Projecto de Constituição apresentado pelo Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

1976


TÍTULO IV
Órgãos de Soberania


ARTIGO 53.º

Os Órgãos de Soberania da República Democrática Portuguesa durante o período de transição serão os seguintes:

  1. Presidente da República;
  2. Conselho da Revolução;
  3. Assembleia do MFA;
  4. Assembleia Legislativa;
  5. Governo;
  6. Tribunais.

Capítulo I
Do Presidente da República

ARTIGO 54.º

O Presidente da República é o primeiro magistrado da Nação e, por inerência, o Presidente do Conselho da Revolução e o Comandante Supremo das Forças Armadas.

ARTIGO 55.º

São atribuições do Presidente da República:

  1. Presidir ao Conselho da Revolução:
  2. Exercer o cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas;
  3. Escolher o Primeiro-Ministro, ouvido o Conselho da Revolução;
  4. Nomear e exonerar os membros do Governo, sob proposta do Primeiro-Ministro;
  5. Presidir ao Conselho de Ministros sempre que o entenda ou quando solicitado pelo Primeiro-Ministro;
  6. Dissolver a Assembleia Legislativa, sob deliberação do Conselho da Revolução, marcando a data para novas eleições a realizar no prazo de noventa dias;.
  7. Promulgar e fazer publicar as leis do Conselho da Revolução e da Assembleia Legislativa, bem como os decretos-leis do Governo;
  8. Fixar a data da eleição da Assembleia Legislativa;
  9. Representar a Nação e celebrar tratados internacionais, sob proposta do Conselho da Revolução ou do Governo, ouvido esse mesmo Conselho;
  10. Declarar a guerra, em caso de agressão efectiva ou iminente, e fazer a paz, ouvido o Conselho da Revolução;
  11. Declarar o estado de sítio, depois de autorizado pelo Conselho da Revolução;
  1. Acreditar os representantes diplomáticos estrangeiros;
  2. Nomear, sob proposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros, os embaixadores e enviados extraordinários;
  3. Indultar, comutar penas e conceder amnistias, ouvidos o procurador-geral da República e o Conselho da Revolução.
ARTIGO 56.º

1. O Presidente da República será eleito por um colégio eleitoral, para o efeito constituído pela Assembleia do MFA e pela Assembleia Legislativa.

2. A eleição será feita por maioria absoluta ao primeiro escrutínio ou por maioria simples ao segundo, sendo a este admitidos apenas os candidatos que tiverem obtido no primeiro mais de 20 % dos votos.

ARTIGO 57.º

O Presidente da República é eleito por um período de cinco anos, podendo ser reeleito consecutivamente apenas uma vez.

ARTIGO 58.º

1. O escrutínio será público e nominal.

2. Em caso de morte ou impedimento permanente do Presidente da República, deverá proceder-se a nova eleição no prazo de sessenta dias.

ARTIGO 59.º

1. Os candidatos à Presidência da República deverão reunir os seguintes requisitos:

  1. Terem nacionalidade portuguesa de origem;
  2. Terem idade mínima de 30 anos;
  3. Estarem no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos.

2. As candidaturas deverão ser subscritas por um mínimo de 80 membros do colégio eleitoral.

ARTIGO 60.º

O Presidente da República iniciará o mandato nos oito dias subsequentes à eleição, tomará posse e prestará juramento perante o colégio eleitoral, segundo a fórmula seguinte:

Juro por minha honra defender a Constituição da República Democrática Portuguesa, garantir o exercício de todos os direitos e liberdades dos cidadãos, observar e fazer cumprir as leis, promover o bem geral da Nação, a consolidação da democracia e a instauração do socialismo e assegurar a independência da Pátria Portuguesa.

ARTIGO 61.º

O Presidente da República não pode ausentar-se do território nacional sem autorização da Assembleia Legislativa, ouvido o Conselho da Revolução. No caso de não funcionamento da Assembleia Legislativa, bastará a autorização do Conselho da Revolução.

ARTIGO 62.º

A residência oficial do Presidente da República é o Palácio de Belém. Contudo, o Presidente da República pode escolher para sua residência particular um edifício do Estado que reúna condições para esse feito.

ARTIGO 63.º

O Presidente da República só poderá ser destituído das suas funções, sob proposta do Conselho da Revolução, por voto de pelo menos dois terços dos membros da Assembleia do MFA e da Assembleia Legislativa, reunidas em sessão conjunta.

ARTIGO 64.º

1. Durante o seu mandato, o Presidente da República só poderá ser demandado criminalmente com autorização expressa do Conselho da Revolução.

2. De igual modo, é perante o Conselho da Revolução que o Presidente da República poderá renunciar ao seu cargo.

ARTIGO 65.º

Nos casos de impossibilidade física, temporária ou permanente, de impedimento ou morte do Presidente da República, compete ao Conselho da Revolução designar quem desempenhará interinamente as suas funções.

Capítulo II
Do Conselho da Revolução

ARTIGO 66.º

São atribuições do Conselho da Revolução:

a.Definir, dentro do espírito da Constituição, as necessárias orientações programáticas da política interna e externa e velar pelo seu cumprimento;

b. Decidir, com força obrigatória geral, sobre a constitucionalidade das leis e outros diplomas legislativos, sem prejuízo da competência dos tribunais para apreciar a sua inconstitucionalidade formal;

c. Apreciar e sancionar os diplomas legislativos emanados da Assembleia ou do Governo quando respeitem às matérias seguintes:

  1. Linhas gerais da política económica, social e financeira;
  2. Relações externas, em especial com os novos países de expressão portuguesa;
  3. Política de descolonização;
  4. Exercício de liberdades e direitos fundamentais;
  5. Organização da defesa nacional e definição dos deveres desta decorrentes;
  6. Regulamentação da actividade política, em especial a relativa a actos eleitorais;

a. Exercer a competência legislativa sobre matérias de interesse nacional de resolução urgente, quando a Assembleia Legislativa ou o Governo o não façam;
b. Velar pelo cumprimento das leis ordinárias e apreciar os actos do Governo e da Administração;
c. Propor à Assembleia Legislativa alterações à Constituição em vigor, nos termos do artigo 77.°;
d. Exercer a competência legislativa em matéria militar, devendo os respectivos diplomas, se envolverem aumento de despesas não comportáveis pelo orçamento aprovado, ser referendados pelo Primeiro-Ministro;
e. Autorizar o Presidente da República a fazer a guerra, em caso de agressão efectiva ou iminente, e a fazer a paz;
f. Pronunciar-se junto do Presidente da República sobre a escolha do Primeiro-Ministro e dos Ministros que devem ser da confiança do MFA;
g. Deliberar sobre a dissolução da Assembleia Legislativa quando o considere necessário;
h. Autorizar o Presidente da República a declarar o estado de sítio;
i. Pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da Nação;
j. Pronunciar-se sobre a impossibilidade física, temporária ou permanente, do Presidente da República;
l. Designar, em caso de morte ou impedimento do Presidente da República, quem desempenhará interinamente as suas funções.

ARTIGO 67.º

O Conselho da Revolução funcionará em regime de permanência, segundo regimento que ele próprio elaborará.

Capítulo III
Da Assembleia do MFA

ARTIGO 68.º

1. A Assembleia do MFA será constituída por duzentos e quarenta representantes das forças armadas, sendo cento e vinte do Exército, sessenta da Armada e sessenta da Força Aérea, sendo a sua composição determinada por lei do Conselho da Revolução.

2. A Assembleia do MFA, da qual faz parte integrante o Conselho da Revolução, será presidida por este, através do seu próprio Presidente ou de quem as suas vezes fizer.

3. A Assembleia do MFA faz parte, com a totalidade dos seus membros, do Colégio Eleitoral para a eleição do Presidente da República.

4. A Assembleia do MFA funcionará em regime de permanência e segundo regulamentação própria, que será da competência legislativa do Conselho da Revolução.

Capítulo IV
Da Assembleia Legislativa

ARTIGO 69.º

A Assembleia Legislativa será composta, no máximo, por duzentos e cinquenta deputados, eleitos por sufrágio universal directo e secreto, nos termos da respectiva Lei Eleitoral.

ARTIGO 70.º

Cada legislatura terá a duração de quatro anos.

ARTIGO 71.º

A Assembleia Legislativa verificará os poderes dos Deputados, elegerá a sua Mesa e elaborará o respectivo Regimento.

ARTIGO 72.º

Os Deputados à Assembleia Legislativa são representantes todo o Povo Português, e não dos colégios eleitorais por que foram eleitos.

ARTIGO 73.º

Os Deputados gozam dos seguintes direitos, imunidades e regalias:

  1. Não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções ou por causa delas;
  2. Não podem ser presos preventivamente, salvo em virtude de crime punível com pena maior e mediante autorização da Assembleia Legislativa. Fora deste caso, em que a suspensão é automática, movido procedimento criminal contra algum Deputado e indiciado este por despacho de pronúncia ou equivalente, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso, para efeito do seguimento do processo;
  3. Não podem ser juradas, peritos ou testemunhas sem autorização da Assembleia, a qual será ou não concedida após audiência do Deputado;
  4. Ficam adiados do cumprimento do serviço militar ou da mobilização civil.
ARTIGO 74.º

Perdem o mandato os Deputados:

  1. Que exercerem funções incompatíveis com as de Deputado ou que sejam ou venham a ser abrangidos por qualquer incapacidade;
  2. Que aceitem de governo estrangeiro qualquer emprego ou para ele exerçam funções de qualquer natureza;
  3. Que, por si ou por interposta pessoa, singular ou colectiva, celebrarem contratos com o Governo;
  4. Que se prove terem utilizado a função de Deputado para obtenção de proventos ou regalias.
ARTIGO 75.º

Os Deputados não podem ser prejudicados na sua colocação, benefícios sociais ou emprego permanente por virtude do desempenho do seu mandato.

ARTIGO 76.º

São atribuições da Assembleia Legislativa:

  1. Fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las, sem prejuízo do disposto na alínea c) do artigo 66.º e das conquistas legitimamente obtidas no actual processo de consolidação da democracia e de instauração de uma sociedade socialista;
  2. Proceder à revisão da Constituição Política em vigor, sob proposta do Conselho da Revolução, que lhe atribua poderes constituintes;
  3. Apreciar os actos da administração pública e do Governo, podendo apresentar moções de desconfiança contra este;
  4. Ratificar a composição do Governo no caso de formação inicial deste ou quando a remodelação ministerial abranja pelo menos um terço dos Ministros;
  5. Participar no Colégio Eleitoral para a eleição do Presidente da República;
  6. Ratificar a declaração do estado de sítio quando este se prolongar para além de trinta dias;
  7. Deliberar, em segunda votação, sobre os diplomas emanados da própria Assembleia Legislativa que não tenham obtido a sanção do Conselho da Revolução.

A provação destes diplomas exigirá os votos da maioria de dois terços do número total de Deputados.

ARTIGO 77.°

1. A Assembleia Legislativa realiza as suas sessões durante quatro meses em cada ano, a começar em 2 de Janeiro.

2. Quando a própria Assembleia o julgue necessário, pode prorrogar o seu funcionamento pelo tempo julgado suficiente, até ao máximo de trinta dias.

3. A Assembleia pode ser sempre convocada extraordinariamente por decisão do Presidente da República, ouvido o Conselho da Revolução.

ARTIGO 78.º

1. A Assembleia funcionará em sessões plenárias, com a maioria do número legal dos seus membros.

2. Poderá constituir comissões para o estudo de assuntos especializados.

ARTIGO 79.º

As sessões da Assembleia Legislativa são públicas.

ARTIGO 80.º

É permitido aos Ministros, Secretários e Subsecretários de Estado intervir nos trabalhos da Assembleia Plenária e das comissões especializadas, sempre que os assuntos em estudo digam respeito aos seus departamentos, e podem propor quaisquer alterações aos projectos de lei em matéria não votada.

ARTIGO 81.°

Os Deputados podem requerer aos órgãos competentes da Administração os elementos, informações e publicações, que considerem indispensáveis ao exercício do seu mandato; mas a resposta terá de ser sempre autorizada pelo respectivo Ministro, que a poderá legitimamente recusar se a sua divulgação for considerada inconveniente para os interesses do Estado Português,

ARTIGO 82.º

Os diplomas emanados da Assembleia Legislativa designam-se por leis e serão enviadas pelo Presidente da Assembleia ao Presidente da República para promulgação e publicação no Diário do Governo. Versando sobre qualquer das matérias da alínea c) do artigo 66.°, terão de ser previamente sancionadas pelo Conselho da Revolução.

Capítulo V
Do Governo

ARTIGO 83.º

1. O Governo da República Democrática Portuguesa é presidido por um Primeiro-Ministro e constituído pelos Ministros, Secretários e Subsecretários de Estado.

2. O Governo funciona em sessões restritas ou plenárias do Conselho de Ministros.

ARTIGO 84.º

O Primeiro-Ministro será escolhido pelo Presidente da República, ouvido o Conselho da Revolução e as forças políticas e partidos que entender por conveniente.

ARTIGO 85.º

1. O Governo é de livre escolha do Primeiro-Ministro, tendo em atenção a representatividade dos partidos na Assembleia Legislativa e as possíveis coligações e será empossado pelo Presidente da República.

2. Serão obrigatoriamente da confiança do MFA os Ministros da Defesa, Administração Interna e Planeamento Económico, pelo que a sua nomeação deverá ser feita depois de ouvido o Conselho da Revolução.

ARTIGO 86.°

Nos casos de formação inicial ou de recomposição ministerial que abranja pelo menos um terço dos Ministros, o novo Governo deverá ser submetido a voto de confiança da Assembleia Legislativa na sua primeira reunião.

ARTIGO 87.°

São atribuições do Governo:

  1. Executar e zelar pela execução da política geral do Estado dentro do espírito da presente Constituição e dos propósitos da consolidação da democracia e da instauração do socialismo;
  2. Legislar, através de decretos-leis, sobre matérias não reservadas ao Conselho da Revolução ou à Assembleia Legislativa e estatuir, através de decretos regulamentares, sobre os princípios definidos nos diplomas emanados destes dois órgãos;
  3. Apresentar, por sua iniciativa, propostas de lei à Assembleia Legislativa;
  4. Superintender no conjunto da administração pública, executando e fazendo executar as leis e resoluções do Conselho da Revolução e da Assembleia Legislativa;
  5. Nomear, transferir, exonerar, reformar, aposentar, demitir ou reintegrar os funcionários civis do Estado e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
  6. Nomear e demitir os Governos dos territórios ultramarinos ainda sob administração portuguesa.

O Primeiro-Ministro referenda os diplomas legislativos de matéria militar emanados do Conselho da Revolução, quando envolvam aumentos de despesa não comportáveis pelo orçamento aprovado.

ARTIGO 89.º

O Primeiro-Ministro é politicamente responsável perante o Presidente da República e perante a Assembleia Legislativa.

ARTIGO 90.º

O Governo será recomposto sempre que sujeito a duas moções de desconfiança da Assembleia Legislativa com, pelo menos, trinta dias de intervalo.

ARTIGO 91.º

A substituição do Primeiro-Ministro será das atribuições do Presidente da República.

ARTIGO 92.º

Os membros do Governo são responsáveis civil e criminalmente pelos actos que legalizarem ou praticarem.

Capítulo VI
Dos tribunais

ARTIGO 93.º

A justiça democrática é aplicada por tribunais comuns: o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de 2.ª e de l.ª instâncias.

ARTIGO 94.º

A justiça democrática, como instrumento do poder popular, será administrada com a participação de juízes populares, eleitos.

ARTIGO 95.º

Cabe aos tribunais das forças armadas o julgamento dos casos da competência do foro militar.

ARTIGO 96.°

A administração da justiça é pública, excepto quando a publicidade for contrária à ordem, aos interesses do Estado ou à moral.

ARTIGO 97.º

Os tribunais apreciarão a inconstitucionalidade formal dos diplomas legislativos.

ARTIGO 98.º

Na execução da justiça, os tribunais requisitarão as autoridades paramilitares e militares, quando necessárias para a manutenção da ordem.


Inclusão: 14/05/2020