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Primeira Edição: Marxist-Leninist Quarterly, No. 4, primavera de 1973
Fonte: LavraPalavra - https://lavrapalavra.com/2020/03/03/origem-e-desenvolvimento-do-revisionismo-na-uniao-sovietica/
Tradução: Eliabe Barbosa de Jesus da versão disponível em https://www.marxists.org/history/erol/uk.secondwave/origins-soviet-revisionism.htm
HTML: Fernando Araújo.
Lenin uma vez disse que sem uma teoria revolucionária, não haveria movimento revolucionário. A história do movimento dos trabalhadores durante este século [XX] tem provado essa afirmação como verdadeira. O desenvolvimento de uma teoria revolucionária significa muito mais do que o estabelecimento de princípios amplos ou a repetição de generalizações sobre o Marxismo. Pois uma das qualidades que fizeram de Lenin e Mao verdadeiros líderes revolucionários, foi a habilidade de usarem a análise Marxista para entender e explicar certos estágios dos processos em desenvolvimento, e depois, usando-a como base, guiarem as ações ao longo do caminho revolucionário. Da mesma forma que Marx e Engels, eles não agiram cegamente examinando apenas o problema imediato, mas pelo contrário, foram capazes de observar o presente em relação ao passado, de forma a abrir um caminho para o futuro.
O movimento revolucionário está em seu presente sofrendo de uma séria falta de clareza teórica. Se as forças Marxistas-Leninistas na Grã-Bretanha querem se desenvolver, se elas querem um dia se tornar capazes de liderar a classe trabalhadora na derrubada do capitalismo, então uma análise séria deverá ser feita sobre a atual situação da grã-bretanha e do mundo. Mas qualquer análise permanecerá incompleta e defeituosa, se primeiro não enfrentarmos importantes questões sobre o recente e não-tão-recente passado do movimento comunista internacional.
Oito anos atrás era amplamente aceito entre os comunistas que o mundo se encontrava dividido em dois campos: um socialista e outro capitalista. A URSS e as novas democracias do leste europeu eram consideradas parte de um campo socialista, apesar de seus líderes cometerem uma séries de revisionismos. Hoje, uma boa parte dos Marxistas-Leninistas enxergam isso de maneira diferente. A URSS, não é mais considerada socialista, mas sim capitalista ou “social imperialista”. Essa re-avaliação claramente possui implicações para qualquer avaliação da balança mundial.
Não acho eu que a reflexão necessária tenha sido dada para algumas das proposições aceitas recentemente. Nem que tenha havido qualquer tentativa séria, de qualquer fração de Marxistas-Leninistas, de explicar como viemos parar em tal situação. A tendência tem sido apenas adotar e replicar as posições do Partido Comunista da China. Certas ou erradas, quaisquer posições não poderão ser aceitas ou desenvolvidas sem antes uma série análise Marxista.
(…) Queremos deixar claro que não tentaremos neste artigo fazer um exame completo sobre o assunto, mas ao invés disso, introduzi-lo, na esperança de provocar uma discussão que levante uma maior clareza sobre uma questão tão importante para o nosso movimento.
Diferente dos revisionistas que ainda acreditam que a URSS seja hoje um estado socialista, e também diferente dos Trotskistas que acreditam que ela nunca tenha sido, os Leninistas consideram que um dia a URSS foi um estado socialista. Os dois primeiros sempre evitam encarar a pergunta “O que é socialismo?”. Uma avaliação incorreta do que o socialismo significa na prática tende sempre levar ao idealismo. Um método Marxista parte não de uma noção idealista particular, mas sim de um exame científico da realidade objetiva.
O socialismo não é uma forma completa ou finita, mas sim um estado de transição para o comunismo. Nós não podemos dizer, por exemplo, que a existência de desigualdade define a natureza socialista de uma sociedade. A existência de burocracia, de desigualdade, do direito burguês será inevitável por mais ou menos um longo período (dependendo das condições específicas) dentro da ditadura do proletariado. Para os utópicos que queriam introduzir uma sociedade sem classe no dia após a revolução Lenin disse:
Não poderá haver o pensamento de que é possível a abolição da burocracia de forma completa e indefinida. Isso é uma utopia. Porém, esmagar a velha máquina burocrática para construir uma nova que permitirá a abolição de toda a burocracia não é uma utopia, pois essa é a experiência da Comuna, e é uma tarefa direta e imediata para a revolução do proletariado. (…) Nós não somos utópicos, nós não cedemos aos sonhos de depor de uma só vez toda forma de hierarquia; estes são os sonhos dos anarquistas, baseado na falta de entendimento deles das tarefas da ditadura do proletariado. São totais estranhos ao Marxismo, e na verdade, apenas servem para adiar a revolução socialista com as pessoas que existem hoje, pessoas que não dispensam de subordinação, controle e liderança. A subordinação deverá ser para a vanguarda armada de todo povo explorado, isto é, o proletariado.(2)
Lenin entendeu o que caracterizava a “primeira fase do comunismo” – um sistema novo, mas emergido do capitalismo. Ele não aceitou os defeitos e virtudes do sistema, nem tentou os exorcizar da existência. Ao invés disso, ele enxergou os problemas da construção socialista como realmente são, e entendeu que os meios para superá-los dependem precisamente e ao mesmo tempo, da construção do socialismo e da revolução mundial:
(…) A primeira fase do comunismo não poderá ainda produzir justiça e igualdade: diferenças e injustiças em relação a riqueza, ainda irão existir. Mas a exploração do homem pelo homem será nela impossível, porque será impossível de se apoderar dos meios de produção, das fábricas, máquinas, terras, etc, como propriedade privada. (…) Marx não somente considera a inevitável desigualdade do homem, mas ele também considera o fato de que a mera conversão dos meios de produção em propriedade comum de toda sociedade (comumente chamado de “socialismo”) não remove os defeitos ou a distribuição das desigualdades do direito burguês que continuará a prevalecer enquanto a produção for dividida de acordo com o montante de trabalho realizado.(3)
Aqueles que acreditam que o socialismo nunca tenha existido na URSS normalmente argumentam a impossibilidade de estabelecer um sistema socialista em um único país, e daí partem para o ponto de que a existência de burocracia, desigualdade, diferenças de salários, censura, etc provam que o socialismo ali nunca existiu.
Parece para mim que o utopismo do qual Lenin se referia se encontra na raiz da maior parte da crítica Trotskista. Se alguém definir socialismo como uma sociedade “sem classes, commodities, dinheiro e estado”, como Mandel(4), então claramente o socialismo nunca existiu na União Soviética, nem em qualquer lugar do mundo. Outras críticas contemporâneas parecem partir da mesma base. Mas tal definição é completamente anti leninista. A única definição possível de socialismo é a que a considera como uma sociedade na qual “o proletariado usa sua supremacia política para eliminar gradualmente todo capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do estado proletário, isto é, com o proletariado como a classe dominante; e aumentar as forças produtivas de forma mais rápida possível.”(5) Tal sociedade possui classes – ela opera de acordo com a ditadura de classe; possui estado, dinheiro e mercado e ainda nem sequer introduz a liberdade universal. Então, a menos que alguém acredite que socialismo e comunismo (ou a fase inferior e superior do comunismo) são a mesma coisa (o que é anti leninista), então devemos reconhecer que todos os fenômenos presentes acima irão continuar existindo, e também que os mesmos serão inevitáveis por um longo tempo durante o que Marx chama de fase inferior do Comunismo. O ponto não é se o mercado ou a produção de commodities existem, mas para que direção uma certa sociedade está se dirigindo. Direção essa que dependerá precisamente de qual classe possui o poder político. Enquanto o poder político estiver nas mãos do proletariado, a sociedade poderá se mover em direção ao comunismo, que é a eliminação do mesmo poder em uma sociedade que já não possui classes. A questão central é o poder político.
Mas a questão não pode ser deixada aí: Enquanto é utópico considerar qualquer coisa que não mire em uma sociedade sem classes como socialista, é igualmente errado considerar o socialismo como um sistema verdadeiramente e completamente democrático. As desigualdades citadas anteriormente, que irão continuar enquanto a riqueza for dividida de acordo com o trabalho realizado, estão essencialmente em contradição com as novas relações sociais trazidas pela revolução socialista. Ambos são inevitáveis por um período de tempo, e também contraditórias com os objetivos que tal sociedade busca. Essas desigualdades são vestígios de uma sociedade pré-socialista e deverão ser eliminadas no curso de construção do comunismo. Não se garante que a existência do poder proletário faz com que tais elementos contraditórios na nova sociedade sejam resolvidos. A retenção do poder por parte do proletariado necessita de uma luta amarga, na intensidade que Lenin nunca deixou de enfatizar e na realidade que foi demonstrada na prática.
Enquanto as relações de mercado estão subordinadas ao poder do proletariado, eles podem ser eliminados com o passar do tempo. O exercício do poder proletário em todos os campos da vida social, não somente no campo da ideologia, é vital para a eliminação do mercado. O mercado não pode ser ‘abolido’ num estágio onde o nível de desenvolvimento das forças produtivas necessita de sua retenção, mas igualmente o mercado e suas relações nunca devem ser vistas como permanentes nem desejáveis em uma economia socialista. Socialismo é um estágio de transição para o comunismo – um estágio no qual a necessária contradição entre planificação e relações de mercado continuarão a existir. A existência dessa contradição reflete a contradição maior, característica de todas sociedades de classe, inclusive a socialista; que é a contradição entre as relações de produção e as forças produtivas.
Isso nos traz para a questão mais importante no argumento Trotskista para com a URSS. Enquanto Marxistas-Leninistas dirigem seu criticismo para com as desigualdades, as quais são muito evidentes nesse país, então perderão o ponto principal e irão se deparar com o inevitável questionamento: “Qual sua atitude em relação às mesmas manifestações durante a liderança de Stalin?”
Críticas nesse nível são direcionadas para a superficialidade do fenômeno, no nível de superestrutura. A preocupação maior deveria ser com as relações de classe subjacentes. Na URSS e na europa oriental de hoje, existe o que alguns classificam como ‘socialismo de mercado’. ‘Socialismo de mercado’, implica em um papel elevado das relações de mercado, considerando-as um meio desejável de transição para o comunismo, o progresso em que se precisa da implementação de esquemas de incentivo e competição de acordo com as forças do mercado.
Portanto, o que em um período anterior era considerado, corretamente, como um mal necessário mas temporário, agora é considerado como algo a ser construído dentro da sociedade. Eu devo argumentar que este desenvolvimento denota a passagem de poder das mãos do proletariado para outras, e que, sendo esse o caso, qualquer que seja a intenção, resulta no abandonamento do objetivo final do comunismo; e que o desenvolvimento de tal ‘socialismo de mercado’ marca uma mudança qualitativa nas relações de classe, sendo apenas um eufemismo para desenvolvimento do capitalismo.
Desde a tomada do poder do estado pelo proletariado na Rússia em 1917, não houve uma violenta derrubada do poder proletário, ou nenhuma contra-revolução no sentido que a maioria das pessoas entendem. E mesmo assim, o poder tem sido passado das mãos do proletariado. Tentar acertar quando isso começou a acontecer não é mero exercício acadêmico; é uma matéria de considerada importância para o desenvolvimento da crítica marxista-leninista da natureza e desenvolvimento do revisionismo moderno dentro de países socialistas.
Até hoje houveram poucas análises sobre o desenvolvimento do revisionismo na URSS. Na maioria das vezes que a questão é abordada entre Marxistas-Leninistas, ela é normalmente apresentada como se tudo estivesse bem até a morte de Stalin, e que a partir da liderança de Kruschev, todas as boas práticas foram revertidas no XX congresso em 1956. O XX congresso é visto como o ponto de virada em direção ao revisionismo. Tal afirmação é muito fácil de ser feita, e não explica como as políticas adotadas no XX congresso vieram a ser aceitas tão rapidamente. Também não explica a razão da intervenção na Hungria que ocorreu logo após o golpe de Kruschev.
De qualquer forma, o XX congresso foi um evento histórico. Em 1956, o PCUS anunciou a sua aceitação da teoria de transição pacífica em direção ao comunismo(6). Uma nova reviravolta também foi dada quando se estabeleceu a coexistência pacífica com o imperialismo. Kruschev afirmou:
"(…) Significa que estamos retrocedendo? É certo que não. [Pois o socialismo] Requer a vitória da revolução em pelo menos diversos países. Portanto é tarefa essencial da revolução vitoriosa em um único país desenvolver e apoiar a revolução em outros lugares. Assim, a revolução em uma nação vitoriosa deverá não se considerar isolada, mas uma força auxiliar para a vitória do proletariado em outros países.”(7)
Nessa formulação de Kruschev, um país socialista é considerado “uma força auxiliar” do proletariado revolucionário pelo mundo;. A vitória final do socialismo não pode ser atingida através de um único país. Nós devemos considerar logo mais o que “a vitória final do socialismo” significa, e relacionar com a afirmação de Stalin de que o retrocesso só poderia acontecer através de uma intervenção estrangeira.
Stalin carregava a mesma opinião expressa por Lenin em 1915, quando este disse:
"O desenvolvimento econômico e político desigual é uma lei absoluta para o capitalismo. Uma vez que a vitória do socialismo é possível, primeiro em poucos ou mesmo em um único estado capitalista, o proletariado vitorioso deste país, tendo expropriado os capitalistas e organizado a sua própria produção socialista, levantar-se-á contra o resto do mundo capitalista, atraindo para si as classes oprimidas de outros países, levantando revoltas contra os capitalistas; e no evento da necessidade, poderá agir até com uma força armada contra as classes opressoras e seus respectivos estados.”(8)
Este esboço não poderia levar em conta as complexidades que viriam nas primeiras décadas do poder Soviético, quando a URSS teve que existir isoladamente em um ambiente capitalista completamente hostil. O socialismo existente dentro da realidade de um único estado teve que enfrentar os problemas de sua própria natureza, como um novo sistema de organização econômica e política, além do seu relacionamento com o movimento proletário internacional. O grande problema, foi como manter um internacionalismo proletário consistente e ao mesmo tempo conduzir relações obrigatórias (no sentido da própria existência) com o resto do mundo. O curso a ser seguido foi um extremamente tortuoso, no qual obviamente qualquer traição do primeiro princípio (o internacionalismo proletário) seria um ‘tiro no pé’ contra a própria revolução dentro da URSS. Por outro lado, haveria inevitavelmente várias ocasiões onde vários compromissos para com as relações diplomáticas teriam de ser seguidos.
O sucesso de como essas contradições são lidadas depende da forte clareza e da firmeza da liderança revolucionária e sua capacidade de examinar contradições. O calibre da liderança revolucionária depende de quão firmemente a classe operária esteja com o poder. Se a ditadura é fraca, se as massas não estão constantemente e ativamente envolvidas nos negócios do estado – então a burguesia e a classe de burocratas irão aumentar a sua força dentro das instituições de poder proletário.
Nos primeiros anos da revolução Bolchevique, o estado soviético gozou de tremendo prestígio dentro do movimento internacional do proletariado. O estabelecimento da Internacional Comunista (Comintern) foi um passo extremamente positivo para a organização e fortalecimento de forças para a revolução mundial. Os princípios do Bolchevismo substituíram a desastrosa conciliação de classes da Segunda Internacional. Entretanto, havia perigos existentes desde o começo da relação entre o partido bolchevique no poder, e os partidos estrangeiros menores que apenas ganharam relevância com a ajuda dos bolcheviques. O grande prestígio recebido pelos bolcheviques levaram o outros partidos a considerá-los como os detentores de toda a sabedoria e fizeram com que os próprios líderes bolcheviques vissem a si mesmos como líderes da revolução mundial. Talvez esse desenvolvimento tenha sido inevitável, mas acabou estabelecendo uma relação problemática dentro da Comintern. Mesmo que assumamos que a política interna da Comintern (que era sempre a linha do PCUS) foi correta durante seus 24 anos de existência – e tal afirmação seria difícil – não poderemos negar que mudanças drásticas ocorreram em 1928, 1935 e 1939, sendo que todas foram enviadas a seus membros como diretivas. Claro que os partidos que aceitaram as diretivas acriticamente – no caso, a maioria – possuem parte da culpa, mas um estilo problemático de trabalhar crescera desde os anos 1920 e nunca fora corrigido durante toda a existência da Comintern.
Antes de entrar com detalhes nos aspectos da política soviética nos anos 30, é válido considerar algumas das visões expressas por Stalin em sua palestra para estudantes na Universidade Sverdlov em 1925. Em resposta à pergunta sobre o perigo da degeneração do partido como resultado da estabilização do capitalismo, ele admitiu que indubitavelmente esse era um grande perigo. Argumentando que o perigo da degeneração e do retrocesso não poderiam ser resultado apenas da estabilização capitalista e do possível isolamento da URSS, ele listou os seguintes problemas a cerca do partido:
1) O perigo da perda da perspectiva socialista no trabalho de construir o país, e o perigo do liquidacionismo relacionado;
2) O perigo da perda da perspectiva revolucionária internacionalista, e o perigo do nacionalismo relacionado; e
3) O perigo da queda de liderança do partido e com isso, a possibilidade da conversão do partido em um apêndice do aparelho do estado.(9)
Refletindo sobre o segundo perigo ele alertou:
A falta de confiança na revolução do proletariado internacional; a falta de confiança na nossa vitória; o ceticismo para com a luta de libertação nacional das colônias e dos países dependentes; (…) poderá fazer com que falhamos em entender que a vitória do socialismo em um único país de nada adiantará, se não houver garantia de defesa contra uma intervenção, a menos que a revolução se torne vitoriosa em outros países. A falha no entendimento da nossa demanda elementar pelo internacionalismo, fará com que vejamos o socialismo em um país como um fim em si mesmo, e não como um meio de apoiar a revolução em outros lugares.
Tal atitude, disse Stalin,
“levaria a liquidação política da internacional do proletariado, por razão das pessoas afetadas com esta doença verem nosso país não como parte de um todo chamado ‘movimento revolucionário internacional’, mas como o começo e o fim da luta, acreditando que os interesses dos outros países devam ser sacrificados em razão dos nossos.”
Ele deu mais exemplos desse “novo tipo de pensamento nacionalista que já tenta liquidar a política internacional da revolução de outubro parafraseando:
Apoiar o movimento de libertação de China? Mas por quê? (dizem os nacionalistas) Isso não seria perigoso? Não nos colocaria em conflito com outros países? Não seria melhor estabelecer esferas de influência na China para benefício próprio?
Stalin traçou tanto o liquidacionismo como o nacionalismo no crescimento da influência burguesa no partido, tanto na política interna quanto externa. Disse:
Não há dúvida alguma de que a pressão dos estados capitalistas no nosso país é enorme, e que as pessoas que estão lidando com nossa política externa nem sempre conseguem resistir a tais pressões.
E então conclui:
O primeiro país a ser vitorioso pode assumir o papel de defensor do movimento revolucionário internacional somente se sua base é consistente com o internacionalismo. É por isso que perder a perspectiva revolucionária internacionalista leva ao nacionalismo e a degeneração. Essa é a razão de porquê a luta contra o nacionalismo na nossa política internacional é uma tarefa urgente para o nosso partido.
No XI congresso do PCUS em 1928, Stalin previu a crise econômica que estava prestes a abalar o mundo capitalista um ano depois. O período de estabilização já estava chegando ao fim, e foi argumentado que as políticas e táticas que prevaleceram até então estariam ultrapassadas. O que era preciso, era de uma nova ofensiva contra o capitalismo e seus agentes, incluindo os social-democratas. Os reformistas agora eram considerados como “social-fascistas” (um termo que antes não era usado) e não poderia sequer haver dúvidas sobre uma aliança com os mesmos. Não é possível aqui, esmiuçar este terceiro período da Comintern, no qual até 1935 prevalecia a linha “guerra de classes”. Mas alguns comentários são necessários.
Primeiro, a linha até então adotada era baseada em análises muito bem acertadas. As condições da luta internacional havia mudado, e em todos os países os social-democratas se revelaram, no momento de crise capitalista, como os maiores defensores do sistema. Por outro lado, a linha tática considerava algumas simplificações que simplesmente eram falhas em relação ao fascismo. Em 1935, Dimitrov defendeu que muitos dos partidos comunistas eram culpados de sectarismo em suas relações com social-democratas. A influência do sectarismo no Partido Comunista da Alemanha não poderia ser ignorado como fator divisivo dos trabalhadores naquele país. Mas o que Dimitrov não disse, foi que a própria Comintern era responsável pela maior parte da promoção desse sectarismo.
Em 1933, o fascismo triunfou na Alemanha e a europa tinha claramente embarcado no caminho para uma segunda guerra imperialista. Dois anos depois, no VII Congresso da Comintern, a frente única foi proclamada. Todo o sentido da política anterior foi assim mudado. O relatório de Dimitrov continha uma análise do novo balanço mundial em que continha as fraquezas, erros e conquistas de todos os partidos comunistas. Ele concluiu que havia uma necessidade urgente de unir a classe trabalhadora e todas as forças antifascistas na tentativa de bloquear o fascismo e prevenir a guerra. E apontou para o papel dos líderes social-democratas como fator maior na subida do fascismo ao poder:
Nossa atitude de absoluta oposição para com governos social-democratas, que são governos comprometidos com a burguesia, é bem conhecida. Mas… nós não consideramos a existência de um governo social-democrata ou uma coalizão formada por social-democratas e partidos burgueses como um completo obstáculo no estabelecimento de uma frente com os social-democratas.(10)
Dimitrov foi cuidadoso em enfatizar que tais governos nunca poderiam levar o proletariado á sua vitória final, que só poderia vir a partir do caminho do socialismo. Ele também atacou os oportunistas de direita que tentaram estabelecer um meio-termo entre a ditadura burguesa e a ditadura do proletariado, instigando nos trabalhadores a ilusão de um pacífico processo parlamentar como transição socialista:
Nós temos que aumentar a nossa vigilância… tendo em mente que o perigo do oportunismo de direita irá crescer cada vez mais na medida que nos unimos nas alianças táticas.
E não há dúvidas de que o oportunismo de direita cresceu rapidamente dentro da Comintern durante esse tempo. Os conceitos de união tática definidas por Dimitrov eram, a princípio corretas, mas na tentativa de implementá-las na maioria dos países ocidentais, levou ao oportunismo de direita. Mas críticas devem ser feitas a Dimitrov e ao PCUS, por abandonarem a política do terceiro período da Comintern e adotar uma nova sem nenhuma autocrítica. O próprio relatório do VII Congresso contém uma série de ambiguidades em relação aos social-democratas que reflete todas as dificuldades envolvendo a tentativa de combinar duas linhas contraditórias. A posição de Dimitrov foi em muitos aspectos, de direita. Em uma parte envolvendo os sindicatos ele declarou:
Estamos preparados até para permitir a criação de facções dentro de sindicatos se for necessário para o interesse da unidade.
O período 1935-1939 viu o estabelecimento de governos e movimentos de frente única em uma série de países. Para a maior parte dos partidos comunistas, cresceu-se o número de membros e também de notoriedade, e a guerra civil espanhola trouxera a contradição que colocava a política de frente única a teste. Quaisquer que sejam as intenções do governo soviético e da Comintern, nesses anos também se viu o fim de posições independentes dentro da maior parte de partidos comunistas europeus. Mas o que estava errado na luta de frente única não era a falha dos partidos comunistas em lutar pela revolução, mas sim a defesa de que a democracia burguesa era desejável. Dimitrov dizia que a defesa da democracia burguesa na luta contra o fascismo era apenas uma parte da luta pelo estabelecimento do poder popular. Mas na prática, os ensinamentos de Lenin sobre o caráter de classe da democracia burguesa foram esquecidas, e a luta contra o fascismo se resumiu na defesa vaga da “democracia”.
Nesse ponto é apropriado voltar para os pontos levantados por Stalin na sua palestra na Universidade Sverdlov em 1925, e perguntar se os perigos que havia avisado não eram nesse ponto já presentes na política soviética. Duas questões se destacam:
1) A construção do socialismo na URSS era considerada já como a “vitória final”? e
2) A degeneração nacionalista já não se encontrava em desenvolvimento?
Em relação à primeira pergunta é válido comparar o discurso de Stalin com aquele feito por Mao Zedong em 1968. Stalin expressava a idéia de que a vitória do socialismo não poderia ser comemorada enquanto não houvesse garantia contra intervenção externa. Logo o fator decisivo é visto por ele como o perigo da intervenção que impede que o socialismo tenha uma vitória final.
Mao colocou a questão dessa forma:
Nós conquistamos uma grande vitória. Mas a classe derrotada continuará a resistir. Essas pessoas ainda estão por aí e a classe derrotada ainda vive – portanto não existe vitória final. Nem mesmo que se passe décadas. Nós nunca podemos vacilar. De acordo com o Leninismo, a vitória final de um país socialista não requer apenas os esforços do proletariado e das massas locais, mas também da revolução mundial e da abolição do sistema de exploração do homem pelo homem no globo, no que toda a humanidade deverá ser emancipada. Sendo assim é errado falar de uma vitória final sobre a nossa revolução, isso é anti leninista e confronta os fatos.(11)
Camarada Mao começa considerando os fatores internos: a continuação da luta de classes na China, apesar da grande vitória na Revolução Cultural. Ele então coloca o problema dentro do contexto global, enxergando a vitória final do socialismo não somente na revolução em uma série de países mas sim em todo o mundo. Então em duas concepções vemos um uso diferente do que significaria a vitória final do proletariado. A visão de Mao é diferente da de Stalin em sua essência. Pelo fim dos anos 1930, havia poucas dúvidas se Stalin considerava o socialismo na URSS como algo consolidado. Isso é um pouco estranho considerando os expurgos que aconteciam naquele momento, mas evidências em relatórios e discursos mostram que esse de fato era seu pensamento.
No relatório para o XVIII congresso do PCUS em março de 1939, Stalin destacou as duas fases que a URSS havia vivido desde a revolução. A primeira fase seria “o período da Revolução de Outubro até a eliminação das classes opressoras”. A segunda fase, “o período da eliminação dos elementos capitalistas no país, até a completa vitória do sistema socialista e a adoção da nova Constituição”. Segundo Stalin, a principal tarefa desse período era:
(…) estabelecer o sistema econômico socialista por todo o país e eliminar os últimos vestígios do capitalismo, trazer uma revolução cultural, e formar um exército moderno para a defesa da URSS. (…) A necessidade da repressão militar dentro do país acabou, desapareceu; pois a exploração foi abolida, e não há mais exploradores, então não há mais ninguém para reprimir. No lugar da repressão, o estado ganhou a função de defesa da propriedade socialista dos ladrões da propriedade coletiva [A referência de Stalin a ladrões deve ser comparada com referências similares dos relatórios de Kruschev para o XX e XXII congresso do PCUS. (…) Notavelmente vemos em ambos os casos a falha em relacionar este fenômeno com o contínuo antagonismo de classe. – Nota do autor do artigo] A função de defender o país de ataques estrangeiros continua a todo vapor; consequentemente o Exército Vermelho e a Marinha são necessários, assim como os órgãos de punição e inteligência, que são indispensáveis para a detecção e punição de espiões, assassinos e sabotadores enviados ao nosso país por agências estrangeiras. Agora, a tarefa principal de nosso estado é o desenvolvimento de uma pacífica organização econômica e educação cultural. Em relação ao exército e os órgãos de inteligência, a defesa não será mais contra uma ameaça interna, mas sim externa. Como vocês podem ver, agora possuímos um estado socialista sem precedentes na história humana, e que difere do estado socialista que tínhamos em nossa primeira fase.
Em relação ao futuro, Stalin também declarou:
Mas o desenvolvimento não pode parar por aqui. Nós estamos caminhando em direção ao comunismo. Será que nosso estado continuará durante a fase do comunismo? [E então ele mesmo completa] Sim, continuará. A menos que o cerco capitalista seja liquidado, e a menos que o perigo externo tenha desaparecido.(12)
Foi a partir disso, que a luta interna de classes tinha começado a ser vista como terminada na URSS em 1939. Os grandes expurgos tinham acabado apenas um ano antes e o período 1936-1939 observou a liquidação de milhares de pessoas. Mas de acordo com Stalin, durante esse período não havia ninguém para reprimir exceto assassinos, agentes estrangeiros e ladrões. Os líderes ‘Trotkistas’ e ‘Bukharinistas’ estavam a serviço da espionagem estrangeira e seguiram com atividades conspiratórias desde os primeiros dias da Revolução de Outubro.
Esse quadro não casa com a realidade. Embora não hajam dúvidas de que os estados imperialistas e fascistas enviaram um grande número de agentes, é inconcebível que a oposição na URSS consistia apenas desses grupos.
Também é da parte de Stalin o relatório citado acima, em que ele acreditava que era possível a consolidação do comunismo com um estado. Tal proposição se afasta radicalmente de todo argumento “socialismo em um só país” conduzido nos anos 1920. E também se afasta radicalmente do Marxismo-Leninismo. Falar sobre a permanência do estado em uma sociedade comunista é um absurdo, que fica mais absurdo quando se considera a existência do comunismo em um ambiente internacional hostil a ele. Uma sociedade comunista pressupõe o fim das classes e o desaparecimento do estado como ele é, e como o Camarada Mao diz, depende exclusivamente da “abolição do sistema de exploração do homem pelo homem por todo o globo.” Só é possível falar na vitória final uma vez que o objetivo do comunismo é atingido.
Em 1963, o Diário do Povo de Pequim publicou um panfleto intitulado “Sobre Stálin”, em que se tentou fazer uma balança sobre o líder soviético e o seu papel na história. Apropriadamente defendendo suas conquistas, e concluindo que essas eram maiores do que seu lado negativo, o artigo ainda o critica considerando que:
“Em seu modo de pensar, Stalin partiu do materialismo dialético e repousou na metafísica e no subjetivismo em relação a algumas questões, além de consequentemente se divorciar da realidade das massas. Nas lutas internas e externas do partido, em certas ocasiões e em certas questões, ele confundiu dois tipos de contradições que são diferentes por natureza, a contradição entre nós e nossos inimigos e a contradição no seio do povo, no qual ele confundiu o método necessário para a ação. No trabalho liderado por Stalin em reprimir a contra-revolução, muitos contra-revolucionários mereceram a punição, mas ao mesmo tempo, haviam muitos inocentes condenados incorretamente. Em 1937 e 1938, ele cometeu o equívoco de expandir o aparelho de repressão do estado para além dos contra-revolucionários.(13)
Não resta dúvida de que muitos que eram de fato inocentes foram presos por longos períodos de tempo sem um julgamento adequado, e que nesse tempo e em muitos casos, os mesmos eram executados como inimigos do povo. Essas evidências vieram a tona, principalmente considerando o tribunais no leste europeu no final dos anos 1940 e início dos anos 1950, em que muitos claramente eram condenados incorretamente. E não foi só uma simples questão de deslizes. Informações detalhadas vindas dos sobreviventes do tribunal de Praga em 1952, revelam o emprego de tortura psicológica, fabricação de evidência e extração de falsas confissões com a supervisão de funcionários soviéticos. Não nos ajuda como Marxistas-Leninistas, negar ou ignorar esses fatos, ou diminuir o seu caráter. O ponto é entender como tais coisas vieram a acontecer.
A única explicação satisfatória é de que Stalin e a maioria da liderança soviética, inclusive a oposição, teriam se divorciado das massas e foram incapazes de encarar as verdadeiras contradições diante de seus olhos. Em muitos momentos, a análise de Stalin sobre os problemas com o partido e o país, eram feitas de maneira brilhante, mas pelos anos 1930 ele cometeria alguns dos erros que ele mesmo temia em outra época. Nos anos que vieram após a Segunda Guerra Mundial, o nacionalismo começou a se tornar cada vez mais presente na política soviética. Um sério desvio da perspectiva revolucionária internacional ocorreu. Debaixo dos olhos do mesmo Stalin que uma vez alertava sobre aqueles que acreditariam que os interesses dos outros países deveriam ser sacrificados pelo interesse da URSS. Tal tendência veio a aparecer sob o seu comando.
A tendência de desenvolver um interesse nacional afastado do interesse do movimento mundial, ironicamente, começou a aparecer no tempo em que Molotov falava sobre a URSS entrar na época da transição entre socialismo e comunismo. A URSS veio a ser descrita como a terra do socialismo vitorioso no mesmo tempo em que Voroshilov apontava orgulhosamente para o fato dos oficiais do Exército Vermelho ganharem um acréscimo de 300% em seus salários em um período de 5 anos, dando a eles um pagamento anual de 8 mil rublos, maiores dos que os 150 rublos anuais de soldados ordinários. No tempo em que se acreditava que o socialismo estivesse chegando em sua vitória final, Shvernik dizia “que a política do nosso partido em relação aos salários foi direcionada para a estimulação da produtividade, para abolir a igualdade de salários entre trabalhadores especializados e aqueles não especializados (…)”.(14)
O ponto a ser feito aqui não é que o socialismo não tenha existido, mas que o que tínhamos era um que se encontrava ainda em seu estado rudimentar. Não reconhecer isso indica uma falha no entendimento objetivo da situação.
Stalin havia alertado em 1925 que perder a perspectiva internacional levaria ao nacionalismo, e também disse, que as bases de tal degeneração tinha crescido com a influência burguesa no partido e no estado. As pessoas que executam a política externa soviética, disse ele, nem sempre conseguiam resistir às pressões capitalistas.
Essa pressão aumentou tremendamente durante as décadas seguintes. Com o sempre presente perigo de ataque imperialista na URSS durante os anos 1930, com um país ou outro governado sob o fascismo, não é surpresa que Stalin reviu a situação com alarme e priorizou a defesa das fronteiras soviéticas. Mas, aproximadamente do tempo em que foi lançado a frente única, pode ser dito que a posição nacional da URSS se tornou prioridade sob os interesses da Comintern e dos movimentos dos trabalhadores.
A falha da frente única em prevenir a guerra, levou a assinatura do pacto germano-soviético de não-agressão. Enquanto as circunstâncias que prevaleciam no governo soviético não deixavam alternativas senão a assinatura do pacto, a condução da política Soviética e da Comintern entre Novembro de 1939 e Junho de 1941 pode ser lembrado como não outra coisa além do abandonamento do internacionalismo proletário.(15)
A análise da guerra feita por Dimitrov para o Comitê Executivo da Comintern (CEIC) em novembro de 1939, corretamente concluiu que se tratava de uma guerra imperialista. Mas a diretiva para os partidos comunistas deu uma guinada de 180 graus em relação às políticas adotadas com os social-democratas. O VII Congresso em 1935 clamou para a remoção das aspas dos social-democratas “de esquerda” e para a formação de alianças na luta contra o fascismo. A maior parte dos partidos comunistas abraçaram essa política com grande alívio após anos de agressividade. Agora, em Novembro de 1939, os social-democratas eram considerados de novo como inimigos. Dimitrov contou como em Setembro do mesmo ano os imperialistas britânicos e franceses haviam apressado para a ofensiva e chamado seu povo para uma guerra contra a Alemanha, fazendo-os ganhar vários aliados.(16)
O decoro claramente ganhou lugar. Em seu relatório sobre a guerra, Dimitrov apresentou uma análise dirigida para os interesses da defesa nacional da União Soviética. Também evitou uma igual condenação dos países capitalistas envolvidas na guerra, e virtualmente apresentou a Alemanha como uma vítima de uma agressão anglo-francesa. Esse também foi o tom adotado na maior parte dos relatórios durante o primeiro ano da guerra.
Quando, em 1941, a URSS se tornou vítima da agressão nazista, a guerra já deixava de ser inter-imperialista. A frente única dos anos 1930, brevemente interrompida no período de pacto, agora deu lugar à grande aliança das nações unidas contra o eixo fascista.
A URSS fez de longe o papel mais importante na derrota do nazifascismo na Segunda Guerra. Nada pode diminuir o heroísmo e o tremendo sacrifício do povo Soviético entre 1941 e 1945. Em comparação com a luta titânica da URSS, a guerra nos outros frontes pareceriam mais um piquenique. Mais de 20 milhões de cidadãos soviéticos morreram e aproximadamente um terço do território fora arrasado. A grande labuta e o auto-sacrifício de toda uma geração de trabalhadores e camponeses soviéticos foram largamente obliterados pelos soldados nazistas. Mais de outros 20 milhões de pessoas ficaram de repente sem onde morar. Esses detalhes nunca devem ser esquecidos em qualquer momento em que for considerado o papel da URSS na Segunda Guerra Mundial. O comando de Stalin no conflito foi talvez a sua maior realização. O seu exemplo, a sua serenidade e confiança na vitória e sua determinação de ferro inspiraram enormemente o povo Soviético. Não era por menos que dos lábios de milhares de soldados saíram gritos de “Vida longa ao camarada Stalin!” em seus momentos finais.(17)
Criticar certos aspectos da condução da guerra e também criticar comportamentos que se tornaram comuns durante a guerra, não é de forma alguma aqui feita para diminuir os heróicos esforços do povo Soviético.
Durante a luta, compreensivelmente, crescera um sentimento nacional em reação à invasão nazista, mas Stalin encorajou essa atitude para além do que era compatível com o internacionalismo proletário. Ele invocou os espíritos do passado imperialista russo no começo da guerra dizendo:
Deixem as imagens dos nossos grandes ancestrais – Alexander Nevsky, Dmitry Donskoy, Kazuma Minin, Dimitry Pozharsky, Alexander Suvorov e Mikhail Kutuzov – inspirá-los nesta guerra! Que a vitoriosa bandeira do grande Lenin seja vossa estrela-guia!”(18)
Escritores como Tolstoi e Ehrenburg ajudaram a impulsionar um ódio nacional contra os alemães. Pelo fim da guerra Ehrenburg disse que ele não tinha “esperanças de uma rebelião na Alemanha, pois para se ter um movimento popular primeiro se precisa de um povo. E o que se tem na Alemanha são milhões de Fritzens e Gretchens formando uma massa burra e gananciosa (…) incapaz de sentir ou pensar.”(19). A constante repetição de uma propaganda que se referiu a todos os alemães como sadistas, não poderia fazer outra coisa além de evitar um entendimento correto do fascismo. Presumidamente, em ordem de investir o nacionalismo burguês com alguma dignidade, Stalin expressou sua opinião peculiar de que nazistas não eram “verdadeiros nacionalistas”. Ele disse:
“Podem os Hitleristas ser considerados nacionalistas? Não. Não podem. Os hitleristas na verdade não passam de imperialistas”.(20)
No exército vermelho havia um retorno a tradições pré-revolucionárias. Depois de 1942, soldados foram oficialmente liberados de suas obrigações para com o socialismo. O único dever passou a servir a pátria-mãe. Novos regimentos foram criados com termos resgatados do passado Tsarista. Dragonas passaram a ser reintroduzidas assim como a segregação dos oficiais por subordinações. Os generais assumiram um papel de grande importância como nos exércitos burgueses e foram constantemente condecorados. O próprio Stalin assumiu o título de Marechal e Generalíssimo, além de pousar em cartazes com medalhas de honra.
Embora o Camarada Stalin não tinha propriamente mergulhado na onda nacionalista do pós-guerra, ele não fez nada para contê-la. Talvez não havia alternativa, mas isso põe em questão a natureza das políticas durante a guerra. A guerra foi lutada da forma que foi, pois não havia outra escolha. Uma guerra pelo povo no sentido que os chineses explicaram, não poderia ser levada pela URSS em 1941, porque os pré-requisitos políticos-ideológicos que fariam tal adesão possível não existiam.
Em uma palavra, o que faltava era apenas uma linha de massa. Tanto Lênin quanto Stalin enfatizaram no passado a necessidade de trazer as massas para o governo estatal. Stalin uma vez disse sobre a necessidade de revitalizar os Soviets:
Será impossível reformar o aparelho de estado ou de alterá-lo, de extirpar os elementos de corrupção e burocracia e fazer dela algo do interesse das massas a menos que o próprio povo dobre o aparato de estado constante e ativamente. O estado soviético emerge das massas e portanto não pode estar acima delas. Se quisermos que o Estado soviético continue, se quisermos envolver os milhões de trabalhadores, não podemos de forma alguma nos alienar das massas.(21)
Não existe evidência de que o aparato de estado soviético agia a partir do seio das massas. Na falta de uma linha de massa, a degeneração do partido e do estado era inevitável mais cedo ou mais tarde. A base de tal degeneração é encontrada nos representantes da burguesia dentro do aparelho de estado. Se a ditadura do proletariado for constantemente fortalecida desde baixo – a partir das massas – então as contradições nascentes no processo de construção socialista podem ser trabalhadas. Se isso não ocorrer, então os perigos contra o que Stalin avisara em 1925 passam a se concretizar. O partido se torna cada vez mais divorciado das massas e as contradições sociais acabam ficando inevitavelmente mal-resolvidas. A burguesia estende seus tentáculos no estado em ordem de reter e perpetuar tudo que é essencialmente burguês nas relações sociais. Se eventualmente o curso for mudado, eventualmente a burguesia reconquista o controle perdido.
Embora o processo de degeneração não era completo na URSS até um tempo depois da guerra, em 1939 já se encontrava presente. Nos acordos firmados em Teerã e Yalta, foi decidido que a Europa deveria ser dividida entre os poderes aliados em “esferas de influência”. Em Teerã em 1944, um acordo entre Stalin e Churchill foi firmado no qual os britânicos tinham a permissão do controle na Grécia em troca da supremacia Soviética na Romênia. Em Ialta, em Fevereiro de 1945, um acordo firmado com Roosevelt deu à URSS as Ilhas Japonesas de Curilas, a parte sul da Ilha Sacalina, assim como o Port Arthur. A política estrangeira em 1945 eram um grito do aviso do próprio Stalin em 1925 avisando o perigo da perda da perspectiva revolucionária internacional, e o nacionalismo associado.(22)
O revisionismo, que já começava a ser evidente na URSS em 1935, teve, ao fim da guerra, transformado a maior parte dos partidos comunistas da europa em partidos parlamentares reformistas. O Partido Comunista Britânico lançou os artigos pró-conciliação de classes por parte de Harry Pollitt entre 1945 e 1947, levando a formulação do “caminho britânico para o socialismo”.
No tempo que Stalin veio a escrever “Problemas Econômicos do Socialismo na URSS” em 1952, o curso da degeneração já era irreversível. É claro a partir dos trabalhos do Camarada Stalin, que ele havia enxergado todos os sinais, porém já era muito tarde.
Se em sua morte Stalin deixou para trás uma ditadura do proletariado, essa estava passando por um processo de erosão. Já foi dito que a maior crítica que pode ser feita ao Camarada Stalin, é a de que ele foi sucedido por Kruschev. E isso nos diz muito.
Notas de rodapé:
(1) M.F. foi um membro líder da Communist Federation of Britain (Marxist-Leninist), partido maoísta formado em 1968 por antigos membros do Partido Comunista da Grã-Bretanha. vide: https://www.marxists.org/history/erol/uk.secondwave/revisionismis.htm [Nota da seção em português do MIA] (retornar ao texto)
(2) Lenin. ’Estado e Revolução’’ Selected Works. Moscou 1952. Page 249. (retornar ao texto)
(3) Ibid. P.297 (retornar ao texto)
(4) New Left Review No.47. ’Trotsky; An Anti-Critique’ by E. Mandel. (retornar ao texto)
(5) Marx e Engels ’O manifesto comunista.’ (retornar ao texto)
(6) A teoria de ‘transição pacífica para o comunismo’ foi explorada por muitos partidos comunistas após a guerra – ver Harry Pollitt’s ’Answers to Questions’ (1944) e ’Looking Ahead’ (1947), escritos aprovados por supervisores soviéticos. O próprio Stalin em uma entrevista com o Partido Trabalhista Britânico em 1947 expressou que uma pacífica transição seria possível na Bretanha. O programa ’O caminho britânico para o socialismo”’ do PCGB estabeleceu a estratégia para uma transição pacífica em 1951. O documento obteve a aprovação de Stalin e de lideranças soviéticas. (retornar ao texto)
(7) Stalin ’Os fundamentos do Leninismo”’ Moscou 1934. P.40 (retornar ao texto)
(8) Lenin ’Collected Works’ (Moscou 1960-1970 Vol 21.P.342) (retornar ao texto)
(9) Stalin ’Collected Works’ Moscou 1954, Vol 7. (retornar ao texto)
(10) Dimitrov. Discurso no VII Congresso da Comintern em 1935. Redigida pela ’Frente única contra o fascismo’. (retornar ao texto)
(11) Mao Zedong. De um discurso durante a revolução cultural de 1968, redigida por Lin Piao em seu relatório para o PCCh, Abril 1969. (retornar ao texto)
(12) Stalin. Relatório do XVIII Congresso do PCUS, Março 1939. (’Land of Socialism Today and Tomorrow’). (retornar ao texto)
(13) ’Sobre Stalin’ Pequim 1963. (retornar ao texto)
(14) N. Shvernik. Discurso no XVIII Congresso do PCUS.. (retornar ao texto)
(15) Alexander Werth ’Russia at War’ (Pan Books 1966) (retornar ao texto)
(16) Dimitrov. ’O comunismo e a guerra”’ Novembro 1939. (retornar ao texto)
(17) Alexander Werth ’Russia at War’. (retornar ao texto)
(18) Stalin ’Discursos de Guerra’ Transmissão de Rádio, 3 de Julho, 1941. (retornar ao texto)
(19) ’We Come as Judges’ Soviet War News. Coleção de artigos ’Red Star’ por Ilya Ehrenburg. (retornar ao texto)
(20) Stalin ’Discursos de Guerra’’. (retornar ao texto)
(21) Stalin. ’Collected Works’. Vol.7. Page 161 (retornar ao texto)
(22) Em uma entrevista com socialistas japoneses em 1964, Mao Zedong expressou críticas nas negociações soviéticas relacionadas a Mongólia, Romênia e as Ilhas Japonesas Carillas. (Report in Japanese paper ’Shekai Shuho’ August 11, 1964). (retornar ao texto)