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Primeira Edição: Política Operária nº 101, Set-Out 2005
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Um arrepio perpassou na nossa alegre sociedade de sucesso perante aquele mar de gente popular a venerar a memória de Álvaro Cunhal, como já dias antes acontecera com Vasco Gonçalves. Pois, trinta anos passados sobre a “normalização”, ainda se podem reunir multidões de pobres com bandeiras vermelhas? Pois ainda há gente saudosa da malfadada bagunça? Disfarçando mal a inquietação, os comentadores de serviço cuspiram o seu veneno sobre os dois desaparecidos.
Vieram depois os mais argutos acalmar as hostes com a constatação de que as multidões se reúnem agora para chorar os seus mortos, não para lutar pela mudança. “Não nos alarmemos, são ajuntamentos nostálgicos”.
E é verdade. A “força do PC” só se exibe agora nas cerimónias fúnebres. O povo miúdo vive o luto de um sonho que não sabe como se sumiu. Não entendeu ainda como era fugidia a aparente firmeza dos seus líderes nem sabe que foi usado como moeda de troca na “normalização democrática” — daí a orfandade em que se arrasta.
Seja como for, a mensagem destes funerais deve ser tida em conta por nós, pela revolta larvar que indica. A carga é demasiado pesada. Os abusos passam as marcas. A paciência esgota-se. O desejo de sacudir a canga não se apagou das mentes. É com esse material que devemos trabalhar.
Inclusão | 23/10/2018 |