Castelo de Cartas

Francisco Martins Rodrigues

30 de Junho de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 30 de Junho de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Afinal, nem tudo é mau na revisão da Constituição. Com alegria, ouvi da boca do dr. Luis Beiroco que o CDS conseguiu meter nos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos mais um direito novo: o direito de fundar e gerir empresas.

De agora em diante, todos os cidadãos dotados do são idealismo empresarial sentirão novo estímulo para a missão sublime de explorar o próximo, tornando mais fortes os alicerces desta nossa sociedade livre e personalista.

O CDS sempre teve o mérito de falar como um partido da burguesia. Há que louvá-lo por isso. Porque o que mais atrasa a clarificação da cena politica é a confusão sabiamente alimentada entre aquilo que os partidos dizem e aquilo que realmente querem.

O direito de gerir empresas outorgado pelo CDS cai no campo da anedota. Mas quando a AD diz que os portugueses têm direito a uma nova Constituição, apresentando o veneno capitalista como um apetitoso bolo democrático — quantos não caem na esparrela? Quando Mário Soares retoma sem pudor a rábula do democrata, quantos esquecem as mil provas que |á nos deu de ser um venal gerente do patronato? Quando Eanes pontifica, armado em Catão, sobre o que deveriam fazer os partidos, quantos notam que está a vender-nos um outro partido igualzinho? Quando Cunhal clama contra a injustiça, quantos distinguem na sua ladainha a voz da pequena burguesia cobarde, a dar palmadinhas nas costas dos operários para os levar às boas?

Falta muito para fazer aparecer aos olhos dos operários os grandes partidos desta terra na sua verdadeira face de partidos da burguesia. Falta explicar a uns milhares de operários que a liberdade não consiste em bater palmas a uma ou outra das equipas em luta, como no futebol, mas entrarmos nós no campo para jogarmos o nosso jogo.

É isso que falta para que os operários deixem de estar hipnotizados pelas guerras entre a AD e Eanes, entre Eanes e Soares, entre Soares e Cunhal, e comecem a aproveitar essas guerras para os enfraquecer a todos e se fortalecerem a si próprios.

Mário Soares pôs o dedo na ferida há dias em Almada ao dizer que este Governo é perigoso porque gera no povo o “cepticismo quanto ao próprio regime democrático”. É Isso mesmo. O vosso perigo é a nossa vantagem. Quando os operários virem que “o próprio regime democrático” é um monopólio da burguesia, nada poderá deter um terramoto neste castelo de cartas que é o capitalismo português.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária

Inclusão 03/02/2019