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Primeira Edição: Publicado originalmente em Printsipy i puti razvitiya psikhologii, com o título “Materializm i empiriokrititsizm” V. I Lenina i reflektornaya teoriya.
Fonte: https://medium.com/katharsis/rubinstein-lenin-materialismo-empiriocriticismo-reflexo-b5552d559714
Tradução: Bruno Bianchi
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
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Como todas as obras genuinamente grandes, o Materialismo e Empiriocriticismo de Lênin determina ou indica a orientação do desenvolvimento posterior do pensamento científico e filosófico, e não o fixa em um determinado ponto. O significado do conteúdo ideológico em geral e, sobretudo, do pensamento leninista desta obra — a obra filosófica mais importante de Lênin — é estimado, precisamente, pela importância do caminho que teve que percorrer a investigação científica para que a previsão filosófica inicial fosse comprovada no campo científico e se apresentasse como generalização de dados da investigação concreta firmemente estabelecidos.
Lutando contra o chamado monismo “neutro” e idealista de Berkeley, Lênin o contrapôs ao monismo materialista da filosofia marxista, cuja essência ele expressou com uma fórmula de extremo laconismo e concisão: o psíquico, a consciência, o espírito é “a função do cérebro, a reflexão do mundo exterior”.(1)
Nos familiarizamos tanto com esta fórmula, ela se converteu em algo tão evidente, em algo tão claro em si mesma, que nem sempre percebemos o poder de síntese que é necessário para soldar suas duas partes em um todo.
A primeira parte da fórmula segundo a qual o psíquico, a sensação, o pensamento é função ou fruto do cérebro, separado da segunda parte, mais de uma vez — como podemos comprovar pela história da filosofia — levou a afirmar que a sensação, o pensamento, a imagem, engendrados pelo cérebro, são determinados por ele e expressam a natureza do órgão que os produz, não seu objeto. Onde esta tese encontrou sua expressão mais definitiva foi na teoria da sensação formulada pelo chamado idealismo fisiológico, objeto da crítica de Lênin. Enquanto a tese relativa ao psíquico como reflexão(2) da realidade objetiva [otrazhenii ob’yektivnoy real’nosti] — segunda parte da fórmula de Lênin — se afirma o caráter determinado da sensação, da percepção, do pensamento, da consciência por parte de seu objeto.
Para superar todo antagonismo possível entre os dois princípios desta fórmula, foi necessário transformar de maneira mais profunda e revolucionária a concepção que havia adquirido status de natureza na fisiologia dos sentidos e passar da ideia da função como trabalho do órgão determinado apenas a partir do interior por sua estrutura morfológica, à ideia da função como atividade do cérebro que responde à ação do mundo exterior e que estabelece uma interação entre o indivíduo e dito mundo. A transição a este novo conceito da função do cérebro exigiu que se criasse a teoria do reflexo da atividade cerebral. A atividade psíquica do cérebro pode ser uma reflexão do mundo apenas se a atividade do próprio cérebro seja uma atividade reflexiva, ou seja, constitua uma resposta às influências do mundo exterior, por elas condicionada. A teoria do reflexo foi a ligação necessária que, no nível das ciências naturais, permitiu estabelecer um nexo mediado entre as duas partes componentes da fórmula de Lênin, entre os dois princípios unidos por Lênin em uma unidade como característica do monismo materialista.
Lênin contrapôs o monismo materialista ao monismo “neutro” do machianismo.(3) Quando Lênin, trabalhando em seu Materialismo e Empiriocriticismo, submeteu à crítica o machianismo — o monismo “neutro” — e formulou a essência do monismo materialista, ainda não estava bem claro como o machianismo havia penetrado na psicologia e as consequências deste fato para a filosofia, assim como a concepção do monismo materialista ainda não havia recebido sua ampla expressão científica na teoria de Pavlov sobre a atividade nervosa superior.
O surgimento do machianismo estava ligado à crise da física. Então, o machismo começou a penetrar na psicologia. Não só a matéria, mas também a consciência começou a dissolver-se na experiência ambiguamente concebida. Em resposta à afirmação dos machianos da física: “A matéria desapareceu”, ressoou, como um eco, a marca do machiano da psicologia: “A consciência se evaporou” (James). Mas quando do homem, sobretudo de seu cérebro, foi extraída aparentemente, a consciência (sensação, pensamento etc.) e vertida ao exterior como experiência, no homem não permaneceu mais que as reações como objeto da psicologia. Deste modo, o machianismo expôs completamente a crise da psicologia idealista da consciência e preparou o terreno para o behaviorismo, no qual, mais tarde, baseou suas estruturações filosóficas o neorrealismo, nova variedade do monismo “neutro” (Russell e outros).
O “objetivo” estratégico último do neorrealismo e do machianismo eram idênticos; a única coisa em que divergiam era em sua tática. Ao visar, em última instância, contra a matéria, o neorrealismo deu o primeiro golpe contra a consciência; isso permitiu aos filósofos que defendiam tal variedade do monismo “neutro” se disfarçasse com as vestes do realismo. (O mesmo recurso tático foi utilizado mais tarde pelo pragmatismo, aliando-se ao behaviorismo “social”). A filosofia, então, se viu diante da necessidade de levar em conta a situação criada não apenas na física, mas também na psicologia.
Durante as últimas décadas transcorridas após Lênin ter escrito seu trabalho, a situação filosófica geral se agudizou ao extremo. Fora da União Soviética, sobretudo nos Estados Unidos, a reação levantou a sua cabeça. Na filosofia e psicologia burguesas, ao lado do positivismo e do idealismo sem vergonha, mascarado, do monismo “neutro”, vem ganhando maior peso especificamente o idealismo franco e combativo do monismo espiritualista. Ampla difusão foi alcançada pela filosofia tomista e pela psicologia tomista (Brennan, Donceel, Nichol e outros).
Nestas condições adquiriu singular importância a fundamentação científico-natural da psicologia materialista. Esta fundamentação foi proporcionada pelo desenvolvimento da teoria do reflexo e a teoria, criada por I. P. Pavlov, sobre a atividade nervosa superior. A criação desta teoria constitui um dos maiores acontecimentos registrados na história das ciências naturais desde a aparição do livro Materialismo e Empiriocriticismo, um acontecimento que, além disso, está em relação direta com o estudo científico da atividade psíquica e com a fundamentação científica do monismo materialista.
É sabido que os primeiros fundamentos da teoria do reflexo concernentes à atividade psíquica foram estabelecidos por I.M. Sechenov. Sechenov estendeu ao encéfalo o conceito de atividade reflexiva e enfatizou que esta atividade inclui o “elemento” psíquico como sua “parte integrante”; que também os processos psíquicos transcorrem de acordo com o tipo de reflexo. I.P. Pavlov introduziu neste esquema geral, o conteúdo fisiológico concreto ao criar a “autêntica fisiologia” da seção superior do cérebro, a teoria — baseada nas leis da neurodinâmica, descobertas por Pavlov — da atividade nervosa superior. I. P. Pavlov considerou que a atividade nervosa superior, a atividade reflexiva condicionada da seção superior do cérebro era, ao mesmo tempo, nervosa (material) e psíquica, e a tornou objeto de uma sistemática análise fisiológica. No centro da problemática filosófica que, consequentemente surgiu em uma nova forma concreta, perceptível ao mais alto grau, figuram os problemas concernentes ao monismo materialista da filosofia marxista-leninista e os relativos à concepção do determinismo em geral, assim como, em particular, a sua aplicação à atividade reflexiva do cérebro.
O núcleo metodológico da teoria do reflexo é o princípio do determinismo. Este princípio, em sua concepção materialista dialética, tem — como o entendo e como intenciono demonstrar — como base ontológica, a propriedade da reflexão como propriedade geral da matéria, propriedade de que fala Lênin em seu Materialismo e Empiriocriticismo, e constitui, ao mesmo tempo, a base metodológica tanto da teoria da reflexão em sua expressão gnoseológica especial como a da teoria do reflexo. Tomada em abstração dos seus mecanismos fisiológicos especiais que a efetuam e que são objeto da fisiologia, a refletividade como tal não significa outra coisa que um simples procedimento para a determinação dos fenômenos. A teoria do reflexo adquire este ou aquele caráter (aspecto) de acordo como se entende tal determinação. A teoria do reflexo formulada por Descartes constituía uma realização particular do determinismo mecanicista, da teoria da causa como impulso externo. James, em sua concepção do reflexo como ato ideal-motor, assinalou a variante idealista, indeterminista da teoria do reflexo. Sechenov e Pavlov se orientam espontaneamente à concepção materialista dialética na sua maneira de compreender a determinação da atividade reflexa do cérebro. A atividade reflexa é uma atividade com a qual o organismo responde à ação do estímulo; veja bem, o estímulo externo não determina de maneira direta o efeito último do processo a que dá origem; sua ação se efetua de maneira mediata, através das condições em que se encontra. Segundo a teoria de Pavlov acerca da atividade nervosa superior, o efeito de qualquer estímulo depende do sistema de nexos condicionados — formados no indivíduo — sobre o qual o estímulo incide, isto é, depende do caráter das condições internas através das quais a sua ação é refratada [prelomitsya]. São, também, leis internas, as leis fundamentais da neurodinâmica descobertas por I. P. Pavlov, leis que estabelecem o decurso propriamente dito dos processos nervosos fundamentais e as suas correlações. Estes processos nervosos e as suas leis internas são o que mediatizam, segundo a teoria sobre a atividade nervosa superior, a dependência das reações externas, das correlações externas entre o organismo e o meio, das suas condições de vida. A análise da teoria do reflexo à luz da filosofia marxista-leninista conduz de maneira necessária à expressão filosoficamente concebida do princípio materialista dialético do determinismo: as causas externas atuam através de condições internas.
Não é difícil se convencer de que a estrutura metodológica da teoria leninista da reflexão é a mesma, dado que tal estrutura inclui em si a afirmação do papel determinante do objeto e, ao mesmo tempo, enfatiza que sua reflexão não é morta, tal como a de um espelho. Segundo a teoria da reflexão, o objeto determina o conhecimento, mas não determina a imagem do objeto direta, mecanicamente, senão de forma mediada, através da atividade de análise, de síntese, dirigida ao reestabelecimento mental da realidade objetiva transformando os dados sensoriais que surgem como resultado da ação do objeto sobre os órgãos dos sentidos, porém sem expressar de maneira adequada a “essência” do objeto.
A concepção materialista dialética do determinismo estabelece um nexo mediado entre a teoria do reflexo e a teoria da reflexão e, em certo sentido, as une formando um todo. Podemos dizer — como se indicou mais acima — que a teoria do reflexo constitui a extensão do princípio do determinismo sobre a atividade psíquica como atividade nervosa superior do cérebro, enquanto a teoria materialista dialética da reflexão constitui a extensão do mesmo princípio à atividade psíquica como atividade cognoscitiva do homem. A teoria do reflexo em questão não é mais uma teoria do reflexo direto, como foi formulada pelos próprios Sechenov e Pavlov, mas uma generalização dela, que já foi muito avançada.
Temos, então, que as ciências naturais, após a publicação do trabalho de Lênin, Materialismo e Empiriocriticismo, ao elaborar a teoria do reflexo da atividade do cérebro, reafirmou a previsão leninista sobre a atividade psíquica como função do cérebro, como reflexão da realidade e situou, ao mesmo tempo, para o primeiro plano, a análise filosófica do princípio do determinismo. Por outro lado, a inclusão orgânica do problema do determinismo no complexo de problemas da teoria da reflexão permite encontrar novas expressões para formular o pensamento que enunciava V.I. Lênin ao falar, de maneira figurada, da reflexão como algo não morto, não parecido com um espelho. Ao mesmo tempo, ao elaborar a partir das posições do materialismo dialético o problema relativo à determinação dos fenômenos psíquicos abriu-se o caminho para a estruturação de uma teoria psicológica solida e com perspectivas promissoras.
Isso se traduz já, com toda a clareza, na estrutura da teoria psicológica do pensamento, no enfoque dos problemas básicos, de princípio, acerca da teoria da sensação e da percepção e se traduz na solução de todas as questões fundamentais da psicologia, incluindo as questões psicológicas da educação do homem. Aqui temos as bases para levantar todo o edifício da psicologia científica, capaz de se envolver de maneira eficiente na resolução dos problemas da vida.
A análise materialista dialética mostra que os fenômenos psíquicos se entrelaçam na vida do homem como condicionados e condicionantes. Ao mesmo tempo em que dependem das condições de vida, condicionam o comportamento do homem, são o nexo mediado através do qual se estabelece a dependência da atividade humana das condições de vida, regulam a atividade do ser humano. Sem admitir o papel da atividade psíquica na regulação do comportamento, é impossível chegar a uma concepção determinista desta última, da atividade dos indivíduos. Não foi em vão que Lênin rechaçou o epifenomenismo.(4) A este papel regulador dos processos psíquicos se ligou o fato de que toda investigação psicológica acertadamente colocadas deve ter um sentido vital prático, pode e deve ser útil para o fazer prático.
Em seu Materialismo e Empiriocriticismo, Lênin cita as seguintes palavras de Engels, com as quais se solidariza: “A forma do materialismo deve inevitavelmente modificar sua forma com toda descoberta que faz época, inclusive no campo das ciências naturais”.(5) Esta tese também se aplica ao caso em questão. A teoria do reflexo e a teoria da atividade nervosa superior exige uma análise a partir das posições do materialismo dialético; por sua vez, a teoria do reflexo proporciona material para o posterior desenvolvimento de vários princípios do materialismo dialético. Tal é, em geral, a única correlação entre a filosofia e as ciências naturais, fecundas para ambas. A mera superposição de categorias filosóficas abstratas sobre os fatos das ciências naturais, assim como a acomodação mecânica dos fatos científicos às categorias filosóficas, sem enriquecê-las de forma alguma, constitui um empreendimento inútil. São frutíferas apenas a interação e a interpretação entre as disciplinas citadas, o que leva, por um lado, a um desenvolvimento da teoria, a uma generalização teórica dos fatos dados e, por outro, utilizando os dados fornecidos pelas ciências naturais, uma elaboração de problemas filosóficas da teoria filosófica. É missão do cientista guiar-se pelo que pode dar e dá a filosofia marxista-leninista para a estruturação da teoria, para a compreensão teórica das ciências naturais; mas a tarefa — em todo caso, a tarefa principal — do filósofo que trabalha em estreito contato com a ciência natural é resolver, baseando-se nos materiais das ciências naturais, os problemas filosóficos, para desenvolver a teoria filosófica. Assim é que deve ser feito no presente caso. Após a publicação de Materialismo e Empiriocriticismo, o curso que se seguiu o desenvolvimento da ciência destinada a estudar a atividade nervosa superior ou psíquica do cérebro tem colocado o problema de analisar filosoficamente a teoria do reflexo e desenvolver mais a teoria filosófica, de concretizar as teses básicas de Lênin.
A questão é análoga ao monismo materialista como superação do dualismo da matéria e consciência ou espírito. Também nesta esfera as proposições de Lênin permanecem plenamente vigentes. A teoria da atividade nervosa superior, ao interpretar a atividade psíquica como nervosa superior, rompeu decisivamente com o dualismo; ao mesmo tempo, embora como indicou o próprio Pavlov, sua teoria tenha submetido a atividade psíquica ou atividade nervosa superior apenas a uma análise sistemática fisiológica, sua teoria tem, para certos autores, posto em questão a própria existência da ciência psicológica, como se ela colocasse as bases teóricas de pouca estima — nociva do ponto de vista do estado — em que se tem mantido entre nós, e que ainda se observa, o valor prático da psicologia para a vida. Isto se refletiu na falta de clareza na solução dada a alguns problemas filosóficos fundamentais.
Em indubitável relação com a teoria de Pavlov acerca da atividade psíquica como atividade nervosa superior, na União Soviética tem aparecido recentemente a tendência — sobretudo entre os jovens filósofos — a proclamar a materialidade do psíquico em contraposição a sua caracterização gnoseológica como ideal. Aqueles que sustentam este ponto de vista ultrarradical, ultra “esquerdista”, se referem, para defende-lo, à tese do materialismo dialético, formulada por Engels, segundo a qual a unidade do mundo se baseia em sua materialidade. Os defensores da materialidade do psíquico veem no reconhecimento do caráter ideal do mesmo um perigo de dualismo, a possibilidade de que o psíquico seja levado mais além dos limites do mundo material e se contraponha como ideal à base material do mundo.
Lênin indicava em Materialismo e Empiriocriticismo que ao examinar o problema do psíquico e do físico, da consciência e da matéria, é necessário distinguir a orientação gnoseológica da investigação em relação a outros de seus planos ou orientações.(6) A contraposição do psíquico e do material, legítima no plano da gnoseologia, se converte em um erro crasso se for estendida além de seus limites. Este princípio pode ser generalizado e, ao mesmo tempo, concretizado no sentido de que os fenômenos psíquicos — como todos os outros — em distintos sistemas de nexos e relações aparecem em diferentes qualidades; outras propriedades ou outros aspectos tornam-se nele orientadores, determinantes: a atividade psíquica é ideal em sua expressão resultante como imagem, como ideia, na relação gnoseológica da imagem, da ideia, em relação à coisa, ao objeto. Isto não exclui de forma alguma o fato de que a atividade psíquica é ao mesmo tempo não apenas uma atividade psíquica, mas também uma atividade nervosa do órgão material do cérebro.
Mas não é possível diferenciar apenas o plano gnoseológico e o científico-natural, ou o “ontológico” e as correspondentes características da atividade psíquica; é necessário também “sintetiza-los”, correlaciona-los. Também na teoria do ser é necessário levar em conta o plano gnoseológico, assim como os requisitos da “ontologia”, da teoria do materialismo dialético sobre o ser, na teoria do conhecimento.
Na esfera da gnoseologia isto significa, em nosso modo de ver, que por trás da relação entre a imagem e a coisa é necessário descobrir, como inicial, a relação entre o sujeito cognoscente e o objeto da cognição, a realidade objetiva, isto é, entre as duas realidades materiais. Desta forma, se conserva a contraposição entre a imagem ideal e a coisa material, ao mesmo tempo em que se supera todo perigo de que o ideal se dirija mais além dos limites do mundo material. O destaque, tal como indicamos, no primeiro plano da teoria do conhecimento, na relação entre sujeito e objeto, sua dialética, constitui uma continuação direta das ideias mais importantes de Marx. Por outro lado, levar em conta o aspecto gnoseológico da característica da atividade psíquica, incluindo na caracterização do psíquico dada por Lênin (como a função do cérebro, a reflexão do mundo exterior), proporciona um ponto de partida para diferenciar na atividade reflexa e única do cérebro o seu aspecto propriamente psicológico. Nós partimos da ideia de que a atividade do cérebro é toda única e reflexa. Em relação com esta atividade, as coisas se apresentam, primeiro, como estímulos que atuam sobre os órgãos dos sentidos, sobre o cérebro; no decorrer de dita atividade, surgem sensações, percepções, e como resultado delas, as coisas aparecem ao indivíduo em uma nova qualidade: a de objetos do conhecimento e de atividade. Com isto se é determinado a transição do plano fisiológico da investigação, ao plano psicológico. A psicologia e a gnoseologia tem objetivos diferentes: mesmo quando a psicologia lida com os processos da cognição, se faz referência às leis de seu curso no indivíduo, enquanto a gnoseologia lida com sua veracidade ou adequação ao ser. Não é por acaso, porém, que Lênin incluiu o princípio gnoseológico sobre a “reflexão do mundo exterior” na caracterização fundamento do psíquico. A relação gnoseológica com o objeto só é possível onde aparece já o seu aspecto psíquico na atividade de reflexão única do cérebro. Assim, qualquer intenção de reduzir a atividade de reflexão do cérebro exclusivamente ao seu aspecto fisiológico significa — quer se queira ou não, quer se esteja ou não ciente disso — uma tendência a liquidar não apenas a psicologia, mas também a gnoseologia. O reconhecimento da gnoseologia marxista-leninista, sua própria existência, pressupõe, necessariamente, reconhecer também a ciência psicológica, sua fundamentação filosófica.
Nos é colocado, então, necessariamente o problema da correlação entre a psicologia e a teoria fisiológica da atividade nervosa superior. Antes de tudo, afirmamos a sua indissolúvel união. A base mais confiável desta uniformidade não é a tentativa de reduzir mecanicamente toda a ciência psicológica a uma única doutrina fisiológica de atividade nervosa superior, mas a uniformidade daqueles princípios filosóficos e metodológicos que estão subjacentes tanto aos aspectos fisiológicos quanto psicológicos do estudo da atividade de reflexão do cérebro humano.
Sobre o fundamento do monismo materialista e da teoria do reflexo no sentido indicado acima, isto é, em última instância, sobre a base do princípio do determinismo em sua concepção materialista dialética, será erguido o edifício da ciência psicológica.
O problema fundamental da filosofia é aquele que trata da matéria e da consciência, do físico e do psíquico. Não é possível resolvê-lo partindo apenas dos dados da física sobre a matéria, baseando-se nos conhecimentos que se referem apenas a um dos elementos da relação indicada; não é possível, deste modo, resolver o problema básico da filosofia sem correr o risco de deslizar para as posições do materialismo mecanicista. Para resolver o problema básico da filosofia acerca da relação entre a matéria e a consciência, é indispensável levar em consideração os dados científicos não só acerca da matéria, mas também acerca da consciência. O desenvolvimento dos problemas filosóficos básicos facilita o desenvolvimento da psicologia; ao mesmo tempo, a própria teoria filosófica se torna mais concreta e avança sobre a base do material da psicologia. Nos proporciona uma série demonstração disso a vinculação dos princípios fundamentais de Materialismo e Empiriocriticismo de Lênin e as vias de desenvolvimento da ciência psicológica.
Notas de rodapé:
(1) V.I. Lénine, Materialismo e Empiriocriticismo, Lisboa, Editora Avante!, 1982, p. 68. (retornar ao texto)
(2) N.T. O autor trabalha aqui e em outros escritos acerca de duas teorias e dois conceitos diferentes no idioma russo. O primeiro, Otrazheniye, da tradição filosófica, que diz respeito a capacidade de reflexão dos sujeitos, de refletir idealmente o objeto material externo em sua consciência, sendo desenvolvida, por exemplo, por V.I. Lênin em seu Materialismo e Empiriocriticismo. O segundo, reflektornom, de origem das ciências naturais, diz respeito à ação de resposta a um estímulo. Para melhor diferenciação, quando o autor se referir à teoria de Lênin, será utilizado o termo “reflexão”, enquanto o uso de “reflexo” será destinado à teoria de I.M. Sechenov e I.P. Pavlov, na sua acepção fisiológica. (retornar ao texto)
(3) N.T. Doutrina de Ernst Mach, defendida na Rússia por Bogdánov e Lunacharski (retornar ao texto)
(4) V.I. Lénine, Materialismo e Empiriocriticismo, cit., p. 212. (retornar ao texto)
(5) V.I. Lénine, Materialismo e Empiriocriticismo, cit., p. 191. (retornar ao texto)
(6) V.I. Lénine, Materialismo e Empiriocriticismo, cit., p. 186. (retornar ao texto)