História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS

Comissão do Comitê Central do PC(b) da URSS
Capítulo VI — O Partido Bolchevique Durante o Período da Guerra Imperialista. A Segunda Revolução na Rússia (1914- Março de 1917)

5 — A revolução de fevereiro. Queda do czarismo. Constituição dos Soviets de deputados operários e soldados. Formação do governo provisório. A dualidade de poderes.

O ano de 1917 começou com a greve de 9 de janeiro. Durante esta greve, celebraram-se manifestações em Petrogrado, Moscou, Bakú e Nijni-Novgorod; a 9 de janeiro abandonaram o trabalho da terça parte dos operários de Moscou. Uma manifestação de 2 mil pessoas foi dissolvida violentamente pela polícia montada na Avenida Tverskaia. Em Petrogrado, os soldados se juntaram aos manifestantes, na calçada de Viborg.

"A idéia da greve geral — informava a polícia de Petrogrado — vai ganhando novos adeptos dia a dia e adquirindo a mesma popularidade que em 1905".

Os mencheviques e os social-revolucionários se esforçavam por enquadrar o movimento revolucionário incipiente dentro do limite conveniente à burguesia liberal. Os mencheviques propuseram que a 14 de fevereiro, dia da abertura da Duma, se organizasse um desfile de operários diante desta. Mas as massas operárias, marchando atrás dos bolcheviques, não desfilaram em frente à Duma, mas em manifestação pelas ruas.

A 18 de fevereiro de 1917 estalou, em Petrogrado, a greve dos operários da fábrica de "Putilov". A 22 de fevereiro entraram em greve os operários da maioria das grandes fábricas. A 23 de fevereiro (8 de março), Dia Internacional da Mulher, as operárias, atendendo ao apelo do Comitê bolchevique de Petrogrado, saíram à rua em manifestação contra a fome, a guerra e o czarismo. Em Petrogrado, esta manifestação das operárias foi apoiada com uma ação grevista geral dos operários. A greve política principiava a converter-se em uma manifestação política geral contra o regime czarista.

A 24 de fevereiro (9 de março), a manifestação se renovou com outras forças. A greve atingia já cerca de 200 mil operários.

A 25 de fevereiro (10 de março), o movimento revolucionário se estendeu a todo o Petrogrado operário. As greves políticas por distritos converteram-se em uma greve política geral em toda a cidade. Por toda a parte surgiram manifestações e choques com a polícia. Sobre as massas operárias se agitavam cartazes vermelhos com estas palavras de ordem: "Abaixo o czar!", "Abaixo a guerra!", "Pão".

Na manhã de 26 de fevereiro (11 de março), a greve política e a manifestação começaram a converter-se em tentativas de insurreição.

Os operários desarmavam a polícia e os gendarmes para se armarem. Mas o choque armado com a polícia terminou com uma chacina de manifestantes na Praça Snamenskaia.

O general Khabalov, chefe da região militar de Petrogrado, ordenou que os operários se reintegrassem no trabalho a 28 de fevereiro (13 de março), ameaçando enviar para a frente os que não acatassem esta ordem. A 25 de fevereiro (10 de março), o czar mandou ao general Khabalov esta ordem imperativa:

"Exijo que amanhã se ponha fim às desordens na capital".

Mas já não era possível "pôr fim" à revolução.

A 25 de fevereiro (11 de março), a 4ª. Companhia do Batalhão de Reserva do Regimento de Pavlovsk rompeu fogo, mas não contra os operários e sim contra os destacamentos de guardas montadas que tinham começado a disparar contra os operários.

A luta para ganhar a tropa se revestia do caráter mais enérgico e tenaz, sobretudo, por parte das mulheres operárias, que se misturavam entre os soldados, confraternizavam com eles e os incitavam a ajudar o povo a derrubar a autocracia czarista tão odiada por ele.

A direção do trabalho prático do Partido bolchevique corria, por aquela época, por conta do Bureau do Comitê Central do Partido, residente em Petrogrado, e à frente do qual se encontrava o camarada Malotov. A 26 de fevereiro (11 de março), o Bureau do C. C. lançou um manifesto conclamando as massas a prosseguirem na luta contra o czarismo e a constituírem um governo provisório revolucionário.

A 27 de fevereiro (12 de março), as tropas de Petrogrado se negaram a disparar contra os operários e começaram a passar para o lado do povo que se levantara em armas. Na manhã de 27 de fevereiro, os soldados sublevados não passavam de 10 mil; naquele mesmo dia, pela noite, já subiam a 60 mil.

Os operários e soldados sublevados começaram a deter os ministros e generais czaristas e a tirar os revolucionários das cadeias. Os presos políticos, postos em liberdade, se juntavam à luta revolucionária.

Nas ruas havia ainda tiroteio entre o povo e os guardas e gendarmes que tinham colocado suas metralhadoras nos telhados das casas. Mas a rápida passagem da tropa para o lado dos operários decidiu da sorte da autocracia czarista.

Quando a notícia do triunfo da revolução em Petrogrado chegou a outras cidades e à frente, os operários e os soldados começaram a derrubar por toda a parte os representantes da autoridade czarista.

A revolução democrático-burguesa de fevereiro triunfara.

A revolução triunfou porque à frente dela se pôs a classe operária, acaudilhando o movimento de massas de milhões de camponeses fardados "pela paz, pelo pão e pela liberdade". A hegemonia do proletariado foi que assegurou o triunfo da revolução.

"A revolução foi obra do proletariado, que deu provas de heroísmo, derramou o seu sangue e arrastou com ele as mais amplas massa dos trabalhadores e da população mais pobre..." escrevia Lenin, nos primeiros dias da revolução (, t. XX, págs. 23-24, ed. russa).

A primeira revolução, a revolução de 1905, havia preparado o terreno para o rápido triunfo da segunda revolução, da revolução de 1917.

"Sem os três anos de formidáveis combates de classe e de energia revolucionária desenvolvida pelo proletariado russo de 1905 a 1907, teria sido impossível uma segunda revolução tão rápida, que cobriu sua etapa inicial em alguns dias", assinalava Lenin (Obra citada, pág. 13)

Nos primeiros dias da revolução, aparecem já os Soviets. A revolução triunfante se apoiava nos Soviets de deputados operários e soldados. Os operários e soldados sublevados criaram seus respectivos Soviets. A revolução de 1905 tinha revelado que os Soviets são os órgãos da insurreição armada e, ao mesmo tempo o gérmen do novo Poder, do Poder revolucionário. A ideia dos Soviets vivia na consciência das massas operárias que a puseram em prática no dia seguinte à derrubada do czarismo, embora com a diferença de que, enquanto os Soviets criados em 1905 eram somente Soviets de deputados operários, os que se criaram em fevereiro de 1917 eram por iniciativa dos bolcheviques, Soviets de deputados operários e soldados.

Enquanto os bolcheviques se punham à frente da luta direta das massas nas ruas, os partidos oportunistas, mencheviques e social-revolucionários, preocupavam-se em obter postos de deputados nos Soviets, alcançando neles uma maioria própria. Para este resultado contribuiu, em parte, o fato de que a maioria dos dirigentes do Partido bolchevique se achavam no cárcere ou deportados (Lenin se encontrava na emigração, e Stalin e Sverdlov estavam deportados na Sibéria), enquanto os mencheviques e social-revolucionários passeavam livremente pelas ruas de Petrogrado. Assim se explicava que os representantes dos partidos oportunistas, os mencheviques e os social-revolucionários, se apoderassem da direção no Soviet de Petrogrado e em seu Comitê Executivo. E outro tanto aconteceu em Moscou e em outra série de cidades. Somente em Ivanovo-Vosnessensk, Krasnoiarsk e alguns outros pontos lograram os bolcheviques ter a maioria nos Soviets desde o primeiro momento.

O povo armado, os operários e soldados, ao enviar seus representantes ao Soviet, viam nele o órgáo do Poder popular. Entendiam e acreditavam que o Soviet de deputados operários e soldados daria satisfação a todos os desejos do povo revolucionário e que o seu primeiro ato seria fazer a paz.

Mas o excesso de confiança dos operários e soldados lhes pregou uma peça. Os social-revolucionários e mencheviques não pensavam nem remotamente em pôr fim à guerra, em conquistar a paz. Seu propósito era se aproveitarem da revolução para prosseguir a guerra. Quanto à revolução e às reivindicações revolucionárias do povo, os social-revolucionários e os mencheviques entendiam que a revolução já estava terminada e que o problemas que então se apresentava era consolidá-la e entrar na trilha da vida "normal", da vida constitucional, pelo braço da burguesia. Assim, a direção social-revolucionária-menchevique do Soviet de Petrogrado tomou todas as medidas que estavam em suas mãos para sufocar o problema da terminação da guerra, o problema da paz, e entregar o poder à burguesia.

A 27 de fevereiro (12 de março) de 1917, os deputados liberais da Duma, combinados nos bastidores com os líderes social-revolucionários e mencheviques, formaram o Comitê Provisório da Duma, pondo à frente dele o presidente da Quarta Duma, o latifundiário monárquico Rodzianko. Alguns dias depois o Comitê Provisório da Duma e os líderes social-revolucionários e mencheviques do Comitê Executivo do Soviet de Deputados operários e soldados, à revelia dos bolcheviques, se puseram de acordo sobre a formação de um governo na Rússia: o governo provisório burguês, presidido pelo príncipe Lvov a quem o czar Nicolau II, já antes da revolução de fevereiro, tinha na pasta como primeiro-ministro para seu gabinete. Entraram a fazer parte do governo provisório o chefe dos kadetes, Miliukov, o chefe dos outubristas, Guckkov, e outros destacados representantes da classe capitalista; na qualidade de representante da "democracia", foi incorporado ao governo o social-revolucionário Kerenski.

Deste modo, os líderes social-revolucionários e mencheviques do Comitê Executivo do Soviet entregaram o Poder à burguesia; informado disso depois de produzir-se o fato, o Soviet de deputados operários e soldados referendou por maioria de votos a conduta daqueles líderes, apesar dos protestos dos bolcheviques.

E assim se formou na Rússia um novo poder estatal, composto — como dizia Lenin — por representantes da "burguesia e dos latifundiários aburguesados".

Mas, ao lado do governo burguês, existia outro Poder: o Soviet de deputados operários e soldados. Os deputados soldados do Soviet eram, fundamentalmente, camponeses mobilizados para a guerra. O Soviet de deputados operários e soldados era o órgão da aliança dos operários e camponeses contra o poder czarista e, ao mesmo tempo, o órgão de seu Poder, o órgão da ditadura da classe operária e dos camponeses.

Estabeleceu-se, pois, um original entrelaçamento entre dois poderes, entre duas ditaduras: a ditadura da burguesia, encarnada no governo provisório, e a ditadura do proletariado e dos camponeses, representada pelo Soviet de deputados operários e soldados.

Estabeleceu-se uma dualidade de poderes.

Como se explica que nos Soviets tivessem maioria, a princípio, os mencheviques e os social-revolucionários?

Como se explica que os operários e os camponeses triunfantes entregassem voluntariamente o Poder aos representantes da burguesia?

Lenin explicava isto pelos milhões de homens sem experiência Política que tinham despertado com ânsias de participar na vida política. Eram, em grande parte, pequenos proprietários, camponeses, operários que até há pouco trabalhavam no campo, pessoas que ocupavam um lugar intermediário entre a burguesia e o proletariado.

A Rússia era, naquela época, o mais pequeno-burguês de todos os grandes países europeus. Neste país,

"a gigantesca-onda pequeno-burguesa inundava tudo, afogava o proletariado consciente, não só por seu volume, senão também ideologicamente, isto é, contagiava setores vastíssimos de operários com suas idéias políticas pequeno-burguesas", (Lenin, t. XX, pág. 115, ed. russa).

Esta onda de elementos pequeno-burgueses foi também a que trouxe à tona os partidos pequeno-burgueses e social-revolucionários.

Outra causa que Lenin assinalava era a mudança operada durante a guerra quanto aos elementos que compunham o proletariado, e o insuficiente nível de consciência e de organização do proletariado nos primeiros momentos da revolução. Durante a guerra tinham-se operado mudanças consideráveis na composição do proletariado. Cerca de 40% dos quadros operários tinham sido mobilizados militarmente. Com o fito de se subtraírem à mobilização, meteram-se nas fábricas, nos anos de guerra, muitos pequenos proprietários, artesãos e pequenos comerciantes, alheios à psicologia proletária.

Estes setores operários de tipo pequeno-burguês eram um terreno adequado para o cultivo dos políticos pequeno-burgueses, mencheviques e social-revolucionários.

Eis por que as grandes massas do povo, inexperientes em política, inundadas pela onda dos elementos pequeno-burgueses e embriagados pelos primeiros êxitos da revolução, marcharam durante os primeiros meses desta à retaguarda dos partidos oportunistas e se prestaram a ceder à burguesia o Poder estatal acreditando ingenuamente que o poder burguês não estorvaria o trabalho dos Soviets.

Isto obrigava o Partido bolchevique a fazer ver às massas, por meio de um paciente trabalho de esclarecimento, o caráter imperialista do governo provisório, a mostrar a traição dos social-revolucionários e mencheviques, fazendo compreender às massas que não era possível conseguir a paz sem substituir o governo provisório pelo governo dos Soviets.

E o Partido bolchevique tomou em suas mãos esta empresa com toda a energia.

O Partido restabeleceu a publicação de seus órgãos de Imprensa legais. Cinco dias depois da Revolução de Fevereiro, já se começou a publicar em Petrogrado a "Pravda" e, alguns dias mais tarde, apareceu em Moscou "o Social-democrata". Começou a atuar à frente das massas que iam perdendo a confiança na burguesia liberal, nos mencheviques e social-revolucionários. Explicou pacientemente aos soldados e aos camponeses a necessidade de atuarem conjuntamente com a classe operária. Fez ver aos camponeses que não obteriam a paz nem a terra, se a revolução não continuasse a avançar, se o governo provisório da burguesia não fosse substituído pelo governo dos Soviets.

Resumo

A guerra imperialista estalou devido à desigualdade de desenvolvimento dos países capitalistas, devido à ruptura do equilíbrio entre as principais potências, devido à necessidade em que se viam os imperialistas de procederem a uma nova partilha do mundo por meio da guerra e de criarem um novo equilíbrio de forças.

A guerra não teria adquirido um caráter tão desastroso, e até é provável que não tivesse chegado a tomar tais proporções, se os Partidos da Segunda Internacional não tivessem traído a causa da classe operária, se não tivessem infringido as resoluções dos congressos da Segunda Internacional contra a guerra, se se tivessem decidido a proceder ativamente e a levantar a classe operária contra os seus próprios governos imperialistas, contra os incendiários da guerra.

O Partido bolchevique foi o único partido proletário que se manteve fiel à causa do socialismo e do internacionalismo, organizando a guerra civil contra seu próprio governo imperialista. Todos os demais partidos da Segunda Internacional, vinculados à burguesia por meio de seu grupo dirigente, estavam afinal de contas entregues de pés e mãos ao imperialismo, desertaram para o campo dos imperialistas.
A guerra, reflexo da crise geral do capitalismo, acentuou esta crise e debilitou o capitalismo mundial. Os operários da Rússia e o Partido bolchevique foram os primeiros do mundo que souberam aproveitar eficazmente a debilidade do capitalismo para romper a frente imperialista, derrubar o czar e criar os Soviets de deputados de operários e soldados.

As grandes massas da pequena burguesia, dos soldados e, inclusive, dos operários, embriagados pelos primeiros êxitos da revolução e confiadas nas garantias que lhes davam os mencheviques e social-revolucionários de que para diante tudo andaria bem, deixaram-se levar pela confiança no governo provisório e o apoiaram.

Ante o Partido bolchevique se apresentava a tarefa de explicar às massas de operários e soldados, embriagados pelos primeiros êxitos, que ainda havia um longo trecho a percorrer até o triunfo total da revolução, que enquanto o Poder se achasse em mãos do governo provisório da burguesia e os oportunistas, os mencheviques e social-revolucionários mandassem nos Soviets, o povo não obteria a paz, nem a terra, nem o pão, que, a fim da vitória ser completa, era necessário dar um passo à frente e entregar o Poder aos Soviets.


pcr
Inclusão 05/12/2010