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Muito se escreveu sobre a globalização nesses últimos tempos. Não é minha intenção acrescentar algo mais a esta literatura, mas apenas situar o tema no contexto da minha visão pessoal da história do capitalismo.
A globalização não é uma condição ou fenômeno: é um processo que vem ocorrendo há um longo período; a rigor, desde que o capitalismo veio ao mundo — quatro ou cinco séculos atrás — como uma forma viável de sociedade. Datar o nascimento do capitalismo é um problema interessante, mas, para o nosso propósito aqui, não é relevante. O que é importante é compreender que o capitalismo na sua essência profunda é um sistema expansivo, tanto interno quanto externamente. Uma vez enraizado, ele cresce e se difunde.
A análise clássica deste duplo movimento certamente está em O Capital, de Marx. No entanto, Marx nunca colocou a questão da viabilidade de um capitalismo plenamente globalizado, isto é, um capitalismo sem um espaço não-capitalista para penetrar. A razão disso, naturalmente, é que ele esperava a derrubada e substituição do capitalismo por um outro sistema muito antes que o capitalismo pudesse atingir seus limites espaciais. Marx não se colocou no problema e, portanto, não poderia tentar responder à questão: se um capitalismo completamente globalizado seria capaz de sobreviver, já deixando de lado se ele seria capaz de florescer, por uma expansão exclusivamente interna.
Coube aos seguidores de Marx enfrentar esta e outras questões relacionadas. A tentativa mais audaciosa e mais interessante de resposta foi a de Rosa Luxemburgo na sua obra magna A acumulação do capital (1912). Ela formulou a teoria de que, desde seus primórdios, o capitalismo viveu, necessária e exclusivamente, expandindo-se sobre seu entorno não-capitalista. Sua resposta foi, portanto, de que o esgotamento deste espaço traria a crise final inevitável.
Lênin, em contraste, centrou sua análise não no capitalismo como um todo, mas no capitalismo como um conjunto de unidades no qual as mais fortes competiam entre si para o controle das mais fracas, incluindo as áreas não-capitalistas remanescentes. Este era o ponto central do seu livro Imperialismo: o último estágio do capitalismo, escrito durante a Primeira Guerra Mundial, onde se fornecia extensa evidência empírica em favor de sua tese. Esta luta entre as principais potências imperialistas tendia a enfraquecer o sistema capitalista como um todo e abria caminho para as revoluções de baixo para cima, especialmente a Revolução Russa, que ameaçavam a contínua viabilidade do capitalismo. No entanto, o sistema recuperou-se e, logo após a guerra, as potências capitalistas reativaram seus conflitos, agora complicados pela existência de uma grande potência não-capitalista.
Esse conflito renovado teve seu apogeu na Segunda Guerra Mundial, um novo ciclo de revoluções, especialmente a Revolução Chinesa, a emergência dos Estados Unidos como única superpotência mundial, a divisão do mundo em duas partes: a capitalista, sob domínio dos EUA, e a não-capitalista que consistiu principalmente da União Soviética e da República Popular da China. O conflito que se desenvolveu entre as duas partes, conhecido como a Guerra Fria — usualmente considerado como uma luta entre dois grupos de Estados — foi de fato algo muito mais complicado e incluiu conflitos bélicos importantes, guerras de guerrilha, tentativas revolucionárias e contra-revoluções bem-sucedidas.
A Guerra Fria, que perdurou por quase toda a segunda metade do séc. XX, terminou com a restauração e o triunfo do capitalismo em uma escala verdadeiramente global. Mas esse resultado foi tudo menos a conclusão de um processo suave de expansão do capital no interior ou além de seus limites tradicionais. Várias formas de violência tiveram um papel enorme neste processo, e existem vastas áreas nos países, anteriormente não-capitalistas, onde o capitalismo foi proclamado, legalizado e deliberadamente implantado, mas nas quais não existem quaisquer garantias de que ele vá se estabelecer e crescer de modo “normal”.
Além disso, mudanças ocorreram no capitalismo em seu processo de amadurecimento em seus domínios tradicionais (os Estados Unidos, a União Européia, o Japão, e os antigos países coloniais) que colocam questões importantes sobre o que implica, no período pós-Guerra Fria, a contínua expansão do capitalismo.
O que tenho em mente aqui diz respeito às três tendências subjacentes mais importantes na história recente do capitalismo, o período que se inicia com a recessão de 1974-75:
Este tem sido, certamente, um período de globalização acelerada, impulsionada pelo aprimoramento dos meios de comunicação e transportes, mas as três tendências em questão não são seguramente causadas ou geradas pela globalização. Na realidade, todas as três podem ser relacionadas a mudanças internas no processo de acumulação do capital, cujo início deu-se cerca de cem anos atrás nos movimentos de concentração e centralização que caracterizaram o final do séc. XIX e início do séc. XX e assinalaram a transição do capitalismo inicial (competitivo) ao capitalismo tardio (monopolista).
O impacto dessa transição, interrompido pela Primeira Guerra Mundial e seus desdobramentos, se fez sentir com força total na Grande Depressão dos anos 30, da qual não houve recuperação espontânea e que deu evidência muito clara de representar o início de um período secular de estagnação e declínio. Mais uma vez, no entanto, a guerra mundial trouxe a salvação; e, junto com seus desdobramentos mais confiáveis e a Guerra Fria, produziu o que se tornou conhecido como “era dourada” (1950-70) do capitalismo. Este período terminou na recessão de 1974- 75 e foi seguido pela reafirmação e intensificação das tendências datadas do início do século: crescimento retardado, monopolização crescente e financeirização do processo de acumulação.
Estas três tendências estão inter-relacionadas de modo complexo. A monopolização tem conseqüências contraditórias: de um lado, ela gera um fluxo crescente de lucros, de outro, ela reduz a demanda de investimento adicional em mercados cada vez mais controlados — mais e mais lucros, oportunidades cada vez menores de investimento lucrativo —, uma receita para diminuir o ritmo da acumulação do capital e desse modo diminuir o crescimento econômico que é impulsionado pela acumulação do capital.
O exposto descreve o que aconteceu durante os anos 20, uma década caracterizada pelo crescimento contínuo de capacidade produtiva subutilizada em setor após setor na indústria, culminando no colapso de 1929-33. Já naquele tempo havia uma tendência crescente para lucros que não encontravam escoamentos lucrativos na formação de capital real serem desviados para canais puramente financeiros e predominantemente especulativos. Daí a expansão espetacular e a quebra do mercado de ações no final da década de 1920. O mesmo processo duplo de ausência de investimento real e financeirização florescente reapareceu na “era dourada” das décadas pós-II Guerra Mundial e tem-se mantido com intensidade crescente até o presente. Isto tudo ocorre, certamente, num contexto de globalização contínua que coloca sua marca no modo como os vários processos se manifestam e se desenvolvem. Mas a globalização não é ela própria a força motriz. Ela continua sendo o que tem sido por todo o período que concebemos como o da história moderna: o sempre expansivo e freqüentemente explosivo processo de acumulação do capital.
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Inclusão | 17/03/2015 |