MIA> Biblioteca> Temática > Novidades
Eu vinha de Cabo Verde e, como muitos outros da minha geração, sofria as consequências de uma sociedade colonizada, onde a repressão era muito maior que em Portugal e a tomada de consciência muito difícil. A primeira coisa de que me lembro foi de, ao entrar no Técnico, espetarem-me nas mãos uns panfletos sobre a guerra colonial, a luta dos movimentos de libertação e o fascismo.
Foi um choque. Depois, a luta estudantil, o assassinato do Ribeiro Santos, as greves académicas, etc. ajudaram- me a tomar consciência dos problemas que me diziam respeito como colonizado. Numa residência de estudantes na Av. dos EU América havia um grupo de militantes e simpatizantes do PAIGC. Fazíamos reuniões clandestinas, para discutir a situação nas colónias.
O 25 de Abril foi um marco para todos nós. Foi o desabrochar total para a política. Fazíamos leituras maciças de Marx, Mao, Staline, em conjunto e durante horas. A manifestação do 1º de Maio voltou-nos para o exterior, para a rua, fez-nos aperceber pela primeira vez dos problemas dos outros, tudo de forma tão aberta e humana que me marcou para o resto da vida. Era um pouco os portugueses a descobrirem-se uns aos outros.
As assembleias de estudantes eram muito vivas e agitadas. Aconteciam coisas incríveis, confrontações acesas de grupos políticos: comunistas, MRPP, LCI. Participei no movimento dos trabalhadores estudantes, que começou a questionar os problemas com que estes se defrontavam e a procurar saídas. Integrei a comissão nacional, representativa das várias escolas. As actuais leis que dão regalias aos trabalhadores estudantes foram conseguidas por esse movimento e por essa comissão.
Para mim foi marcante a constituição da Associação Cabo-Verdiana e Guineense, de que vim a ser dirigente. Lembro-me da formação de um grupo bastante activo que antecedeu a associação. Era o GADGC, que fazia campanhas de alfabetização e tinha como preocupação principal preparar politicamente as pessoas, despertá-las para os problemas da sua nacionalidade e da sua condição de emigrantes. O meu primeiro contacto com os bairros de trabalhadores, principalmente o das Fontainhas, foi chocante. A miséria era extrema. As barracas eram de cartão e zinco. Com eles participei activamente no acontecimento para mim mais marcante de todo aquele período — a independência de Cabo Verde em 5 de Julho de 1975.
O movimento anticolonial que se gerou após o 25 de Abril, e que se exprimia através de vários grupos, teve muitas dificuldades. As manifestações de rua feitas por diversos grupos de esquerda contra a guerra colonial eram a princípio mal acolhidas. Quando, com colegas meus, distribuíamos informação sobre o que se estava a passar nas colónias e a necessidade de independência imediata, havia reacções indignadas. A sociedade portuguesa tinha uma cultura colonialista de 500 anos e sofreu um despertar violento. O CADGC teve um papel importantíssimo, não só no nosso meio, como na sociedade portuguesa. Editámos milhares de folhetos. Percorremos o país de norte a sul distribuindo propaganda, fazendo comícios e reuniões de trabalhadores. À sua escala, o GADGC contribuiu para travar a tendência de não aceitação do princípio da independência imediata das colónias, tendência que começava no próprio MFA.
★★★
“Os despedimentos de trabalhadores africanos são muitas vezes acompanhados de provocações, como 'vocês pedem independência, pois bem, vão para a vossa terra'. Denunciamos a discriminação salarial sempre praticada pelo patronato em relação ao trabalhador africano; a atribuição do trabalho mais duro e mais sujo ao trabalhador africano; o controle policial exercido nas barracas e as altas rendas cobradas pelos patrões, donos dessas mesmas barracas; o racismo fomentado pela reacção colonialista, principalmente através de trabalhadores portugueses de quem fizeram criminosos de guerra na sua aventura colonial.”
(Comunicado do GADCG, 4/6/74)
Inclusão | 23/11/2018 |