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Primeira Edição: Em Marcha, 6 de Outubro de 1982
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
"Por causa das malditas greves, anda o povo a penar", barafustava no outro dia uma madama, indignada por não ser servida a horas.
"Tem toda a razão, minha senhora”, retorquia-lhe um cidadão de ar próspero, também visivelmente compungido com os sofrimentos do povo. "Andam a destruir a economia nacional e ninguém os mete na ordem. Isto é um pais para queimar!"
É de facto condenável que o “povo" seja privado das suas comodidades e da sua alegria de viver por causa duns matulões que não cumprem o seu dever de trabalhar, invocando argumentos ridículos, como a falta de dinheiro, os despedimentos, os contratos a prazo e outras miudezas que a ninguém interessam.
Assim vai este desgraçado pais. O ministro João Salgueiro bem tornou a avisar há dias, num seminário da UGT, que a estratégia sindical não tem sido realista mas maximalista e que isso não dá nada, porque os salários só podem subir se aumentar a produtividade. Mas vão lá meter isto na cabeça de operários broncos, que não percebem nada de ciência económica e cujo único argumento é: "Queremos o nosso!”
Decididamente, os nossos operários ainda não estão educados para viver em democracia. Os da Lisnave até já se metem a fazer greve sem pré-aviso, a ocupar a empresa, a sequestrar os administradores. Voltamos aos tempos do anarco-populismo? Para que serviu então a madrugada redentora do 25 de Novembro? Tanto trabalho para restaurar a ordem nas ruas e nos espíritos, e tudo parece prestes a esfarelar- se outra vez.
A situação é de facto preocupante para a burguesia. Como constata o "Diário de Notícias", na sua cómica linguagem diplomática, "a paz social não se afigura garantida nos próximos tempos”, porque "não é possível exigir esforços e sacrifícios às classes menos desfavorecidas se não lhes for dada prova de que esses esforços e sacrifícios são partilhados pelo resto do pais".
É isso. Os operários já não vão lá sem provas. Comentam com um riso mau que já não embarcam em tangas de austeridade. Estão-se marimbando para a salvação da economia nacional. Perderam o brio e a humildade. Os mais atrevidos até já dizem que “da próxima não vão ter foguetes como da outra, vai tudo raso”.
O ano que ai vem vai ser duro, todos o dizem. O país caminha para a bancarrota. Porque não atirá-la para cima dos casacas? Pode ser falta de civismo. Mas com o civismo, já está visto que não nos safamos.
Inclusão | 04/08/2019 |