Generais Brasileiros Encontram Defensor

Francisco Martins Rodrigues

Novembro/Dezembro de 1992


Primeira Edição:  Política Operária nº 37, Nov-Dez 1992
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.

Em Fevereiro deste ano reuniu-se em Brasília o 8º Congresso do PC do Brasil, cujo dirigente histórico é João Amazonas. Surpresa à primeira vista animadora, o PC do Brasil declara-se apostado em reagir contra a debandada do movimento ex-comunista e em levantar a bandeira revolucionária. Pura farsa. Se não estivéssemos já elucidados sobre   o  manhoso oportunismo crónico de Amazonas, bastaria   uma rápida leitura  dos documentos do congresso para nos tirar quaisquer ilusões(1).

Cabe antes de mais esclarecer que o PCdoB não é um dos muitos grupos de propaganda que usam o nome de partidos M-L; tem deputados federais e estaduais, dirige organizações sindicais e estudantis de âmbito nacional, mantêm presença activa nas grandes movimentações populares como a que levou à recente queda de Collor. Tanto mais grave o efeito das suas posições dúplices.

As flores…

Amazonas fez no congresso um ataque cerrado ao imperialismo e à campanha anticomunista em curso e condenou com veemência as agressões americanas contra o Iraque e o Panamá. «A pax americana — afirmou — não passa de brutal violência contra as nações e os direitos dos povos».

Mas não só. Ele reclamou-se do marxismo-leninismo, da luta de classes como força motriz da evolução social, defendeu a necessidade da passagem revolucionária ao socialismo, a ditadura do proletariado, o papel de vanguarda do partido comunista, o internacionalismo proletário, o centralismo democrático.

Numa intervenção especial ao congresso, o dirigente do partido Luís Fernandes refutou, de forma que só podemos considerar correcta, os ataques analfabetos que agora se ouvem a todas as esquinas contra o conceito de ditadura do proletariado.

Mas o melhor veio a seguir.

…e os frutos

O partido rejeita, por errada, a muralha que a sua estratégia anterior levantava entre a etapa democrática e a etapa socialista da revolução no Brasil, o que era devido, segundo confessa, ao receio de afugentar possíveis aliados. Agora isso acaba: «Demos um salto de qualidade em nosso pensamento». «O Brasil necessita é passar ao socialismo».

Quer isto dizer que o PCdoB vai corrigir a sua desgraçada política de usar o movimento operário como carne para canhão em sucessivas campanhas democráticas e nacionais, sempre capitalizadas pela burguesia liberal? Nem por sombras. A directiva central do congresso foi para… uma campanha «em defesa dos fundamentos da nação brasileira aviltada»! Campanha que deverá unir o movimento operário e popular aos «representantes da economia autenticamente nacional», aos «sectores militares que não concordam com a perda crescente da soberania» e a «personalidades destacadas da vida nacional», «em suma, a todos aqueles que amam a pátria»! Como primeiro passo na luta pelo socialismo e amostra do tal «salto de qualidade» não está mal.

O esforço de atracção dos aliados da causa patriótica toma mesmo tons escabrosos quando, num manifesto aprovado pelo congresso, se denuncia a existência de uma «propaganda insidiosa» contra o Exército, se afirma que «não enfileiramos ao lado dos que fazem campanha contra as Forças Armadas com propósitos claramente antinacionais», e se protesta contra a desactivação de fábricas de armamentos, porque isso «desarma a nação brasileira face a possíveis agressões»!

Será necessário lembrar o que signifiga este namoro ao Exército num país com com as condições de terrorismo militar do Brasil?

Internacional dos aparatchiks

Olhando para os restos do mal chamado «movimento comunista», Amazonas julga descobrir «entre os partidos que haviam adoptado o revisionismo do PCUS um empenho salutar visando reorientar as suas posições político-ideológicas» e empenha-se no «acercamento entre as correntes que se pretendem partidárias do socialismo científico».

Assim, pois, o PC do Brasil, que tanto se gaba do seu pioneirismo na luta contra o revisionismo, pretende ir buscar às sobras deste as forças para reconstruir o movimento comunista. Decénios de traição aos interesses do proletariado e da revolução são esquecidos; segundo parece, tudo se resumiu a um deslize…

Amazonas congratula-se porque, no meio do descalabro do «socialismo real» na ex-URSS e na Europa de Leste, «alguns países onde a revolução triunfou, como Cuba, Vietname, Coreia do Norte e China Popular, mantêm-se decididos a levar adiante a causa que defendem».

Qual seja essa causa, ninguém ignora: não há nesses países nem vestígios de poder operário e popular, os partidos governantes são máquinas burocráticas opressivas, a exploração capitalista prolifera — mas isso para Amazonas não tem nenhuma importância. Se mantêm o grosso da economia  estatizada e o governo dos aparatchiks — passa-lhes o atestado de «socialistas».

É sem dúvida positiva, na sinistra «nova ordem mundial», a resistência desses governos à pressão económica e política do imperialismo. Mas isso nada tem a ver com socialismo.

Histórias para adormecer

Discorrendo sobre as «causas da derrota do socialismo» (tema que motivou a antecipação deste congresso), Amazonas limita-se a repetir chavões gastos do ex-movimento M-L.

As coisas descambaram só a partir da morte de Staline, e por razões ideológicas. «O socialismo foi esmagado por uma corrente que actuava no seio do movimento revolucionário». A culpa foi dos «bajuladores de Staline», do «clima de auto-satisfação e comodismo», do insuficiente progresso da teoria, etc.

Se não fosse isso, o socialismo ainda hoje vigoraria na URSS, mesmo sem sombra de poder dos sovietes, mesmo com os privilégios da nomeklatura, ausência de liberdades, etc.  Amazonas admite que houve de facto uns excessos, por Staline ter uma tese equivocada sobre sobre o acirramentoo da luta de classes». Daí as «repressões continuadas e possivelmente desnecessárias, com repercussão negativa na credibilidade do regime».

Lê-se e não se acredita. Para Amazonas, a edificação pelo terror do capitalismo estatal é aceite como socialismo legítimo. Para ele, o mal dessas repressões não é o sacrifício de milhões de trabalhadores, o regime do medo, a sobreexploração em beneficio da burguesia de Estado, mas o facto de afectar a «credibilidade do regime»! Ainda bem que nos expõe com tanta franqueza o seu conceito de socialismo!

Gato por lebre

O pretenso purismo de princípios do PC do Brasil é uma fraude calculada para ganhar simpatias junto dum movimento popular combativo e radicalizado mas pouco educado ideologicamente. Com as suas proclamações sobre a revolução socialista e a ditadura do proletariado, Amazonas procura continuar a atrelar o movimento dos trabalhadores e da juventude a novos acordos com a burguesia nacionalista. É caso para dizer que o movimento «M-L», depois de morto, ainda faz estragos.


Nota de rodapé:

(1) «O Socialismo vive». Documentos e resoluções do 8o Congresso do PC do Brasil. Editora Anita Garibaldi, São Paulo, 1992. (retornar ao texto)

Inclusão 10/06/2018