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Primeira Edição: Comunicação apresentada no VIII Seminário «Los Partidos y una Nueva Sociedad», promovido pelo Partido do Trabalho do México. Cidade do Mexico, 5, 6 e 7 de Março de 2004.
Fonte: http://resistir.info
Transcriçãoe HTML: Fernando Araújo.
A crise que a humanidade enfrenta é mais complexa, profunda e perigosa do que qualquer das ocorridas ao longo da história.
O capitalismo atravessa no seu baluarte principal ,os EUA, uma crise estrutural. Como a acumulação, imprescindível ao seu funcionamento, não se processa como antes, o Estado imperial optou por una estratégia agressiva de guerras «preventivas» e de saque dos recursos naturais de outros povos.
Duas Conferências internacionais em Havana iluminaram bem nas últimas semanas a gravidade dessa crise: o Encontro Anti-ALCA e o dos Economistas sobre a Globalização Neoliberal.
A grande maioria da humanidade rejeita o monstruoso projecto de sociedade que pretendem impor-lhe. Os Fóruns Sociais de Porto Alegre e de Mumbai e os fóruns sociais continentais e nacionais confirmam que o sistema inspira uma repulsa crescente. Mas transparece também desses grandiosos protestos que não existe consenso quanto às formas de luta contra o sistema imperial, aos objectivos das forças que o condenam e à questão das alternativas.
O tema é tão amplo que me proponho tratar aqui somente dois pontos fundamentais: o do polo principal da luta e o das alternativas.
Em eventos realizados na América Latina, dirigentes políticos e cientistas sociais têm localizado no Hemisfério esse pólo.
Não compartilho a opinião.
A frente de batalha principal no confronto com o imperialismo é aquela onde o inimigo no caso o sistema de poder planetário dos EUA concentrando grandes forças, actua com maior agressividade e investe mais recursos humanos e materiais a frente em que os desafios enfrentados e os golpes recebidos lhe causam mais problemas, pondo em causa o mito da sua invencibilidade, afectando a sua imagem e prestígio.
Essa frente, situa-se presentemente no Médio Oriente e na Ásia Central, no triângulo Iraque-Afeganistão-Palestina.
É hoje transparente que a estratégia dos EUA na Região fracassou. Uma esmagadora superioridade militar permitiu às suas Forças Armadas ocupar em poucas semanas o Afeganistão e o Iraque. O presidente Bush em discursos triunfalistas anunciou ao mundo o fim dessas guerras. E em ambos os casos os EUA estão a perdê-las. A resistência das populações impediu a execução dos planos chamados de reconstrução, na realidade de recolonizaçao. Quando esperava recolher os frutos da vitoria e desenvolver projectos que lhe assegurariam o controlo de reservas de petróleo suficientes para garantir o consumo do país até meados do século, a Administração Militar estadunidense nomeada para o Iraque enfrentou situações não previstas para as quais não encontra solução e que tendem a agravar perigosamente a crise do sistema capitalista como totalidade.
O balanço da Resistência alarma o Pentágono. Não tanto pelos mais de 550 soldados mortos (e milhares de feridos ) somente no Iraque. O pior é a desmoralização resultante dos ataques diários, a incapacidade de prever as acções de uma Resistência cada vez mais organizada e eficaz. O desprestígio do Conselho de Governo fantoche é inocultável, bem com o desprezo da população por quantos colaboram com os invasores como demonstram os devastadores ataques aos quartéis da Policia. O desgaste psicológico das forças de ocupação é tamanho que ate ao final de maio está prevista a substituição integral dos 110 mil soldados que constituíam o exercito inicial que permaneceu no território depois que o presidente Bush proclamou o fim da guerra. Tal como aconteceu no Vietnam, a Resistência destruiu o moral desse exército. Cada soldado, ao tomar conhecimento da morte diária de companheiros, pensa que o próximo a ser abatido pode ser ele. Mais de um milhar de soldados e oficiais receberam já tratamento psiquiátrico. O numero de suicídios confirmados é de 27. Vinte militares desmobilizados assassinaram as mulheres e filhos ao regressarem aos EUA.
As entrevistas a jornais e televisões estadunidenses de elementos dessa tropa traumatizada coincidem na aspiração comum: voltar para casa urgentemente. Quase todos condenam a guerra absurda que não entendem.
Em Washington existe consciência desse estado de espirito. O exército de substituição que está a chegar apodrecerá tão rapidamente como o que tratam de desmobilizar se não for encontrada uma saída para a situação criada pela agressão estadunidense.
Mas qual?
Os dirigentes da maioria chiita exigem eleições directas antes de 30 de Junho. Mas não pode haver eleições livres num pais ocupado.
A soldadesca invasora continua alias a cometer crimes abjectos denunciados por organizações internacionais. A tortura de prisioneiros é rotineira, bem com o as violações de mulheres e o assassínios de crianças.
Quanto às anunciadas eleições indirectas, promovidas sob a fiscalização dos fuzis americanos e britânicos, seriam uma farsa .
O procônsul Paul Bremer, esclarece, agora, que não haverá eleições sem especificar de que tipo antes de Maio de 2005. Depois das estadunidenses, claro.
Kofi Annan, que tem desempenhado um papel mais do que ambíguo, bem se esforça por envolver a ONU nos planos de Washington não obstante as humilhações infligidas à Organização por George Bush e seus conselheiros. Mas a tarefa instrumental que eles esperam das Nações Unidas transcende a capacidade decisória do seu submisso secretario-geral.
Na falta de uma solução política a curto prazo que ninguém vislumbra, os generais do Pentágono, esquecendo as lições do Vietnam, repetem que «a pacificação» é possível. Por outras palavras, apostam na carta da guerra. Na equipa do Presidente não falta quem acredite em contos de fadas militares. Na prática isso significaria substituir dezenas de milhares de soldados estadunidenses por tropas da «coligação» ampliada. O presidente Bush, cujo nível de inteligência não supera o da incultura, sente-se reconfortado quando lhe estimulam a fome de reeleição, acenando-lhe com o regresso maciço dos boys, vindos do Iraque.
Não lhe recordam que a coligação é fantasma. Eventualmente, Washington poderá convencer alguns governos latino-americanos e da Europa do Leste a aumentar os seus contingentes na caldeirão iraquiano. Mas o desembarque de mais polacos, húngaros, búlgaros, romenos e checos na Mesopotamia não alterará minimamente o quadro da guerra. Aznar e Berlusconi terão alguma dificuldade em mandar mais espanhóis e italianos para a Região. Quanto aos centro-americanos e dominicanos exportados como carne de canhão com a tarefa de se baterem ali na ridícula Brigada Ibero-americana sob comando de oficiais espanhóis constituem uma força de opereta. Esses pobres rapazes queixam-se aliás do abandono a que os votaram; alguns pelotões não dispõem sequer de alojamentos decentes, de transportes, nem de armas modernas.
A esperança do Pentágono de atrair ao Iraque, como cúmplices, unidades dos três exércitos europeus, o francês, o alemão e o russo, que lhes inspiram respeitam e admiração pelo seu profissionalismo e capacidade, essa não passa de um sonho irrealizável.
Chirac, Schroeder e Putin ofereceram nos últimos meses provas de oportunismo e duplicidade que desaconselham quaisquer previsões no tocante ao seu relacionamento com Washington. Em Fevereiro e Março opuseram-se à guerra, impedindo que o Conselho de Segurança cedesse às pressões e à chantagem de Washington. Mas, ocupada Bagdad, mudaram de atitude e, numa guinada brusca, capituladora, aprovaram a Resolução que permitiu à ONU instalar-se no Iraque, legitimando indirectamente a agressão. Corriam em busca de migalhas nos contratos para a «reconstrução» imperial de um pais destruído pelos EUA.
Não cabe aqui analisar as complexas contradições que condicionam as metamorfoses dos governantes dos três países, dois dos quais são membros permanentes do CS com direito de veto.
Entretanto, o agravamento constante da situação militar e política no Iraque e a incapacidade demonstrada pelo alto comando estadunidense para enfrentar a Resistência, explicam a recusa categórica dos referidos dirigentes de enviar tropas para aquele país em resposta aos repetidos apelos de Washington. Mostram-se, também atentos ao subir da vaga de sentimentos anti-americanos no Irão, na Síria, no Paquistão e na Turquia.
No Afeganistão o caos alastra. As tropas da OTAN apenas ali controlam Kabul, Kandahar e poucas cidades mais. A Constituição aprovada por uma Loya Jirgah (grande assembleia ) montada pelos EUA é um papel sem valor, uma palhaçada institucional. A solidariedade das populações com a resistência cresce. Algumas das tribos pachtunes da fronteira com o Paquistão que lutam contra as tropas especiais dos EUA, são hoje comandadas não por talibãs, mas por antigos dirigentes do Partido Democrático do Povo, a organização política marxista que dirigiu a Revolução Afegã. São portanto fantasiosas as notícias que atribuem sistematicamente à Al Qaeda e ao Mullah Omar os ataques às forças de ocupação .
É neste contexto que a guerra no Iraque e no Afeganistão pesa decisivamente nas próximas eleições dos EUA, assim como os acontecimentos da Palestina, onde o povo se bate contra o fascismo sionista instrumento do imperialismo na Região.
O funcionamento da engrenagem política estadunidense obedece a regras tão peculiares que a valorização das grandes questões ligadas à guerra do Iraque é condicionada pelo calendário eleitoral. Durante meses, o facto de Bush ter invocado como motivo primeiro da invasão a suposta posse de armas de extermínio maciço pelos iraquianos não foi tema de grande controvérsia. Sabia-se que o presidente mentira deliberadamente porque as armas não foram encontradas. Mas o assunto mereceu escassa atenção. Entretanto, a proximidade da eleição fez dessa mentira a arma principal da campanha dos aspirantes à candidatura pelo Partido Democrata, causando grandes dificuldades a Bush. Os crimes cometidos contra o povo do Iraque não são matéria de interesse para eles nem para os mass media. As acusações de conduta não ética ao Presidente limitam-se à tardia e oportuna redescoberta de que, afinal, mentiu ao povo.
O episódio reflecte o farisaísmo do mundo político estadunidense.
Companheiras e companheiros:
Quando um poder imperial, incapaz de atingir os objectivos fixados no âmbito de uma estratégia ambiciosa, é forçado pelo desenvolvimento da história a reformular a sua táctica e a adaptar a própria estratégia à realidade que enfrenta o cenário onde acumula fracassos emerge também para as forças que o combatem como a frente principal nas acções de solidariedade internacionalista.
E esse cenário insisto localiza-se hoje na Ásia muçulmana. A opinião é polémica. Mas o próprio Colina Powell foi muito claro ao declarar em meados de Fevereiro que no momento a América Latina não é uma prioridade na política externa dos EUA. Significativamente, houve um corte de 11% nas verbas do Orçamento Federal propostas para iniciativas na Região.
Seria, entretanto, imprudente extrair dessa atitude qualquer conclusão que subestime a importância da frente latino-americana na grande batalha mundial das forças democráticas e progressistas contra o imperialismo. O facto de na perspectiva militar e política o pólo principal se situar em zonas da Ásia onde o imperialismo se encontra atolado em guerras desgastantes com efeitos desmoralizadores entre a população estadunidense tal evidencia não deve implicar, antes pelo contrário, uma subestimaçao do polo latino-americano. Washington continua a desenvolver uma política muito agressiva na Região. O triângulo Colômbia-Venezuela-Cuba concentra a atenção da Casa Branca e do Pentágono. Ambos identificam no seu aliado Álvaro Uribe um fascista que não pode assumir-se publicamente como tal, uma edição latino-americana do israelense Sharom. O Plano Colômbia está em execução e apesar de não se encontrarem reunidas condições para uma intervenção directa inviável no momento os EUA não desistem da ideia da criação de uma força interamericana que actuaria contra as guerrilhas das FARC e do ELN, acusadas de serem organizações terroristas. A prisão no Equador do comandante Simón Trinidad veio confirmar a existência de cumplicidades profundas dos serviços de inteligência.
Desestabilizar a Venezuela, sabotar a sua economia e incentivar ali todas as manobras golpistas é outra linha de ataque na Região. A firmeza de Hugo Chavez, e sobretudo a participação maciça do povo na resistência à escalada contra revolucionaria, foram factores decisivos na derrota do lock out petrolífero e das tentativas da oligarquia, apoiada pelo imperialismo, para derrubar o Presidente e destruir a revolução bolivariana.
Cuba é o terceiro vértice do triângulo latino-americano que preocupa os estrategos estadunidenses. Cuba não se submete. Na perspectiva de Washington, a sobrevivência da sua revolução após mais de quatro décadas do mais longo e cruel bloqueio da historia oferece um exemplo perigoso para a América Latina. Cuba não abdica do seu direito de construir e defender o Socialismo. Demonstra que é possível resistir ao imperialismo. É o único país do Hemisfério onde o direito à vida, o direito á educação e à saúde são pilares de um conceito revolucionário dos direitos humanos.
A nível continental a luta contra a ALCA é um objectivo prioritário. Os EUA estão a desenvolver grandes esforços para que o Acordo por eles concebido seja implantado no inicio de 2005. Perante as resistências encontradas, o projecto anexionista mudou de forma e procedimentos mas mantém a sua essência, como afirmou em Havana Osvaldo Martinez.
A ambiguidade da posição brasileira suscita apreensões. A nova política de alianças do governo Lula, ao fortalecer a tendência neoliberal, não contribuiu para reforçar as esperanças de que o país se recuse a assinar o Acordo na sua versão light, arrastando a Argentina. As tensões no Partido dos Trabalhadores e no próprio governo aumentam. Uma política económica e financeira neoliberal é imposta pelo ministro da Fazenda, Palocci, e um banqueiro norte-americano mascarado de brasileiro, Meirelles, preside a um Banco Central para o qual o governo reivindica mais autonomia do que a concedida ao Banco Central dos EUA.
João Pedro Stedile, dirigente do Movimento dos Sem Terra, lembra uma evidencia ao afirmar que «o governo Lula não vai dar certo se o povo brasileiro não se mobilizar», exigindo mudanças que lhe foram prometidas. Lula continua sendo muito popular, mas o discurso demagógico sobre a fome e a pobreza impressiona cada vez menos os milhões de brasileiros que votaram num projecto de sociedade do qual o seu governo se distanciou.
A traição do equatoriano Lucio Gutierrez, hoje totalmente submisso a Washington, coloca as forças progressistas do continente perante uma realidade. Na América Latina a conquista da Presidência por políticos com programas antineoliberais, eleitos com o apoio das massas populares, não é garantia do cumprimento dos compromissos assumidos. É preocupante outro exemplo que no Paraguai, o presidente Duarte que entrou no palácio com um discurso antimperialista, tenha, logo após uma visita a Bush, decidido enviar tropas do seu país para o Iraque.
O oportunismo e capitulação de dirigentes populistas que suscitaram grandes esperanças não justifica, entretanto, atitudes pessimistas.
Do Rio Bravo à Patagonia os povos da América Latina, com poucas excepções, deixam transparecer uma maior disponibilidade para a luta.
Isso está a ocorrer na Argentina, no Peru, no Equador, no Chile, no Uruguai, na Bolívia, no Paraguai, em diferentes países da América Central e do Caribe.
Mobilizar para acções concretas esse formidável capital de combatividade é o grande desafio que se coloca às organizações e partidos revolucionários do Continente e aos movimentos sociais progressistas que rejeitam o discurso dos reformadores do capitalismo.
O Plano de Acção aprovado em Havana no III Encontro Anti-Alca representa um avanço importante no terreno da organização ,ao sintetizar objectivos, definir prioridades e sublinhar a importância das mobilizações continentais.
O pólo europeu na luta global contra o sistema de poder que ameaça a humanidade tende a assumir também importância crescente.
Os estados da União Europeia tal como o Japão, e a Austrália estão integrados no sistema capitalista. Os seus governos e classes dominantes participam activamente na exploração imperialista. São parte integrante de uma engrenagem. Como beneficiários da globalização neoliberal tornaram-se participantes de agressões contra outros povos (Golfo, Somália, Bosnia, Jugoslavia, Afeganistão, Iraque, etc)
Isso não impede que contradições não subestimáveis oponham permanentemente no âmbito da Tríada interesses dos Estados e das transnacionais europeias aos do sistema de poder estadunidense. Essas contradições, que se manifestam em conflitos comerciais frequentes e em divergências na ONU são inseparáveis da estratégia de dominação planetária conduzida pela extrema direita estadunidense e pela crise profunda do capitalismo.
Em Seminários Internacionais realizados em Santiago do Chile e no Brasil chamei a atenção para o caracter estrutural dessa crise nos EUA e as consequências de uma estratégia irracional em que o poder das finanças na grande republica passou a ser sustentado por uma política de terrorismo de Estado.
Sendo hoje uma nação parasitaria que consome muito mais do que produz, com uma baixíssima taxa de poupança, os EUA praticam uma política de saque, bombeando do resto do mundo tantos recursos quanto possível. O prof. francês Remy Herrera formulou há semanas na Conferência da Globalização de Havana uma pergunta oportuna: poderão os EUA redinamizar a acumulação de capital no centro do sistema mundial mediante a guerra imperialista quase permanente? A sua resposta é negativa porque as destruiçoes de capital são «insuficientes para a acumulação capitalista».
A desvalorização do dólar relativamente ao euro apesar de a Europa estar em recessão não é uma mera manobra monetária. Desta vez reflecte a gravidade e a complexidade da crise estadunidense. Os gigantescos défices do Orçamento, do comercial e do de conta corrente alarmam os aliados europeus e asiáticos dos EUA. Por si só, a divida externa somada à divida publica interna equivale já a mais de 60% do PIB do país. O gigante tem pés de barro e os cúmplices estão conscientes da sua fragilidade.
É natural que as lutas sociais na Europa Ocidental estejam em ascensão num momento em que o alargamento da União Europeia para 25 países traz a certeza de um aumento de tensões entre os grandes e os pequenos. A cimeira franco-germano-britanica de Berlim veio confirmar tendências para o reforço de políticas anti- democráticas cuja factura será paga pelos trabalhadores. O ingresso na União de países como a Polónia, a Hungria e as republicas bálticas, cujos governos se comportam como uma autentica quinta coluna dos EUA, será uma fonte de problemas.
O projecto do futuro exército europeu, defendido com especial interesse pela França e pela Alemanha, continuará a suscitar polemica e a esbarrar com a firme oposiçao do Pentágono.
As forças progressistas não somente se opõem à militarização do Continente, seja qual for o seu figurino, como à promulgaçao de uma Constituição europeia que na prática institucionalizaria o capitalismo, reduzindo as soberanias nacionais a mera fachada.
Enfim, também na Europa Ocidental a conjuntura anuncia grandes lutas no futuro imediato. Lutas de significado e conteúdo antimperialista que são improváveis na Rússia e na China, por motivos que não cabe aqui expor.
Pode-se argumentar, e com fundamento, que no Velho Mundo, tal como na América Latina, o nível de organização e a capacidade das forças que rejeitam a globalização neoliberal é muito insuficiente, não correspondendo às exigências do momento histórico.
O balanço dos Fóruns Sociais, de Porto Alegre a Mumbai constitui um valioso tema de reflexão.
Neste mesmo Seminário do Partido do Trabalho tentei transmitir no ano passado minha posição no tocante à problemática da intervenção dos movimentos sociais desde Seattle e ao significado muito positivo dessa torrencial contestação ao projecto de sociedade imposto pelo neoliberalismo. Mas alertei também para os limites do espontaneismo movimentista quando a sua acção não tem como complemento imprescindível a intervenção na luta de partidos e organizações revolucionários.
Não voltarei ao assunto, recordando somente que ao longo dos últimos meses tendências que apresentam matizes neoanarquistas favoreceram na prática os objectivos de personalidades e forças que acreditam na possibilidade da reforma e humanização do capitalismo. Penso nomeadamente nos seguidores do escocês John Holoway e do italiano Toni Negri, cujas teses sobre a temática do Poder são desmobilizadoras.
Retomar como Negri a apologia da não violência no momento em que a resistência iraquiana, afegã e palestina, acusada de terrorista, se bate corajosamente contra o terrorismo de estado dos EUA é, na pratica, semear a confusão, dificultando a formação de uma grande frente antimperialista.
Cito apenas um exemplo, mas importante, porque milhares de jovens, sobretudo nos meios universitários, são receptivos a esse tipo de doutrinação. A confusão que ela provoca não favorece tambem um debate sereno sobre a questão, de fundamental importância, das alternativas.
A questão das alternativas surge-me como intimamente ligada à da frente de batalha principal.
Fidel Castro, no encerramento do Encontro anti-ALCA, interveio no debate para afirmar que nao haverá uma alternativa, mas muitas consoante a Região, o povo, as condições objectivas e subjectivas.
Não se referia obviamente a alternativas ao projecto anexionista da ALCA. Para ele, em termos hemisféricos, nesse caso só pode haver uma alternativa: a integração económica latino-americana, concretizada numa perspectiva bolivariana.
Fidel na sua referência a múltiplas alternativas, aludia às políticas sociais impostas à América Latina pelo Consenso de Washington, com os trágicos resultados conhecidos.
O Brasil precisa de um projecto nacional (o actual governo abandonou o esboçado no Programa do PT) que terá de ser diferente do argentino, do uruguaio, do paraguaio. O das forças progressistas do Chile apresentará um perfil próprio, tal como o do Peru, o da Bolívia, o do Equador. O da Venezuela bolivariana define-se a cada dia na defesa da revolução. A longa e heróica luta da insurgencia colombiana pesará nas soluções institucionais democráticas que o povo de Nariño reivindica. Em cada caso, no México, na America Central, no Caribe o projecto nacional, para obter o apoio das massas, terá de partir da especificidade nacional.
A opinião emitida por Fidel Castro foi oportuna como elemento clarificador num debate em curso no qual a frequente falta de rigor no próprio emprego da palavra alternativa é fonte de interpretações diferentes.
Creio útil chamar a atenção para uma evidencia. Dos Fóruns Sociais não pode sair qualquer tipo de alternativa global ao neoliberalismo. Isso porque não existe a menor possibilidade no mundo actual de se apresentar uma alternativa consensual de contornos bem definidos, estruturada, ao sistema capitalista que ameaça destruir o planeta.
A dualidade antagónica Socialismo ou Barbárie, enunciada por Rosa Luxemburgo noutro contexto e retomada pelo húngaro István Mészaros e pelo egípcio Samir Amin, coloca-nos perante uma realidade. Ou o capitalismo, senil mas cada dia mais agressivo, destrói a civilização (não estando excluída a possibilidade de destruir a própria vida na Terra) ou o capitalismo desaparece do planeta.
Seria, entretanto, entrar no terreno da pura especulação esboçar sequer os contornos do socialismo do futuro.
A analise e o estudo do terramoto que levou à implosão da URSS mal principiaram. Sabemos que o chamado socialismo real não correspondeu minimamente ao projecto de Lenine, desfigurando-o grosseiramente. Mas seria uma atitude utópica, especulativa, esboçar o perfil do socialismo de amanhã. Até porque podem surgir e afirmar-se, convivendo harmoniosamente, sociedades socialistas muito diferenciadas.
A controvérsia assume um caracter prático complexo porque intelectuais de esquerda sérios, respeitados, sustentam que a elaboração de uma alternativa teórica ao neoliberalismo deve preceder a organização da luta frontal, organizada, contra o imperialismo.
Creio que essa posição identificável em dezenas de comunicações apresentadas nos Fóruns Sociais desmobiliza em vez de mobilizar.
A tarefa prioritária ,inadiável, consiste em somar o máximo de forças no combate contra o inimigo. Na impossibilidade de se elaborar um plano mundial de luta, as forças progressistas, em cada Continente, quando possível, em cada Região, cada país, golpearão tanto mais o sistema de poder ai dominante quanto maior for a sua capacidade para organizar acções concretas, de âmbito nacional ou internacional, que contribuam para inviabilizar a sua estratégia.
É nesse contexto que a definição da frente de batalha principal e das frentes complementares adquire uma grande importância, condicionando a natureza, a dimensão e os fins de iniciativas a promover.
Se admitirmos que se situa actualmente na Ásia a frente considerada prioritária pelo imperialismo estadunidense, aquela onde o fracasso da sua estratégia de dominação planetária mais contribui para o aprofundamento da crise interna, impõe-se uma conclusão:
dinamizar a luta contra a guerra tornou-se a tarefa principal das forças progressistas em todo o mundo.
É uma luta da qual podem participar milhões de pessoas com mundividências muitíssimo diferentes.
A maré da contestação atingiu proporções gigantescas em Fevereiro e Março de 2003, quando 30 milhões de pessoas saíram às ruas em dezenas de grandes cidades para condenar a guerra. Depois o protesto baixou. É preciso trabalhar organizadamente para que se mantenha em nível alto quando voltar a subir. Esse objectivo exige em primeiro lugar um esforço permanente para ampliar a solidariedade com os povos em luta na Asia sobretudo o iraquiano através da divulgação dos crimes cometidos ali pelas Forças de ocupação dos EUA (e da Grã Bretanha e pequenos satélites como a Itália, a Espanha e a Polónia) e da desmontagem da propaganda que apresenta como terroristas os patriotas que resistem com heroísmo à ocupação, lutando pela liberdade e pela independência.
A jornada mundial de protesto contra a guerra e a ocupação do Iraque, no próximo dia 20, será um importante teste. Faltam escassos dias para esse grande acontecimento. Do seu êxito depende em parte o desenvolvimento da luta à escala mundial e na maioria dos nossos países. O clamor do 20 de Março, expressando o sentir da humanidade, estimulará, aliás, no interior dos EUA a difícil resistência dos sectores mais lúcidos do seu povo ao sistema de poder que ali apresenta já matizes neofascistas.
Repito: se a jornada do 20 de Março atingir os seus objectivos, o combate ao imperialismo sob múltiplas formas intensificar-se-á em todos os Continentes, adquirindo um dinamismo criador.
Na América Latina grandes lutas se esboçam no horizonte.
Aqui o protesto contra a guerra, este mês, engloba a luta contra o Plano Colômbia e o Plano Puebla-Panamá, bem como a exigência do encerramento das bases militares dos EUA no Hemisferio, incluindo Guantanamo. Essa exigência deve adquirir caracter permanente, no momento em que o Pentágono projecta reforçar a implantação militar estadunidense na área Amazónica e na América Central.
A jornada continental de luta contra a ALCA, quando se iniciarem no Brasil as negociações ministeriais sobre o projecto, será indirectamente, pelo seu caracter antimperialista, um gesto de solidariedade aos povos que na Ásia se batem contra ele.
O mesmo se pode dizer da Acção Continental de Solidariedade com aqueles que nos EUA, no dia 29 de Agosto, vão manifestar-se durante a Convenção Republicana, contra a reeleição de George Bush.
Algumas iniciativas, pela sua natureza, terão caracter planetário. É o caso das mobilizações previstas para 24 de Abril contra o FMI, o Banco Mundial e a Divida Externa, na passagem do 60º aniversario dos Acordos de Bretton Woods.
Companheiras e companheiros:
Vou terminar.
A alternativa Socialismo ou Barbárie é, por si só, definidora de uma época simultaneamente trágica e bela. Se conseguirmos travar a marcha para o abismo, o homem poderá finalmente caminhar pelas grandes alamedas de acesso a um mundo que responda a aspirações eternas da sua condição.
O desfecho é, por ora, uma incógnita. Ele dependerá das actuais gerações.
Derrotar o monstruoso sistema de dominação imperial de contornos neofascistas tornou-se para a humanidade uma questão de sobrevivência.
Somando esforços, agindo com lucidez e consciência do perigo mortal, isso está ao nosso alcance.
Nessa luta planetária o papel das organizações e partidos revolucionários assumirá uma enorme importância.
A vitória é possível? Sou optimista, acredito no desfecho positivo. Para isso, na grande e complexa batalha em curso pela Paz e contra a Guerra temos de agir com muita serenidade e paciencia. O caminho, como ensinou Antonio Machado, faz-se caminhando.
A tarefa de criar condições, através da mobilização dos povos, para o aprofundamento da crise do sistema de poder imperial exige a clarificação do problema fundamental da(s) alternativa(s).
A insistência na elaboração de uma alternativa teórica ao neoliberalismo de âmbito mundial somente conduz a debates estéreis. Persegue um fim que nesta fase histórica se apresenta como inatingível, utópico.
O consenso em torno de um projecto de sociedade futura de povos e forças políticas e sociais distanciados por ideologias e vivências culturais muito diferentes quando não antagónicas é insisto uma vez mais uma impossibilidade.
Mas a mobilização mundial para acções de luta a mobilização de milhões de pessoas com múltiplas ideologias e formações culturais dispares essa mobilização contra a guerra e o sistema de terrorismo de Estado que a promove já mostrou, no ensaio geral do 15 de Fevereiro de 2003, ser possível .
Levar mais longe essas acções, ampliar os objectivos durante a luta, inserí-los numa plataforma comum, radicalizar o combate e imprimir-lhe caracter orgânico e permanente eis, companheiros, o desafio maior que, na minha opinião, enfrentam hoje os revolucionários de todas as nacionalidades.
Faço votos ,aqui, no México, para que a jornada do 20 de Março seja futuramente recordada como marco histórico no desenvolvimento da batalha contra a ameaça neofascista representada pelo sistema de poder imperial dos EUA.
Muito obrigado por me ouvirem.