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Tinha 14 anos quando se deu o 25 de Abril — estava a morar em Lisboa — e não tive a percepção imediata do que estava a passar. Mas em breve me apercebi: tinha uns primos a estudar na universidade que iam com frequência lá a casa. Rapidamente se começou a falar em política como eu nunca na vida tinha ouvido. Entretanto, tudo começou a acontecer muito depressa. Um dos acontecimentos de que ainda conservo uma imagem muito nítida foi o 1º de Maio, logo a seguir. Acho que nunca participei em manifestação tão grande, tão grande... Apesar de miúdo, fui tocado pelo momento político. Na escola, o D. Pedro V, tudo mudou, de repente. Deixámos de ir às aulas e começámos a perseguir pides, dentro e fora do liceu. Lembro-me de termos perseguido um contínuo que acusavam de pertencer à PIDE. E de participarmos muito em reuniões. Só passados uns tempos me apercebi de que as pessoas com quem lidava eram quase todas de extrema-esquerda e por isso rapidamente fui encaminhado para as ideias maoístas. Até que fui para Angola. Quando cheguei a Luanda, os grandes conflitos com os brancos já se tinham esbatido — os brancos tinham saltado para o “asfalto” e pareciam já se ter conformado com a ideia de que tinham de partir. As pessoas de extrema-esquerda ligadas ao MPLA estavam nos Comités Amílcar Cabral (CAC), onde comecei a militar. Os CAC tinham forte implantação no ensino secundário e superior — foram estudantes que fizeram a primeira greve em Angola, dirigida pelos Comités — e também exerciam um certo controlo sobre as chamadas organizações de poder popular, nos bairros, pois toda a acção, na altura, se virava para as massas populares.
Não é aqui o lugar para falar disso mas, apesar dos anos da repressão e da ida para a cadeia aos 17 anos, não lamento nada. E se voltasse atrás fazia tudo igual. Foi um período positivo da minha vida. Não havia aspiração ávida pelo poder, antes uma grande generosidade. Do ponto de vista pessoal, obtive conhecimentos que de outro modo nunca teria adquirido. E há um factor de que ainda hoje me orgulho muito: era justo o sentimento de independência que procurávamos incutir. Percebeu-se que a guerra, que hoje continua, era manipulada por fora. Só tenho pena de que todo o nosso trabalho tenha acabado por aproveitar àqueles que, de forma tão dura, nos combateram, e que não conseguíssemos retirar dividendos para nós.
★★★
“O Partido Liberal atacava o processo de descolonização, o saneamento das autarquias, a falta de liberdade para os fascistas, chegando a defender que “um comunista não é mais democrata que um fascista.” A cobertura dada pelo seu jornal Tempo Novo, dirigido pelo latifundário José Hipólito Raposo, à manifestação de cabo-verdianos contrários ao PAIGC, realizada em Lisboa em 18 de Agosto, veio chamar a atenção dos militantes de esquerda para as ligações do partido com os grupos reaccionários das colónias. A manifestação da União Democrática de Cabo Verde transformara-se numa batalha campal em pleno Rossio, entre esta organização e militantes do PAIGC, MPLA e Frelimo, apoiados por militantes portugueses do PC; PRP e MRPP.”
(Portugal depois de Abril, Ed. Intervoz, 1976, Lisboa)
Inclusão | 23/11/2018 |