MIA > Arquivos Temáticos > Imprensa Proletária > Revista Problemas nº 48 > Novidades
Chapaev é um dos mais célebres heróis da guerra civil na Rússia, simples carpinteiro, quase analfabeto, revelou-se como um capitão de primeira ordem quando o poderoso sopro da Revolução o despertou para uma vida consciente. Jamais soube o que fosse uma derrota. Seus próprios amigos, admirados diante de tanta habilidade e audácia, perguntavam-lhes às vezes:
— Vassili Ivanovitch, de onde vem essa força que se manifesta em ti? Jamais estudaste e no entanto derrotas generais!
Chapaev, torcendo como de hábito o seu bigode ruivo, respondia:
— A classe operária e o Partido dão-me essa tarefa como uma lei... Além disso, para alguma coisa deve servir a cabeça!... acrescentava, com um sorriso.
Chapaev morreu em setembro de 1919, no auge da guerra civil. Mas a sua fama o sobreviveu. O povo russo venera a memória de seu herói querido, que realizava suas façanhas com os olhos postos num futuro radiante, em nome da grande pátria dos trabalhadores do mundo inteiro, a União Soviética.
Vassili Ivanovitch Chapaev nasceu a 28 de janeiro de 1887, na aldeia de Budaika, distrito de Cheboxary (governo de Kasan). Atualmente o distrito faz parte da República Socialista Autônoma de Chuvasquia.
O avô de Chapaev era um camponês que havia sido servo. Seus relatos sobre a situação do povo nos tempos da servidão haviam incutido em Chapaev, desde menino, um ódio implacável contra os latifundiários e a burguesia.
O pai de Vassili era carpinteiro. Todos os anos ia para as cidades e aldeias ricas das margens do Volga a fim de ganhar algum dinheiro. A família ficava na aldeia natal, lutando com a miséria enquanto aguardava a volta do pai, seu único arrimo.
Chapaev conheceu por si mesmo, muito cedo, todo o peso da exploração do homem pelo homem. Desde a mais tenra idade ganhava a vida guardando patos e vacas dos camponeses ricos. Quando chegou aos doze anos, colocaram-no como "aprendiz". Nessa época, sua família, fugindo da fome que fazia estragos nas margens do Volga, foi viver na aldeia de Balakovo, grande centro comercial situado junto àquele rio. Ali Chapaev trabalhou como "aprendiz" na casa de um comerciante. Tinha que esfregar o assoalho, aquecer o banho do patrão, ajudar o empregado, levar as compras à casa dos fregueses; mais tarde puseram-no atrás do balcão para que se fosse acostumando a vender os gêneros.
— Despacha-te, Vaska! — dizia-lhe o patrão. Nosso ofício não é difícil, pode-se dizer. No comércio só se deve saber uma coisa, que é enganar o cliente. Se não sabes enganar, não vendes nada.
Esse tipo de "ofício" não agradava a Chapaev; ele não queria enganar nem roubar e teve de deixar a colocação.
Em seguida foi trabalhar como garçom em um café. Sua posição no novo posto foi ainda pior. Passava o dia inteiro servindo os clientes, correndo de uma mesa para outra. Para cúmulo da desgraça, O patrão exigiu que ele não perdesse ocasião de remexer os bolsos dos fregueses. Chapaev negou-se resolutamente a fazer semelhante coisa e ficou outra vez sem emprego.
Em breve ia entrar nos seus dezesseis anos. Sonhava ganhar a vida por si mesmo, encontrar uma profissão. Mas o sonho tardava em realizar-se. Resolveu, então, juntar-se a um velho que tocava um realejo e acompanhá-lo em suas vagabundagens. Naquela época havia muita gente na Rússia que considerava muito mais invejável a vida de vagabundo que o trabalho forçado numa fábrica ou numa loja. O velho do realejo também era dessa opinião. Chapaev passou cerca de dois anos com ele, vagando de cidade em cidade, de aldeia em aldeia.
Mais tarde, quando já era chefe da famosa 25.ª Divisão, Chapaev sentia certa vergonha ao contar suas peregrinações com o velho do realejo, embora gostasse de falar de sua infância, privada de toda alegria; considerava esses dois anos de vagabundagem como uma mancha no seu passado. Mas a verdade é que esses anos não haviam sido perdidos de todo para ele, já que lhe mostraram como era dura a vida dos trabalhadores na Rússia capitalista, o grande número de deserdados da vida, a tenacidade com que sonhavam em ter uma existência alegre e feliz, e que sentimentos de ódio profundo abrigava o povo com relação ao tsar, aos latifundiários e aos industriais.
Vassili Chapaev volta à casa paterna emagrecido, queimado de sol, depois desses dois anos de vida errante. Havia crescido; mechas rebeldes de cabelos ruivos cobriam sua cabeça; o nariz, de formato regular havia-se afilado; apertava os lábios delgados, e seus olhos azuis tinham, um olhar fixo e penetrante.
— Então?: já te fartaste de andar por aí? — perguntou-lhe o pai, mal-humorado. Que pensas fazer agora?
— Quero ser carpinteiro. — respondeu Vassili, asperamente.
— E acreditas que poderás sê-lo? — replicou Ivan Stepanov, contemplando o filho com um olhar de desconfiança.
— Claro que acredito! — disse o rapaz, convencido. Saberei fazer uma ísba(1) tão bem como tu.
— Como és jactancioso, Vaska! — comentou com ironia o pai. Mudaste pouco... Parece que não tens medo de nada.
— Sei o que valho... — disse Vassili, calmamente, sem fazer caso do tom de caçoada do pai. Não tenho nenhum motivo para considerar-me menos do que sou. Por outro lado, o ofício não dá para me assustar; eu disse que chegarei a dominá-lo e assim será.
Com o entusiasmo que o distinguia em tudo aquilo em que punha a mão, Vassili Chapaev consagrou-se à profissão que havia escolhido. Mas bem cedo teve de abandonar as ferramentas de carpinteiro.
Em 1914 estalou a guerra mundial. Ondas intermináveis de tropas dirigiam-se à frente de batalha; uma delas levou Vassili Chapaev.
Começou a prestar serviço na frente alemã. Acostumou-se sem esforço ao gênero de vida do soldado em tempo de guerra. Sua determinação e sua viva inteligência distinguiam-no entre a massa formada pelos demais soldados. Provou possuir extraordinário dom de ouvir; não havia outro capaz de orientar-se tão depressa como ele em uma situação qualquer, nem quem como ele descobrisse o inimigo que se escondia.
Passavam os meses e os anos, e a guerra não acabava. Chapaev sentia saudade de sua terra e de sua gente. Havia perdido, até, a última esperança de livrar-se do jugo mortífero do serviço militar; tornou-se taciturno, carrancudo, pouco comunicativo; encarregava-se com absoluta indiferença das tarefas mais perigosas que lhe confiassem.
Os anos passados na frente foram para ele como uma "universidade" de tipo especial. Começou a sentir uma sede enorme de ler e instruir-se. Os livros abriram ante aquele soldado de poucas letras um mundo novo que não conhecia. As biografias dos grandes capitães de outros tempos — Anibal, Suvorov, Napoleão — e dos heróis surgidos do povo — como Stepan Razin, Pugachov, Garibaldi — produziram-lhe particular impressão. Razin e Pugachov, sobretudo, os dois chefes das insurreições camponesas dos séculos XVII e XVIII, acabaram por ser os heróis favoritos de Chapaev, que via neles não só intrépidos combatentes e heróis, como os defensores de todos os oprimidos e abandonados. Recordava sua infância, os anos de vida errante com o velho do realejo, e chegava à conclusão de que não havia lugar para uma vida feliz e livre na Rússia; o povo russo estava oprimido, os proprietários e capitalistas saqueavam-no implacavelmente, o tsar e os generais enterravam sem piedade nas trincheiras milhões de vidas humanas.
Vassili Chapaev dava-se conta de que havia grandes forças latentes escondidas no seio do povo russo; mas naquela ocasião ainda não sabia o que se devia fazer para despertar essas forças nem a quem caberia essa tarefa.
No outono de 1917 apresentou-se um homem ao Comitê do Partido bolchevique do Distrito de Nikolaievsk. O Comitê ocupava então o sótão de uma pequena casa. O recém-chegado vestia uniforme de sub-oficial e trazia presa à cinta a capa de um revólver; duas cruzes de São Jorge e uma medalha enfeitavam seu peito.
— É aqui que estão os bolcheviques? — perguntou em tom seco e imperioso.
— Sim, é aqui cidadão. — respondeu o secretário, perguntando-se o que teria levado aquele homem a dirigir-se ao Comitê.
— Chamo-me Chapaev. — disse o outro. Antes da guerra trabalhei como carpinteiro. Nomearam-me oficial subalterno na frente alemã, durante a guerra, porque o inimigo havia matado todos os oficiais. Até o ano de 1917 estive morrendo de asco na frente. Saí com umas quantas contusões e várias feridas. Agora desejo alistar-me como bolchevique.
— Qual a razão que te leva a fazê-lo? — perguntou o secretário.
— Que pergunta é essa?... — disse Chapaev com estranheza. Pois para onde hei de ir? Qual a outra saída que me resta? Dou-me conta perfeitamente de que este é o nosso autêntico Partido operário.
Contou que vinha de Saratov, onde se submetera a tratamento no hospital, e que tivera de fugir para não cair nas mãos dos cadetes das academias militares enviados por Kerenski a Saratov, para acabar com os operários e com os soldados revolucionários.
— Você será admitido no Partido — declarou o secretário. Mas antes tem de conhecer o programa bolchevique... Aqui o tem...
E estendeu a Chapaev um exemplar do programa, impresso em papel cinzento. Chapaev pegou o folheto, dobrou-o cuidadosamente e o colocou no bolso.
— E pode ir tirando tudo isso, desde já. — disse o secretário, em tom de censura, apontando as condecorações que cobriam o peito de Chapaev. Venha à assembléia sem elas.
Chapaev tocou as condecorações com a ponta do dedo, como se quisesse sopesá-las, e sorriu zombeteiro;
— Tirarei. Pensas que lhes tenho carinho? Se as uso é apenas pela força do hábito.
Apertou amistosamente a mão do secretário e se foi.
Nikolaievsk é uma pequena localidade situada nas estepes da margem esquerda do Volga. Chapaev, que ficara morando ali, travou logo relações íntimas com os bolcheviques da localidade. Escutava atentamente tudo quando diziam nos comícios e falava freqüentemente com eles. Com quem melhor se entendia era com o secretário do Comitê do Distrito, soldado do 138.º Regimento de Infantaria. A sinceridade, a força de persuasão e a simplicidade daquele bolchevique produziam em Chapaev uma enorme impressão.
— Que trabalho gostarias de fazer? — perguntou-lhe o secretário logo após sua admissão no Partido.
Chapaev ficou cismando.
— Não sei... — confessou, por fim, com franqueza. O que pode fazer um carpinteiro como eu? Se ao menos pudesse trabalhar como militar! Conheço bem as coisas da guerra; não comandaria de forma que um general qualquer... Mas parece-me que o Partido não necessita de especialistas na arte da guerra. Tomaremos o poder, acabará a guerra e cada um poderá ir para casa. O secretário do Comitê sorriu.
— Tu te enganas, Chapaev... — observou calmamente. Não há dúvida de que nós, os bolcheviques, poremos fim à guerra! Mas nem por isso escaparemos da necessidade de lutar com a burguesa. Ela não vai ceder-nos o poder sem luta, e para isso nos estamos preparando há muito tempo. Que dirias se o Comitê do Distrito te mandasse trabalhar no regimento?
Chapaev aceitou essa proposta com alegria. O 138.° Regimento de Infantaria de reserva, acampado em Nikolaievsk, representava uma importante força revolucionária. Os soldados do regimento ouviam avidamente tudo quanto diziam os bolcheviques. Já antes da chegada de Chapaev a Nikolaievsk haviam-se negado a obedecer às ordens do Governo provisório e haviam expulsado todos os seus oficiais. A influência dos bolcheviques no regimento aumentava dia a dia.
Durante a guerra imperialista Chapaev havia tido tempo. suficiente de familiarizar-se com a massa de soldados. Conhecia as suas necessidades e interesses, escutava-os atentamente e sabia encontrar palavras justas e simples para falar com eles. No 138.° Regimento ganhou imediatamente o coração dos soldados, que não tardaram em elegê-lo comandante do regimento.
Depois da Revolução de Outubro os bolcheviques resolveram travar o combate decisivo contra a burguesia. No mês de dezembro de 1917, o soviet de deputados operários e soldados da cidade decidiu, de acordo, com o Congresso de Camponeses do distrito, dissolver a assembléia contra-revolucionária do zemstvo — que se reunia ao mesmo tempo que o III Congresso dos Camponeses — e dar o poder exclusivamente aos soviets. O Congresso nomeou Vassili como comissário militar da cidade e encarregou-o de dissolver a assembléia do zemstvo. Chapaev desempenhou-se brilhantemente dessa missão.
Contudo, os partidários da contra-revolução, em Nikolaievsk, não se deram por vencidos. No dia seguinte, os sinos despertaram os habitantes sobressaltados. Era o sinal combinado. Em poucos instantes, as "Centúrias Negras" se reuniam na praça central da cidade. Os oradores exortavam o povo a enforcar todos os comunistas. Os agentes da burguesia percorriam a cidade em busca de armas; também se meteram no quartel do 138.° Regimento, com a intenção de instigar os soldados, a voltarem às armas contra o sóviet.
A multidão, na praça, tornava-se, por vezes, agressiva. Alguém propôs que se apoderassem do soviet e a multidão aplaudiu imediatamente a idéia. Nessa ocasião ouviu-se o clamor de uma sirene e um automóvel armado com algumas metralhadoras apareceu num extremo da praça. O carro parou e dele saltou um homem de estatura mediana e grandes bigodes ruivos, vestido com um capote cinzento, e um gorro de pele jogado arrogantemente sobre a nuca. Todo o mundo reconheceu imediatamente o comandante do 138.° Regimento de Reserva.
— Aí está Chapaev! — gritavam vozes medrosas.
A multidão apenas havia tido tempo para remexer-se, quando se viu o crepitar das metralhadoras. As primeiras balas silvaram por sobre as cabeças da banda negra. A praça ficou deserta num instante.
Assim se implantou em Nikolaievsk o regime soviético. Não foi possível, contudo empreender imediatamente a obra pacífica da edificação socialista. Ainda foi preciso lutar contra os kulaks, que não queriam reconhecer o poder soviético e que constituíam uma força selvagem, cheia de ódio implacável aos bolcheviques.
Como o 138° Regimento não apresentava — igual, aliás, à maioria dos regimentos do antigo exército do tsar — um todo homogêneo quanto à composição de classe, não podia constituir um apoio seguro e sólido para o novo poder. O recrudescimento da luta de classes no país exercia, igualmente, certa ação sobre a massa de soldados do exército tsarista. Os elementos ligados por diferentes vínculos aos kulaks não queriam servir o povo e desertavam. O exército tsarista achava-se em vias de decomposição e era preciso formar, custasse o que custasse, outro exército que o substituísse, um exército que fosse dedicado à causa do socialismo.
Chapaev propôs que se desmobilizasse o 138.° Regimento e que, à base de alistamento voluntário, se formasse um destacamento da guarda vermelha, composto unicamente de operários e camponeses pobres. Ele mesmo foi um dos primeiros que se alistaram no destacamento de Nikolaievsk, passando a ser seu organizador e chefe.
O inimigo não tardou a empreender uma luta aberta, a mão armada, contra o poder soviético. No mês de fevereiro de 1918 estalou a primeira revolta no povoado de Bolchaia Gluchitza, habitado, na maior, parte, por kulaks. Dirigidos por socialistas-revolucionários e capitaneados por alguns oficiais, entregaram-se a atos de crueldade atroz contra os camponeses pobres. Diziam que não reconheciam o poder soviético e enviavam agentes aos povoados próximos para que incitassem a população a unir-se a eles. A insurreição ameaçava estender-se por todo o distrito: era necessário cortá-la pela raiz.
O soviet do distrito de Nikolaievsk mandou Chapaev à Bolchaia Gluchitza. Chapaev não só conseguiu restabelecer a autoridade do soviet da localidade como organizou ali um destacamento revolucionário de camponeses. Elegeu pessoalmente o comandante do destacamento e lhe forneceu as armas necessárias, tomadas aos kulaks. Mal havia voltado a Nikolaievsk quando estalaram novos motins em Marievka, nas cercanias de Samara, em Chvorostovka, em Bolchaia Luka, em Balakovo. Chapaev não se permitia tréguas nem repouso. Percorria o distrito de ponta a ponta, à frente do seu destacamento, caindo de imprevisto sobre o inimigo, a quem infligia derrotas esmagadoras, e partindo em seguida para outro lugar tão depressa quanto havia acabado com o inimigo com que se defrontara.
Em pouco tempo o nome de Chapaev adquiriu uma notoriedade enorme em ambas as margens do Volga. Às vezes bastava pronunciar esse nome para que os bandidos brancos depusessem as armas. Por outro lado, os trabalhadores cercavam de admiração e de particular solicitude aquele chefe, organizador da guarda vermelha de Nikolaievsk, paladino abnegado da Rússia Soviética. Em qualquer parte onde Chapaev se apresentasse, à frente de sua tropa, era recebido com entusiasmo por multidões de camponeses. Nenhum pedido que se lhe fizesse ficava sem resposta: fosse forragem para os cavalos, ou sobre socorros em efetivos armados. Pediam-lhe que assistisse aos comícios e que falasse neles. Os velhos consultavam-no e dele recebiam conselhos com agradecimentos comovedores; os operários e camponeses jovens cansavam-no com seus rogos para que os admitisse no destacamento de que era chefe.
Cada vez que estava de volta a Nikolaievsk depois de haver esmagado uma sublevação de kulaks, Chapaev acudia, pressuroso, ao soviet, para dar conta de suas operações, da formação de novos destacamentos de operários e camponeses, assim como para inteirar-se das últimas notícias relativas à situação em todo o país. A Rússia havia entrado, então, na fase decisiva dos combates extremos com a contra-revolução russa e estrangeira. A Ucrânia estava inundada de tropas alemãs, cujas baionetas abriam caminho ao ataman Skoropadski e a Petliura. No Don e no Kuban havia generais do tsar que se preparavam para uma marcha vitoriosa até Moscou. Os cossacos brancos de Orenburgo, comandado pelo general Dutov, ameaçavam Samara. Os navios de guerra das potências intervencionistas navegavam a todo vapor em direção aos portos de Arkangel e Vladivostok, como aves de rapina, atraídas pela isca de ricos despojos de guerra.
— Não nos engolirão. Temos os ossos duros; eles hão de se engasgar. — dizia Chapaev, firmemente convencido, quando, lhe anunciavam que haviam surgido novos inimigos da Rússia Soviética.
— Temos que estar preparados! — repetia infatigavelmente, cheio de ardor, a seus companheiros de armas. Nosso governo está com preocupações até à raiz dos cabelos; devemos demonstrar-lhe que somos capazes de iniciativas próprias. Temos que arranjar metralhadoras, fuzis, canhões, munições, capotes... O que vamos dizer se o Governo nos pede ajuda? Que não vamos fazer algo que valha a pena porque não temos armas nem combatentes?...
Chapaev não se enganava. Já na primavera de 1918, ao estalar um rebelião entre os cossacos brancos do Ural, foi preciso pedir ajuda aos operários e aos trabalhadores agrícolas de Nikolaievsk. Os cossacos ricos representaram, durante a guerra civil, o papel de servidores fiéis da contra-revolução russa. Declararam que eram o "exército de Cristo" e se apressaram em acabar a sangue e fogo com o movimento revolucionário, para restaurar o poder do tsar, dos latifundiários e dos industriais. Os cossacos ricos do Ural formaram nas fileiras dos inimigos mais encarniçados do poder soviético, movidos por um ódio implacável aos operários e camponeses. Os cossacos da região de Uralsk, que haviam perdido, em conseqüência da Revolução de Outubro, todos os privilégios de que antes gozavam, entraram em negociações secretas com os dirigentes da contra-revolução no Don, em Astrakan e em Jienburgo, com o fito de levar a cabo uma marcha combinada sobre Moscou. Nas stanitzas(2) organizavam-se destacamentos de kulaks comandados por oficiais do antigo exército tsarista.
A rebelião dos cossacos brancos começou a 29 de março com um ataque ao soviet regional de Uralsk; todos os membros do soviet foram detidos e encarcerados: os chefes da rebelião proclamaram-se a si mesmos "governo das tropas cossacas".
A notícia desse levante provocou profunda indignação entre os trabalhadores da Rússia Soviética. Com o objetivo de evitar, na medida do possível, derramamento de sangue, o Governo soviético entabulou negociações com os dirigentes do levante de Uralsk, exigindo que restabelecessem o soviet regional e que expulsassem os oficiais contra-revolucionários, os latifundiários e os capitalistas. O "governo cossaco" de Uralsk rechaçou essas condições.
Decidiu-se, então, esmagar a rebelião pela força. O Exército Vermelho achava-se ainda em vias de formação. Todos os regimentos vermelhos, ainda pouco numerosos, achavam-se ocupados em combater os agressores alemães que saqueavam descaradamente a Ucrânia. Por conseguinte, o Governo soviético dirigiu-se aos operários e camponeses das províncias situadas de um e outro lado do médio Volga.
Vários destacamentos de guardas vermelhos, entre eles o de Chapaev, tomaram parte na campanha contra a cidade de Uralsk. Mas esses destacamentos, pouco numerosos e mal armados, não puderam resistir aos regimentos cossacos. A missão terminou em fracasso. Ficou demonstrado que para lutar contra os guardas brancos era necessário reorganizar os destacamentos da guarda vermelha e com eles formar batalhões, regimentos e divisões do Exército Vermelho.
Chapaev tomou parte ativa nesta reorganização dos grupos de guerrilheiros, na criação de unidades regulares do Exército Vermelho. Em 25 de maio de 1918 presidiu uma Conferência de comandantes de guardas vermelhos. Ali expôs as causas da derrota sofrida na cidade de Uralsk e dirigiu aos presentes um apelo, cheio de ardor, exortando-os a consolidar o Exército Vermelho, a torná-lo temido e a ter-lhe carinho. Este apelo feito pelo comandante querido de todos, não caiu no vazio. A Conferência decidiu, por unanimidade, reunir todos os destacamentos independentes para com eles formar dois regimentos: o primeiro era o nome de Emelian Pugachov; o segundo, o de Stepan Razin. Esses dois regimentos formariam uma brigada — a Brigada Pugachov. Todos os comandantes reunidos elegeram como comandante dessa brigada o seu glorioso chefe, Vassili Chapaev.
A Brigada Pugachov, que foi incorporada ao 4.° Exército, de formação recente, constituía uma força imponente. Contava com 2.200 fuzis, 275 sabres, 65 metralhadoras, 8 peças de artilharia e um auto blindado. Chapaev deu provas de extraordinária energia quando teve de armar os combatentes, completar os regimentos e treiná-los tendo em vista as próximas operações. Sua troika(3) corria dia e noite pelos caminhos. Chapaev percorria os pontos de acantonamento das tropas e visitava inúmeras vezes os operários de Nikolaievsk.
Entretanto, a situação não cessava de agravar-se nas regiões das margens do Volga. Além dos cossacos brancos de Uralsk e do Orenburgo, havia-se declarado, então, um novo inimigo do poder soviético: os tchecoslovacos. Depois de uma sublevação, apoderaram-se de Samara e de Syzran e se dirigiram a Ufa. Essa intervenção inesperada foi um golpe duríssimo para a Rússia soviética. Bem armadas e aguerridos as legiões tchecoslovacas não só se haviam apoderado de algumas cidades importantes como se haviam unido aos guardas brancos. Com seu concurso imediato criou-se a "assembléia constituinte" de Samara que pretendeu assumir o papel de organizadora da luta contra-revolucionária em todo o curso do Volga.
O 4.° Exército preparava-se febrilmente para uma nova campanha contra Uralsk. Pôs-se em marcha a 28 de junho de 1918. Travaram furiosos combates em toda a extensão da frente. Os cossacos defendiam tenazmente cada stanitza, cada granja. Depois de vários choques sérios, sofrendo às vezes perdas sensíveis, as unidades do 4.° Exército chegaram, ao entardecer de 6 de julho, a uma distância de cinco quilômetros da cidade de Uralsk.
As tropas da "assembléia constituinte" de Samara e os tchecoslovacos não se mantiveram como espectadores impassíveis da lula do 4.º Exército vermelho com os cossacos brancos de Uralsk. Acentuaram sua pressão sobre Saratov e ao mesmo tempo enviaram a Uralsk metralhadoras, autos blindados e grandes quantidades de cartuchos e de projeteis. Os cossacos de Uralsk conseguiram, por sua parte, armar numerosos destacamentos e iniciaram, em 7 de julho, um contra-ataque. As suas cargas sucediam-se sem solução de continuidade; além disso, os cossacos reuniram um poderoso corpo de cavalaria e o lançaram sobre a retaguarda do 4.° Exército para apoderar-se da estação de Somiglavy Mar. O golpe foi bem sucedido.
A notícia da tomada da estação chegou ao 4° Exército quando este havia gasto suas últimas reservas de cartuchos para rechaçar os ataques dos cossacos brancos. Alguns comandantes perderam o ânimo. Entre eles encontrava-se, inclusive, o do 4.o Exército, antigo coronel do exército tsarista. Perdida toda a esperança de poder opor ao inimigo uma resistência, eficaz, não encontrou coisa melhor senão dizer que estava doente e meter-se numa das camas da ambulância.
Os comandantes das diferentes formações haviam-se reunido no local ocupado pelo Estado-Maior, para realizar um conselho. O que se deveria fazer? Continuar a defesa até o último homem ou bater em retirada? E, nesse último caso, como escapar à cavalaria dos cossacos e romper o cerco de que estava ameaçado o exército? Tais eram perguntas, que deixavam alvoroçados os comandantes.
O chefe do Estado-Maior e os comandantes das unidades do exército expuseram a situação: as reservas de cartuchos estavam esgotadas, faltavam víveres, os combatentes já não recebiam suas rações. Todas as ligações com a retaguarda do front estavam cortadas; destacamentos cossacos cercavam as tropas; nas aldeias estalavam motins. Depois de ouvidos esses informes, ficou evidente para todos que qualquer ofensiva ulterior seria uma empresa insensata. A questão reduzia-se à única saída possível: salvar o exército de um aniquilamento total e fazê-lo retroceder, abandonando as estepes de Uralsk.
— Tomar uma decisão não é difícil. — observou um dos comandantes. Mas quem vai dirigir o exército? Quem vai encarregar-se do comando?
Todos os presentes se voltaram, involuntariamente, em direção a Chapaev.
— És tu, Vassili Ivanovitch, quem se deve encarregar disso. — disse com voz firme outro comandante.
Chapaev jogou para trás, com um gesto nervoso, uma mecha que lhe caía sobre a testa e pôs-se de pé.... — Bem, não me nego. — disse resolutamente. Mas é bom que nos entendamos: aceito unicamente com uma condição — a de que todas as minhas ordens sejam executadas sem discussão. E nada de pânico! Esta manhã preparei um plano.
Abriu o bornal e tirou, com um gesto brusco, um mapa.
Aí está meu plano. Chapaev estendeu o mapa sobre a mesa, passou-lhe a mão por cima e pôs-se a explicar o plano com voz surda. Os presentes guardavam silêncio, interrompendo-o de quando em quando para fazer alguma pergunta. Chapev respondia imediatamente, em tom cheio de segurança. Dava-se conta perfeitamente da enorme responsabilidade que assumia ao aceitar a empresa. O exército estava ameaçado por um cerco completo. Se se batesse em retirada à vista do adversário, os cossacos não deixariam de atacar com todas as suas forças e esmagariam exercito. O menor erro, a menor imprudência, poderia trazer conseqüências fatais.
O plano de Chapaev foi posto em execução a 9 de julho. Na noite de 9 as baterias abriram fogo pela última vez sobre a cidade de Uralsk. Cerca de 10 horas fizeram alto com o fogo, e os artilheiros abandonaram a toda pressa as suas posições. Seguiu-os, em profundo silêncio a infantaria. As colunas chegaram à estrada e se dirigiram à estação de Peremetnaia. À meia noite os últimos batalhões haviam abandonado as posições que ocupavam. Somente ficaram nas trincheiras uns quantos destacamentos de cobertura que continuaram fazendo fogo, sem parar, com seus fuzis e com algumas metralhadoras, a fim de dissimular a retirada das forças principais, cobrir o ruído dos passos e o rodar dos carros que levavam as metralhadoras. Ao amanhecer, os destacamento de cobertura abandonaram também as trincheiras.
Durante toda a noite os regimentos do 4.° Exército marcharam em direção de Peremetinaia, onde chegaram pela manhã. Os cossacos, que não haviam percebido a tempo a retirada dos regimentos vermelhos, já não puderam impedir que escapassem do beco sem saída que lhes haviam preparado.
Em 15 de julho de 1918 a brigada de Chapaev, de volta da infeliz expedição de Uralsk, encontrou-se nas imediações de Nikolaievsk. Chapaev, depois de haver distribuído seus regimentos pelos povoados vizinhos, saiu a toda pressa para Nikolaievsk em sua troika, puxada por cavalos do Don. Voava; tinha pressa em tornar a ver seus amigos e conhecidos. Além disso, os rumores que chegavam sobre a sublevação tchecoslovaca, que ameaçava alastrar-se como um incêndio por toda a região das margens do Volga, não deixavam de preocupá-lo. Sabia que todas as tentativas feitas até então para sufocar a rebelião não haviam dado resultado.
Seus amigos e os trabalhadores de Nikolaievsk receberam-no com a maior alegria.
— É verdade, como dizem, que comandaste sozinho todo o exército, Chapaev? — perguntou-lhe, sorrindo, o secretário do Comitê do Partido.
— Sim, fiz uma experiência... A coisa não foi mal; obedeciam-me... — respondeu Chapaev, caçoando; e imediatamente passou às questões que o interessavam.
— Preciso completar meus regimentos... Perdi muitos combatentes e alguns dos meus melhores comandantes.
— Terás gente. — declarou, com voz firme, o secretário do Partido. Não apenas os jovens sonham servir contigo; também há moças que pedem alistamento.
— E como marcham as coisas, em geral?... Qual é a situação? — perguntou Chapaev.
O secretário informou-o detalhadamente sobre o estado de coisas.
A situação era ameaçadora. Enquanto o 4.° Exército se batia adiante de Uralsk, os tchecoslovacos, depois de haver ocupado Samara, haviam começado a avançar não só em direção a Ufa e a Cheliabinsk, como também em direção ao Sul, Volga abaixo, sobre Saratov e Tsaritsin.
Depois da segunda campanha empreendida contra a cidade de Uralsk, a brigada Pugachov foi incorporada à 1.ª divisão de Samara. O objetivo visado era não só conter a vitoriosa marcha das legiões tchecoslovacas, pelo sul, sobre Saratov e Tsaritsin, como também atalhar a ofensiva do exército branco, que ameaçava o leste pela parte da cidade de Uralsk. Em 20 de agosto iniciavam sua ofensiva os regimentos tchecoslovacos. As tropas vermelhas rechaçavam seus ataques com pé firme, mas as reiteradas cargas do adversário não cessavam. Por fim, os regimentos vermelhos, depois de haver sofrido perdas sensíveis, tiveram de bater em retirada, deixando ao inimigo, desta forma, caminho franco para Nikolaievsk. Os tchecoslovacos não demoraram em aproveitar esta vantagem e irromperam na cidade na tarde de 20 de agosto.
A tomada de Nikolaievsk constituía um êxito importante para as tropas tchecoslovacas, já que lhes abria caminho para Saratov. Era necessário expulsá-las de Nikolaievsk, custasse o que custasse. Mas, como? e o chefe da 1.ª Divisão de Samara deu ordem aos regimentos da Brigada Pugachov no sentido de lançar-se contra o adversário e atacá-lo de frente. A ordem punha a brigada em situação delicadíssima. Isso porque, no momento exato em que chegou a ordem, o regimento n.1, o "Emelian Pugachov", se achava empenhado em rude combate com um destacamento tchecoslovaco que se havia apoderado da encruzilhada sobre o rio Grande Irghiz e que se esforçava, partindo dessa posição, para estender a sua ofensiva. Se o regimento n.° 1 se decidisse a bater em retirada para cair sobre o inimigo, instalado em Nikolaievsk, os tchecoslovacos não deixariam de lançar-se em sua perseguição.
O camarada Pliassunkov, comandante do regimento, dava conta perfeitamente das conseqüências que adviriam uma retirada em semelhantes circunstâncias. Mas ordens são ordens, e o comandante não encontrava outra saída para a situação. Neste momento, Chapaev, que estava de licença e não comandava a brigada, chegou de troika ao lugar do combate. Vinha agitado e furioso: Nikolaievsk havia sido entregue ao inimigo; Chapaev não podia conformar-se ante o fato consumado. Concebeu um plano atrevido que, no caso de dar certo, não só permitiria a evacuação da cidade pelo inimigo como também significaria a sua completa derrota.
Chapaev ordenou ao comandante do regimento n. 1, o "Emelian Pugachov", que resistisse e se apoderasse a todo custo da encruzilhada sobre o Grande Irghiz, que os vermelhos haviam tido de abandonar. Ao mesmo tempo, enviou um assistente ao 2.° Regimento, o "Stepan Razin", com ordem de que mudasse a direção de sua marcha e colhesse de flanco o inimigo, enquanto o 1° Regimento o atacaria de frente no povoado de Tavolchanka.
Depois de haver firmado essa ordem, Chapaev transferiu-se, em companhia de Pliassunkov, para as primeiras linhas. A notícia de sua chegada já se havia estendido por todos os batalhões e companhias. Por todos os lugares ouviam-se exclamações de júbilo: "Chegou Chapaev! Esta aqui o comandante da brigada em pessoa! Andem com cuidado, tchecos!".
Chapaev tomou pessoalmente a direção do combate. Graças a uma carga audaz, o 1° Regimento apoderou-se do cruzamento sobre o Grande Irghiz, e lançou-se com brio impetuoso sobre Tavolchanka. O adversário, desconcertado com esse avanço brusco, lançou todas as suas forças contra o 1.° Regimento. Chapaev contava precisamente com isso.
A 21 de agosto, o 2.° Regimento, o "Stepan Razin", foi-se aproximando do exército inimigo sem que este o percebesse. Assim que Chapaev recebeu a notícia, deu ordem de atacar. Formaram-se as cadeias de atiradores; a artilharia inimiga reforçou seu fogo; as explosões dos projéteis sucediam-se sem parar e, com pequenos intervalos, ouvia-se o contínuo crepitar das metralhadoras. O adversário, que estava bem entrincheirado, rechaçava rapidamente todos os ataques sem suspeitar de que neste mesmo instante Chapaev realizava a operação de envolvimento em que breve o colheria.
Quando as linhas dos combatentes vermelhos chegaram às imediações das trincheiras do inimigo, ouviu-se às costas deste um nutridíssimo fogo de fuzilaria. A artilharia do adversário, que havia causado graves baixas às tropas vermelhas, emudeceu prontamente. Em vez de reforçar o fogo na frente, parte das metralhadoras das primeiras linhas foram desmontadas para ser enviadas à retaguarda. Nas ruas de Tavolchanka lançavam-se em todas as direções comboios do inimigo, procurando escapar. O 2.° regimento havia colhido de flanco os tchecoslovacos; a desordem e o pânico que reinavam em suas fileiras eram um testemunho evidente disso.
Foi nesse instante que Chapaev lançou ao ataque o 1.° Regimento. Apesar da desesperada resistência do adversário, que se havia dado conta de que já não podia safar-se do cerco em que fora colhido Chapaev derrotou completamente o inimigo e ocupou Tavolchanka ao cair da tarde. Sem se deter nesse ponto, deu ordem aos regimentos para que avançassem em direção a Nikolaievsk.
Ao escurecer, os dois regimentos haviam chegado ao povoado de Pusanicha, a uns tantos quilômetros da cidade. Foi preciso, no entanto, renunciar ao prosseguimento da marcha. O céu cobriu-se de nuvens e a escuridão se fez tão completa que os combatentes não podiam distinguir nem quem estava perto. Chapaev viu-se obrigado a suspender a marcha. Para passar o resto da noite, os combatentes instalaram-se em ambos os lados do caminho que haviam percorrido, embora sem romper as fileiras. Ao fim de alguns minutos da buliçosa animação que sempre acompanha um alto na marcha da tropa, fez-se silêncio, unicamente em direção ao sul, via-se o horizonte incendiar-se de relâmpagos longínquos ou de canhonaços.
Repentinamente, ouviu-se um ruído de cascos de cavalos que batiam na estrada e um chirriar de rodas. O comandante de um batalhão, querendo saber a causa do ruído, correu até o caminho e viu surgir na escuridão um carro, logo outro, depois um terceiro. Era um comboio que avançava tranqüilamente, estendendo-se pelo caminho em distância aproximada de um quilômetro. O comandante do batalhão acercou-se do primeiro carro! À pergunta que fez aos que o ocupavam, respondeu alguém, com voz áspera, estropiando o russo, que era coronel tchecoslovaco e que se dirigia a Nikolaievsk à frente de seu regimento.
O comandante do batalhão não ficou desconcertado com isso. Colocou-se em posição de sentido, levando a mão ao gorro, e declarou-se respeitosamente que ia informar, imediatamente, o seu chefe, coronel do destacamento de voluntários brancos, da chegada dos "aliados". Depois de ter enviado ao Estado-Maior do regimento um dos combatentes que o acompanhavam, pôs-se a tagarelar alegremente com o coronel tcheco, falando-lhe sobre fantásticas vitórias obtidas naquele mesmo dia contra Chapaev.
O aviso enviado ao Estado-Maior pôs em pé todo o mundo. Ainda não haviam transcorrido vinte minutos, quando várias peças de artilharia já estavam apontadas contra a coluna tchecoslovaca. Dois batalhões vermelhos, dispersando-se em cadeia de atiradores, aproximaram-se pé ante pé dos carros do comboio. No momento exato em que o comandante do batalhão recusava, movendo a cabeça, o cigarro que insistentemente lhe oferecia o coronel tcheco, um canhonaço rasgou as trevas, seguido de perto por salvas de fuzilaria.
O regimento tchecoslovaco ficou completamente aniquilado. Naquela mesma noite, os tchecoslovacos que ocupavam Nikolaievsk abandonaram a cidade, cheios de pânico.
A cada nova vitória de Chapaev, crescia sua fama. Aquele simples carpinteiro, aquele soldado quase analfabeto, levava a cabo grandes façanhas, formando regimentos vermelhos, derrotando tropas de generais do tsar, reforçando o Poder dos Soviets. Com uma audácia sem igual, sem poupar esforços nem fugir aos perigos, defendia as conquistas da grande Revolução de Outubro, lutava pela liberdade, pela independência e a felicidade de seu povo.
O nome de Chapaev havia-se tornado popular no Ural, em toda a margem esquerda cio Volga, nas estepes da região de Saratov, nos bosques de Tambov. Voluntários das cidades ribeirinhas do Volga, dos povoados modvos, das stanitzas dos cossacos, chegavam até Chapaev percorrendo a pé, às vezes, distâncias enormes. Russos e tártaros, jovens e velhos, todos se consideravam felizes por se bater sob as gloriosas bandeiras dos regimentos de Chapaev e por ter como chefe o próprio herói legendário.
A sua fama não lhe subia à cabeça. Conhecia muito bem seu forte, e ao mesmo tempo dava-se perfeita conta de seus defeitos e falhas. O que constituía o forte de Chapaev era seu ódio implacável e exaltado aos exploradores, assim como os laços íntimos que o ligavam ao seu povo, à sua classe. Isto lhe permitiu pôr-se à frente dos operários, dos trabalhadores em geral, inspirar-lhes fé na vitória definitiva, sugerir-lhes o desejo de atos heróicos, inclusive de uma morte gloriosa. Seu lado fraco era a falia de educação e de instrução, coisa que ele mesmo reconhecia. Sentia sede de instrução e empregava todos os momentos livres para ler, sem abandonar a idéia de procurar uma educação sistemática.
— O que sei eu? — costumava dizer com tristeza aos seus companheiros de armas mais íntimos. Quase nada! Quando, por casualidade, tenho de pegar na pena, é como se tivesse de manobrar com uma pedra, e as minhas ordens-do-dia, posso dizê-lo sem vaidade, qualquer pessoa entenderia às mil maravilhas. Jamais estudei qualquer ciência. Nem é preciso dizer que irei à escola quando acabarmos com estes infames guardas brancos. Aprender faz-me muita falta!
No Exército Vermelho havia um grande número de comandantes de mérito que, como Chapaev, não tinham nenhuma instrução, nem geral nem especial, sobre a arte da guerra. O Partido Comunista e Governo Soviético, que apreciavam altamente os dotes desses comandantes, decidiram criar um estabelecimento de ensino militar superior no qual os chefes e os comandantes das divisões do Exército Vermelho pudessem receber uma instrução especial e completar seus conhecimentos. A despeito da agressão, cada vez mais forte, dos intervencionistas e dos inimigos do Poder Soviético, apesar da fome e da desordem que reinava no país, organizou-se esse estabelecimento — a Academia de Estado-Maior. Os melhores comandantes do Exército Vermelho, entre eles Vassili Chapaev, foram chamados à Academia para seguir os cursos. Em novembro de 1918 Chapaev seguiu para Moscou. Antes da partida fez uma visita aos regimentos que comandava e despediu-se dos soldados e dos comandantes quase com lágrimas nos olhos; não tinha vontade alguma de deixá-los. Custava-lhe separar-se de seus camaradas com quem tantas campanhas gloriosas havia realizado; não queria abandonar seus regimentos, onde cada um dos homens lhe era perfeitamente conhecido, com quem estava acostumado a compartilhar todas as alegrias e todos os dissabores de sua vida guerreira.
— Tentarei, tratarei de instruir-me; depois, veremos como vai ser. — dizia, em tom pouco seguro, aos camaradas que haviam chegado para desejar-lhe feliz viagem.
Todavia, Chapaev não era homem para se pôr a estudar pacientemente manuais de tática e estratégia quando o fogo da guerra civil se propagava por todo o país. Desde os primeiros dias de sua estada em Moscou começou a sentir saudade das estepes do Ural, da vida de campanha. Enquanto estava sentado diante de sua carteira, na sala de conferências, seu pensamento o levava para muito longe, para ali onde se decidia, então, o destino da Rússia Soviética. Deu todos os passos possíveis para voltar à frente. Por fim, em fevereiro de 1919, depois de três meses de estudo na Academia, conseguiu a tão desejada autorização e partiu para a frente.
Naquela época, a frente leste havia chegado a ser uma das mais importantes, da qual dependia o desenlace da guerra civil. Para essa frente o Governo enviou Frunse, nomeado comandante em chefe do 4.° Exército Vermelho.
Chapaev chegou a Samara em meados de fevereiro e apresentou-se imediatamente ao Estado-Maior do 4.° Exército. Frunse recebeu-o com alegria.
Algumas unidades do 4.° Exército acabavam de tomar Uralsk, centro dos cossacos brancos, e avançavam sobre Lbichtchensk. Frunse assinalou-lhes o objetivo seguinte: completar o cerco do exército branco de Uralsk, e destruí-lo definitivamente. A execução dessa empresa havia-se atrasado um tanto devido a operações pouco felizes da Brigada Alexandrov, comandada por um antigo coronel do exército tsarista. Frunse nomeou Chapaev comandante dessa brigada.
— Deves incutir na brigada o espírito guerreiro de que estão imbuídos todos os regimentos, Chapaev. — disse-lhe Frunse. Encarrego-te de uma empresa de grande responsabilidade: ocupar a stanitza Slomichinskaia e continuar a ofensiva em direção a Lbichtchensk. É preciso aniquilar o exército cossaco.
— Às suas ordens! Farei o que me determina. — respondeu Chapaev.
A Brigada Alexandrov-Gai compunha-se de dois regimentos de infantaria, não contava com cavalaria, e o número de peças de artilharia e de metralhadoras era insuficiente. Depois de haver assumido o comando da brigada, Chapaev em primeiro lugar tomou informações sobre os comandantes e os combatentes e depois completou os efetivos dos batalhões e companhias, formou um regimento de cavalaria e reforçou o armamento da brigada.
Também do ponto-de-vista da educação política dos soldados, levou a cabo um grande trabalho. A esse respeito coube um papel particularmente importante a Dmitri Furmanov, escritor bolchevique que mais tarde escreveu várias obras notáveis sobre a guerra civil, traçando nelas o retrato de Chapaev. Antes de seguir para a frente leste, Furmanov havia trabalhado como propagandista entre os tecelões de Ivanovo-Vosnesensk. Enviado para a frente com eles, foi designado para um dos postos mais importantes do exército: o de comissário militar da Brigada Alexandrov-Gai. Laços de uma sincera amizade uniram bem depressa o herói popular Chapaev e o escritor soviético Furmanov.
Graças ao trabalho levado a efeito por esses dois homens, a capacidade combativa da brigada aumentou de maneira enorme em pouquíssimo tempo. Em 15 de março de 1919, a brigada passou à ofensiva e se apoderou de uma só vez da stanitza Slomichinskaia. A tomada dessa aldeia foi desastrosa para a situação do adversário. O exército cossaco de Uralsk viu-se ameaçado de ficar irrediavelmente perdido. Estava desmoralizado; freqüentemente se dava o caso de grupos de cossacos prenderem seus oficiais, e de destacamentos inteiros se passarem para o lado dos vermelhos. A contra-revolução estava a ponto de depor as armas no Ural. Porém, nesse mesmo momento, recebeu de Kolchak, que havia formado um poderoso exército com a ajuda direta dos "aliados", o apoio de que necessitava. Kolchak desviou para si a atenção da Rússia Soviética, permitindo assim um modo de evitar aniquilamento total dos cossacos brancos da região de Uralsk, que puderam refazer-se de suas derrotas e assestar à traição, mais tarde, novos golpes contra a jovem República dos Soviets.
Depois de haver reunido suas forças em um só grupo de choque, Kolchak empreendeu uma enérgica ofensiva em uma frente de grande extensão. Tomou a cidade de Ufa. Os regimentos de Kolchak ameaçavam Kasan, Simbirsk e Samara. Um exército de trezentos mil homens, quebrando a resistência das tropas vermelhas, se dispunha a fazê-las recuar até o Volga. No Sul, Denikin apoderava-se da bacia carbonífera do Donetz. Yudenich reunia suas forças para lançá-las sobre Petrogrado. Era um momento crítico e decisivo para os destinos da Rússia Soviética, para a revolução socialista.
Compreendendo claramente a ameaça que constituía a ofensiva de Kolchak, Lênin escrevia naquela ocasião que, se o Exército Vermelho não conseguisse apoderar-se do Ural antes do inverno, a causa da revolução estaria perdida.
O Partido e a classe operária apelaram para todas as forças disponíveis, para a sua vontade de vencer, a fim de conter a temível ofensiva das numerosas tropas de Kolchak. Regimentos operários inteiros eram lançados a toda pressa contra essa frente. Dia e noite, unidades do Exército Vermelho, trens carregados de cartuchos, de projéteis munições de guerra, seguiam em direção ao leste.
Kolchak propunha-se a dar o golpe decisivo tomando como base a região de Burguruslan. Ali estava concentrado o exército do general Janchin, e que tinha o nome de Exército do Oeste. Compunha-se esse exército de tropas escolhidas: a brigada de Ichevsk, o corpo comandado pelo general Kappel e umas outras tantas formações. Essas tropas tinham como objetivo apoderar-se de Busuluk, e de Samara.
Frunse, nomeado comandante-chefe dos exércitos do grupo meridional da frente Leste, apercebeu-se rapidamente das verdadeiras intenções de Kolchak. Lançou ao seu encontro suas melhores divisões entre elas a famosa 25.ª, comandada por Chapaev. A essa Divisão coube a glória de assestar um golpe decisivo à frente de Kolchak destroçá-la e mudar, com a ajuda das demais divisões, sua marcha vitoriosa em uma retirada que nada pôde conter. Os combates decisivos realizaram-se em fins de abril de 1919. A 20 de abril, o 6.° corpo de guardas brancos avançou até à cidade de Busuluk. Mas ali estavam os regimentos da 25.ª Divisão, de Chapaev, dispostos a opor-lhe uma resistência a toda prova. O combate durou oito dias. Os brancos lançavam um ataque atrás do outro, com extraordinária tenacidade. A divisão Chapaev rechaçava-os uma vez após outra e se precipitava, por seu lado, ao encontro do inimigo, baioneta calada. Um só pensamento se havia apoderado dos comandantes e dos combatentes vermelhos: executar, custasse o que custasse, a ordem de Lênin e Stálin — não deixar que os brancos chegassem às margens do Volga.
A ofensiva geral começou a 28 de abril, ao amanhecer. As cerradas fileiras dos vermelhos carregaram impetuosamente sobre o inimigo, apesar do mortífero fogo das metralhadoras e dos canhões. Os soldados de Kolchak resistiram até ao meio-dia. Até às duas da tarde, a ala esquerda do adversário foi desbaratada. As desesperadas tentativas dos brancos para conter os heróicos combatentes vermelhos foram infrutíferas: os homens de Chapaev varreram literalmente o inimigo das posições que ocupavam.
Com o objetivo de aniquilar o Exército do Oeste do general Janchin, Frunse fez com que a 25.ª Divisão, de Chapaev, avançasse sobre Bugulma. Neste ponto desenvolveu-se a operação a que se deu o nome operação de Bugulma, que levou o Exército de Oeste a um aniquilamento quase total. Os restos desse exército tornaram a passar pelo rio Bielaia, nas imediações de Ufa. Essa cidade era a última trincheira de Kolchak, que dava um valor primordial à posse de Ufa e de Bielaia. Os brancos haviam concentrado nessa parte todas as forças de que dispunham. A margem esquerda do Bielaia havia sido fortificada por eles e tinham ocupado posições particularmente poderosas ao norte de Ufa, perto de Krasni Yar.
Frunse deu ordem para que se tomasse Ufa. Os combates pelo cruzamento do rio começaram sob sua direção pessoal. Apesar da obstinada resistência dos brancos, as tropas de Chapaev cruzaram o Bielaia. Durante o combate às margens do rio, Frunse e Chapaev agüentaram o fogo de aviões brancos e ambos ficaram feridos.
Os brancos não desesperavam de poder defender a cidade de Ufa. Com grande segredo, fizeram chegar até à cidade batalhões selecionados compostos de oficiais. Esses batalhões deviam lançar-se de improviso, ao amanhecer de 9 de junho, contra os regimentos de Chapaev, envolvê-los e obrigá-los a precipitar-se no rio. O plano constituía uma séria ameaça. Se as tropas de Kolchak lograssem realizá-lo, a Divisão de Chapaev correria o perigo de sofrer perdas enormes e, em todo o caso, ver-se-ia na impossibilidade de executar a ordem de Frunse referente à tomada de Ufa. Nada disto chegou a ocorrer, contudo, graças a um operário mobilizado pelos brancos, cujo nome se perdeu no anonimato. Esse operário conseguiu sair da cidade de Ufa, expondo sua vida, e avisou o comandante vermelho sobre as intenções do adversário. Em conseqüência, disso, as tropas vermelhas prepararam-se para receber o inimigo como ele merecia.
Estava prestes a acabar a noite. Às quatro e meia da madrugada, as sentinelas anunciaram que alguns batalhões brancos avançavam, partindo do povoado de Stepanov. Esses batalhões de oficiais iam em perfeita ordem, em colunas, conservando intervalos regulares entre as companhias e os pelotões. Avançavam em completo silêncio, sem que se ouvisse o menor ruído de armas, com a esperança de cair de repente sobre os vermelhos e vará-los a baioneta quando estivessem nas trincheiras. Sobre as colunas ondeavam algumas bandeiras. Os homens de Chapaev aguardavam o inimigo com mal contida emoção. Na madrugada cinzenta já podiam distinguir-se as primeiras fileiras de oficiais e cadetes das academias militares, vestidos com seus mais formosos uniformes negros e ostentando ao peito cruzes de São Jorge. Cada vez se aproximavam mais das trincheiras. As colunas negras, sem querer, aceleravam o passo. Restavam-lhes apenas algumas centenas de metros a percorrer. Foi nesse momento que as metralhadoras da divisão Chapaev abriram um fogo mortífero.
As primeiras fileiras dos batalhões de oficiais caíram como que ceifadas. As demais lançaram-se adiante; mas a barreira de fogo era intransponível. Presas do pânico, os brancos empreenderam a fuga. Mas era demasiado tarde: em meia hora toda a planície cobriu-se de cadáveres e de feridos.
No mesmo dia, às cinco da tarde, entraram em Ufa os regimentos da 25.ª Divisão, a de Chapaev, acolhidos pelos gritos de entusiasmo dos operários e trabalhadores.
Quando a 25.ª Divisão se dirigiu a Samara, ficou na frente Uralsk apenas a 22.ª Divisão de Infantaria. Sabedores de que já não estava ali o invencível Chapaev, os cossacos brancos voltaram a ter ânimo. Formaram novos corpos de tropas e a 24 de abril de 1919 cercaram a cidade de Uralsk.
O 4.° Exército havia procurado reiteradamente repeli-los, Sem consegui-lo. Os cossacos continuavam cercando Uralsk e também se tinham dirigido para o oeste, o que constituía uma ameaça para as cidade de Samara e Saratov. A posição de Uralsk tornava-se dia a dia mais precária. Começavam a faltar víveres e se esgotavam as reservas de munição. As febres tifóides faziam estragos na cidade. Os cossacos propunham descaradamente aos defensores da cidade que depusessem as armas e se rendessem aos vencedores.
A heróica luta dos sitiados de Uralsk foi seguida com a maior atenção por Chapaev e Frunse, e pelo próprio Lênin. Este, depois da derrota de Kolchak, dirigiu a Frunse o seguinte telegrama:
"Encareço-lhe transmitir aos heróis da defesa da cidade de Uralsk, sitiados há cinqüenta dias, o meu pedido de que não percam o ânimo e resistam umas tantas semanas mais.".
Esse telegrama foi expedido a 16 de junho. No mesmo dia, Frunse decidiu enviar a 25.ª Divisão para a frente de Uralsk, dando a Chapaev a ordem de fazer levantar o cerco da cidade no máximo até 12 de julho. Chapaev consagrou-se com o ardor que lhe era habitual à execução dessa tarefa.
A 2 de julho, os efetivos comandados por ele puseram-se em marcha em direção a Uralsk. A chegada da 25.ª Divisão a essa frente levou o pânico às fileiras dos cossacos brancos. Sem sequer apresentar resistência, começaram a retirar-se até às stanitzas de Griasnaia, Sobolovskaia e Osernaia, contando travar ali um combate decisivo. Concentraram em outros pontos todo um corpo de cavalaria e a 7 de julho atacaram a 25.ª Divisão. O corpo de cavalaria sofreu uma derrota completa; os cossacos tiveram que fugir em direção ao sul, até Uralsk. A 11 de julho as tropas de Chapaev puderam ver no horizonte os telhados das casas de Uralsk e a 12 de julho, ao cair da tarde, exatamente dentro do prazo determinado por Frunse, fizeram sua entrada na cidade.
Grande foi o júbilo com que receberam o seu libertador, Chapaev, o chefe da legendária 25.ª Divisão, os trabalhadores de Uralsk e os combatentes da 22.ª Divisão de atiradores. As ruas estavam enfeitadas com bandeiras vermelhas, como em dia de festa; multidões de trabalhadores grandes e pequenos, aclamavam com entusiasmo Chapaev, que fez sua entrada na cidade num carro, levando ao seu lado o comissário da Divisão, Furmanov.
Depois de haver obrigado o inimigo a levantar o cerco de Uralsk, Chapaev prosseguiu sua marcha até o sul, conforme a ordem que havia recebido de Frunse. Os cossacos faziam todo o possível para impedir que regimentos de Chapaev avançassem. Assaltavam-nos de manhã à noite, com a esperança de esgotar as suas forças. Todas as stanitzas que os homens de Chapaev encontravam à sua passagem estavam convertidas em verdadeiras fortalezas. Em todos os terrenos que alcançavam em sua retirada, os cossacos incendiavam a erva das estepes para deixar sem forragem os cavalos da Divisão de Chapaev. Não havia, contudo nada que pudesse travar a marcha dos combatentes vermelhos. A despeito do calor tórrido, da ausência de comboios, que, todavia, estavam chegando por via férrea à região de Ufa, apesar da encarniçada resistência dos cossacos brancos, Chapaev apoderou-se de Lbichtchensk e das stanitzas Goriatchinskaia, Mergueneskaia e Sajarkaia. Unicamente depois disso decidiu deter-se e conceder algum tempo de descanso a suas tropas.
Os generais cossacos, a quem Chapaev infligia derrota sobre derrota, decidiram que era preciso desfazer-se dele por qualquer meio. Mais de uma vez haviam enviado assassinos ao acampamento dos vermelhos; mas os amigos e os combatentes de Chapaev velavam cuidadosamente pela segurança de seu chefe. Os cossacos brancos conseguiram por fim encontrar uns traidores entre os companheiros de armas de Chapaev. Eram uns aviadores da esquadrilha de aviões, agregados ao Estado-Maior da 25.ª Divisão. Com a ajuda imediata desses traidores, os cossacos conceberam um plano de incursão contra Lbichtchensk, onde se encontrava o Estado-Maior da 25.ª Divisão. A operação teria de ser executada pelo corpo de cavalaria do general Sladkov, que se pôs em marcha a 2 de setembro, seguindo o vale do rio Kuchum. Tinha que se aproximar de Lbichtchensk sem ser notado e atacar a cidade na noite de 5 de setembro.
No dia 4 desse mês Chapaev saiu da cidade para passar revista a algumas de suas tropas que estavam acantonadas nas aldeias vizinhas. Voltou a Libichtchensk à noite. Durante a sua ausência, o camarada Novíkov, chefe de seu Estado-Maior, havia interrogado alguns furriéis que haviam saído durante o dia para as estepes, para recolher feno. Os furriéis disseram que a uns vinte quilômetros de Lbichtchensk haviam sido atacados pelos cossacos, que lhes haviam tomado vinte carros, levando-os em direção ao Rio Kuchum. O chefe do Estado-Maior exigiu imediatamente que lhe trouxessem as observações recolhidas pelos aviões de reconhecimento. Mas todos os informes destes atestavam, unânimes, que em nenhuma parte haviam sido visto cossacos brancos.
O chefe do Estado-Maior deduziu daí que os furriéis haviam sido atacados por algum pequeno bando de cossacos. Contudo, assim que Chapaev regressou lhe deu conta imediatamente do que lhe haviam contado os furriéis.
Chapaev escutou em silêncio o informe do chefe do Estado-Maior.
— Eram muitos os cossacos? — perguntou quando o chefe terminou o seu relato
— Segundo os furriéis, não seriam mais de cem. — respondeu, Novíkov.
— Em que direção levaram os carros?
— Dizem que em direção ao rio Kuchum. O bando acampa, segundo parece, nos juncais da ribeira.
Chapaev ficou pensativo. Olhou fixamente o rosto, de traços cansados, de seu chefe do Estado-Maior.
— E que dizem os aviadores? Voaram sobre o Kuchum?
— Em todos esses últimos dias fizeram vôos de reconhecimento pela manhã e à tarde. Se os brancos quisessem colher-nos de flanco, haveriam sido descobertos infalivelmente. Não há maneira de esconder-se na estepe nem nas tamargas; só um pelotão pode encontrar modo de dissimular sua presença.
— Exato! — assentiu Chapaev, levantando-se e acariciando o bigode com um gesto que lhe era familiar. Além do mais, não se atreveriam a atacar Lbichtchensk... A esta altura seria a morte para eles.
Despediu o chefe do Estado-Maior e depois de haver estendido um mapa sobre a mesa, inclinou-se sobre ele e mergulhou em pensamentos.
Pouco a pouco a noite invadia a cidade. O rodar dos últimos carros ressoava nas ruas. Nas margens do Ural, onde se reuniam moças e rapazes combatentes do Exército Vermelho, haviam terminado as últimas canções. Apagaram-se as luzes que iluminavam as janelas do Estado-Maior. Pelas ruas passaram algumas patrulhas. As sentinelas ocuparam seus postos nas barreiras. A cidade submergiu no sono.
Mas, nisto, desenharam-se na escuridão as silhuetas de uns quantos ginetes. Saíram com extrema cautela de um barranco e, avançando pé ante pé, dispersaram-se pelas ruas escuras. Outros grupos de cavaleiros apareceram atrás deles. Imediatamente se ouviram, mesmo no centro de Lbitchensk, detonações de bombas de mão e gritos. O crepitar das metralhadoras ressoou, ao mesmo tempo, nos arrabaldes, nas cercanias das barreiras. A cidade despertou, sobressaltada.
Chapaev saltou da cama e abriu a janela. Viu uns cossacos que galopavam a toda pela rua, com o sabre desabainhado. Na casa defronte ao Estado-Maior dois combatentes vermelhos se esforçavam para carregar uma metralhadora, sem fazer caso dos sabres que os cossacos brandiam sobre suas cabeças. Na esquina da rua um comandante, inclinado contra a fachada de uma casa, fazia fogo até esgotar as balas do revólver. O resplendor de um incêndio que irrompera em um dos arrabaldes refletia-se no céu fosco.
Chapev, depois de haver despertado seu ordenança, Piotr Isaiev, que dormia na habitação contígua, apanhou seu revólver, sem tirá-lo do coldre, e, saltando pela janela ao pátio, correu a toda velocidade até a praça da catedral, onde deviam reunir-se todos os combatentes em caso de alarma.
Na praça o combate estava no apogeu. Os alunos da escola da Divisão, os membros da secção política desta e parte dos furriéis haviam se reunido ali. Formando uma cadeia, tinham arremetido com seus tiros pelas ruas adjacentes, por onde chegavam, a galope, os cossacos, lançando gritos penetrantes.
Chapaev, seguido de seu ordenança, Isaiev, colocou-se ao pé de uma metralhadora e, quando a massa de cossacos apareceu de novo na praça, rompeu fogo. Os cossacos se dispersaram. Mas os vermelhos apenas haviam rechaçado um ataque: o inimigo lançou-se outra vez sobre eles. Iam apertando cada vez mais o cerco em torno dos vermelhos. Todas as saídas da praça estavam cortadas. Os homens de Chapaev encontravam-se sob o fogo mortífero dos inimigos, que não só disparavam das ruas como também dos pátios e das janelas das casas.
Clareava o dia. O crepitar das metralhadoras cossacas fazia-se cada vez mais forte e não tardou a unir-se a ele o troar das peças de artilharia. Os homens de Chapaev caíam ao seu lado em número cada vez maior. O próprio Chapaev estava ferido: um de seus braços estava dependurado, inerte, estraçalhado por um balaço. Os sobreviventes já não podiam conter o arranco dos cossacos. Chapaev, diante disso, ordenou-lhes que abrissem passagem em direção à margem do Ural e que tratassem de cruzar o rio a nado. Abriram caminho até o rio com a ajuda das baionetas e empregando granadas de mão. Os comandantes e os combatentes pediam a Chapaev que tratasse de pôr-se a salvo.
— Escapem vocês. Metam-se n'água e ponham-se a nadar! — respondia-lhes.
Porém bem cedo perdeu o conhecimento e caiu nos braços de Piotr Isaiev, seu fiel companheiro de armas. Com a ajuda de alguns combatentes, Piotr seguiu com cuidado pela ribanceira do rio, levando nos braços o seu inanimado chefe.
A água fria fez voltar o conhecimento a Chapaev. Apertando os lábios, devido a dor, tentou nadar, valendo-se de seu único braço útil. Avançava lentamente até à margem oposta. Um esforço mais!... Mas nesse momento uma bala inimiga acertou-lhe a cabeça e Chapaev desapareceu sob as águas.
Isaiev, que havia ficado na margem abandonada pelos demais combatentes, para tratar de conter os cossacos, apanhou o revólver, levou-o à cabeça e, sem tirar os olhos dos inimigos que se aproximavam, apertou o gatilho.
Lbichtchensk voltou a encontrar-se em poder dos cossacos brancos. Exasperados nela resistência com que tinham tropeçado, dedicaram-se a descarregar seu ódio sobre os combatentes vermelhos que haviam caído em suas mãos. Punham os prisioneiros em várias fileiras e os fuzilavam a queima-roupa com as metralhadoras. Matavam os feridos a golpes de culatra e sabres ou então pisados, simplesmente, pelas botas dos cossacos.
Naquele mesmo dia, as unidades da 25.ª Divisão, acantonadas fora da cidade de Lbichtchenk, acudiram em auxílio de Chapaev. Depois de haver percorrido uma distância de 70 quilômetros, lançaram-se ao assalto da cidade, ao cair da tarde, mas foram rechaçados pelos brancos.
O ataque se repetiu na manhã seguinte e os combatentes vermelhos depois de um combate encarniçado, tomaram de assalto Lbichtchensk.
Todos os combatentes tinham um só pensamento: encontrar Chapaev. Fizeram buscas por toda a cidade, examinaram os mortos para ver se entre eles encontravam seu chefe. Mas todas as pesquisas for baldadas: o chefe da 25.ª Divisão havia perecido.
Milhares de operários e trabalhadores de Pugachov, Uralsk, Saratov, Samara e outras cidades e povoados conheciam Chapaev e haviam lutado sob sua bandeira. Sua morte lhes trouxe uma indizível tristeza O povo não queria acreditar na perda de seu herói, não queria admitir esse pensamento. E então nasceu uma lenda, no seio do povo, segundo a qual Chapaev não havia morrido, mas escapado, cruzando a nado o Ural.
O nome de Chapaev converteu-se em objeto de legítimo orgulho para os povos soviéticos. A 25.ª Divisão leva esse nome glorioso; recordam-no cidades e povoados, fábricas e kolkhozes. O povo, agradecido, levantou monumentos a Chapaev. A glória de Chapaev converteu-se em glória de toda a União Soviética.
Notas de rodapé:
(1) ísba — Choça dos camponeses russos. (retornar ao texto)
(2) Stanitzas — Aldeias de cossacos. (retornar ao texto)
(3)Troika — Trenó puxado por três cavalos. (retornar ao texto)
Inclusão | 29/04/2011 |