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Primeira Edição: Em Marcha, 3 de Dezembro de 1982
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Com esta das eleições, deu-me para pensar na Democracia. É um problema que me tem andado a malar a cabeça já há tempos.
Diz-se que, bem vistas as coisas, esta democracia que temos, apesar das suas mazelas, ainda é o único regime que se consegue corrigir e renovar. As liberdades são muito relativas, claro. A igualdade é bastante desigual. O autogoverno é conversa para embalar meninos. Mas, de toda a maneira, dizem os adeptos, sempre há o principal, a liberdade de piar e de votar.
Ora, é justamente essa liberdade de votar que me baralha. Porque, desde há uns sete anos para cá, os governos democráticos, eleitos livremente em votações limpinhas, saem todos piores uns do que os outros. Por qualquer transmutação misteriosa, a escolha livre e esclarecida dos cidadãos leva ao poder sujeitos da laia do dr. Sá Carneiro, do dr. Mário Soares, do prof. Freitas ou dos manos Basilios. O piorzinho que há no pais.
Como é isto? Seja qual for o quadradinho onde pomos a cruz, sai sempre branco? É porque o jogo está viciado!
Mesmo correndo o risco de escandalizar os drs. Álvaro Cunhal e Almeida Santos, eu diria que a base real do nosso regime democrático é a ditadura militar. E antes que me dêem como lunático, adianto dois indícios comprometedores.
1°) No dia 25 de Novembro de 1975, estava-se em democracia, uma parte das tropas veio para a rua e pôs o general Eanes em chefe disto. Não me consta que essa reviravolta tenha sido votada em lado nenhum. Como é?
2º) Portugal foi metido na NATO por Salazar, que não se incomodou a consultar ninguém. Como é próprio dos ditadores, aliás. Mas, depois de restaurada a democracia, porque não se lembraram os generais do MFA de ouvir o povo a respeito desse compromisso que faz de nós um triângulo estratégico nos mapas do Pentágono? Esqueceram-se ou isso já estava decidido?
Quero eu dizer na minha que não são as eleições que mandam na burguesia, é a burguesia que manda nas eleições. A coisa está montada de maneira que a burguesia, primeiro, marca pela força o rumo dos acontecimentos, assegura-se do poder, e depois proclama o respeito religioso pela vontade dos cidadãos acorrentados. Não está mal visto...
Lenine dizia que ainda estava por descobrir o país em que os operários se tivesse livrado dos capitalistas por meio de eleições. Já lá vão mais de 60 anos e ainda continua por descobrir.
Não há dúvida: o jogo está viciado. Só há um remédio: vamos às eleições para desmascarar as eleições.
Inclusão | 19/08/2018 |