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Primeira Edição: Em Marcha, 20 de Outubro de 1982
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
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A esquerda revolucionária perdeu o espaço neste país, concordam vozes de todos os quadrantes. E adiantam mais: não vai voltar a tê-lo, por muitos anos. 1975 foi um milagre que não voltará a repetir-se.
Conformados à força do destino os ex-esquerdistas tratam de emigrar em bandos para paragens mais acolhedoras, como as cegonhas. Fazem-se serviçais no PS ou no PCP, invadem o “Expresso”, disputam empregos decentes de 30 contos. É a vida...
Enquanto confessam uns aos outros os seus pecados stalinistas e provam uns aos outros que estão bem curados do revolucionarismo voluntarista, vão descobrindo maravilhados o país real, que até hoje lhes estivera oculto pelo seu delírio ideológico: o projecto eanista de consenso nacional alargado, a importância dos conflitos entre Rebelo de Sousa e Salgueiro, a deslocação à esquerda de Lucas Pires, os mistérios do equilíbrio económico — a verdadeira política, finalmente.
Não interessa que na Lisnave os operários ocupem o estaleiro e que na Marinha Grande levantem a via férrea. Não interessa que as donas de casa façam bicha para poupar 5$00 no litro de leite e que as casas de prego reencontrem a prosperidade. Não interessa que a economia operária seja chapa ganha, chapa gasta. Pormenores, tudo isso. O que interessa é inserir- se no movimento. Como os percevejos nas dobras do lençol.
Seria caso para lhes perguntar, se valesse a pena: somos nós que sofremos de extremismo fanático ou são vocês que se passaram para criados do capital? Somos nós que teimamos em ficar demasiado à esquerda ou são vocês que caem cada vez mais para a direita?
Os homens do capital não ocupam só a ribalta da cena política. Enchem também o coração de milhões de trabalhadores dum sentimento de renúncia, de abatimento e frustração. Daí vem a maior força da direita. As massas ainda não digeriram as lições de 75, ainda não se recompuseram desse misterioso desabar das conquistas de Abril, que se afundam sob os nossos pés, como que sorvidas por um pântano.
No dia em que os operários percebam que perderam, não por ter ido longe de mais, mas por ter sido ambiciosos de menos, alguma coisa vai acontecer neste pais.
Os ex-esquerdistas não percebem que a convulsão que aí amadurece vai ser algo de muito mais sério do que a primavera de cravos e rosas, de Abril. Espaço não vai faltar à esquerda. Assim ela saiba usá-lo.
Inclusão | 04/08/2019 |