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Primeira Edição: Em Marcha, 26 Junho 1980
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
No último número do “Em Marcha", um leitor comunicava a desistência da assinatura como protesto por eu ter faltado ao respeito ao milagre de Fátima e às suas crenças religiosas. Estou desolado por ter feito perder um leitor ao nosso jornal, mas não consigo sentir-me culpado de ofensas a ninguém. E gostaria de aproveitar a ocasião para falar de um assunto que ainda é tabu no nosso país.
Chamando “falcatrua” ao milagre de Fátima, eu exprimi uma opinião que não é só minha nem de meia dúzia, mas de largos milhares (ou milhões?) de cidadãos portugueses. Contudo, coisa estranha esta opinião, tão difundida, não aparece escrita em nenhum jornal, em nenhuma revista, não é falada na televisão nem na rádio, nem dita em voz alta na rua. Não acham extraordinário?
“É o respeito pela crença religiosa outros”, explica-se. Mas a explicação não convence. Se centenas de milhares de pessoas desistissem voluntariamente de expor a sua opinião sobre este assunto, só pelo receio de ofender a crenca dos outros, estaríamos perante um milagre ainda maior do que o de Fátima.
A singela verdade, entranhada a tal ponto na nossa vida diária, que nem damos por ela, é que em Portugal ainda é proibido discutir livremente a questão religiosa. O estatuto de intocável ganho pela Igreja Católica há meio século, tem alicerces tão fundos que resistiu aos ventos do 25 de Abril e continua a funcionar mesmo no campo da esquerda.
Reconhece-se a cada um o direito de ser ateu, desde que não exteriorize as suas convicções nem tente conquistar ninguém para elas. A liberdade de propaganda está reservada para os crentes. Se alguém transgride este preceito invisível, logo selevanta um coro indignado exigindo “respeito pelas crenças religiosas”. Ninguém se lembra de perguntar onde fica o respeito pelo ateísmo.
Este clima asfixiante não pode ser desligado do sistema que ao longo de meio século permitia pensar contra o governo desde que não se falasse contra ele. Tem a marca da intolerância. A mesma intolerância que levou o amigo leitor, quase sem dar por isso, a pressionar de facto a direcção do “Em Marcha” para que não permita críticas à religião nas suas colunas.
Sou eu que me queixo da sua queixa, amigo leitor católico progressista.
Inclusão | 02/12/2018 |