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Primeira Edição: Em Marcha, 26 de Agosto de 1981
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
O Zé Mario Branco, sempre amigo, lamenta numa entrevista ao "Ponto" que a minha “lucidez fria” esteja a ficar desfasada das realidades de hoje. Acha que perdi o pé. Se bem o percebi, acha-me bom para agitar inércias ideológicas mas completamente varrido.
À primeira vista, quase que lhe dou razão. É difícil acompanhar estes tempos de mudança vertiginosa. Veio a revolução tecnológica, a revolução atómica, a revolução verde, a revolução sexual, a revolução rock, a revolução das artes, da filosofia, dos espíritos. Só não veio a revolução de que estávamos à espera. A dos pobres.
Estou desfasado, que remédio! Os tempos agora são outros. Os esquemas antigos já não funcionam. Falar contra a exploração já não se usa. Recusar o sistema é ingénuo. Pensar na revolução é psicótico.
Mas estou desfasado por falar do que existe Zé Mário!
Dizer que a crise da AD e do governo é uma bambochata, a Oposição uma anedota, a Assembleia uma comédia, os tribunais uma farsa, o Exército um carrasco na engorda, a democracia uma burla — leva logo o carimbo de extremismo. Mas não deixa de ser verdade.
Dizer que dois milhões, se tanto, estão a sustentar este país, suando como cavalos, arriscando o coiro, comendo mais massa que carne, temendo o desemprego, viajando empilhados para longínquos bairros sujos — soa a demagogia. Mas todos sabem que é a pura verdade.
Dizer que a engrenagem do capital, que nos governa por cima dos governos, assassina enbrutece, corrompe, bloqueia a capacidade criadora destes dez milhões de seres humanos atira gerações sobre gerações para a sucata — é claro que passa por radicalismo. Mas alguém o pode desmentir?
Dizer que os que trabalham têm que virar isto de pernas para o ar e experimentar vida nova, sem medo de errar — será subversivo. Mas é questão de simples bom-senso.
Tudo mudou — e tudo está na mesma, Zé Mário. Só a revolta operária é que perdeu o direito à palavra. A burguesia atira-lhe pazadas de lixo para cima todos os dias, toneladas de lixo.
Vivemos numa época, amigo Zé Mário, em que é estranho dizer as coisas evidentes. Por isso mesmo é tão importante dizê-las. E cantá-las, quando se sabe.
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha
Inclusão | 02/12/2018 |