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Primeira Edição: Em Marcha, 29 de Abril de 1981
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Uma destas manhãs, no comboio de Sintra um cidadão, com todo o tipo de escriturário de 12 contos, desabafava contra as greves: "Se fosse eu que mandasse, encostava-os à parede limpava dois ou três, ias ver os outros a correr para o trabalho".
A bacorada deu-me que pensar. Exprime com franqueza fascista a indignação secreta de tantos pobres diabos que, como não têm que se levantar às seis nem precisam de fazer força, já se julgam sócios do sistema e se acham prejudicados pela resistência operária.
Como é que vamos mostrar a gente desta que o movimento operário é bom para eles? Fazendo greves ainda mais curtas, para não os incomodar? Escrevendo doces artigos a explicar a razão dos trabalhadores, como faz o "diário"?
É trabalho perdido. A única solução para aqueles que estão no meio é fazer-lhes perceber que há dois pólos de força e não um só, como eles julgam. Só quando virem na prática as regras do jogo a serem alteradas pela força dos de baixo, se poderá fazer alguma luz no nevoeiro da estupidez de classe das suas cabeças.
Está contudo por aí muito em voga a ideia de que, para evitar o isolamento, é preciso recuar mais e mais ainda. Muitos daqueles que em 1975 eram mais infantilmente radicais, agora acham que a arte da política está em saber baixar a bola. Querem ser revolucionários sem dar nas vistas. Sem irritar ninguém.
Esquecem que, para pasmaceira "de massas", já se inventou o PCP. Que a nossa função é justamente abrir caminho. Trazer algo de novo à luta de classes. Entrar na política de outra maneira.
Não percebem que o perigo do isolamento vem, sim, da política de não fazer ondas. Porque se a esquerda não estiver em conflito aberto com a direita, o centro não cessará de crescer, envenenando a sociedade com a sua atmosfera pantanosa. Não notam o cheiro?
Mas não haverá o perigo de cairmos na gesticulação esquerdista fora das massas? Há sim. Quando falamos de cor em vez de dar voz à revolta dos oprimidos. Quando nos fechamos em grupos em vez de ir para a rua. Quando fazemos as coisas pela metade, sem convicção.
Quer dizer: o nosso mal não é sermos revolucionários demais, como pretende o unitário Acácio. É sermos ainda revolucionários de menos.