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Primeira Edição: Em Marcha, 16 de Fevereiro de 1981
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
No “Diário Popular” de quinta-feira, o sr. Anselmo Borges, que não sei quem é, arrumou o marxismo em duas penadas, demonstrando (mais uma vez...) que ele nada tem de teoria científica, que faz apelo ao irracional, que é messiânico (ou não fosse Marx judeu), enfim, que não passa de uma nova religião.
Fiquei tão esclarecido pela demonstração do sr. Borges que descobri uma data de coisas com que andava baralhado.
Assim, por exemplo, quando os santos bispos da nossa terra vêm a público aconselhar que na revisão da Constituição se reconheça “sem hesitações” o direito à propriedade privada — se eu lhes chamar capatazes ideológicos ao serviço da burguesia, estarei a revelar mentalidade sectária e doentia, própria do marxismo.
E aqueles dez rapazes que há dias se afundaram numa traineira na Costa Norte, à hora em que deviam estar na escola — se eu disser que pagaram as consequências de serem filhos de proletários e não terem tido a boa ideia de nascer de pais engenheiros ou administradores de empresas, estarei evidentemente a manifestar o mais anti-científico fanatismo marxista.
Quando digo que o julgamento trágicómico do caso Delgado ou as rançosas homenagens da Academia de História a Marcelo Caetano são a vingança da escumalha reaccionária que a classe operária não se atreveu a varrer em 1974-75 por não ter um partido que lhe servisse de cabeça política — dizendo isto manifesto uma irracional paixào política. Tipica do marxismo, claro.
E se eu disser que a vida política deste país desceu ao nível do vómito com os grandes partidos entretidos a infiltrarem-se uns aos outros, a fazerem pornografia política e a perverter a consciência do povo, para ganharem as boas graças da finança — é claro que estarei a ser um dogmático de cepa marxista.
Por fim, se eu disser que a tola refutação do marxismo pelo sr. Borges é uma fuga para não ter que encarar a verdade de frente, para não ter que reconhecer que a burguesia criou uma selva governada pela caça ao lucro máximo e que é tempo do proletariado construir uma sociedade própria para pessoas viverem — aqui naturalmente revelarei o meu espírito messiânico e religioso, incutido pelo marxismo.
Valha-nos Deus, sr. Borges!
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.
Inclusão | 06/02/2019 |