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Primeira Edição: Política Operária nº 11, Set-Out 1987
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
“Desenvolver Portugal — Ano 2000”, Álvaro Cunhal. Edição JCP, 1987.
TRATA-SE da intervenção de Cunhal no colóquio realizado em Janeiro na Faculdade de Direito de Lisboa que foi publicada sob o título “Desenvolver Portugal Ano 2000″, Edição JCP, 1987. Falando para futuros gestores e advogados, Cunhal procurou demonstrar que a política do PCP não se cinge às reivindicações dos trabalhadores, como crêem certos espíritos mal informados, mas serve os interesses nacionais gerais, ou seja, que também interessa a uma boa parte da burguesia.
A avaliar pela quebra da votação sofrida pelo partido nas últimas eleições, o apelo não encontrou grande eco nas camadas pequeno-burguesas. De qualquer forma, é para o movimento operário sobretudo que os argumentos de Cunhal revestem unir enorme interesse — porque explicam a política real do PCP muito melhor do que os artigos do “Avante” é e os discursos nos comícios.
Cunhal defende o aumento da produção e o aproveitamento dos recursos nacionais lembrando aos seus auditores burgueses “essa outra energia em que muita gente não repara — a mão-de-obra disponível”. Reclama que se eleve a produtividade com “gestores competentes que saibam defender os interesses das próprias empresas”. Condena a política dos despedimentos, dos salários em atraso e das leis anti-operárias porque… “desmotivam os trabalhadores e são um factor prejudicial ao desenvolvimento económico”. Quer a melhoria das condições de vida do povo “não apenas pela necessidade de defender os interesses dos próprios trabalhadores mas também por razões económicas”: alguém duvida que a dinamização do consumo traria maior prosperidade às empresas? Propõe que se estimule a participação dos trabalhadores, mas atenção, “quem diz os trabalhadores diz os quadros técnicos, diz os intelectuais”. Apela para o patriotismo dos jovens burgueses ao fazer-lhes notar que o capital estrangeiro ocupa posições “em sectores importantes em que deviam ser os portugueses a determinar qual a política a seguir”. Tanto lucro que podia ser nosso e que vai para as mãos dos outros… Alerta que, devido à integração na CEE, já não podemos decidir da nossa produção de cereais e sacrificamos a “nossa” siderurgia. Reclama por fim esta medida tão imparcial — “que se dinamizem todas as formações económicas indistintamente, ou seja, que o Estado dê apoio às empresas nacionalizadas, às empresas privadas, às cooperativas e UCPs sem discriminações”.
A mensagem não podia ser mais clara: não temam o PCP porque o PCP insere os interesses dos trabalhadores nos interesses da nação e está disposto a lutar por um espaço nacional independente, onde burgueses não-monopolistas e operários patriotas construam harmoniosamente uma vida próspera para uns e outros.
O que é trágico para Cunhal é que ninguém de bom senso na burguesia dá ouvidos a este programa. O regime actual pode ter muitos motivos de descontentamento para os pequenos e médios patrões mas assegura-lhes pelo menos o essencial — a dominação segura da sua classe sobre os operários e as massas trabalhadoras em geral. Todo o burguês, mesmo o menos experiente na luta classes, sabe por instinto que esse é o abc da sua sobrevivência. Só loucos apostariam na desestabilização da ordem existente, a troco de garantias sobre a moderação do movi mento operário numa “democracia nacional” gerida pelo PCP. E se, no decurso dessas transformações, os operários tomassem o freio nos dentes e se lançassem a exigir o socialismo a sério?
Nesse aspecto, a experiência de 74/75, mesmo tímida, ingénua e moderada como foi (para nossa desgraça), serviu de lição definitiva ao “progressismo” burguês. Ninguém tem vontade de repetir a aventura. Bem pode Cunhal pintar cenários cor-de-rosa: a “democracia nacional”, ou melhor, o capitalismo de Estado de fachada socialista, é para a burguesia uma manobra de último recurso, quando falharem todos os meios para manter a ordem; não é uma opção que se escolha voluntariamente.
O programa do PCP não encontra eco porque não é um programa para aplicar: nem pelos operários, que quando forem capazes de lutar exigirão muito mais; nem pelos burgueses, que não vão trocar â segurança actual por aventuras. Está condenado a ficar de reserva para a eventualidade de uma crise de poder. Para já, retrata as aspirações utópicas duma franja pequeno-burguesa visionária, que sonha com uma via intermédia entre a barbárie do capital monopolista e a barbárie simétrica da ditadura do proletariado.
De qualquer modo, que estas propostas amarelas de harmonização entre o capital e o trabalho possam ser formuladas assim tão cruamente pelo secretário-geral do partido que se denomina de comunista e que mais influencia o movimento operário — dá bem a medida do nível atrasado em que se encontra a luta de classes no nosso país. Só reconhecendo este tremendo atraso pode a corrente comunista revolucionária começar a abrir o seu espaço próprio.
Inclusão | 05/09/2018 |