MIA> Biblioteca> Temática > Novidades
Antes do 25 de Abril, já tinha alguma ligação à política. O meu pai tinha sido preso político, ligado ao MDP/CDE, e eu, apesar de muito nova, fazia propaganda, actividades culturais e grupos de discussão. Participei na grande luta que rodeou o assassinato do Ribeiro dos Santos na Faculdade de Direito, foi o meu grande empurrão para a política.
Depois do 25 de Abril envolvi-me profundamente, quando me mudei para a zona dos Olivais. Aí juntei-me a um núcleo da UDP que vivia numa espécie de república e que tinha sido eleito para dirigir a comissão de moradores. Foi um trabalho muito desgastante, mas muito gratificante. Trabalhávamos na ocupação de tempos livres, levantamentos de carências sociais, ocupação de casas, saúde pública, vigilância popular, etc. Tínhamos uma listagem de pessoas sem casa e ocupávamos as casas devolutas dos bairros sociais para dar às pessoas mais carenciadas e às famílias mais numerosas. Tivemos grandes discussões com a polícia mas nunca tiveram campo para a repressão porque a população estava connosco em peso.
As pessoas confiavam e recorriam a nós para todos os assuntos. Não iam à polícia ou à junta, discutiam connosco: desde as ocupações, assuntos locais, públicos, conjugais, etc. Era uma nova forma de resolver os problemas
O impacte do trabalho da comissão dos Olivais era tal que constantemente sofríamos ameaças dos fascistas: ameaças anónimas deixadas na comissão, pichagens nas paredes e todo o tipo de intimidações. Inclusive houve um nosso camarada que foi baleado quando ia a entrar para o metro. A partir de certa altura tivemos que começar a criar grupos de vigilância antifascista e diariamente vigiávamos os cabecilhas dos fascistas lá do bairro.
No 28 de Setembro houve uma grande mobilização de pessoal. Fomos fazer barricadas para a zona do aeroporto, mandávamos os carros parar e resvistávamos as pessoas e os carros. Era um ambiente de cortar à faca, mas foi assim que se abortou os planos da “maioria silenciosa”. A seguir assaltámos a sede do PDC, onde encontrámos armas e material de propaganda fascista. Estava a decorrer a destruição do material quando chegou uma coluna de blindados. Dirigi-me a eles para saber o que estavam a fazer ali; qual não foi o meu alívio quando me disseram “que estavam ao lado do povo”.
No 11 de Março fomos para o Ralis para impedir a acção das forças fascistas. Juntámo-nos em massa, porque estando ali toda a população concentrada eram mais difíceis novas investidas. Depois fiz o estágio de fim de curso na CT da Lisnave e aí acompanhei todo o processo de luta da empresa, contra os despedimentos, as ameaças de encerramento e a situação económica difícil.
Ainda hoje tenho grata memória da profunda solidariedade que nesses tempos existia, mesmo entre os militantes das diversas organizações. Tive na altura a minha primeira filha e os apoios, ajudas, roupas, brinquedos e tudo o mais me foi dado por muita gente e muitos moradores.
★★★
“A Comissão de Moradores para Habitação e Anomalias da Freguesia da Encarnação, considerando que certos proprietários têm danificado propositadamente os seus prédios com o objectivo de impedir que sejam utilizados, pede a colaboração de técnicos de engenharia militar para verificarem as condições de habitabilidade dos fogos e a origem dos estragos, e que os fogos naquelas condições sejam entregues à jurisdição da freguesia que, com o recurso ao crédito, poderá torná-los habitáveis.”
(Diário Popular, 4/8/75)
Inclusão | 23/11/2018 |