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Durante 18 meses, a tesoura de poda do 25 de Abril esteve nas mãos do povo, e foi um instrumento do movimento popular na luta sem tréguas contra o fascismo e o imperialismo.
Aproveitando com ousadia e entusiasmo as liberdades duramente conquistadas ao fim de 48 anos de resistência ao fascismo e à miséria, os trabalhadores conseguiram cortar algumas raízes à planta peçonhenta — mas não as cortaram todas nem lhe mataram as sementes.
A falta de uma direcção revolucionária capaz, experimentada e bastante forte deixou o movimento espontâneo do povo à mercê dos golpes traiçoeiros do inimigo — o grande capital português e estrangeiro; deixou-o influenciar pelas vagas promessas dos partidos conciliadores e inconsequentes; deixou-o entregue aos falsos amigos cunhalistas, grandes mestres da divisão do povo que se infiltram no seu seio à custa do palavreado «comunista» e «revolucionário»; deixou-o entregue à disputa de influências das duas superpotências imperialistas, os Estados Unidos e a União Soviética, que se metem nos assuntos dos povos, das nações e dos países como se fossem suas quintas e seus criados.
Numa palavra, o «25 de Abril do povo» não foi (ainda) para diante porque o movimento popular e democrático não conseguiu libertar-se das garras dos dirigentes políticos burgueses, não conseguiu tornar-se autónomo e independente, não conseguiu unir-se completa e solidamente como um só bloco em torno da classe operária e da sua vanguarda.
Hoje podemos ver com clareza que as palavras dos políticos burgueses são uma coisa, e as acções são outra. Vemos que temos que nos unir com quem trabalha como nós, para lutar pela vida em conjunto, em vez de entregarmos os nossos destinos nas mãos de políticos vendidos que são parasitas e doutores que só protegem os da sua igualha.
Afinal, que 25 de Abril é o dos trabalhadores, o dos pobres e oprimidos deste país? Por que tem lutado o povo, senão por uma sociedade nova onde seja banido para sempre o domínio dessa corja de inúteis parasitas, sugadores do nosso suor, que andaram 48 anos a pôr-nos a canga nos ombros? A que aspiramos nós, senão à conquista do Pão, da Liberdade, da Terra, da Independência Nacional e da Paz, à conquista de uma sociedade onde o trabalho e a riqueza sejam distribuídos com justiça e igualdade, para a felicidade e o progresso de todos?
Companheiros: a lição destes meses de luta é que essa sociedade não é possível enquanto. não cortarmos pela raiz o fascismo e a presença imperialista na nossa terra. Enquanto não matarmos o bicho sem que nos fique a peçonha. Nós dizemos: essa sociedade é aquela onde o povo manda em tudo, a toda a hora, em todo o lugar.
A ordem que nós queremos é aquela que nós sabemos e somos capazes de ordenar em conjunto, na nossa empresa e no nosso bairro, na nossa aldeia e na nossa herdade, no nosso barco e na nossa mina, na nossa escola e no nosso sindicato, na nossa associação e no nosso clube. É a ordem do mundo do esforço, do mundo do trabalho que produz toda a riqueza — não a ordem dos parasitas, não é a ordem das grandes fortunas acumuladas à custa da injustiça, da fome e do medo.
A democracia que nós queremos não é a do Soares nem a do Cunhal, não é a do Spínola, do Galvão de Melo nem do Sá Carneiro — e muito menos o terror da Pide, da GNR-PSP ou do Caetano. A democracia que nós queremos é para melhorar a nossa vida, que a barriga não se enche com promessas.
A democracia verdadeira por que nós lutamos — e havemos de lá chegar — é aquela que nós aprendemos na luta, nos órgãos democráticos do povo. Para representantes do povo, estuda-se os que têm melhores qualidades, os mais sérios e dedicados ao povo, os que não vivem à custa do suor do povo, e então escolhemos os melhores, em conjunto, à vista de toda a gente. Se esses representantes se mostram incapazes, traidores ou carreiristas e ambiciosos, então reúne-se o povo outra vez, analisa-se em conjunto, e se for verdade tiram-se de lá e elegem-se outros. É esta democracia que nós entendemos bem. A democracia de quem trabalha e olha de frente para toda a gente.
Na nossa democracia só dois direitos que ninguém deve ter: o direito de fazer fortuna à custa do suor alheio, e o direito de vender a Pátria aos estrangeiros, seja que estrangeiros for. É por não se dar esse direito a ninguém que esse regime é ditadura democrática de todo o povo sobre os tubarões e os imperialistas. É a ditadura do povo, que diz aos tubarões: «se queres comer, trabalha, produz como toda a gente». Quando os políticos do dinheiro dizem, com grande solenidade «Abaixo as ditaduras», é porque têm muito medo dessa ditadura — e querem-nos fazer acreditar que esta sociedade em que vivemos, com exploradores, mentirosos e polícias, não é uma ditadura! É, sim senhor, é ditadura das grandes fortunas sobre a grande miséria. E nós queremos a ditadura do contrário: a ditadura de todo o povo explorado sobre os tubarões.
Só assim poderá haver real democracia para o povo. Essa democracia é a Democracia Popular. Nós sabemos bem — à custa de 48 anos de fascismo, à custa do que têm passado os outros povos explorados do mundo — que os imperialistas e o grande capital nunca largam o seu domínio com boas falas nem com promessas. Eles têm as armas, as polícias e os exércitos. Têm os capitais nos seus cofres e controlam a informação para enganar o povo.
E no entanto, visto de perto, eles são bem pouquinhos e são de carne e osso como nós. Comparados com a força do povo — todo unido, eles são meia dúzia de pedintes. A sua força maior é que eles ainda conseguem dividir-nos, atirar uma parte do povo contra a outra.
E então quem é que faz parte do povo? Quem está interessado em acabar com as grandes fortunas e expulsar os sugadores imperialistas? É Portugal quase inteiro: os operários todos; os assalariados agrícolas, os rendeiros, os meeiros e os seareiros; os pescadores e os mineiros; os pequenos e médios lavradores de norte a sul do continente, da Madeira e dos Açores; os donos das pequenas oficinas, das pequenas indústrias; os pequenos e médios comerciantes, incluindo aqueles intermediários que não são parasitas; os estudantes e intelectuais progressistas; os empregados, técnicos e funcionários pobres e remediados; os emigrantes; os soldados e os oficiais progressistas; os desempregados e retornados pobres.
Imaginemos este povo todo em unidade contra os inimigos comuns. Não há força que possa conter o povo unido e organizado. Querem produtos e casas? é o povo que trabalha nas fábricas e nas minas. Querem pão? é o povo que cultiva a terra e pesca no mar. Querem serviços, distribuição, cultura e educação? é o povo que faz isso tudo. Querem forças armadas para os segurar no poleiro? até os soldados são filhos do povo.
Querem armas e caceteiros para reprimir o povo? Ora aí é que está: a democracia popular tem que se conquistar pela força, porque é preciso desarmar o inimigo e os cães de guarda que ele compra. Paga-se muito caro o erro de acreditar que a revolução se pode fazer com cravos nos canos das espingardas, ou com golpes militares isolados do povo. O povo terá que ter as armas na mão e tirá-las ao inimigo. Terá que estar em condições de exercer o seu poder, o poder popular, e de defender a sua Pátria dos agressores imperialistas. O povo terá que ter o seu Exército Popular.
Estas ideias que vimos agora são como o norte que tem guiado os revolucionários da UDP. Para chegarmos a essa meta temos que ter os pés assentes no caminho, temos que ir dando os passos para avançar, tirando as pedras e desviando as curvas que for preciso.
Na realidade, isto que aqui defendemos, já o dizíamos desde o princípio — embora talvez por outras palavras. A UDP apareceu com este nome e este programa há mais de um ano. Que caminho percorremos nós desde então? Hoje, nas vésperas do nosso II Congresso, que balanço podemos nós apresentar perante o nosso povo que sempre dissemos defender, e que sempre procurámos realmente defender o melhor possível?
A nossa actividade e a nossa linha política foram marcadas desde o seu início por coisas boas e coisas más.
Desde o início nós demarcámos com certa precisão os inimigos do povo contra quem organizaríamos os nossos ataques, os inimigos contra quem chamaríamos o povo à luta e os falsos amigos que o enganam e desunem. Nas grandes lutas, nas grandes jornadas contra o fascismo, como o 11 de Março e o 25 de Novembro, o povo viu claramente a UDP à cabeça da informação e mobilização do povo.
Em todos esses momentos difíceis, em que se vê quem vai para a frente e quem fica para trás, quem está a defender o povo e quem não está, o nosso povo verificou que podia contar connosco ao seu lado.
A acção do nosso camarada deputado na Assembleia Constituinte, o camarada Américo Duarte agora substituído pelo camarada Afonso Dias, levou a todo o país a imagem de uma UDP que não trama arranjinhos com ninguém, uma UDP para quem a defesa do interesse do povo é coisa sagrada. O nosso deputado, em todas as circunstâncias, proclamou bem alto o interesse dos explorados deste país e chamou claramente as coisas pelos seus nomes. O camarada deputado atacou de frente o fascismo, a reacção, os conciliadores e os traidores, e fez dezenas e dezenas de propostas concretas que poderiam ter aliviado muitos sofrimentos e resolvido muitos problemas do nosso povo. Apesar do boicote que lhe fez a Imprensa e a Rádio da burguesia, a sua voz chegou a todo o país, e todo o povo viu, na prática, como aquela «formiguinha» (assim chamou um operário do Porto num plenário sindical) mandava as suas picadas aos inimigos e aos falsos amigos do povo.
E, no entanto, podemos dizer que hoje — como dissemos acima — a forca organizada da UDP é muito mais pequena do que a simpatia que o povo lhe tem por esse país fora. Que erros cometemos? Onde é que falhámos e por que falhámos? Que desvios precisamos nós de corrigir desde já? Temos que responder claramente a estas perguntas, sem peias nem trunfos escondidos, para merecermos a estima do nosso povo, para merecermos que, cada semana, milhares de trabalhadores revolucionários e antifascistas venham juntar-se connosco nas nossas fileiras. Quando se trata dos interesses do povo, os erros não têm desculpa nem justificação. Devem ser denunciados e corrigidos à vista de toda a gente. É esta a política de quem só tem uma cara, e anda com a ela bem levantada.
O primeiro erro que nós cometemos foi o sectarismo. O sectarismo é o espírito de «seita», de grupo pequeno, de grupo fechado. Em muitos núcleos da UDP, os camaradas fechavam-se nas suas sedes, isolavam-se do povo da sua zona e passavam horas e dias a discutirem as «altas políticas» numa sala fechada, perdendo muitas vezes as próprias relações e amizades que tinham nos seus bairros e nas suas empresas. Não nos soubemos ligar ao povo, nem sequer às pessoas que tinham por nós alguma simpatia! Bastava ver alguém a duvidar, a levantar questões em relação às nossas certezas — que, em vez de discutirmos e esclarecermos pacientemente as diferenças de opinião, atacávamos logo, queríamos levar tudo à nossa frente como um rolo compressor.
Quantas vezes afastámos de nós camaradas trabalhadores revolucionários e antifascistas sinceros, só porque usavam um emblema na lapela diferente do nosso? Quantas vezes confundimos largas massas de trabalhadores e lutadores com as direcções dos partidos políticos da burguesia que os iam enganando e arrastando para aventuras e ilusões?
O nosso sectarismo teve também outro aspecto: muitos camaradas, justamente conscientes da natureza traiçoeira e de falsos amigos do povo dos dirigentes do partido de Cunhal, justamente conscientes da necessidade de a classe operária conquistar de novo o seu partido de classe, foram levados a ver na UDP esse partido da classe operária e a transportar para dentro da UDP os seus problemas de simpatizantes e activistas do comunismo verdadeiro.
Em ligação estreita com este principal erro que nós cometemos, podemos apresentar outro erro que foi o «esquerdismo». A UDP — UNIÃO DEMOCRÁTICA POPULAR — tinha por finalidade unir as largas camadas do nosso povo, na base da defesa dos interesses de todas elas. Indicando claramente o inimigo principal — o fascismo e o imperialismo americano — assim como os seus falsos amigos, servidores dos novos imperialistas russos, devíamos ter sido capazes de mostrar ao povo, às diferentes classes e camadas de classe que o compõem, aquilo que o une numa mesma luta e devíamos ter ajudado mais concretamente a resolver as contradições secundárias que desunem o povo. Considerando justamente a classe operária como aquela que luta de forma mais consequente contra esses inimigos do povo, muitas vezes cometemos o exagero de ver só essa classe e esquecer as outras. A seguir à campanha eleitoral de Marco-Abril de 1975 caímos um pouco em nós, corrigimos esse «esquerdismo» obreirista — mas a correcção foi só nos discursos e nas proclamações. Nos actos, no concreto da vida, pouco ou nada nos ligámos às outras classes revolucionárias, pouco lutámos pela defesa dos seus interesses próprios.
Este «esquerdismo» teve outro aspecto, igualmente errado, que prejudicou a nossa acção. Foi uma certa falta de realismo político, isto é, uma certa falta de capacidade para irmos avaliando com precisão, a cada momento, a relação de forças na sociedade e a natureza dos avanços e recuos da luta das massas populares. Por outras palavras, foi o erro do triunfalismo. Nas ocasiões em que o movimento popular avançava e trazia para o seu campo novas e importantes conquistas — nas fábricas, nas herdades do Alentejo, nas lutas urbanas — o nosso entusiasmo excessivo não nos deixava ver a necessidade de consolidar fortemente o terreno conquistado aos inimigos. Não vimos que, sem uma «retaguarda» sólida as avançadas não passam de «fugas para a frente». Essa «retaguarda sólida» é a unidade da classe operária, de norte a sul de Portugal, nas suas organizações de classe; é a aliança entre os operários fabris e os assalariados agrícolas das herdades com os pequenos e médios lavradores e os rendeiros do norte e do centro; é a união de todas as camadas do povo, das cidades, das vilas — e dos campos, na defesa dos seus interesses comuns — sobretudo o PÃO e as LIBERDADES — contra os seus inimigos comuns, a grande burguesia fascista e o imperialismo americano. Sem isso estar garantido, muitos camaradas se deixaram inebriar pelas grandes vitórias do movimento popular. E embora tenhamos sempre criticado severamente as ilusões aventureiras, guerrilheiristas e golpistas de certos sectores da pequena burguesia radical, a verdade é que nós próprios presumimos das nossas forças e menosprezámos as forças dos inimigos.
Por fim, convém assinalar que, em prolongamento destes erros, nós temos manifestado uma grande dificuldade em organizar, na UDP ou em torno dela, as largas camadas do povo que na luta se vão encontrando ao nosso lado. Não demos suficiente importância à necessidade de organização; não vimos que, por mais forte que ele possa parecer, o movimento espontâneo das massas populares não poderá nunca sobreviver aos golpes do inimigo se não se organizar solidamente em torno de uma linha política justa e coerente e se não for educado na ideologia revolucionária consequente e firme. Na UDP, temos sabido ser sofríveis propagandistas, razoáveis agitadores ... mas maus organizadores. Não nos preocupámos o suficiente em mostrar aos nossos companheiros de luta a necessidade de se organizarem em conjunto connosco, e nem sempre soubemos encontrar as formas mais correctas para organizar as lutas.
Companheiros de luta! Trabalhadores!
Se nós aqui desenvolvemos bastante os principais erros que pensamos ter cometido, é porque não duvidamos de que a coragem revolucionária também consiste em defender o justo e combater o errado na nossa própria prática, fazendo isso aos olhos do povo. Porque o povo «tem mil olhos» e aquilo que nós vemos hoje com clareza, já as massas foram apreciando da nossa actuação, e nos foram mostrando: nas reuniões preparatórias deste II Congresso já temos ouvido trabalhadores dizerem-nos, com franqueza e com dureza, algumas destas verdades que os têm afastado de nós. Isso é bom. Não só porque vemos os erros e a maneira de os corrigir, mas também porque é a prova da estima que esses companheiros têm por nós.
Porque, para além dos erros da nossa prática, o povo vê bem que o essencial das nossas posições é justo, é honesto, é a defesa dos seus interesses. A todos os que têm estado a assistir «de fora» à nossa acção, a todos quantos têm tido hesitação em juntar-se nas fileiras da UDP, nós fazemos o apelo: só na unidade e na organização poderemos vencer os erros que temos dentro e os inimigos que temos pela frente. O II Congresso da UDP é o Congresso da grande avançada para a luta contra o fascismo que temos dentro de portas. É o Congresso da correcção dos erros e da organização do maior número possível de antifascistas e patriotas sinceros. É o Congresso da unidade combativa e da democracia do povo.
Inclusão | 10/09/2019 |