A Diferença

Francisco Martins Rodrigues

Março/Abril de 2006


Primeira Edição: Política Operária, nº 104, Mar-Abr 2006

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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O contraste é chocante. No mesmo dia em que, em França, o governo se via obrigado a retirar o famigerado CPE, após semanas de tumultuosas manifestações envolvendo milhões de jovens -, nesse mesmo dia, em Portugal, era aprovada, com o acordo das centrais sindicais e no meio do fatalista silêncio dos trabalhadores, uma nova lei que restringe ainda mais o subsídio de desemprego. A desculpa das centrais sindicais foi que o governo aceitou “melhorar” o texto inicial...

Porquê a pindérica burguesia portuguesa avança tranquilamente num terreno em que uma das mais poderosas burguesias europeias teve de recuar? Não é decerto por a esquerda parlamentar e os aparelhos sindicais de lá serem menos colaboracionistas do que os de cá, pelo contrário.

A diferença está no activismo do movimento popular em França, que não tem paralelo com o que se passa no nosso país. Em França (como em Espanha, como noutros países europeus), o Estado tem que se haver com a vitalidade das reivindicações e das iniciativas locais, animadas pelos mais variados núcleos da esquerda militante, a desembocar em acesos conflitos sociais, como aquele a que acabamos de assistir.

Nada disso existe entre nós. A esquerda atravessa, há demasiados anos, uma depressão de que tarda em recompor-se. O absurdo sentimento de culpa pelos “excessos” de 75 (quando, na realidade, o que houve foi excesso de timidez) provocou a debandada de centenas de militantes e a desagregação da extrema-esquerda. O movimento popular ficou à mercê da ofensiva do capital, sempre insaciável quando não encontra resistência. E quanto mais ataques suporta sem reacção, maior o desânimo, maior a dificuldade para se reerguer.

É urgente sair deste impasse. Até porque a reforma das leis laborais, reclamada pelo patronato, é o touro que Sócrates está disposto a "pegar pelos cornos”, no sugestivo comentário dos analistas. Se não acordarmos depressa, muito mais difícil será depois reverter a situação.

O exemplo combativo de França, como as recentes greves no Reino Unido e Alemanha e as movimentações dos imigrantes nos Estados Unidos, mostram que, contra a passividade e a conciliação, é possível e proveitoso o caminho da resistência.


Inclusão 18/08/2019