
R — As negociações se interromperam em conseqüência de sérios desacordos. As missões militares deixaram Moscou.
P — Podemos saber desses desacordos?
R — A missão militar soviética achava que a URSS, não tendo fronteira comum com o agressor, não podia auxiliar a França, a Inglaterra e a Polônia senão na medida em que as suas tropas pudessem atravessar território polonês, pois não existe outro meio por que as tropas soviéticas entrem em contacto com as do agressor. Assim como, durante a última guerra mundial, as tropas inglesas e americanas não teriam podido colaborar militarmente com as forças armadas da França se não tivessem tido a possibilidade de operar em solo francês, assim também as forças armadas soviéticas não podem colaborar militarmente com as forças armadas da França e da Inglaterra, se não forem autorizadas a atravessar a Polônia. A despeito de toda evidência de justeza desta atitude, as missões francesa e inglesa não concordaram com a missão soviética e o governo polonês declarou francamente que não necessitava nem aceitava o auxílio militar da URSS, o que tornou impossível toda colaboração militar entre a URSS e esses países. Eis aí a base dos desacordos. As negociações foram interrompidas.
P – Não se tratou, no curso das negociações, de auxilio em matérias primas e material de guerra à Polônia?
R – Não. Não se tratou disso. O auxílio em matérias primas e material de guerra é uma questão comercial e a entrega de matérias primas e de material de guerra à Polônia não exige um pacto de assistência mútua, e menos ainda uma convenção militar. Durante as negociações, não se tratou de auxílio em matérias primas e em material de guerra, mas de auxílio em tropas.
P — A agência Reuters anunciou pelo rádio: "Hoje, Voroshilov declarou aos chefes das missões militares inglesa e francesa que, em conseqüência da assinatura do pacto de não agressão entre a URSS e a Alemanha, o governo soviético considera inútil prosseguir nas negociações com a Inglaterra e a França". É exata essa declaração da agência Reuters?
R — Não. Não corresponde à verdade. Não foi porque a URSS assinou um pacto de não agressão com a Alemanha que as negociações militares com a França e a Inglaterra tiveram de ser interrompidas, mas, pelo contrário, o pacto de não agressão foi assinado com a Alemanha, entre outras razões, porque as negociações militares com a França e a Inglaterra se encontravam num impasse, em conseqüência de desacordos intransponíveis.
Eis, portanto, a verdade histórica restabelecida claramente:
Sublinhemos, de passagem, que essa mesma camarilha de Varsóvia, refugiada em Londres depois da derrota polonesa, nada tendo em comum com o povo polonês, não cessou de intrigar contra a URSS. Foi por ordem sua que a divisão polonesa, constituída em solo soviético sob o comando do general Haller, foi afastada do campo de batalha. Foi ela que, em plena colaboração com Hitler, fomentou contra a URSS a provocação de Katyn. Foi ainda ela que tentou, com a prematura insurreição de outubro de 1944, em Varsóvia, servir a tática do Alto Comando alemão. É ela, enfim, que continuou a intriga, depois que a URSS reconheceu o governo provisório da República polonesa, instalado em Lublin.
Assim, depois de ter deixado que se fizesse uma política exterior que, da guerra na Espanha à Munich, visava o isolamento da França na Europa, depois de ter permitido aos traidores Laval e Bonnet que esvaziassem de conteúdo o pacto de assistência mútua assinado com a União Soviética, quando esta criminosa política se revelava, mesmo para os mais obtusos, como levando o nosso país ao desastre e à catástrofe os deputados indignos que se reuniam no Parlamento punham a perder a última chance de salvação que nos restava. Com a carta branca, que mais uma vez haviam dado a Georges Bonnet tinham, de antemão, endossado levianamente as mais pesadas responsabilidades no insucesso das negociações de Moscou.
Alguns, entre os deputados, eram traidores conhecidos, como o inominável Henriot. Outros em verdade dirigiam, orquestravam, conduziam o baile. Através de combinações e de cambalachos, foram eles, os agentes conhecidos de Hitler, que terminaram por ter razão e por obter o consentimento cúmplice de todos os outros, que deviam, com eles, em Vichy, vibrar os últimos golpes contra a República. Entre todos esses outros, muitos corrompidos e gozadores, mas também homens cegos pelo seu desprezo e pelo seu ódio ao povo. Homens mais dispostos a prestar ouvidos complacentes às arengas de Hitler contra o bolchevismo do que a ouvir os argumentos em favor de uma política realista, que se inspirasse nos interesses superiores da França. Homens, por conseqüência, que se deixavam convencer e levar pelos traidores da quinta-coluna, por toda a máfia do Comitê França-Alemanha, agindo sob as ordens e seguindo as instruções do espião Abetz e do seu criado Del Brinon.
Todos estes deputados indignos deviam dar a medida do seu ódio ao povo quando o Partido Comunista foi posto na ilegalidade, em setembro de 1939. Deviam, não somente se rejubilar, se felicitar com esse primeiro golpe contra as liberdades democráticas, mas fazer tudo para que os deputados comunistas, representantes de mais de 1.500.000 franceses, fossem impossibilitados de exercer os seus mandatos, — afastando-os a princípio das comissões parlamentares, reclamando e obtendo em seguida perseguições contra todos os deputados comunistas signatários da carta ao presidente Herriot, carta em que esses patriotas insistiam sobre a necessidade, para a salvação da França, de voltar à política de amizade sincera e leal com a União Soviética.
Não bastava, a esses deputados indignos, haver obtido a prisão ilegal dos representantes do povo, os mais dignos, fiéis aos compromissos assumidos perante o povo. Tudo fizera: para abafar a voz dos que haviam escapado às perseguições a prisão e que, acima de tudo, queriam atingir, a fim de decapitar o Partido: Maurice Thorez, secretário geral do Partido que havia assumido, por ordem do Comitê Central, o posto de comando de onde dirigiria a ação do Partido contra a quinta-coluna, Jacques Duclos, secretário do Partido, André Marty, Gaston Monmousseau, Arthur Ramette, Charles Tillon, membros do Bureau Político, a quem devemos juntar Benoit Franchon, que, sem ser deputado, nem por isso deixava de ser alvo de buscas encarniçadas da polícia, por ser o dirigente sindical fiel ao mandato que lhe haviam conferido os Congressos confederais. Não o esqueçamos, era antes de tudo a cabeça do Partido o que visavam os agentes de Hitler. Procuravam abatê-la e, durante as intervenções de 16 de janeiro de 1940, se encontra a inquietude dos canalhas: "Onde estão os chefes? Onde está Thorez? Onde está Jacques Duclos?" — exclamava o deputado François Martin. — "Se é possível que em residências particulares, se escondam criminosos tão conhecidos, a polícia deve estar aparelhada para descobri-los e prendê-los!".
O recinto do Palais Bourbon devia tornar-se em breve o lugar em que se ia exalar, em todo o seu furor, o seu ódio ao povo e aos deputados que se tinham mantido fiéis ao povo. Com que concerto de vociferações não iam acolher a chegada, à sua cadeira, de Florimond Bonte, eleito pelo faubourg de Saint-Antoine. Antes que pudesse abrir a boca e fazer, ouvir a sua voz, a malta furibunda, babando de ódio, se atirou covardemente contra o nosso camarada para espancá-lo, para arrancá-lo da sua cadeira e para entregá-lo à polícia. Esta cena odiosa devia repetir-se algumas semanas mais tarde, a 9 de janeiro, quando quatro deputados comunistas compareceram à sessão — Grenier, Guyot, Mercier, Michels, que poucas horas antes haviam chegado da frente de batalha. Todos os quatro, desde então, acrescentaram novas e brilhantes provas do seu patriotismo, do seu devotamento sem limites à pátria. Um deles, Michels, deputado pelo 15° distrito, cujo crime, aos olhos dos inimigos do povo reunidos nesta Câmara, era o de ter, alguns meses antes, denunciado os traidores que sabotavam a produção de guerra, em breve devia figurar entre os heróis de Chateaubriant, mortos para que a França viva. Ora, desde que esses quatro deputados foram percebidos nas suas cadeiras, levantou-se um clamor de raiva e de insultos. E quem são os que dirigem a gritaria, o concerto de imprecações? A leitura do diário oficial nos mostra de onde vem o ataque. Desfecham-no Ybarnégaray, Tixier-Vignancourt, Chiappe e alguns outros do mesmo calibre, cúmplices do complot e do motim de 6 de fevereiro de 1934. Isto é, os homens do fascismo, da Cagoule, que, há anos, visam apenas semear a guerra civil, trabalham com todas as suas forças pela divisão da nação, correspondendo ao jogo do agressor hitlerista e fascista, e buscam, por todos os meios, o enfraquecimento interior e exterior da França. A Câmara não deixou de acompanhar esses cúmplices de Hitler no seu desígnio de expulsar da Assembléia os quatro deputados do povo, como fizera, algumas semanas antes, com Florimond Bonte. O menor incidente durante as sessões foi aproveitado para censurá-los com a sua exclusão temporária. E, como Grenier, Guyot, Mercier e Michels se recusassem a inclinar-se diante desse novo golpe de força, a mesma turba ululante se encarniçou em arrancá-los das suas cadeiras pelos mesmos processos já empregados por ela contra Florimond Bonte.
A partir desse dia, a Câmara, que já não representava a França, esta Câmara cuja preocupação não era a de fazer a guerra à Alemanha hitlerista, mas aos trabalhadores do país e aos seus representantes mais qualificados, esta Câmara foi até o fim na impostura, vibrando o primeiro golpe contra a Constituição de que emanava. Enquanto Hitler preparava ativamente o aríete de maio de 1940, os deputados indignos não se preocupavam senão com uma coisa — proclamar o afastamento dos deputados comunistas, excluí-los da Assembléia de que eram membros em virtude do sufrágio universal. E, de 9 a 16 de janeiro, não se tratou de outra coisa no Palais Bourbon. O governo da hora, solicitado, confiaria a esse traidor astucioso e covarde, Camille Chautemps, o cuidado de elaborar um projeto de lei; de acompanhar-lhe a discussão, de levá-la ao seu termo. Chautemps teria como colaborador, sob o título de relator da comissão, Georges Berthélémy, triste indivíduo, escroque e fazedor de falências, alma danada de Laval, associado e cúmplice de Doriot.
Não havia base jurídica para justificar o ato que a Câmara se aprestava para perpetrar. Isto era tão verdade que um dos cúmplices de Doriot, Tixier-Vignancourt, durante os debates, na sessão de 16 de janeiro de 1940, declarou "espantar-se de que o governo, em três meses, não tivesse encontrado os meios de aplicar aos deputados comunistas uma inculpação que satisfizesse o senso jurídico dos seus colegas". O doriotista Tixier-Vignancourt acrescentou, aliás: "Quanto à carta ao presidente Herriot, permiti-nos dizer que não pode servir de base, mesmo fragmentária, a uma inculpação séria". O mesmo Tixier-Vignancourt acrescentou: "O meu amigo François Martin perguntou muitas vezes qual era a natureza das inculpações. Responderam-lhe: Bem, por enquanto, não é grande coisa, mas poderá haver outras inculpações". Tixier-Vignancourt não cessava de exprimir ao governo o seu vivo desejo de estar seguro quanto às novas inculpações, pois o pró-hitlerista Tixier-Vignancourt, de profissão advogado, era incapaz de encontrar por si mesmo um ponto de acusação contra os deputados comunistas. Este traidor, com uma raiva particular, não desejava menos a cassação dos mandatos dos representantes do povo. Exatamente como o traidor Frossard, que, votando pela cassação, foi obrigado a confessar que se ia "aplicar a cassação sem condenação prévia, sem nenhuma das garantias elementares da justiça, sem discussão nem contradita".
Nenhuma base jurídica! Entretanto, a Câmara seguiria Ybarnégaray, Tixier-Vignancourt, Frossard, Georges Barthélémy, Scapini, Chichery, Xavier Vallat, Chasseigne, Philippe Henriot. Toda a escória de agentes da Gestapo que logo encontraremos, alguns com Chautemps no ministério Paul Reynaud–Pétain instando pela capitulação imediata — opondo-se à partida do governo para a África do Norte, para prosseguir na resistência. Encontrá-los-emos em julho, em Vichy, entre os naufragadores mais ardentes e zelosos da República. Encontrá-los-emos nos diferentes governos de impostura e de usurpação de Vichy, os cúmplices de Pétain e de Laval, os cães de caça de Hitler, os superintendentes dos seus campos de morte, das suas prisões, dos seus matadouros.
As perseguições contra os deputados comunistas, a cassação dos seus mandatos, a sua exclusão do Parlamento, foram parte da mesma conspiração tramada contra a França pelos inimigos da pátria. Os deputados comunistas, com o seu Partido, se tinham levantado, em todos os instantes, contra os Laval e os Bonnet, síndicos da falência da França. Tinham reprovado os acordos de Roma, a sabotagem das sanções quando da guerra na Etiópia, a nefasta política chamada de "não intervenção" para com a Espanha republicana e, sobretudo, acima de tudo, contra a vergonhosa capitulação de Munich. O seu crime, aos olhos dos traidores ido país, era se terem mantido fiéis ao pacto franco-soviético e de terem posto nesse pacto, por uma visão clara do futuro, por uma inspiração devido ao seu profundo senso dos interesses da nação, todas as suas esperanças na manutenção da segurança francesa, na salvaguarda e no bem-estar da nação.
Esta conspiração dos elementos pró-hitleristas contra o povo da França vinha de muito antes da drôle de guerre, de muito antes de que o Partido Comunista fosse lançado à ilegalidade. O nosso camarada Fajon, o único dos deputados comunistas que pôde então ter acesso à tribuna da Câmara, a denunciou com vigor e nobre altivez, ante a malta desenfreada. Depois de ter protestado energicamente contra a detenção arbitrária dos deputados comunistas, e exigido a sua libertação, condenou nos termos seguintes o ato anticonstitucional, antidemocrático e anti-nacional que a Câmara ia cometer:
"Se se tratasse de uma questão jurídica, eu poderia me limitar a observar que os deputados que desejais privar das suas prerrogativas não sofreram, desde a sua eleição, qualquer condenação. A cassação dos seus mandatos é, portanto, arbitrária e ilegal".
Fajon acrescentou altivamente:
"Mandatários do povo, achamos que somente o povo tem o direito de se pronunciar sobre a validez do nosso mandato e que somente ao povo temos de prestar contas".
Em seguida, desmascarou o agente hitlerista Bonnet, um dos principais artífices da conspiração:
"É fácil responder aos argumentos do governo bebendo nas suas próprias fontes. No Livro Amarelo que o governo acaba de publicar pode-se ler, doc. 149, a seguinte nota do Sr. Georges Bonnet, então ministro do Exterior, sobre a sua palestra com o Embaixador da Alemanha em Paris: “Eu disse, enfim, ao Embaixador, que podia constatar, na França, o movimento de unanimidade que se fazia em apoio ao governo. As eleições seriam suspensas, as reuniões em público proibidas, as tentativas de propaganda estrangeira, quaisquer que fossem, reprimidas, os comunistas chamados à razão". Os comunistas chamados à razão! Esta nota é de 1 de julho de 1939, portanto anterior, em muitas semanas, ao pacto germano-soviético. O pacto não foi, portanto senão um pretexto. As perseguições já estavam decididas muito antes do pacto e o Sr. Bonnet, hoje ministro da Justiça, nada mais faz do que aplicar, parece, as medidas que o Sr. Bonnet, ministro Exterior, comunicava ao Embaixador da Alemanha, em 1 de julho último".
Fajon concluiu exprimindo toda a confiança dos comunistas no povo:
"A vontade popular se exprimirá a despeito dos vossos decretos, mau grado a cassação dos nossos mandatos, apesar das vossas perseguições. Ela um dia será mais forte do que vós".
Foi justamente o programa ditado por Hitler e Bonnet que foi aplicado durante a drôle de guerre: a destruição, das liberdades democráticas, o desprezo pela soberania do povo, o seu abafamento sob um sem número de processos judiciários contra os seus representantes e os seus militantes, sob um regime de arbítrio e de terror policial. Enquanto se fazia a guerra ao povo da França, tudo se fazia para dar um último golpe contra a amizade que unia o nosso país ao grande povo soviético, a quem devemos, hoje, acima de tudo, ter podido libertar a maior parte do nosso solo. Durante essa mesma reunião de 16 de janeiro de 1940, que devia terminar com a expulsão doa deputados comunistas do Parlamento, todos os traidores que haviam reclamado a cassação dos mandatos chegaram às mesmas conclusões que o inominável Henriot, no fim dos debates, resumiu, apresentando uma resolução em que se pedia ao governo que rompesse, sem demora, as suas relações diplomáticas com o governo soviético. Qual o francês que não veria nisso, hoje, depois que os fatos falaram por si mesmos com tanta eloqüência, uma prova a mais de que as medidas tomadas pelos deputados indignos violando a legalidade, violando a própria Constituição, faziam parte integrante do odioso plano hitlerista, que visava a destruição e o aniquilamento da França?
Amputada dos seus elementos mais patrióticos, mais clarividentes, mais corajosos, mais fiéis ao povo da França, nenhuma voz nacional se fez ouvir, de então por diante, no recinto da Câmara. Na hora do perigo, quando o invasor hitlerista com a cumplicidade dos seus espiões, colocados em todas as engrenagens da vida nacional, inclusive nos ministérios e no Estado Maior, despejava sobre a França uma torrente de ferro e de fogo, aqueles que, com o seu ódio ao povo, cassaram o mandato dos deputados comunistas, não pensavam mais do que em fugir covardemente. Desertaram antes de entregar aos boches o Paris de 89-93, o Paris de 1830 e de 1848, o Paris de 1871 que enchia de temor o Exército de Bismarck, o Paris das barricadas de agosto de 44. E somente a grande voz do Comitê Central do Partido se elevará para exigir que os parisienses sejam armados, para garantir a defesa da sua grande e nobre cidade.
Assim, Vichy devia ser, para a maior parte destes criminosos covardes, o coroamento inevitável. A sessão da Assembléia Nacional, convocada a 15 de julho de 1940 pelos organizadores da derrota, Pétain—Laval, completou a de 16 de janeiro. Dos parlamentares, 569 votaram a favor do projeto Pétain—Laval—Hitler que consagrava a destruição da República, 17 se refugiaram numa abstenção covarde, 80 somente votaram contra. Mas, entre estes últimos, não se encontrou um só para fazer um protesto, por mais tímido que fosse. "Nenhum ousou fazer à Terceira República uma homenagem fúnebre, que não seria, entretanto, despida deequidade..." — escreveu, ironicamente, um personagem de Vichy. — "Silêncio pungente e simbólico!" Nada de parecido se tinha visto ainda na nossa história. Mesmo na Assembléia Nacional de 1871, mesmo nessa Assembléia de rurais retrógrados, as vozes vingadoras dos deputados da Alsácia-Lorena se tinham feito ouvir. Faltou a esta o bloco ardente dos deputados comunistas, homens como Péri, Catelas e Michels, que nada no mundo podia impedir de levar à tribuna o solene e veemente protesto da nação traída, mas não vencida.
Os traidores de Vichy, para tentar esconder os seus próprios crimes contra a pátria, levantaram a falsa acusação de que a democracia era a responsável pela sua derrota. Na realidade, se a conspiração contra a França pôde se desenvolver e fora progressivamente esvaziada do seu conteúdo; porque controle do povo sobre os seus representantes não fora previsto na Constituição de 1875 e, assim, durante toda uma legislatura, estes podiam, impunemente, no dia seguinte à consulta eleitoral, repudiar compromissos solenemente assumidos perante os seus eleitores; porque o controle do Parlamento sobre o Executivo não mais se exercia e, de abandono em abandono, as Câmaras chegavam a conceder plenos poderes a governos que se revelaram indignos disso. Em definitivo, era o reino dos trustes, cujos homens haviam invadido todas as repartições mais importantes do Estado, e esses homens eram ao mesmo tempo os agentes da reação mais feroz, no plano interior, e os furriéis do estrangeiro, no plano exterior. Na elaboração da futura Constituição o nosso povo, que quer uma democracia real, saberá levar em conta isto. Caberá à nova França lançar as bases de uma República expurgada dos trustes, em que o controle permanente da nação sobre os seus representantes e dos representantes do povo sobre o governo assegurará a marcha progressiva do nosso país para o seu glorioso destino.
Porque Querem Cassar os Mandatos
"Se nos combatem, se pretendem cassar-nos os mandatos, é porque nos temem, porque temem nosso programa e nossas Idéias, em cujo terreno os senhores da reação são incapazes de nos combater, porque realizam uma política contrária aos interesses do povo, uma política anti-patriótica e de puro arbítrio. Mas não se pode decapitar idéias, nem fuzilar programas.
Podem amanhã, inclusive, não só cassar nossos mandatos, mas liquidar fisicamente muitos de nós outros; sempre, estaremos, todavia, lutando em defesa da democracia pela paz e pelo bem de nossa terra."
(Do discurso proferido pelo deputado Maurício Graboís, na Câmara dos Deputadas, em defesa dos mandatos.)
Inclusão | 08/05/2007 |