MIA > Biblioteca > Harkishan Singh Surjeet > Novidades
Primeira edição: “Contemporary World Situation and Validily of Marxism”, Proceedings of International Seminar of Communist Parties Marking the 175,h Birth Anniversary of Karl Marx, pp. 21 -32, CP of Índia (Marxist), Calcutá, 1993.
Fonte: Revista Princípios nº 33 mai-jul/1994 pag 56-61. Intervenção feita pelo PC da Índia no Seminário Internacional sobre a Situação Contemporânea e a Atualidade do Marxismo aponta a necessidade de corrigir erros na construção do socialismo.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo
A abordagem deste assunto impõe-se não somente em virtude da reiterada ofensiva antimarxista, tanto no plano ideológico como político, desencadeada pelos inimigos da libertação da humanidade — o imperialismo e seus agentes — mas para reafirmar a invencível validade da ciência criativa do marxismo — que possibilita corrigir os erros do passado, reavaliar as estimativas da correlação de forças de classe estabelecidas em vários momentos, a fim de que se possam superar as fraquezas e as falhas de interpretação e fortalecer e dar continuidade à lula pela emancipação humana.
Da vasta complexidade dos processos que definem a situação atual do mundo, dois aspectos continuam a ser utilizados para armar a constante ofensiva que busca desintegrar as fileiras comunistas. Primeiro, a desintegração do socialismo na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e em países do Leste europeu. Segundo, a chamada “invencibilidade" do capitalismo como um sistema, o que na verdade representaria o fim da evolução social humana.
Nestas duas questões, assim como cm todas as outras, a ciência criativa do marxismo, longe de ser repudiada, emerge como a única base para a compreensão e avaliação corretas destes assuntos.
Antes de prosseguir para embasar esta afirmativa, é necessário recapitular brevemente as qualidades essenciais do marxismo. Nada melhor do que citar Lênin: “A história da filosofia e a história da ciência social mostram com perfeita clareza que não existe no marxismo nada que pareça ‘sectarismo’, no sentido de doutrina unilateral rígida, de doutrina que surgiu longe da grande via de desenvolvimento da civilização mundial. Ao contrário, o gênio de Marx consiste precisamente no fato de ele ter fornecido respostas para questões que já haviam sido levantadas pelas mentes mais brilhantes da humanidade. Sua doutrina surgiu como uma continuação direta e imediata dos ensinamentos dos maiores representantes da filosofia, da economia política e do socialismo". (Sobre as três fontes e três partes constitutivas do marxismo.)
Mais adiante disse: “A genialidade de Marx consiste no fato de ter sido o primeiro a concluir (...) a lição que a história mundial ensina e a aplicá-la consistentemente. A conclusão a que chegou foi a doutrina da luta de classes”.
A Resolução sobre certas questões ideológicas do XIV Congresso do PCI(M) concluiu: “O marxismo-leninismo é inerentemente materialista, criativo e intrinsecamente dialético. Desta forma, é extremamente antidogmático. É universal, abrange a visão de libertação e expressa ideais de emancipação. E um instrumento que possibilita compreender e analisar o grande número de fenômenos inerentes às mudanças de situações históricas. É um guia de ação que define objetivos programáticos para a luta do povo pela libertação, sujeito às adaptações exigidas pelas mudanças das situações históricas”.
“Como ciência criativa, o marxismo-leninismo identifica as tendências e direções do desenvolvimento social. Ao fazê- lo, fornece possibilidades para a intervenção das massas populares nesse desenvolvimento, na tentativa de estabelecer uma sociedade livre de exploração. Por exemplo, a inevitabilidade histórica de substituir, pelo socialismo, o capitalismo baseado na exploração não é automática. O fator chave que pode levar a tal transformação social é a correta liderança ideológica, política e organizacional das crescentes lutas da classe operária — dos camponeses e de todas as pessoas trabalhadoras. Quando a consciência de classe se torna arrefecida ou embotada, as forças contrarrevolucionárias exploram a situação para perpetuar a dominação de sua classe.”
As transformações mundiais subsequentes e a atual situação confirmam a visão de mundo marxista, seu método científico e sua conclusão fundamental de que a luta de classe é a força propulsora da história.
Firmemente convencido pelos fundamentos da concepção marxista, o PCI(M), ao procurar compreender os fatores que levaram ao desmoronamento do socialismo na URSS e nos países do Leste europeu, identifica três áreas principais em que opiniões incorretas levaram a linhas táticas e políticas equivocadas, as quais, em vez de fortalecer o movimento comunista internacional, servem apenas para corroer os seus mais fortes bastiões: a compreensão do período de transição do capitalismo ao socialismo; a estimativa correta do capitalismo e de seu potencial; c os desvios do conteúdo revolucionário do marxismo-leninismo.
A transição do capitalismo ao socialismo foi. na maioria das vezes, construída de forma simplista e mecânica, como se fosse um caminho reto, sem curvas e — mais importante — irreversível. De fato, o socialismo representa a transição do capitalismo, a mais alta forma de sociedade de classes, ao comunismo, uma sociedade sem classes. Portanto, parte integrante desse estágio não é apenas a coexistência mas a constante e crescente luta entre as forças contra- revolucionárias, que desejam preservar a ordem capitalista exploradora, e as forças revolucionárias, que buscam libertar a humanidade.
O sucesso ou fracasso nessa luta é determinado, em qualquer momento, pelos sucessos obtidos na construção socialista e na correlação nacional e internacional das forças de classe e sua correta avaliação. Uma correia avaliação assume importância, uma vez que a ela seguem-se uma linha política e uma tática correspondente, que avançam ou retardam o progresso rumo à libertação. A avaliação e o julgamento incorretos, baseados em desvios ideológicos, como mostrou a história do movimento comunista internacional, levam a distorções, que são exploradas de tempos em tempos pelas forças contrarrevolucionárias e tiram o movimento comunista internacional dos trilhos.
Um importante exemplo são as estimativas da força e do potencial do capitalismo realizadas pelas conferências internacionais de 1957 e 1960.0 documento da conferência de 1960, que endossa o deslocamento na correlação mundial de forças em favor do socialismo, foi muito além: afirmou não haver futuro para o capitalismo e descreveu o socialismo como o fator decisivo para o desenvolvimento mundial. Tal conclusão, além de reforçar a compreensão simplista sobre a natureza irreversível do período de transição, subestimou sobremaneira o potencial do mundo capitalista, tanto em relação à sua capacidade de desenvolver posteriormente forças produtivas como de adaptar-se às circunstâncias modificadas.
Naturalmente, isso não significa que o capitalismo tenha, ou possa ter. força para superar a crise que Marx analisou a fundo em seu trabalho. Mas, por si mesmas, as crises não podem causar — e não causam — o colapso automático do capitalismo. Uma conclusão reveladora de Marx é que o capitalismo deve ser destruído, que não cai automaticamente.
A subestima do capitalismo foi acompanhada por uma estimativa incorreta da correlação das forças de classe em diferentes circunstâncias, realizada no XX Congresso do PCUS. A grande distorção do conceito leninista de coexistência pacífica e a defesa da competição e da transição pacíficas sob a liderança do PCUS. no governo Kruchóv, abriu as portas para o revisionismo e a colaboração de classe da pior espécie. Em consequência, muitos partidos comunistas foram dizimados, o que feriu gravemente o movimento comunista internacional.
Enquanto o capitalismo se adaptava às mudanças da realidade, encontrando novas formas de exploração e intensificando a luta ideológica contra o socialismo, a subestima do capitalismo e os desvios, feitos de maneira dogmática e revisionista, combinavam-se e acabavam por diluir a contraofensiva ideológica socialista e a luta contra o capitalismo. Os desvios e distorções que se infiltravam na luta ideológica não eram corrigidos, e os erros continuaram a se acumular nas décadas subsequentes da construção socialista, nos anos 70 e 80. Com isso o imperialismo e o capitalismo obtiveram vantagem política.
A tarefa de derrubar o capitalismo necessita do constante aperfeiçoamento e fortalecimento da luta revolucionária e ideológica da classe trabalhadora e de um partido comprometido com o marxismo-leninismo — um fator subjetivo, sem o qual nenhuma transformação revolucionária é possível. Como observamos, esse fator subjetivo foi posteriormente enfraquecido em razão dos desvios revisionistas.
Tais erros — que devem ser aceitos com espírito de verdadeira autocrítica — foram também acompanhados da superestima da força do socialismo. Apesar de o socialismo, como um sistema superior, ter dado passos largos nos primeiros anos e ter sido capaz de enfrentar e repelir os mais terríveis ataques, foi cercado de limitações. Inicialmente pelo fato de as revoluções socialistas terem triunfado não em países avançados mas em países de desenvolvimento capitalista relativamente atrasado. Por esse motivo, apesar de ter sido reduzida a extensão do mercado imperialista, o nível de forças produtivas alcançado pelo capitalismo e sua capacidade de desenvolvimento permaneceram. Isto impôs severas limitações ao processo de mudança para um estágio mais alto que o do capitalismo. Lênin sempre esteve consciente desses problemas. Ao mesmo tempo que enfatizou a complexidade e a demora do período de transição, avançou em seus planos e tomou muitas iniciativas durante a vida, como a instauração da Nova Política Econômica (NEP), tendo em mente o atraso e as condições concretas da Rússia. Que o processo de construção socialista é prolongado e complexo, deve ser sublinhado.
Entretanto, seria incorreto concluir que as revoluções socialistas naqueles países foram prematuras. O acirramento das contradições mundiais levou à ruptura da corrente imperialista no seu elo mais fraco. Este fato contribuiu para que a revolução socialista triunfasse e anunciasse uma nova era na civilização. A Grande Revolução Socialista de Outubro mudou radicalmente a situação mundial, galvanizando tanto o movimento internacional da classe trabalhadora como as lutas no mundo colonial. Os gigantescos passos econômicos dados num curto período de tempo inspiraram muitos movimentos revolucionários em todo o globo.
Além das estimativas incorretas e dos desvios, houve erros e falhas específicas em quatro grandes áreas no processo de construção socialista. Tais erros se referem à forma do Estado sob o socialismo — uma ditadura do proletariado; à prática da democracia socialista; à construção econômica socialista; e à consciência ideológica do partido e do povo nos países socialistas. A Resolução sobre certas questões ideológicas, do XIV Congresso do PCI(M), examinou esses aspectos detalhadamente.
No entanto, em vez de corrigir os erros do passado e superar as distorções dentro do quadro do socialismo e do marxismo-leninismo, o PCUS, sob a liderança de Gorbatchóv, seguiu um caminho liquidacionista, que no final levou ao desmoronamento do socialismo.
Muitos estudos devem ser realizados a partir de uma análise detalhada desses acontecimentos, mas o PCI(M) é da firme opinião que o desmoronamento do socialismo nesses países aconteceu em virtude de desvios, erros e distorções que ocorreram durante o processo de construção socialista.
As teses aqui apresentadas não constituem — e não podem constituir — um repúdio ao socialismo ou ao marxismo- leninismo. Apesar das estimativas incorretas e dos reveses
do dia-a-dia, o século XX, particularmente o período iniciado com a Revolução de Outubro, foi marcado por vitórias da classe operária, dos camponeses e de povos de todos os continentes do mundo, em graus variados.
Durante este século, o capitalismo lançou o mundo numa corrida nuclear de consequências devastadoras. Iniciou várias guerras para deter o avanço da humanidade em direção ao socialismo, interferiu nos negócios internos de países independentes, organizou golpes, impingiu regimes ditatoriais e reacionários para servir aos seus interesses. Sua forma mais violenta foi exposta nas ditaduras fascistas.
Por outro lado, as revoluções socialistas e as lutas de libertação nacional divulgaram ideias mais ricas para a civilização humana, tomando possível para a maioria do povo trabalhador de muitos países viver sem a opressão nacional, libertos da exploração. Tais mudanças continuam a mapear o curso futuro do desenvolvimento humano rumo à libertação nacional e social. Este processo, entretanto, será longo, complexo, cheio de curvas e desvios. Mas a direção fundamental desta época continua a ser a da transição do capitalismo para o socialismo.
A validade do marxismo como ciência, método e guia de ação e sua permanente relevância são justificadas pela natureza dos atuais desenvolvimentos mundiais. Seria desnecessário, em nossa opinião, sobrecarregar a majestosa reunião de revolucionários com estatísticas que lhes são familiares. Precisamos, porém, enfatizar que a situação contemporânea mundial continua a caracterizar-se por quatro contradições fundamentais. O continuado período recessivo na economia capitalista tem acentuado as contradições entre trabalho e capital. O esforço do imperialismo para transferir o peso dessa crise para os países do Terceiro Mundo intensifica as contradições entre o imperialismo e os povos desses países. A ofensiva política dos EUA para estabelecer a “Nova Ordem Mundial” prenuncia o agravamento futuro dessa contradição. Contradições interimperialistas continuam a crescer e a se expressar de várias formas, particularmente na esfera econômica. O bloqueio econômico liderado pelos EUA contra Cuba, a nova investida sobre a questão da inspeção nuclear da Coreia do Norte e o contínuo embargo contra o Vietnã constituem a reiterada ofensiva do imperialismo contra o socialismo.
Essas contradições continuam a influenciar o desenvolvimento mundial, e as formas de resolvê-las variam de acordo com situações concretas. Por exemplo, as rivalidades interimperialistas que terminaram em guerras imperialistas, como a I e a II Guerra Mundial, são hoje uma possibilidade remota, por várias razões.
Apesar de o desenvolvimento mundial confirmar os fundamentos da análise marxista e auxiliar sua compreensão, um ponto observado anteriormente precisa ser enfatizado. O fator subjetivo — e sua fraqueza hoje — permite ao capitalismo criar espaço suficiente para as manobras que garantem sua sobrevivência, apesar de suas contradições inerentes.
Entretanto, é necessário identificar as especificidades concretas que permitem o contínuo avanço capitalista a despeito de suas contradições básicas. A essência viva do marxismo, como disse Lênin, é uaFASA análise concreta de situações concretas”. Atrevemo-nos a falar sobre alguns temas que, em nossa opinião, caracterizam a economia capitalista após a II Guerra Mundial, particularmente a partir dos anos 70. Temos plena consciência das limitações de nossa capacidade de empreender uma profunda análise. Esta é, porém, uma tarefa necessária.
As duas décadas anteriores a 1973 testemunharam taxas de aumento de produção no mundo imperialista sem precedentes em toda a história do capitalismo. Isso foi conseguido sob a nova política do período pós-guerra e a liderança econômica dos EUA. O boom de reconstrução depois da devastação da II Guerra, o aumento do número de automóveis, as políticas keynesianas de demanda seguidas em alguns países capitalistas e, acima de tudo, as enormes despesas do Estado, especialmente em armamentos no país líder, os EUA — tudo isso contribuiu para a manutenção de uma alta demanda no mundo imperialista, que, sob o novo arranjo financeiro de Bretton Woods. facilitando o mercado global e fluxos financeiros, anunciou altas taxas de crescimento em todos os seus países. Para ser mais preciso, houve um desenvolvimento desigual, e o Japão, de longe, foi o país que mais se desenvolveu. Nessas condições, as inovações tecnológicas foram rapidamente absorvidas, trazendo significativas taxas de crescimento em produtividade de trabalho e melhorando o padrão de vida de grandes segmentos da classe trabalhadora nos países imperialistas.
Tudo isso é bem conhecido. O que é particularmente intrigante, entretanto, é o desenvolvimento que ocorreu depois de 1973. Com as altas taxas de inflação em meados dos anos 70, com a recessão de 1974 a 1975. que foi de longe a pior desde a Grande Depressão dos anos 30, e com o colapso do sistema Bretton Woods, o mundo capitalista parecia estar caminhando para um período de graves crises, de acordo com o entendimento marxista tradicional. Mas isso não aconteceu como se esperava, e o desempenho subsequente do imperialismo é o que mais evidencia sua resistência e nossa subestima de sua força potencial. Sem dúvida, as taxas de crescimento no mundo capitalista avançado diminuíram drasticamente comparadas aos níveis do pós-guerra; não há dúvida de que o crescimento do comércio mundial diminuiu drasticamente; não há dúvida de que, no momento atual, o mundo imperialista está experimentando uma recessão; e não há dúvida de que as taxas de desemprego em iodos eles têm sido maiores nos anos 80 e 90 do que durante o longo boom dos anos 50 e 60. Entretanto, nada disso ajuda a prenunciar uma repetição da crise dos anos 30, pelo menos não agora. A questão é: por quê?
O aparecimento brusco da espiral inflacionária do final dos anos 70 e início dos anos 80 nos países imperialistas foi controlado de duas maneiras: mediante o aumento do exército de reserva de trabalhadores (o que explica as altas taxas de desemprego), que enfraqueceu os sindicatos e impediu reivindicações de salário real para que este se equiparasse ao aumento da produtividade; e, mais importante, com a mudança dos termos de mercado contra os produtores de commodities primárias do Terceiro Mundo. A queda dos preços de commodities primárias com relação aos fabricantes — que acarretou insolvência, perda de soberania para o FMI, declínio nas rendas per capita e fome em toda a grande extensão do Terceiro Mundo, notadamente na África e na América Latina — é o resultado direto do “sucesso" do controle da inflação dos países imperialistas.
Mas, com o declínio da renda no Terceiro Mundo e a queda dos salários nos próprios países imperialistas, seria de esperar que o capitalismo nos países ricos sofresse uma queda. Como isso foi evitado? Além dos avanços científicos e tecnológicos, chegamos à importância significativa da centralização das finanças internacionais. O suporte para o nível de atividade econômica nos países ricos foi garantido pelo grande aumento do deficit fiscal dos EUA no governo Reagan. Este deficit, que provocou um aumento significativo no deficit do balanço de pagamentos dos EUA, foi financiado à custa de uma enorme dívida externa, facilitada pela centralização das finanças internacionais.
A marca da atual centralização das finanças internacionais, ou globalização, como alguns a chamam, é a absorção do capital de todos os cantos do globo para investimento em umas poucas áreas selecionadas, consideradas apropriadas ou dignas de crédito por um punhado de bancos internacionais. Apesar de os próprios bancos não terem o controle exclusivo dos fluxos financeiros — e dessa forma não se pode falar em “conspiração”-. todas as finanças do mundo estão informalmente sujeitas a essa autoridade controladora centralizada. Entretanto, a competição entre corporações multinacionais e bancos, áreas em que ocorrem frequentes conflitos, pode muito bem prejudicar os arranjos atuais.
O persistente deficit fiscal norte-americano representa para o capital financeiro internacional uma via de investimento, e dessa forma acentua a recessão no Terceiro Mundo. Sugando as finanças de todos os lados, ele impõe a crise econômica ao Terceiro Mundo, forçando-o a render sua soberania às agências imperialistas, como o FMI e o Banco Mundial: faz com que o Terceiro Mundo entregue o controle dos seus ativos e recursos, “a preço de banana”, aos credores internacionais pelas dívidas passadas; além de manter o nível de atividade no mundo imperialista e prevenir o surgimento de quaisquer quedas bruscas.
Todos esses fatores e. principalmente, a habilidade de estabilizar suas próprias economias à custa do Terceiro
Mundo não existiriam se, a despeito de suas indubitáveis contradições, as economias imperialistas não tivessem entrado em acordo. Períodos de desunião imperialista, marcados pela crise em seu centro controlador, oferecem “espaço” para os países do Terceiro Mundo e os países socialistas se defenderem. Por outro lado, enquanto os países imperialistas agirem de comum acordo, podem continuar negando esse espaço e. com mais eficácia, transferindo o peso de sua crise para os ombros do Terceiro Mundo — e assim se restabelecer à custa deste. Além de a base objetiva de interpenetração de capital ter levado a um grau de coerência, a razão política que impulsionou esse processo foi a existência de um poder socialista poderoso, capaz de se opor às tentativas imperialistas de impor uma hegemonia global. Atualmente, com sua ausência, a transferência de peso para o Terceiro Mundo deve se intensificar. Ironicamente, esses períodos são marcados pela desunião do Terceiro Mundo, não somente entre seus países mas também dentro de cada país, onde tendências secessionistas e separatistas levantam suas cabeças enquanto o sonho de “reconstrução nacional” se dissipa.
Com esta afirmação não estamos nos afastando da ênfase de Lênin sobre a rivalidade interimperialista e adotando a posição kaustskista do “ultra-imperialismo”. Não se trata de absolutizar o grau de coerência que as potências imperialistas mostraram até agora. Graves contradições interimperialistas existem e intensificam-se, com os EUA perdendo progressivamente sua proeminente posição — o capital japonês toma aos poucos seu mercado, seu status de devedor acentua-se e seu governo vive sob crescente pressão para tornar-se protecionista. A “estabilidade” que caracterizou até agora o mundo capitalista, a despeito de todas as vicissitudes, deve desaparecer com a intensificação das contradições interimperialistas. Trata-se de enfatizar a complexidade característica do desenvolvimento capitalista, em particular a que se refere às conjunturas que não podem ser reduzidas a uma fórmula simples.
O imperialismo tem reservas de força, utiliza manobras para se recuperar das derrotas, não é suicida do ponto de vista estratégico, cria falsas esperanças entre as fileiras revolucionárias e rapidamente leva à desilusão ideológica. Isto não significa — e não pode significar — que o capitalismo e o imperialismo sejam invencíveis. Vivemos numa situação em que as conjunturas favoráveis ao imperialismo devem ser seguidas por períodos marcados por incoerências, antagonismos, rivalidades e crises. Neste sentido, de acordo com a visão de Lênin, não pode haver caminho de volta. Mas a transição do capitalismo para o socialismo é provavelmente um processo muito mais demorado. Haverá reveses no percurso, o imperialismo irá reagrupar suas forças, os países que já passaram por revoluções socialistas e pareciam estar firmes no caminho do socialismo terão dificuldades, e assim por diante. A questão é mudar o mundo, a realidade objetiva, sem cair na falsa euforia ou no desespero burguês.
A tarefa de enriquecer o marxismo e dar continuidade à luta revolucionária nas atuais circunstâncias requer um estudo teórico mais aprofundado dos processos contemporâneos em curso na realidade. A enorme tarefa assumida por Lênin em seu tempo precisa ter continuidade. A metodologia científica marxista continua a ser a mais rica fonte de instrumentos para a realização dessa tarefa. Muito trabalho precisa ser feito, não somente no que se refere ao capitalismo contemporâneo e ao imperialismo como também no campo da economia política do socialismo.
O PCI(M), em seu XIV Congresso, declarou: “As dificuldades e fracassos no processo de enriquecimento desta ciência criativa, de acordo com os desenvolvimentos históricos que estão ocorrendo, não se devem à inadequação ou à falta de método científico de seu conteúdo. Devem-se à inadequação e à falta de rigor científico por parte daqueles que abraçaram esta filosofia”.
A suprema validade e a eterna relevância do marxismo consiste em sua visão libertária e em seus objetivos emancipadores. Trata-se de uma ciência que permanece até hoje como a forma filosófica que expressa tudo em que o humanismo se constitui e deve se constituir.
A busca de Marx durante a vida e a de todos os marxistas que se seguiram foi estabelecer os fatores básicos necessários para completar a libertação humana. O capitalismo, como Marx havia mostrado e os subsequentes desenvolvimentos o comprovam, é um sistema baseado na exploração humana. Enquanto a exploração do homem pelo homem e de nação por nação continuar a ser a base do sistema capitalista, o anseio pela libertação humana não pode ser apagado. O mundo que conhecemos hoje e os direitos que a humanidade aceitou como bem-estabelecidos foram contribuições das lutas do povo e da luta de classes, que continua a modelar os desenvolvimentos atuais e sua associada consciência humana. A marca do marxismo na sociedade contemporânea e no desenvolvimento intelectual da humanidade não pode ser apagada.
A atual situação mundial demonstra claramente a natureza injusta e desumana do capitalismo. O saque voraz é o responsável pela terrível situação de fome, miséria, doença e ignorância que persegue milhões de pessoas no mundo em desenvolvimento. E diretamente responsável pelos perigos do holocausto nuclear e pelo pior dos desequilíbrios ecológicos. A crescente crise moral e a degeneração ética das sociedades capitalistas, o abuso de drogas, a violência e a discriminação sexual desumana estão continuamente aviltando as melhores qualidades do ser humano. Apesar da propaganda intensificada após os reveses do socialismo, que diz que o “capitalismo é eterno”, esse sistema prova ser incapaz de resolver os principais problemas da humanidade.
Isso se tornou ainda mais evidente nas experiências dos antigos países socialistas. Milhões de indivíduos são privados dos meios de subsistência, uma realidade que desconheciam sob o sistema socialista. Nesses países, o processo de restauração do capitalismo é acompanhado pelas suas naturais consequências: o aumento do índice de desempregos, a insegurança, a fome e o esfacelamento impiedoso do sistema social e moral. Em nome da “democracia”, a queda do socialismo aconteceu. Hoje a democracia tomou-se sem sentido para o povo. O ataque recente aos manifestantes do Primeiro de Maio na Praça Vermelha mostrou a face dessa “democracia”. O apoio aberto do imperialismo a Iéltsin expõe a real natureza de classe da nova ordem nesses países. O capitalismo provou assim ser incapaz de resolver os problemas desses países.
As tarefas com que se defrontam os comunistas são realmente enormes. O aprofundamento das contradições fundamentais de nossa época e os novos processos insidiosos e viciados da “recolonização” econômica que tentam impor sua Nova Ordem Mundial clamam por uma maior integração das fileiras comunistas e contingentes anti-imperialistas. A unidade de todos os comunistas, as forças progressistas e anti-imperialistas, é a base para fortalecer o internacionalismo na atual situação. Somente baseados nisto é que podemos repelir a ofensiva imperialista.
Vida longa ao marxismo-leninismo!
Vida longa ao internacionalismo proletário!
Inclusão | 14/10/2019 |