Tese Sobre a Questão Agrária

2º Congresso da III Internacional Comunista

Agosto de 1920


Primeira Edição: .....
Fonte: Cadernos de Formação Marxista nº 3., Brasil Debates Editora.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, maio 2006.


1º) O proletariado industrial das cidades, dirigido pelo Partido Comunista, pode sozinho libertar as massas trabalhadoras dos campos do jugo dos capitalistas e dos proprietários rurais, da desorganização econômica e das guerras imperialistas, que recomeçarão, inevitavelmente, se o regime capitalista subsistir. As massas trabalhadoras dos campos só poderão ser libertadas se seguirem o proletariado comunista e ajudarem-no sem reservas cm sua luta revolucionária para a derrubada do regime de opressão dos grandes proprietários rurais e da burguesia.

De outro lado, o proletariado industrial não poderá cumprir sua missão histórica mundial, que é a emancipação da humanidade do jugo do capitalismo e das guerras, se ele se conformar aos limites de seus interesses particulares e corporativos e se limitar placidamente às tentativas c aos esforços para a melhoria de sua situação burguesa por vezes bastante satisfatória. É assim que acontece cm vários países avançados onde existe uma "aristocracia operária", principalmente nos partidos pretensamente socialistas da 2ª Internacional, mas na realidade inimigos mortais do socialismo, traidores da doutrina, burgueses chauvinistas e agentes dos capitalistas entre os trabalhadores. O proletariado não poderá jamais ser uma força revolucionária ativa, uma classe agindo no interesse do socialismo, se não se conduzir como a vanguarda do povo trabalhador explorado, se não se comportar como o chefe de guerra ao qual cabe a missão de conduzir o assalto contra os exploradores; mas esse assalto não terá sucesso se os camponeses não participarem da luta de classes, se a massa dos camponeses trabalhadores não se juntar ao Partido Comunista proletário das cidades e se, enfim, esse último não se instruir.

2º) A massa dos camponeses trabalhadores explorados e que o proletariado das cidades deve conduzir ao combate, ou, pelo menos, assumir sua causa, está representada, em todos os países capitalistas, por:

1 - O proletariado agrícola composto de jornaleiros ou empregados de fazenda, arregimentados por ano, a termo ou por tarefa, e que ganham sua vida com seu trabalho assalariado nas diversas empresas capitalistas de economia rural e industrial. A organização desse proletariado em uma categoria distinta e independente dos outros grupos da população dos campos (do ponto de vista político, militar, profissional cooperativo etc...), uma propaganda intensa em seu meio, destinada a levá-los ao poder sovietista e à ditadura do proletariado, tal é a tarefa fundamental dos partidos comunistas em todos os países;

2 - Os scmiprolelários ou os camponeses, trabalhando na qualidade de operários contratados, nas diversas empresas agrícolas industriais ou capitalistas, ou cultivando o pedaço de terra que possuem ou arrendam e que rende apenas o mínimo necessário para assegurar a sobrevivência de sua família. Esta categoria de trabalhadores rurais é muito numerosa nos países capitalistas; os representantes da burguesia e os "socialistas" amarelos da 2ª Internacional procuram dissimular suas reais condições de vida, particularmente a situação econômica, ora enganando conscientemente os operários, ora por causa de sua própria cegueira, que provém das ideias rotineiras da burguesia; eles confundem propositadamente este grupo com a grande massa dos "camponeses". Esta manobra essencialmente burguesa, com o propósito de enganar os operários, é praticada principalmente na Alemanha, na França, na América, e em outros países. Organizando bem o trabalho do Partido Comunista, esse grupo social poderá se tornar um fiel sustentador do comunismo, pois a situação desses semiprolctários é muito precária e a adesão lhes trará vantagens enormes e imediatas.

Em alguns países, não existe distinção clara entre esses dois primeiros grupos; será lícito então, segundo as circunstâncias, dar-lhes uma organização comum;

3 - Os pequenos proprietários, os pequenos fazendeiros que possuem ou arrendam pequenos pedaços de terra e podem satisfazer as necessidades de sua casa c de sua família sem contratar trabalhadores assalariados. Esta categoria tem muito a ganhar com a vitória do proletariado; o triunfo da classe operária dá imediatamente a cada representante desse grupo os bens e as vantagens que seguem:

a) Não-pagamento do preço do arrendamento e abolição da parceria (será assim na França, Itália etc.) que são pagos atualmente aos grandes proprietários rurais;

b) Abolição das dívidas hipotecárias;

c) Emancipação da opressão econômica exercida pelos grandes proprietários rurais, a qual se apresenta sob os aspectos mais diversos (direito de uso de bosques e florestas, de campos incultos etc..-);

d) Auxílio agrícola especial e imediato do poder proletário, notadamcnte auxílio para utensílios agrícolas; concessão de construção sobre o território dos vastos domínios capitalistas expropriados pelo proletariado, transformação imediata pelo governo proletário de todas as cooperativas rurais e companhias agrícolas, que no regime capitalista eram vantajosas apenas para os camponeses ricos em organizações econômicas tendo por objetivo atender, em primeiro lugar, a população pobre, isto é, os proletários, os semiproletários e os camponeses pobres.

O Partido Comunista deve tambem compreender que durante o período de transição do capitalismo ao comunismo, isto é, durante a ditadura do proletariado, esta categoria da população rural manifestará hesitações mais ou menos sensíveis e uma certa inclinação a liberdade de comércio e à propriedade privada; pois, o número dos que a compõem fazendo, ainda que em pequena medida, o comércio de artigos de primeira necessidade, ficam desmoralizados pela especulação e por suas atitudes de proprietário. Se, enquanto isso, o governo proletário realizar, nesta questão, uma política firme e inexorável, e se o proletariado vitorioso esmagar sem complacência os grandes proprietários rurais e os camponeses ricos, essas hesitações não terão longa duração e não poderão modificar esse fato indubitável que, no final das contas, esse grupo simpatiza com a revolução proletária.

3º) Essas três categorias da população rural, tomadas em conjunto, formam em todos os países capitalistas, a maioria da população. O sucesso de um golpe de Estado proletário, tanto nas grandes como nas pequenas cidades, pode então ser considerado como indiscutível e certo. A opinião oposta é nesse particular a favor da sociedade atual. Eis as razões: ela só se mantém pela força das atitudes enganosas da ciência: lº - da estatística burguesa, que procura esconder por todos os meios ao seu alcance o abismo que separa essas classes rurais de seus exploradores, os proprietários rurais e os capitalistas, assim como os semiproletários e os camponeses pobres dos camponeses ricos; 2º - esta opinião persiste graças à imperícia dos heróis da 2ª Internacional amarela e da "aristocracia operária" depravada pelos privilégios imperialistas, e à má vontade com que fazem, entre os camponeses pobres, uma propaganda proletária e revolucionária vigorosa e um bom trabalho de organização; os oportunistas empregaram e empregam sempre seus esforços para imaginar diversas variedades de acordos práticos e teóricos com a burguesia, compreendendo aí os camponeses ricos, e não pensam nunca na derrubada revolucionária do governo burguês e da própria burguesia; 3o - enfim, a opinião segundo a qual se age e se mantém, até aqui, graças a um preconceito obstinado e, por assim dizer, inquebrantável, porque se encontra estreitamente unido a todos os outros preconceitos do parlamentarismo e da burguesia democrática; esse preconceito consiste na não-compreensão de uma verdade perfeitamente demonstrada pelo marxismo teórico e suficientemente provada pela experiência da revolução proletária russa; esta verdade é que as três categorias da população rural de que falamos, embrutecidas, desunidas, oprimidas e destinadas, mesmo nos países mais civilizados, a uma existência semibárbara, têm, por conseqüência, um interesse econômico, social e intelectual na vitória do socialismo, mas só podem, entretanto, apoiar vigorosamente o proletariado revolucionário após a conquista do poder político, quando ele então fará justiça, colocando as massas rurais na obrigação de constatar que têm nele um chefe e um defensor organizado, poderoso o suficiente para dirigi-las e mostrar-lhes o bom caminho.

4º) Os "camponeses médios" são, do ponto de vista econômico, pequenos proprietários rurais que possuem ou arrendam, eles também, lotes de terra, pouco consideráveis sem dúvida, mas permitindo-lhes, mesmo assim, sob o regime capitalista, não apenas sustentar sua família e manter em bom estado sua pequena propriedade rural, mas realizar também um excedente de receita, podendo, com alguns anos de boa colheita, se transformar em economias relativamente importantes; esses camponeses contratam com freqüência empregados (por exemplo, dois ou três empregados por empresa) dos quais têm necessidade para toda sorte de trabalho. Poderíamos citar aqui o exemplo concreto dos "camponeses médios" de um país capitalista avançado: a Alemanha. Havia, na Alemanha, após o recenseamenlo de 1907, uma categoria de proprietários rurais possuindo cada um de cinco a dez hectares, em propriedades nas quais o número de operários contratados se elevava a quase um terço do total dos trabalhadores do campo(1). Na França, onde as culturas especiais são mais desenvolvidas, como a viticultura, e onde a terra exige mais esforço e atenção, os proprietários rurais desta categoria empregam provavelmente um número mais importante de trabalhadores assalariados.

Para seu futuro mais próximo c para todo o primeiro período de sua ditadura, o proletariado revolucionário não pode adotar como tarefa conquista política desta categoria rural e deve se limitar à sua neutralização, na luta que se trava entre o proletariado e a burguesia. A inclinação desta camada da população, seja em direção a um partido político, seja em direção a outro, é inevitável e, provavelmente, será, no começo da nova época e nos países essencialmente capitalistas, favorável à burguesia. Tendência aliás forte e natural, pois o espírito da propriedade privada desempenha entre elas um papel preponderante. O proletariado vitorioso melhorará imediatamente a situação econômica desta camada da população suprimindo o sistema de arrendamento, as dívidas hipotecárias e introduzindo na agricultura o uso de máquinas e o emprego da eletricidade. Enquanto isso, na maior parte dos países capitalistas, o poder proletário não deverá abolir completamente no campo o direito à propriedade privada, mas deverá isentar essa classe de todas as obrigações e imposições às quais está sujeita por parte dos proprietários rurais; o poder sovietista assegurará aos camponeses pobres e médios a posse de suas terras, cuja extensão ele procurará aumentar, colocando os camponeses na posse das terras que outrora arrendavam (abolição do arrendamento).

Todas essas medidas, seguidas de uma luta sem misericórdia contra a burguesia, assegurarão o sucesso completo da política de neutralização. É com a maior circunspecção que o poder proletário deve passar à agricultura coletivista, progressivamente, à força de exemplos, e sem a menor medida de coerção em relação aos camponeses "médios".

5º) Os camponeses ricos são os empresários capitalistas da agricultura; eles cultivam habitualmente suas terras com o concurso dos trabalhadores assalariados e só estão unidos à classe camponesa por seu desenvolvimento intelectual bastante restrito, por sua vida rústica e pelo trabalho pessoal que eles fazem junto com os operários que eles contratam. Esta camada da população rural é bastante numerosa e representa, ao mesmo tempo, o adversário mais inveterado do proletariado revolucionário. Assim, todo o trabalho político dos partidos comunistas no campo deve se concentrar na luta contra esse elemento, para emancipar a maioria da população rural trabalhadora e explorada da influência moral e política, também perniciosa, desses exploradores rurais.

É bem possível que, com a vitória do proletariado nas cidades, esses elementos recorram a atos de sabotagem, e mesmo às armas, manifestamente contra-revolucionários. Assim, o proletariado revolucionário deverá começar no campo a preparação intelectual e organizativa de todas as forças das quais terá necessidade para

desarmá-los e para dar, assim que derrotar o regime capitalista e industrial, o golpe de misericórdia. Para isso, o proletariado revolucionário das pequenas cidades deverá armar seus aliados rurais e organizar, em todas essas cidades, sovietes nos quais nenhum explorador será admitido e onde os proletários e semiproletários serão chamados a desempenhar o papel preponderante. Mesmo nesse caso, entretanto, a tarefa imediata do proletariado vitorioso não deverá comportar a expropriação das grandes propriedades camponesas, porque nesse momento as próprias condições materiais e, em parte, técnicas e sociais necessárias à socialização das grandes propriedades, não estarão ainda realizadas. Tudo leva a crer que, em alguns casos isolados, as terras arrendadas ou estritamente necessárias aos camponeses pobres da vizinhança serão confiscadas: se acordará igualmente com esses últimos o uso gratuito, sob certas condições porém, de uma parte do maquinário agrícola dos proprietários rurais ricos. Mas, como regra geral, o poder proletário deverá deixar suas terras aos camponeses ricos e se amparar apenas no caso de uma oposição manifesta à política e às prescrições do poder dos trabalhadores. Esta linha de conduta é necessária, a experiência da revolução proletária russa, onde a luta contra os camponeses ricos arrasta-se sob condições bastante complexas, demonstrou que esses elementos da população rural, dolorosamente batidos em todas as suas tentativas de resistência, mesmo as menores, são capazes de executar lealmente os trabalhos que lhe confia o Estado proletário e começam mesmo, ainda que muito lentamente, a adquirir respeito pelo poder que defende todo trabalhador e esmaga impiedosamente o rico ocioso.

As condições especiais que complicaram e retardaram a luta do proletariado russo, vitorioso sobre a burguesia, contra os camponeses ricos, derivam unicamente do fato de que após o evento de 25 de outubro de 1917, a revolução russa atravessara uma fase "democrática" - isto é, no fundo, burguesa-democrática -, de luta dos camponeses contra os proprietários rurais; devem-se ainda essas condições especiais à fragilidade numérica e ao estado atrasado do proletariado das cidades e, enfim, à imensidão do país e ao péssimo estado de seus meios de comunicação. Mas os países avançados da Europa e da América ignoram todas essas causas do atraso, e por isso seu proletariado revolucionário deve quebrar, mais energicamente, mais rapidamente, com mais decisão e mais sucesso, a resistência dos camponeses ricos e tirar, no futuro, toda possibilidade de oposição. Esta vitória da massa dos proletários, scmiproletários e camponeses, é absolutamente indispensável; enquanto ele não acontecer, o poder proletário não poderá se considerar como uma autoridade estável e firme.

6°) O proletariado revolucionário deve confiscar imediatamente e sem reserva todas as terras pertencentes aos grandes proprietários rurais, isto é, a todas as pessoas que exploram sistematicamente, nos países capitalistas, seja de maneira direta ou por intermédio de seus prepostos, os trabalhadores assalariados, os camponeses pobres e também, como acontece freqüentemente, os camponeses médios da região, todos os proprietários que não participam de nenhuma forma do trabalho físico -na maioria dos casos, descendentes dos barões feudais (nobres da Rússia, da Alemanha e da Hungria, senhores restaurados da França, lordes ingleses, antigos senhores de escravos na América), magnatas das altas finanças ou, enfim, aqueles saídos dessas duas categorias de exploradores e ociosos.

Os partidos comunistas devem se opor energicamente à idéia de indenizar os grandes proprietários rurais expropriados e lutar contra toda propaganda nesses sentido; os partidos comunistas não devem esquecer que a concessão de tais indenizações será uma traição ao socialismo e um encargo novo imposto às massas exploradas, sobrecarregadas pelo fardo da guerra que multiplicou o número de milionários e suas fortunas.

Nos países capitalistas avançados, a Internacional Comunista estima que será bom e prático manter intactas as grandes propriedades agrícolas e explorá-las da mesma forma que as "propriedades sovietistas" russas(2).

Quanto ao cultivo das terras conquistadas pelo proletariado vitorioso aos grandes proprietários rurais, na Rússia elas estavam até o presente divididas entre os camponeses, isso porque o país é muito atrasado do ponto de vista econômico. Em alguns raros casos, o governo proletário russo manteve em seu poder as propriedades rurais ditas "sovietistas" que o Estado proletário explora, transformando os antigos operários assalariados cm "delegados de trabalho" ou em membros de sovietes.

A conservação dos grandes domínios serve melhor aos interesses dos elementos revolucionários da população, sobretudo dos agricultores que não possuem terras, os scmiproletários e os pequenos proprietários que vivem freqüentemente de seu trabalho nas grandes empresas. Também a nacionalização dos grandes domínios torna a população urbana menos dependente em relação ao campo do ponto de vista do abastecimento.

Onde ainda subsistem vestígios do sistema feudal, onde os privilégios dos proprietários rurais engendram formas especiais de exploração, onde se vê ainda a "servidão" e a "parceria", é necessário entregar aos camponeses uma parte do solo dos grandes domínios.

Nos países onde os grandes domínios são em número insignificante, onde um grande número de pequenos prepostos mandam nas terras, a distribuição dos grandes domínios em lotes pode ser um meio para ganhar os camponeses para a revolução, quando a conservação de alguns grandes domínios não for de nenhum interesse para as cidades do ponto de vista do abastecimento.

A primeira e a mais importante tarefa do proletariado c se assegurar de uma vitória durável. O proletariado não deve temer uma queda da produção, se isso for necessário, para o sucesso da revolução. É somente então, com a classe média do campo neutralizada c assegurado o apoio da maioria, se não da totalidade, que se pode garantir ao poder proletário uma existência durável.

Todas as vezes que as terras dos grandes proprietários rurais forem distribuídas, os interesses do proletariado agrícola deverão estar acima de tudo.

Todo instrumento agrícola e técnico dos grandes proprietários deve ser confiscado e passado ao Estado, sob a condição porém de que após a distribuição desses instrumentos, em quantidade suficiente, entre as grandes propriedades rurais do Estado, os pequenos camponeses possam utilizá-los gratuitamente, de acordo com os regulamentos elaborados a esse respeito pelo poder proletário.

Se, logo no começo da revolução proletária, for necessário o confisco imediato das grandes propriedades, bem como a expulsão ou prisão de seus proprietários, líderes da contra-revolução e opressores impiedosos de toda a população rural, o poder proletário deve procurar sistematicamente, na medida da consolidação de sua posição nas cidades e no campo, utilizar as forças desta classe, que possui uma experiência preciosa dos conhecimentos e das capacidades organizativas, para criar com sua ajuda, e sob o controle de comunistas provados, uma vasta agricultura sovietista.

7°) O socialismo somente vencerá definitivamente o capitalismo e não se debilitará no momento em que o poder governamental proletário, tendo reprimido toda resistência dos exploradores e assegurado sua autoridade, tiver reorganizado a indústria sobre a base de uma nova produção coletivista e sobre um novo fundamento técnico (aplicação geral da energia elétrica em todos os ramos da agricultura e da economia rural). Só esta reorganização pode dar às cidades a possibilidade de oferecer ao campo atrasado uma ajuda técnica e social, capaz de determinar um crescimento extraordinário da produtividade agrícola e rural e engajar, através do exemplo, os pequenos trabalhadores passando, progressivamente, em seu próprio interesse, a uma cultura coletivista mecânica.

É precisamente no campo que a possibilidade de uma luta vitoriosa para a causa socialista exige da parte de todos os partidos comunistas um esforço para despertar, entre o proletariado industrial, o sentimento da necessidade de sacrifícios e fazer tudo para a derrota da burguesia e para a consolidação do poder proletário; coisa absolutamente necessária porque a ditadura do proletariado significa que ele sabe organizar e conduzir os trabalhadores explorados e que sua vanguarda está sempre pronta, para atingir esse objetivo, a fazer os esforços e os sacrifícios mais heróicos; de outra parte, para chegar à vitória definitiva, o socialismo exige que as massas trabalhadoras mais exploradas dos campos possam ver, logo após a vitória dos operários, sua situação melhorada em detrimento dos exploradores; se não for assim, o proletariado industrial não poderá contar com o apoio do campo e não poderá, com isso, assegurar o abastecimento das cidades.

8o) As dificuldades enormes que apresentam a organização e a preparação para a luta revolucionária da massa dos trabalhadores rurais que o regime capitalista embruteceu, dispersou e escravizou, quase como durante a Idade Média, exigem dos partidos comunistas a maior atenção para com o movimento grevista rural, o apoio vigoroso e o desenvolvimento intenso das greves de massas de proletários e semiproletários rurais. A experiência das revoluções russas de 1905 e 1917, confirmada e completada atualmente pela experiência da revolução alemã e de outros países avançados, prova que só o movimento grevista, progredindo sem parar (com a participação, em certas condições, dos "pequenos camponeses") pode tirar as cidades de sua letargia, despertar entre os camponeses a consciência de classe e o sentimento da necessidade de uma organização de classe das massas rurais exploradas e mostrar claramente aos habitantes do campo a importância prática de sua união com os trabalhadores das cidades. Segundo esse ponto de vista, a criação de sindicatos operários agrícolas e a colaboração dos comunistas nas organizações de operários agrícolas e florestais são da mais alta importância. Os comunistas devem particularmente sustentar as organizações formadas pela população agrícola estreitamente ligada ao movimento operário revolucionário. Uma propaganda enérgica deve ser feita entre os camponeses proletários.

O Congresso da Internacional Comunista critica e condena severamente os socialistas hipócritas e traidores que encontramos infelizmente não somente no seio da 2ª Internacional amarela, mas também entre os três partidos europeus mais importantes, saídos desta Internacional; o Congresso condena à vergonha os socialistas capazes não somente de considerar diferentemente o movimento grevista rural, mas também de resistir a ele (como K. Kautsky), com medo de que ele resulte numa redução do abastecimento. Todos os programas e todas as declarações mais solenes não têm qualquer valor, se não for possível provar praticamente que os comunistas e os líderes operários sabem colocar acima de todas as coisas o desenvolvimento da revolução proletária e sua vitória, fazendo por ela os sacrifícios mais penosos, porque não há outra saída nem outros meios para vencer a carência e a desorganização econômica e para conjurar novas guerras imperialistas.

9o) Os partidos comunistas devem fazer tudo o que depender deles para começar o mais cedo possível a organização dos sovietes no campo e, cm primeiro lugar, dos sovietes que representarão os trabalhadores assalariados c semiprolclários. Apenas em cooperação estreita com o movimento grevista das massas e com a classe mais oprimida os sovietes serão capazes de cumprir sua missão e se tornarão fortes o suficiente para submeter à sua influência (e incorporá-los em seguida) os "pequenos camponeses". Se, entretanto, o movimento grevista não estiver suficientemente desenvolvido e a capacidade de organização do proletariado rural for ainda bastante frágil, tanto por causa da opressão dos proprietários rurais e dos camponeses ricos, como pela insuficiência do apoio dado pelos operários industriais e por seus sindicatos, a criação de sovietes nos campos exigirá uma longa preparação; ela deverá ser feita pela criação de focos comunistas, por uma propaganda ativa, em termos claros e transparentes, das aspirações comunistas que serão explicadas pela força dos exemplos ilustrando os diversos métodos de exploração e opressão, e enfim por meio da propaganda sistemática dos trabalhadores industriais nos campos.


Notas:

(1) Eis algumas cifras exatas: Alemanha: propriedades rurais de 5 a 10 hectares, empregando operários contratados - 652.798 (sobre 5.736.082), operários assalariados - 487.764; operários casados - 2.003.633. Áustria (recenseamento de 1910) - 383.351 propriedades rurais, das quais 126.136 empregando trabalhadores contratados; operários assalariados - 146.044; operários casados - 1.265.969. O número total de fazendas na Áustria se eleva a 2.856.349. (retornar ao texto)

(2) Será bom favorecer a criação de domínios administrados pelas coletividades (Comunas) (retornar ao texto)