O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril
Os 580 dias - Depoimentos orais e citações

Edições Dinossauro


Ambição era tomar o poder
Joaquim Martins, vendedor, 51 anos


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No dia 25 de Abril estava em França. Trabalhava em Montreuil, numa empresa metalúrgica. Tinha desertado no 1º de Maio de 1964, quando era ainda militante do PCP, mas deixei o partido quando foi da Revolução Cultural na China. Regresso a Portugal no 1º de Maio de 1974, no mesmo comboio em que vieram o Zé Mário Branco, o Luís Cília e outros, exactamente dez anos depois de desertar.

Quando cheguei, quis ir fazer a tropa, para regularizar a minha situação. Em Julho entro para tropa em Tavira, quatro meses como soldado raso; depois de promovido a furriel, fui para Évora mais seis meses. Foi um período indescritível, nunca me hei-de esquecer. O PC tinha um certo número de quadros nos quartéis e aquilo estava dividido por correntes. O comando eram três oficiais superiores: um era mais ou menos ligado ao MFA, outro era um facho, e o terceiro era um borra-botas que para ali andava. Havia sempre uma grande perseguição aos revolucionários. Muito pouca coisa tinha mudado, e entre os oficiais vivia-se um ambiente muito reaccionário.

Formámos uma comissão de soldados, que exigia a revogação do RDM (Regulamento de Disciplina Militar) e que se acabasse com a noção de “In” [o inimigo, referido aos guerrilheiros dos movimentos de libertação] visto que as guerras coloniais haviam acabado. Eu tinha uma diferença de dez anos em relação ao pessoal que estava no pelotão e, juntamente com a outra malta política que por ali apareceu, sobretudo da FEC-ml e do MRPP, ainda chegámos a fazer unidade com PCs de base e acabámos por ter um certo ascendente.

Em Évora também fui encontrar o mesmo ambiente. Havia uma comissão revolucionária, aí mais alargada a um ou dois alferes. No 25 de Novembro houve uma luta interna e a comissão chegou a dar ordem de prisão ao comando, quando vimos que a situação estava muito confusa. A massa dos soldados queria mesmo “fazer mal” aos oficiais superiores, que procuravam alinhar o quartel do lado da contra-revolução. Tomámos medidas para que aquilo não fosse avante e dissemos à tropa que saísse para a rua para acompanhar a situação. Em Dezembro saio da tropa contra vontade e sou posto fora do quartel, sob a alegação de que era amparo de filhos.

O que valorizo mais desse período é o pensarmos que tínhamos força para nos lançarmos em todas as lutas e tomarmos o poder. Era essa a nossa ambição. E ao mesmo tempo sentíamos também uma grande alegria com todos os movimentos que havia. Vimos as massas trabalhadoras avançarem até ao limite em que a burguesia disse basta e não tivemos força para dar o salto.

★★★

Na lancha da Base Aérea nº 6, assim como nas viaturas militares, é dado aos senhores oficiais e sargentos o privilégio de ocuparem os lugares de melhor comodidade, enquanto que a classe de praças usufrui de um pequeno cubículo (porão), onde até o arejamento não é suficientemente saudável. Será que não é justo que a classe dos praças usufrua das mesmas regalias sociais que as outras classes? Será justo, após o 25 de Abril, o 28 de Setembro, o 11 de Março, continuar-se a manter toda esta discriminação? Digamos não, camaradas."

(Praças da Base Aérea nº 6, Montijo, Abril de 1975)

continua>>>


Inclusão 23/11/2018