O fracasso do Plano Patriota que visava aniquilar as FARC

Miguel Urbano Rodrigues

10 de maio de 2005


Fonte: http://resistir.info

Transcriçãoe HTML: Fernando Araújo.


A demissão, no final de Abril de quatro generais colombianos Jairo Duvan, Luís Garcia, Roberto Pizarro e Hernán Cadavid – abriu uma crise grave nas Forças Armadas daquele pais. Esses generais, que exerciam comandos importantes, foram afastados por terem criticado a estratégia do Plano Patriota imposta pelos Estados Unidos .

O influente diário El Tiempo, de Bogotá, muito ligado à oligarquia, aproveitou a oportunidade para publicar no primeiro aniversário do Plano Patriota um suplemento em que alguns dos seus redactores especializados procedem ao balanço do projecto ideado pelo Presidente álvaro Uribe para destruir as Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia-Exército Popular.

A editora chefe, Maria Alejandra Villamizar, depois de lembrar que esse Plano "é a operação militar mais ambiciosa da história da Colômbia e foi por alguns meses um dos segredos de Estado melhor guardados", sublinha que "nunca antes se tinha mobilizado uma força de 18 mil homens para uma só missão" e que "Os EUA nunca antes se haviam envolvido de maneira tão directa na guerra contra a insurreição do país".

O alto comando do Exército reagiu mal à iniciativa de El Tiempo por se tratar de um jornal com grande prestígio junto da oligarquia, e sobretudo porque o Suplemento ilumina o fracasso da estratégia de Uribe, apoiada pela Casa Branca e pelo Pentágono e confirma uma evidência: as FARC, longe de terem sido aniquiladas, mantêm intacta a capacidade combativa nas 60 Frentes em que os seus 17 mil guerrilheiros se batem.

No artigo principal, assinado por Judith Bedoya Lima, El Tiempo traz a público pormenores inéditos sobre o desenvolvimento do Plano Patriota. Revela, por exemplo, que um dos objectivos da Operação JM – homenagem ao ex-comandante do exercito,general Jorge Mora – era a captura do comandante Jorge Briceño, chefe do Bloco Oriental das FARC e membro do secretariado do Estado Maior .

Tem interesse esclarecer que Briceño, mais conhecido como El Mono Jojoy, é o grande estratego das FARC e um guerrilheiro legendário cuja morte já foi anunciada muitas vezes por diferentes governos colombianos.

O organograma da Operação, elaborado em atmosfera de secretismo , esclarece que, numa primeira fase, seria estabelecido um cordão militar intransponível que isolasse uma área de 300 mil km2 (três vezes e meia Portugal), englobando os Departamentos do Caquetá, do Meta, do Guaviare e parte do Putumayo, no Oriente do país.

Em três meses foi instalado na Base Militar de Larandia, no Caquetá, um centro de operações sofisticado que recebia informações de satélites dos EUA e de helicópteros Black Hawk. Três centros similares foram montados em San Vicente del Caguan, em Solano e em San José, este no Departamento do Guaviare. Dez Brigadas Móveis, sob o comando do general Castellanos, apoiadas por unidades de elite da Marinha e da Força Aérea, começaram a fechar as tenazes do cerco. Sucessivamente foram ocupadas Miraflores, no Guaviare, e Puerto Cachicamo, no Caquetá e municipios do Meta onde elementos das FARC apareciam com frequência .

Houve combates, mas as FARC não defendem o terreno. As perdas do Exército foram pesadas, apesar da enorme superioridade do seu armamento. A guerrilha dispunha apenas, além de fuzis comuns, de metralhadoras e utilizou cilindros explosivos montados com material de oleodutos, minas e armadilhas rústicas do tipo vietnamita .

Em Junho de 2004, o Presidente Uribe recebeu a informação, logo comunicada a Washington, de que estava iminente uma grande vitória, um golpe susceptível de quebrar a coluna vertebral das FARC.

Os helicópteros dos serviços de inteligência com a cooperação de satélites estadunidenses haviam localizado o acampamento de Jorge Briceño no mais denso de selvas impenetráveis. Uma força de elite, poderosamente armada, internou-se nas grandes matas rumo ao local cuja latitude e longitude era conhecida com a precisão de minutos e segundos. O acampamento foi bombardeado e depois ocupado. Mas o desfecho foi decepcionante.

El Mono Jojoy, à frente de 70 guerrilheiros –outros tomaram direcções diferentes – deixara a tempo o lugar. A tropa invasora chegou a estar a 12 metros do seu esconderijo, na margem de um rio. "Será que Deus também é comunista?" desabafaram alguns militares, segundo El Tiempo.

O governo e o Exército apresentaram a ocupação do acampamento como um grande êxito, mas os comunicados oficiais omitiram que El Mono Jojoy não fora sequer localizado.

Num ambiente morno a segunda fase da Operação JM teve início em Setembro, transcorridos três meses. Objectivo: perseguir e capturar os comandantes das FARC numa área mais reduzida, de 160.600 km2, de pura selva, de acordo com o Exército.

A ofensiva, que ainda prossegue, foi desde o começo um fracasso. O moral das tropas é baixíssimo. El Tiempo revela episódios esclarecedores do estado de espírito dos soldados atirados para o inferno amazónico. Um exemplo: 18 militares da V Brigada, após dois meses de combate em El Billar, no Caquetá, contra um inimigo quase sempre invisível, sequestraram um helicóptero que levava abastecimentos. Prenderam os pilotos e obrigaram-nos a transportar o grupo a San Vicente del Caguan ao Batalhão de Caçadores. Aí, declararam à psicóloga daquela unidade:"Não queremos permanecer ali mais tempo, a selva está a enlouquecer-nos!"

O general Ospina, comandante chefe, comentou que metade dos militares empenhados na Operação JM está exigindo o regresso. Em Dezembro pp a Brigada Móvel 10 tinha já fora de combate 884 homens, isto é 76 % dos efectivos. Somente do Guaviare foram evacuados 671 soldados vítimas do paludismo.

A lista oficial de baixas, para não alarmar a população, é falsificada todos os meses.

O general Castellano, foi, aliás substituído no comando da fracassada Operação pelo general Carlos Fracica. Castellanos responde agora a acusações de "extorsão e sequestro" no Departamento de Huila.

A INTERVENçãO DOS EUA

Negada pela Casa Branca, a intervenção dos EUA no conflito entre o governo de Uribe e as FARC é uma realidade.

No âmbito da estratégia que visa ao controlo da Amazónia pelos EUA, o Plano Colômbia foi concebido como instrumento indispensável para para o financiamento da luta contra a insurreição armada.

Oficialmente, esse Plano – cujo texto em castelhano é uma tradução do original inglês, redigido em Washington – foi elaborado para promover o desenvolvimento económico e social e combater o narcotráfico. Mas o objectivo real era outro. Para o sistema imperial a sobrevivência na Colômbia há décadas de uma organização guerrilheira com uma aura de invencibilidade configurava um desafio intolerável. As FARC demonstravam que em condições histéricas, geográficas e sociais muito peculiares era possível na América Latina resistir pelas armas ao poder de um Estado oligárquico aliado de Washington. Destruir uma organização guerrilheira que se assumia como partido marxista-leninista passou a ser uma prioridade primeiro para Clinton e depois para Bush.

A máscara caiu quando o Congresso aprovou a transferência de importantes verbas do Plano Colômbia para acções militares de combate à insurreição.

As Forças Armadas da Colômbia são hoje, com aproximadamente 300 mil homens, as mais poderosas da América Latina, dispondo de armas e tecnologias que os EUA somente fornecem a Israel. O poder de fogo da Força Aérea da Colômbia é superior ao das suas equivalentes do Brasil e do México somadas.

O Plano Patriota apareceu como complemento do Plano Colômbia. No início do ano 2003, uma missão militar colombiana deslocou-se ao Comando Sul dos EUA para pedir ajuda. A visita foi secreta. Tratava-se de vibrar 'o golpe de misericórdia' nas FARC, atacando e destruindo os seus 'santuários'.

O projecto e a linguagem – inspirada na dos generais norte-americanos do Vietnam – sensibilizaram Washington.

O general James Hill, então chefe do Southcom, informou Bush de que 'a situação na Colômbia chegara a um ponto critico e o Plano Patriota pode ser decisivo na luta contra os narcoterroristas'.

Segundo El Tiempo, Washington contribuiu numa primeira fase com 100 milhoes de dólares para o Patriota, em armas transportes, material de comunicações e treino de pessoal. Posteriormente general Bantz Cradock, sucessor de Hill, pediu ao Congresso mais fundos para ajuda aos 'aliados colombianos', alegando que o apoio logístico dos EUA era imprescindível para a obtenção de 'novas vitórias no Plano Patriota'. A próxima fatia deve ser de 50 milhões.

Tornou-se necessário superar um obstáculo. O alto comando colombiano concluiu que o numero de assessores militares dos EUA era insuficiente. Pediu um reforço porque os 400 militares e contratistas cuja presença no pais fora autorizada estavam ocupados em diferentes missões do Plano Colômbia.

O general Hill, num memorando enviado ao Congresso, solicitou a ampliação do contingente. "Quando me mostraram o Plano (Patriota) e vi como era complexo e grandioso, vi que tinhamos de aumentar as nossas equipas de planeamento, dar-lhes apoio logístico para o planeamento de combates em terra permanentes, em comunicações,inteligência e transportes'.

O estilo do general é tosco, mas funcionou. O Congresso autorizou o aumento da presença militar norte-americana na Colômbia no âmbito da Joint Planing Assistance Teams. O eufemismo não engana. No início deste ano o número de militares dos EUA no pais atingia os 800 – elementos das forças especiais, pilotos, engenheiros – e os contratistas eram 600.

'Aos pedidos da Colômbia dispensa-se quase a mesma atenção que merecem os do próprio exército dos EUA' – declarou um analista militar entrevistado por El Tiempo.

O Plano Patriota conta agora com técnicos que dominam as comunicações via satélite e conseguem obter imagens que permitem localizar acampamentos das FARC e movimentos das suas colunas .

A intervenção militar dos EUA no conflito é inocultável.

O Suplemento de El Tiempo, como era inevitável, teve profundo impacto na opinião publica.

Quase coincidiu com a visita a Bogotá da senhorita Condoleeza Rice, conhecida na América Latina como 'a Bruxa Imperial'.

A demissão dos quatro generais colombianos não lhe facilitou a missão. Veio confirmar que a crise nas Forças Armadas resultou do fracasso do Plano Patriota.

As FARC desencadearam no final de Abril uma ofensiva no Sudoeste do país e a Operação JM na Frente Oriental inspira anedotas em Bogotá.

é significativo que até hoje os únicos comandantes das FARC que caíram nas mãos do governo – Simon Trinidad e Rodrigo Granda – tenham sido sequestrados no estrangeiro com a ajuda da CIA.

A solidariedade com a organização revolucionária de Manuel Marulanda é uma exigência internacionalista no combate para a globalização da luta dos povos contra a globalização imperial.

Serpa, 10/Maio/2005


Inclusão: 04/11/2021