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Primeira Edição: Política Operária nº 109, Março-Abril 2007
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
A concordância da administração Bush em sentar-se à mesa das negociações com delegações do Irão e da Síria para discutir a “estabilização” do Iraque foi apresentada por certa imprensa como um sinal de apaziguamento na chamada “crise iraniana”. Multiplicam-se contudo sinais iniludíveis de que esta “concessão” se destinou apenas a cobrir a escalada em curso: depois da detenção pelo exército norte-americano de uma delegação iraniana em visita oficial ao Iraque, em Fevereiro, os EUA forçaram a aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU de novas sanções contra o Irão; concentram no Golfo uma enorme força naval; na Austrália, o vice-presidente Dick Cheney repete que, quanto ao Irão, “o governo considera todas as opções”; a CIA prossegue com operações clandestinas para desestabilizar o governo do Irão; e em fins de Março uma lancha de guerra inglesa entrou em águas territoriais iranianas, numa provocação que só não teve maiores consequências devido à hábil reacção de Teerão.
Não restam muitas dúvidas de que está em marcha uma escalada de provocações semelhante à que teve lugar quando do cerco ao regime de Saddam Hussein. Contando com a cooperação do governo inglês neste tipo de tarefas sujas, Washington pretende criar uma situação irreversível que culmine numa “provocação intolerável” dos iranianos e acabe por justificar aos olhos da opinião pública o desencadeamento de actos de guerra. Mesmo a inesperada “normalização” da crise com a Coreia do Norte pode fazer parte da concentração de forças em torno do Irão.
Os EUA têm neste momento no Golfo dois porta-aviões (Dwight Eisenhower e Nimitg) e três grupos navais de ataque. Um terceiro porta-aviões está a caminho. Não se trata só de intimidação. Segundo a BBC, o comando central dos EUA tem uma lista completa de alvos iranianos a atacar com mísseis: centrais nucleares, bases aéreas e da marinha, centros de mísseis, etc.
A hipótese de uma nova aventura militar, quando os Estados Unidos estão a braços com um cenário catastrófico no Iraque, parece de tal forma insensata que muitos se recusam a admiti-la como possível. Mas isto é não ter em conta que, para o Pentágono, a fuga para a frente é um recurso para tentar evitar um desastre iminente.
Escolhido desde o 11 de Setembro como alvo principal da ofensiva no Médio Oriente e incluído na lista do “Eixo do Mal”, o Irão tem vindo de então para cá a tornar-se um empecilho cada vez maior na “reconfiguração estratégica” planeada pela equipa de Bush. A utilização dos partidos xiitas como alicerce do governo colaboracionista no Iraque, o descalabro da ocupação daquele país e o estrondoso fracasso israelita no Líbano só serviram para aumentar a influência política do Irão na região. Não tendo conseguido até agora o derrubamento do seu regime por uma crise interna, só resta a Bush a via do ataque militar.
Para os estrategas do Pentágono, tudo se resume pois a criar bons pretextos para o ataque. Ou pela histeria em torno da ameaça nuclear iraniana; ou devido a um ataque mortífero às forças dos EUA no Iraque, que permita acusar o Irão; ou pelo lançamento de um míssil sobre Israel e atribuído a Teerão — meios não faltam para que, em ambiente de crise nacional, o Congresso vote plenos poderes a Bush para retaliar.
Naturalmente, uma invasão terrestre igual à do Iraque está por natureza excluída. Bush-Cheney sabem-no e não tencionam meter-se noutro pântano. Mas há outra “solução” — uma onda de bombardeamentos aéreos, ditos “cirúrgicos”, que ponham fora de acção os meios de retaliação do Irão. É essa que está a ser activamente preparada e de que dão conta os testemunhos que a seguir reproduzimos.
LEONIDE IVACHOV:
“Vamos provavelmente assistir à entrada em acção da guerra informacional, com uma febre histérica anti-iraniana, “fugas” de notícias para os jornais, desinformação, etc. Como não é certo que o Congresso dos EUA autorize a guerra, poderá recorrer-se a uma provocação, como um ataque contra Israel ou contra bases militares dos EUA. Se essa provocação tiver uma amplitude da ordem dos atentados do 11 Setembro de 2001, então o Congresso dirá decerto ‘sim’ ao presidente.”
MICHEL CHOSSUDOVSKY:
“A decisão de atacar o Irão nada tem de surpreendente. Consta já desde 1995 dos planos de guerra do Centcom (Comando Central US). Actualmente, Washington estuda o recurso a uma força militar esmagadora que atacaria em represália a uma alegada agressão ou desobediência do Irão a intimações da ONU.
O bombardeamento das instalações militares iranianas com armas convencionais desencadearia uma catástrofe do tipo da de Tchernobyl, com poeiras nucleares de grande envergadura. Se o Irão responder por meio de ataques contra instalações dos EUA, no Iraque ou nos países do Golfo, serão então utilizadas armas nucleares tácticas ‘preventivas’ aníibunker. Israel, pela sua parte, está pronto. Os preparativos para um ataque aéreo de surpresa ao Irão começaram em 2004”. (Global Research, 21/2/07).
JOHN PILGER:
“Os Estados Unidos estão a planear o que será um ataque catastrófico ao Irão sob a alegação de que este constitui uma ‘ameaça à paz’.
Contudo, no capítulo da “ameaça iraniana”, a única prova sólida é a ameaça colocada pelos Estados Unidos. Uma formação naval norte-americana está a postos no Mediterrâneo oriental. Pela primeira vez desde os anos mais perigosos da Guerra Fria, a utilização do que então se chamava armas nucleares “limitadas” está a ser discutida abertamente em Washington. Seymour Hersh revelou no ano passado no New Yorker bombardeiros americanos “têm estado a voar em missões simuladas de lançamento de armas nucleares, desde o último Verão” e o bem informado Arab Times, do Kuwait, afirma que Bush atacará o Irão antes do final de Abril.
Em Novembro último, a maioria do eleitorado americano votou pelo Partido Democrata a fim de travar a guerra no Iraque. Tem havido insípidos discursos de “desaprovação”, mas é improvável que isso aconteça.
Pode isto estar realmente a acontecer outra vez, menos de quatro anos após a invasão do Iraque que deixou um saldo de 650.000 mortos? Escrevi praticamente este mesmo artigo no princípio de 2003; basta ler ‘Irão’ onde eu então mencionava o Iraque.
Na Grà-Bretanha, salvo algumas honrosas excepções, o Parlamento permanece vergonhosamente silencioso. Jornalistas privilegiados, académicos e artistas, escritores e dramaturgos que por vezes falam acerca da “liberdade de expressão” estão silenciosos. O que esperam? A declaração de um outro Reich de mil anos, ou uma nuvem em cogumelo no Médio Oriente? Ou ambos?”
Os principais jornais e noticiários televisivos dos EUA nem sequer noticiaram o testemunho recente do antigo conselheiro de segurança nacional Zbigniew Brzezinski quando declarou perante a Comissão dos Negócios Estrangeiros do Senado que a administração Bush se está a dirigir para um confronto militar com o Irão e que, para o conseguir, poderá criar um “cenário plausível” para uma acção militar americana “defensiva”. Sugeriu, inclusive, que a Casa Branca era capaz de fabricar ou permitir um ataque terrorista dentro dos Estados Unidos para criar um pretexto de guerra contra o Irão.
Que estas declarações explosivas, proferidas por uma personalidade como Brzezinski, com ligações estreitas aos aparelhos militar e de informações, tenham sido ignoradas pela grande imprensa e pelos noticiários televisivos da PBS e NBC, etc., só tem uma interpretação possível: os meios de comunicação institucionais preparam-se de novo, tal como na corrida para a invasão do Iraque, para servir de caixa de ressonância da propaganda da guerra e das mentiras da administração Bush.
Inclusão | 10/06/2018 |