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Primeira Edição: Em Marcha, 10 Julho 1980
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Os frequentadores de comícios puderam admirar no outro dia, no lançamento da Frente Republicana e Socialista, no Pavilhão dos Desportos, um espectáculo inédito, bem digno destes anos 80. Mário Soares, na mesa da presidência, era ladeado pelo obeso Magalhães Mota, ex-deputado da ANP e fundador do PPD e por Palma Inácio, o lendário guerrilheiro dos assaltos e fugas rocambolescas. Uma imagem de unidade nacional!
O cidadão desorientado, a quem já era oferecido o populismo cor de rosa da APU e a agressividade revanchista da AD, passou a dispor agora de uma nova modalidade, a frente arco-iris, a frente para todos. O matreiro Soares, mestre em rábula política, espera conseguir assim uma posição no mercado eleitoral, com o mesmo tipo de truques de qualquer negociante de sabonetes. O seu, produto reúne as qualidades de todos os outros! Sua Frente tem a vantagem de ser simultaneamente do centro, da direita e da esquerda!
Com toda a seriedade, Mário Soares apregoa-se como o ponto de encontro de todos os que repudiam os totalitarismos. Lopes Cardoso afirma: “Estou onde sempre estive”. Grupos fantasmas e personagens duvidosas da esquerda reformada pululam em torno da nova empresa, tentando vender-se em condições vantajosas. Um autêntico circo.
Esta farsa, esta frente invertebrada, tem contudo uma amarra, um ponto de referência — Eanes. Para aí o conduz o próprio jogo das suas contradições. Como se há-de exercer o poder neste abençoado regime novembrista se não for com o patrocínio de um general, não é verdade?
Como a ordem para formar atrás de Eanes ainda faz engulhos a muita gente no PS e na UEDS, Salgado Zenha tornou-se um dos mais acesos paladinos da causa do general.
Num frenético artigo saído na última semana num semanário de Lisboa, chama-lhe “guardião da democracia para todos os portugueses" e assegura que “a sua lealdade ao 25 de Abril está acima de toda a suspeita”. Faz mais. Defende a recandidatura de Eanes tomando como comparação os dois mandatos presidenciais do general George Washington depois de ter vencido a guerra da Independência dos EUA!
Então, então, dr. Zenha? A golpada militar do 25 de Novembro, por muito gloriosa que lhe pareça, não foi bem o mesmo que a guerra da Independência da América. George Washington, figura avançada da sua época, não fica bem ao lado de um tortuoso conspirador que fez cair as liberdades de Abril.
As espertezas eleiçoeiras de Soares e comparsas fazem-lhes perder a noção da decência democrática que deles esperariam os trabalhadores socialistas. Não medem o tombo a que se sujeitam. E se nós lhes puxássemos o tapete debaixo dos pés?
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha
Inclusão | 02/12/2018 |