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Como justificar um volume da colecção Alternativas Socialistas sobre o PCI, agora? De facto, porquê o PCI e não a Tanzânia, um socialismo africano, ou Cuba, a única versão socialista latino-americana, ou a Jugoslávia, um socialismo que foi outrora considerado «herético»? (a «heresia», evidentemente, continua para aqueles que ainda são dominados por um espírito ortodoxo: só pode haver heresias existindo ortodoxias.) Ou, porque não, um volume sobre a China, ou a Albânia, ou a URSS que se julgam e o são, de certa maneira, alternativas socialistas umas às outras? Porquê tratar do PCI «uma hipótese de socialismo» e não «um socialismo real», como o da Checoslováquia? Dada a multiplicidade de escolhas para organizar volumes piara esta colecção, muito mais vasta que o campo das alternativas nacionais que cada socialismo necessariamente assume em cada país, como explicar, enfim, a escolha deste trabalho sobre o PCI ?
Um volume sobre o PCI tem, em Portugal, um significado particular. Portugal, como a Itália, insere-se na Europa Ocidental (ocidental aqui não é uma determinação geográfica: a Áustria é mais oriental que a RDA assim como a Grécia é sem dúvida mais oriental que a Hungria. Europa Ocidental é um modelo e uma área dentro de uma correlação de forças específica.) Como parte da Europa Ocidental, forças maioritárias dentro de Portugal querem ligar este país ao Mercado Comum, como já o é a Itália. Esta opção, da parte portuguesa, já foi feita. Tudo leva a crer que só falta determinar a maneira, e o tempo da consumação deste facto. Quando tal se der, é indubitável que profundas repercussões daí advindas condicionarão ainda mais a realidade socio-económica portuguesa.
Mais ainda, o pluripartidarismo e o sistema eleitoral português aproximam Itália e Portugal. Acrescentem-se também as tradições e a força da Igreja católica em ambos os países. Veja-se mesmo uma certa divisão do país em áreas sócio-económicas diferentes, com repercussões nas orientações políticas que assumem sentidos diversos em ambos os casos (na Itália houve recentemente, no campo político, uma atenuação da disparidade entre Norte e Sul). Ambos os países são também nações de forte emigração, sofrendo todas as consequências que advêm do fenómeno. A balança de pagamentos dos dois países é igualmente deficitária pela necessidade de importação de matérias-primas em larga escala: a natureza não favoreceu a Itália e Portugal de modo a desenvolverem o modelo económico e social que as forças dominantes, nos dois casos, vêm impondo às suas populações. E, mais uma semelhança, o turismo pesa fortemente na entrada de divisas, condicionando as respectivas economias nacionais. Acrescente-se ainda a deficiência do sector agrícola em ambos os casos, fruto dá política económica desenvolvida.
Embora esta lista de factores possa significar muito, e efectivamente significa se compararmos os dois países com a Suécia ou o Kuwait, é também muito: pouco a nível de análise histórica «concreta». Mas é próprio do pensamento teórico este debater-se entre o geral e o particular, entre o conceito e suas manifestações singulares.
Há, portanto, problemáticas similares que nos fazem acreditar que, para além da questão de valores sempre universais, um volume da colecção Alternativas Socialistas sobre o PCI seja de utilidade para a sociedade portuguesa, incidindo muito directamente numa série de debates de carácter político sobre o modelo a adoptar-se em Portugal para realizar o prescrito na actual Constituição.
Mas, nesta linha, não queremos ir mais além. Queremos simplesmente colocar à disposição do público português um material de leitura que ajude uma reflexão, sobre áreas tão vastas da organização da sociedade, baseada em textos originais, sem recurso a intermediários tantas vezes deformantes e manipuladores. Não está nas nossas intenções instrumentalizar o PCI para defender nenhuma posição ideológica que nos esteja porventura próxima.
Naturalmente que não somos ingénuos. Decidir apresentar o PCI e não o modelo albanês, chinês ou russo é, por si só, uma escolha ideológica. E, mais ainda, devemos declarar que esta escolha não está somente baseada na lista, de alguns factores estruturais sócio-económicos, comuns a Itália e Portugal, acima apontados. Há, ao escolher-se debater as propostas italianas do PCI, uma vontade de discutir a ideologia subjacente a estas mesmas proposições, isto é, a da luta por um socialismo democrático que incorpore na sua realização os valores universais advindos das revoluções burguesas no que respeita a um determinado número de liberdades civis.
Mas foi nossa preocupação, na organização deste volume, não fazê-lo um livro nosso. Porque estamos cientes da nossa vontade ideológica, como já declarámos, podemos também, dizer que procurámos escolher documentos e temáticas pertinentes para Portugal. Se este volume, por exemplo, fosse preparado para o público escandinavo ou norte-americano não incluiríamos uma secção sobre as propostas de política militar do PCI Dentro das limitadas dimensões de espaço que os volumes desta colecção impõem (faltam no volume textos sobre sindicalismo, a questão feminista e tantos outros assuntos que fomos obrigados a excluir), teríamos escolhido outra área de discussão e propostas para esses públicos.
Assim, estamos conscientes que esta escolha de publicar sobre o PCI é ideológica. Mas é-o no sentido de que tudo é ideológico! Não acreditamos na possibilidade de posições não ideológicas. Somos, sim, partidários de que a objectividade, no trabalho intelectual, poderá ser tanto mais bem sucedida, quanto mais formos conscientes dos próprios condicionamentos e postulados ideológicos que estão na base das nossas investigações. É a partir deste reconhecimento que podemos encetar o trabalho científico. A objectividade, para o pensamento crítico, aquele que não aceita verdades adquiridas porque reconhece sempre a historicidade das nossas ideias, é uma busca, um constante processo de conquista.
Dito isto, afastemo-nos do que chamaríamos «apresentações instrumentalizadoras do PCI para fins próprios». Somos avessos., por exemplo, a uma visão instrumentalizadora de cunho social-democrata que procura antepor o PCI a outras posições comunistas quando estas mesmas forças sociais-democratas, no campo internacional, fazem coro com aqueles que combatem acirradamente a participação do PCI num governo em Itália. O PCI é usado como modelo para se criticarem os comunistas de seus países, mas não só estas forças, que se dizem de esquerda, não incorporam posições socialistas democráticas do PCI (no que estão no seu direito, reconheça-se!), como, na verdade, temem o PCI no poder.
Por outro lado, também condenamos posições que falseiam a realidade declarando, por exemplo, que o «compromesso storico» é uma proposta de conciliação de classes entre o proletariado e a burguesia. «Compromesso storico» é uma proposta política para uma convergência social de forças representando ideologias diferentes como a comunista, a socialista e a católica. Mas temos que admitir que a pobreza de quem reduz tudo à classe social não pode sequer entender tal tipo de formulação: se só os comunistas são o proletariado, logo os católicos são a burguesia...
Há também aquela outra posição que, por ignorância ou má fé, explica a política do PCI como representando uma etapa política em que vive a Itália. Se num país há um certo número de nacionalizações, para quê política de «compromessi», isto é, de conciliações? Tal posição simplista não só ignora a vasta intervenção estatal que já existe em Itália como não permite sequer compreender que o PCI não propugne, neste momento histórico, por mais nacionalizações. De tal forma identifica o socialismo com «a tomada do poder» que não consegue aperceber-se de outras hipóteses de construção de socialismo!
Que nem todas as deformações, na apresentação da política do PCI, são fruto de uma instrumentalização, é forçoso reconhecer-se. A forma como os italianos encaram as suas questões são, muitas vezes, por diversas razões, sui generis. Para outras culturas é difícil desvendar as causas profundas que levam os italianos a tratar as suas problemáticas de maneira diversa, já que tão enraizadamente nacional e escorada em tradições políticas e culturais ricas e seculares.
Veja-se, por exemplo, como passou desapercebido, para a imprensa internacional, um ponto fulcral ligado aos acordos de governo assinados no início do Verão de 1977: a lei 382 que tratou da descentralização do Estado, transferindo para as regiões e para as municipalidades competências múltiplas, até então monopólio do poder central de Roma. É um exemplo, por demais gritante, de como o provincianismo internacional não soube avaliar algo fora dos seus próprios modelos e que, neste caso concreto, corresponde exactamente à estratégia do PCI quanto ao que entende por mudança de estruturas!
É no espírito de superar versões através de intermediários que este volume é dedicado aos leitores. Com ele o contacto directo com os textos permitirá que cada um faça o seu julgamento autónomo e desenvolva as suas próprias críticas.
Assim, à pergunta inicial «porquê o PCI», respondemos: porque, além das semelhanças apontadas entre os 'dois países, muito mais importantes são as questões levantadas e as soluções propostas por este partido político sobre tudo o que envolve a realização de um socialismo em que participem as mais vastas camadas da população, enfim, de um socialismo democrático, de uma realização plena da democracia. Como respondeu uma vez Luigi Longo, «não sabermos como vai ser o socialismo em Itália, só sabemos que vamos fazê-lo com todo o povo». No mundo actual, e em Portugal, esta parece-nos ser uma questão digna de ser discutida.
Forte, com mais de 12 600 000 votos representando 34,4% do eleitorado, o PCI é o segundo partido de Itália a nível nacional. Nas suas listas elegeram-se 227 deputados (num total de 630) e 116 senadores (para um total de 315). Dada a diferença de idade para se votar para a Câmara de Deputados (21 anos) e para o Senado (25 anos), pôde-se verificar que, entre os jovens, o PCI é o mais forte partido político italiano. Estes são os resultados apresentados pelas últimas eleições nacionais de 20 de Junho de 1976.
Os resultados acima representam um aumento de +7.3% em relação às eleições anteriores de 1972 para os mesmos órgãos. Mas um grande avanço já tinha dado este mesmo partido nas eleições regionais e municipais de 15 de Junho de 1975: então, o mapa político-administrativo italiano sofrera profundas modificações, ao superar o PCI pela primeira vez, a casa dos 30%. Às três regiões que controlava desde 1970, data das primeiras eleições regionais em Itália, isto é, a Emilia, onde os comunistas são hoje maioria absoluta, tendo como capital Bolonha, a Toscana, capital Florença e a Umbria, capital Perugia, juntaram-se mais três: Ligúria, capital Génova, Piemonte, capital Turim e Lázio, com Roma como capital. Actualmente, com excepção da região do Veneto e do Molise, o PCI, de uma forma ou de outra (como, por exemplo, participando na elaboração dos programas de governo), é consultado pelos governos regionais em que não participa directamente.
Mais ainda, formaram-se, depois das eleições político-administrativas de 1975, 40 governos de esquerda em províncias italianas. Para resumir, e dar uma ideia do impacto realmente profundo que estas eleições criaram, basta mencionar que as grandes cidades italianas de Génova, Turim, Milão, Veneza, Florença, Bolonha, Roma e mesmo Nápoles são hoje governadas pela esquerda. Calcula-se que, a nível municipal, cerca de 60% de cidadãos e cidadãs italianos são hoje habitantes de cidades, grandes ou pequenas, administradas pela esquerda. A desproporção entre estes 60% e os 47% que somam todos os votos de esquerda é explicada através da mudança de alianças que partidos menores, como o republicano, PRI, ou a social-democracia, PSDI, efectuaram em muitas localidades: com o sopro dos novos ventos, abandonaram o aliado tradicional, a democracia-cristã, DC, e passaram a formar novas maiorias. O PCI passou a colher os frutos da sua constante política de abertura a todas as forças democráticas, anti-fascistas, já que as convida, frequentemente, a entrarem nos governos das administrações regionais e locais que detém. Acrescente-se ainda que a própria DC, em várias localidades, foi também abalada por esta vontade unitária do PCI Pode-se dizer, com certa segurança, que os acordos assinados a nível nacional com a DC e outros partidos, em Junho de 1977, surgem na sequência das mudanças de Junho de 1975.
Embora este quadro político-administrativo esteja provavelmente modificado quando da publicação deste volume, dada a grande mobilidade da política italiana actual, o leitor pode fazer uma ideia da importância do PCI na realidade italiana. Esta importância, porém, não surgiu depois destas últimas vitórias eleitorais. Muito pelo contrário, estas são fruto da busca incessante, desde o pós-guerra, de uma presença democrática em todos os sectores ida actividade social. Esta importância foi perseguida e construída pela prática quotidiana deste partido na sociedade!
E deve também ficar claro que o caminho, de 1944 a 1977, não foi percorrido sem percalços e atropelos, mas em duras lutas tantas vezes amargas. Lembre-se o início da guerra fria quando, na «divisão dos mundos», a DC aceitou as pressões para afastar os comunistas do governo. Seguiram-se as discriminações, o despedimento em massa de militantes comunistas de fábricas e da administração pública. Recorde-se a séria derrota sofrida pela esquerda unida nas eleições de 1948, a política económica desenvolvida pela DC, então com maioria absoluta no Parlamento, as provocações policiais da época de Scelba e o atentado a Togliatti. Tudo isto exigiu «cabeça fria» do grupo dirigente comunista. Talvez que o marco histórico do fim desta época de provocações possa ser colocado em 1953, quando em referendum a DC foi derrotada nos seus propósitos de modificar o jogo eleitoral proporcional.
Durante todo este período, a política do PCI foi a da defesa da constituição republicana contra aqueles que chegavam a declarar que tal constituição era uma «armadilha». A defesa da constituição era baseada numa ampla frente antifascista, política esta que permanece até hoje. Tem sido uma constante, na política do PCI, colocar o perigo de uma involução autoritária como inimigo central a ser combatido. O que ajuda a compreender os acordos do bloco político-partidário constitucional assinados em 1977.
A Assembleia Constituinte só terminou seus trabalhos em Dezembro de 1947, isto é, mais de meio ano depois da expulsão de socialistas e comunistas do governo De Gasperi. É de assinalar-se, portanto, que boa parte da sua acção se desenvolveu num clima político onde a unidade das forças antifascistas tinha sido rompida. De certa forma, porém, conseguiram as forças democráticas salvaguardar, na elaboração da constituição, o espírito da unidade antifascista. A trinta anos da promulgação da carta constitucional, pode-se afirmar, olhando-se a história destes três decénios, que o PCI mantém no centro de sua política a tese expressa na palavra de ordem com que enfrentou as eleições de 1948: «Pôr em prática a Constituição, toda e agora!»
É impossível, nesta breve introdução, fazer a história deste período, discutir as suas fases e os seus pontos de ruptura. Ter-se-iam que aprofundar temas como a questão do comportamento do PCI frente à monarquia, a introdução da concordata com a Igreja católica (feita por Mussolini em 1929) na constituição, com o apoio do PCI, debater a tese da «revolução traída», isto é, a não tomada do poder pela esquerda no fim da guerra, como na Jugoslávia, mas que poderia levar a uma repetição do que aconteceu na Grécia.
No período defensivo que se prolongou -pelos anos da guerra fria, o objectivo do PCI foi fazer vingar um Estado democrático novo, que desse vida a um convívio social que rompesse com as experiências precedentes do fascismo e mesmo das formas pré-fascistas ainda existentes. Para tal fim, e dado o período histórico, adaptaram-se todas as formas de luta política e social e as lutas mais vigorosas no campo económico foram adiadas. Visto de hoje, o objectivo foi conseguido, mas poder-se-ia sem dúvida discutir se todas as posições assumidas pelo PCI foram sempre as melhores possíveis. Só os panegeristas, ou historiadores de serviço, fazem as suas histórias como um suceder-se inesgotável de vitórias das forças que defendem...
Após a derrota das forças conservadoras no referendum, da «legge-truffa» em 1953, abre-se um período novo com os acontecimentos de 1956 a nível internacional: o XX Congresso do PCUS, a rebelião* polaca e a invasão da Hungria. São choques que abalam o comunismo italiano mas poder-se-ia também investigar, visto de 1977, até que ponto uma reacção diferente à condenação da Jugoslávia, em 1948, não teria tomado menos dramáticos os factos de 1956.
Em 1962, em pleno «milagre económico», forma-se o primeiro governo de centro-esquerda. A absorção dos socialistas na área governamental tem como um dos objectivos fundamentais isolar o PCI. A resposta do PCI a esta manobra é algo de grande importância no desenvolvimento posterior da política italiana: a continuação da política unitária, a busca constante de alianças, sem rancores, explica porque tendo tido no imediato pós-guerra menos votos que o PSI é hoje largamente maioritário na esquerda italiana (de 19% a 20% em 1946, a 35% a 10% em 1976).
A tentativa de centro-esquerda não adveio de uma evolução gradual. Antes, em 1960, uma tentativa de governo de direita, com apoio fascista no Parlamento, o gabinete Tambrone, teve duração breve. A movimentação de massas e as greves foram de tal amplidão que forçaram a DC a recuar.
Um outro momento notável de acção de massas foram as lutas operárias do período 1968-1969. Foi então que a disparidade salarial entre os operários italianos e os de outros países industrializados foi reduzida. A partir de então, o papel dos sindicatos na vida política, como interlocutores de pleno direito, acentua-se notavelmente. Não só o salário real passou a ser defendido — a Itália é o único país, abalado pela crise actual, onde o salário real operário não caiu — como o movimento sindical, a partir do início dos anos 70, passou também a lutar pelas aspirações das populações do «Mezzogiorno», por uma política de investimentos e de abertura de novos empregos que reduzisse gradativamente a histórica diferença entre o Norte e o Sul do país.
Hoje, ao abrir-se este quarto decénio da história italiana do pós-guerra, sem dúvida que a posição do PCI é muito mais forte do que há trinta anos atrás. Mas, do nosso ponto de vista, o caminho aberto nestes trinta anos de luta encontra-se cheio de dificuldades. É a crise económica mundial que exige uma nova política económica, são novos problemas sociais que requerem uma muito maior unidade do movimento operário e sindical, do PCI e de outras forças socialistas democráticas, com as mulheres, com as massas meridionais, com os desempregados e com os jovens(1).
Em resumo, podemos concluir que a democracia está presentemente muito mais consolidada em Itália que há trinta anos atrás e ela é também muito mais forte neste país que na grande maioria dos países do nosso planeta. Isto deve-se, sobretudo, à larga consciência democrática difundida em amplas camadas da população italiana, como esta mesma população mostrou nos últimos meses quando uma verdadeira guerra de ataque às instituições foi levada a cabo com o propósito de desestabilizar a situação política e social. Num país onde tais tradições não tinham raízes profundas, que saía de uma monarquia conservadora e de mais de vinte anos de fascismo, tal facto é uma realização de grandes dimensões. E é indubitável o papel que jogou o PCI para criar este espírito democrático.
Mas é forçoso também declarar que os problemas da democracia italiana são de extrema gravidade. Só o desenrolar da história nos mostrará como as forças democráticas, e o PCI entre elas, conseguirão superar os graves problemas económicos que se lhes deparam, que força e imaginação terão para apresentar uma alternativa a um modelo que se mostra superado. Isto implica, no caso italiano, uma racionalização da economia e a criação de uma austeridade que tem que passar por uma forma diferente de distribuição da riqueza. Tarefas gigantescas, que passam por amplas alianças políticas e a formação, como diriam os comunistas italianos, de um bloco social novo onde a classe operária exerça o seu papel hegemónico, atraindo para o seu lado outros grupos sociais. Ao leitor quisemos dar somente uma breve panorâmica das dificuldades até hoje superadas e das novas problemáticas que se abrem. Pela leitura dos documentos aqui seleccionados, e outros que a curiosidade do leitor encontrará, um juízo crítico e autónomo poderá ser desenvolvido.
A importância que o PCI ocupa nacionalmente teria forçosamente de ser acompanhada do relevo internacional que este partido conquistou. A «questão comunista italiana» vem ocupando, há tempos, largo espaço nos jornais e revistas internacionais especializadas. Este volume é, de certo modo, fruto desta actualidade do PCI.
Não seria correcto pensar-se que no imediato pós-guerra o PCI assumia as mesmas posições autónomas actuais, muito preso que estava ainda ao espírito da III Internacional. Dirigentes comunistas perguntam-se hoje se as suas análises e opções políticas do pós-guerra, no campo internacional e com incidência na situação interna italiana, foram as únicas possíveis ou as melhores. Certamente que enfrentaram, num primeiro momento, as questões italianas com originalidade mas, com o advento da guerra fria, pode-se dizer que o alinhamento no campo soviético foi inequívoco.
É possível que se as democracias populares tivessem seguido um curso autónomo, como se pensava então, isto tivesse influído no resto da Europa ocidental. Mas o facto é que, quando surgiu a dissidência jugoslava, os comunistas italianos não hesitaram em julgar, como de resto todo o movimento comunista internacional, que os jugoslavos tinham mudado de campo. Ninguém então, no mundo comunista, pensou que Tito e o seu partido pudessem encontrar uma posição de equilíbrio entre os dois blocos que se formavam. Uma descrença que só fez reforçar a rígida divisão do imundo. Mas é também verdade que nenhuma social-democracia pensou em se afastar do bloco americano e adoptar uma posição «jugoslava»...
Esta é uma problemática aberta à investigação histórica, mas permanece o facto de que só em 1956 apareceram as primeiras fissuras no mundo comunista, de certa maneira logo recompostas. Mas as repercussões profundas daquela época eclodiriam depois, com o fenómeno chinês. Já aí a atitude do PCI é muito mais independente, recusando excomunhões e procurando sempre o diálogo com os dirigentes chineses.
Que a autonomia foi um processo em elaboração não há dúvida: veja-se o Testamento de Ialta, aqui publicado na íntegra e datado de 1964. Mas, do nosso ponto de vista, o momento crucial que leva o PCI a um livre reexame de toda a sua história e do próprio movimento comunista internacional, dá-se em 1968, com a invasão da Checoslováquia. Se, como nos parece, o PCI é o berço do que se convencionou chamar «eurocomunismo», sem dúvida a agressão russa em 1968 ao povo checo é o marco do nascimento desta posição hoje largamente difundida.
Aqui verifica-se de novo a importância do PCI: ser o partido que mais largamente tem posto em prática e tem teorizado uma nova visão de socialismo. Embora a expressão «eurocomunismo» seja pouco precisa (o socialismo do leste europeu é europeu e o partido japonês, alinhado nas mesmas posições, está longe da Europa), é no PCI que vamos encontrar um aprofundamento das questões que encerra este novo alinhamento de partidos. A atracção internacional que o PCI desperta não provém de seus 35% mas, ao contrário, estes 35% e a proeminência internacional advêm da maneira nova como aborda as questões políticas.
Merece o PCI tanta, discussão em torno das suas posições? Afinal, as condições existentes em Itália não são as mesmas de tantos outros países da própria Europa ocidental e muito menos de tantas outras áreas do globo. Por outro lado, a política levada a cabo pelo PCI não é ainda uma experiência de socialismo vitoriosa ou já conquistada em tantos aspectos fundamentais: encontra-se ainda em estágio de tentativa, em nível de perspectiva.
Quanto à segunda questão, ela é utilizada para criticar o carácter «utópico» da proposta do PCI Há já um socialismo real, verificável, e é daí que' as experiências devem partir para chegar-se ao socialismo. Ora, esta objecção não tem em conta que é exactamente este tipo de socialismo que o PCI critica, além de conter, em si mesma, uma lógica singular: a de achar que tudo o que de novo surgiu na história da humanidade não passou primeiro, necessariamente, pela fase da hipótese. Sem esquecermos ainda as críticas que fazem entre si os «socialismos reais»: ou o socialismo chinês é menos real que o soviético?
Outras críticas, de diversas proveniências, são feitas ao PCI quanto à sua actuação e elaboração teórica, no quadro internacional. Como, por exemplo, se é tão crítico dos modelos socialistas existentes por que não rompe tais relações? O PCI responde que, entre outras coisas, considera útil o confronto constante das diversas posições. E, na verdade, dado que todas as forças políticas mundiais vão a Pequim ou a Moscovo, porque deveria o PCI isolar-se, o que ganharia politicamente com isto? Poderiam aprofundar, os comunistas italianos, a crítica marxista ao estalinismo? Certamente, e eles hoje admitem o tanto que resta para fazer.
O autor destas linhas não pode aqui levantar as suas próprias críticas e questões que as posições do PCI envolvem. O intuito desta introdução foi só o de estimular o leitor à sua leitura autónoma. Por mais que o modelo italiano seja italiano, por mais que caiba a cada povo decidir do seu destino, por mais que a via italiana seja ainda uma hipótese, e tudo isto é constantemente reafirmado pelos dirigentes do PCI, permanece a questão de fundo que é a da razão da enorme actualidade do PCI Esta questão pode ser sintetizada citando-se uma entrevista do senador Emanuele Macaluso tomada ao acaso, pois são conceitos expressos quotidianamente pela liderança italiana.
Interrogado por um jornalista sobre as razões de fundo das divergências entre o PCI e o P. C. checoslovaco, respondeu: «A mais importante reside no facto de nós pensarmos ser a democracia necessária para a construção do socialismo, e não partilharmos certas formas de autoritarismo como instrumento necessário para a construção do socialismo. O socialismo, pelo contrário, deve ser alcançado com o consenso e a participação livre das grandes massas trabalhadoras. Deve conduzir a formas de democracia sempre mais amplas e substanciais.» Esta é a problemática que tem colocado o PCI no topo das discussões sobre a questão do socialismo democrático como futuro da humanidade. Para muitos, o PCI é um inimigo, para muitos outros, é uma esperança.
Pedro Celso Uchôa Cavalcanti Lisboa
Agosto de 1977
Notas de rodapé:
(1) Para uma bibliografia, sobre o PCI remetemos o leitor para a obra de Paolo Spriano, Storia del PCI, Eunadi, Turim, 1.° vol: Da Bordiga a Gramsci, 196Y; 2.º vol.: Gli Anni della Clandestinità, 1969; 3.° vol.: I Fronti Popolari, Stalin, la Guerra, 1970; 4.º vol.: La Fine del Fascismo. Dalla Riscossa Operaia alla Lotta Armata, 1973 ; 5.º vol.: La Resistenza e la Republica, 1975. Embora membro do PCI, esta história de Spriano não é «oficial». O PCI não tem uma «história oficial». Nestes volumes o leitor encontrará vasta bibliografia e indicações de pesquisa. (retornar ao texto)
Inclusão | 29/05/2015 |