A Quinta Etapa

Francisco Martins Rodrigues

10 de Novembro de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 10 de Novembro de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Mais um plano para salvar o pais da catástrofe é-nos oferecido pelo dr. José Carlos de Vasconcelos no seu “Jornal”. À parte o inconfundível estilo gasto e ensebado dos nossos democratas quando se metem a puxar ao sentimento do pagode ("tudo se vai perdendo, até a esperança", "quem está a perder é Portugal”, “é tempo de dizer basta" e por aí fora), há que reconhecer que o plano, em si, não é mau. E senão vejamos:

  1. "criar um clima psicológico diferente, que dê nova confiança aos portugueses em geral”. É aquilo a que os especialistas chamam a "motivação do público", ou seja, a preparação dos espíritos para engolirem a pastilha.
  2. "criação urgente de uma força política, a que já chamei o partido novo ou o partido da esperança". Sobre o alinhamento social, programa e outras miudezas relativas a este partido, não vale a pena fazer perguntas, pois que se trata antes de uma “frente patriótica e democrática, aberta e ampla".
  3. Eanes deveria "preparar as condições para uma espécie de Governo de Salvação Nacional, decorrente de uma maioria que se forme a partir de umas próximas eleições antecipadas". Etapa triunfal: o partido da Esperança ganha as eleições e forma o Governo da Esperança e do Consenso. Governo de competências, pairando muito acima das vãs cobiças politiqueiras.
  4. Eanes deveria negociar uma “trégua que permita a recuperação económica, a consolidação da democracia e um verdadeiro diálogo entre todas as forças políticas e todos os interesses sociais". É a fase superior da convivência fraterna entre os portugueses honrados, do varredor ao empreendedor, todos cantando hinos ao Consenso Nacional.

Só que, neste plano tão aliciante, haveria de certeza uma quinta etapa, extra, que o sr. J. C. Vasconcelos se esqueceu de mencionar. Quando os varredores pusessem em dúvida a justeza dos empreendedores ganharem cinquenta salários mínimos mais ajudas de custo e reclamassem uma partilha mais equitativa dos sacrifícios, a polícia patriótica e democrática não deixaria de lhes malhar nas costas para os meter na ordem. E aí estragava-se outra vez a Esperança e o Consenso e tudo voltava ao princípio.

O que o sr. J. C. Vasconcelos quer dizer na sua é: "Rapazes, vamos lá tirar as castanhas do lume para o nosso general Eanes".

Não pode ser nada, amigo. Já que vamos ter que queimar os dedos na luta para deitar abaixo a AD, ao menos vamos ver se comemos nós as castanhas.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018