As Frações e a Quarta  Internacional

Leon Trotsky

1935


Fonte: TROTSKY, Leon. Escritos de Leon Trotsky (1929-1940). Tomo VII. Volume 1. Bogotá: Editorial Pluma, 1979. pp. 276-284.
HTML de: Fernando A. S. Araújo, dezembro 2008.
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O trabalho de construção da Quarta Internacional já se desenvolve sobre bases significativamente mais amplas do que as da construção da Fração Bolchevique-Leninista. Grupos das mais diversas origens começaram a bater às portas da Quarta Internacional, sob o impulso da decadência do reformismo e do stalinismo, o perigo de guerra iminente e a intensificação da luta de classes.

Não nos cabe a menor dúvida de que a Quarta Internacional não permitirá que ninguém tome superficialmente nossos princípios ou nossa disciplina. Mas não podemos decretar a priori qual será o conteúdo desta disciplina: temos que forja-la na luta coletiva. Devemos nos guiar pelas experiências – meditadas com cuidado e examinadas criticamente – da abrumadora maioria dos participantes. Neste marco, deve considerar-se que a adesão do grupo [belga] Espartaco à Quarta Internacional é um fato positivo. Apresenta-se a este grupo uma oportunidade para evitar as armadilhas do sectarismo. Por sua vez, isto nos permite ganhar novamente operários abnegados e não corrompidos.

Agora, que se esta formando uma nova internacional, a questão das frações no partido revolucionário adquire enorme importância. Mas esta é justamente a questão que provocou tantos problemas e desmoralização na Terceira Internacional em seus anos de maior prestígio.

A Terceira Internacional proibiu as frações alegando que esta proibição coincide com a tradição bolchevique. É difícil imaginar pior calunia à história bolchevique. É certo que o décimo Congresso do Partido, em março de 1921, proibiu as frações por resolução especial. O próprio fato de que fosse necessário aprovar semelhante resolução demonstra que em todo o período anterior – vale dizer, os dezessete anos em que o bolchevismo surgiu, cresceu, se fortaleceu e conquistou o poder – as frações formavam parte legítima da vida partidária, o que se refletia na prática.

No Congresso partidário de Estocolmo (1906), onde se reunificaram as frações bolchevique e menchevique, os bolcheviques estavam divididos em duas frações, que desenvolveram uma batalha franca dentro do próprio Congresso em torno de uma questão de grande importância: o programa agrário. A maioria dos bolcheviques, dirigida por Lenin, havia se pronunciado pela nacionalização da terra. Stalin, que falou no Congresso sob o nome de Ivanovich, pertencia a um grupo pequeno de auto-intitulados “particionistas”, que defendiam a imediata distribuição da terra aos pequenos proprietários. Dessa maneira, limitavam a revolução de antemão à perspectiva camponesa-capitalista.

Em 1907, travou-se uma grande luta fracional em torno do boicote à Terceira Duma [parlamento]. Posteriormente, os partidários do boicote se alinharam em duas frações que nos anos seguintes combateram sem piedade a fração de Lenin, não somente dentro do partido “unificado”, mas também dentro da fração bolchevique. O bolchevismo intensificou a luta contra o liquidacionismo, o que mais adiante redundou na formação de uma fração conciliadora em seu seio, a qual pertenceram importantes militantes bolcheviques da época: Rikov, Dubrovinski, Stalin e outros. A luta contra os conciliadores prosseguiu até o início da guerra.

Em agosto de 1914, iniciou-se um reagrupamento na fração bolchevique em torno à atitude em relação a guerra e à Segunda Internacional. Ao mesmo tempo, formava-se uma fração de adversários da autodeterminação nacional (Bukarin, Piatakov e outros).

Todos já conhecem a aguda luta fracional que se travou dentro da fração bolchevique no primeiro período depois da revolução de fevereiro e nas vésperas da revolução de outubro (ver, por exemplo, “História da Revolução Russa” de Leon Trotsky).

Depois da tomada do poder, ocorreu uma grave luta fracional em torno da Paz de Brest-Litovsk. Formou-se uma fração de comunistas de esquerda, que publicava sua própria imprensa (Bukarin, Iaroslavski e outros). Posteriormente, apareceram as frações Centralismo Democrático e Oposição Operária. Somente no Décimo Congresso do Partido, reunido em meio do bloqueio e da fome extrema, do descontentamento crescente dos camponeses e das primeiras etapas da NEP – que haviam dado rédea solta às tendências pequeno-burguesas – se estudou a possibilidade de recorrer a uma medida tão excepcional como a proibição de frações. Pode-se considerar que essa resolução do Décimo Congresso obedeceu a uma necessidade grave. Porém, os acontecimentos posteriores deixam absolutamente claro que a proibição das frações significou o fim do período heróico da história bolchevique e abriu caminho para sua degeneração burocrática.

A partir de 1923, os epígonos estenderam a proibição e a supressão da luta fracional no partido dominante na URSS às jovens seções da Terceira Internacional, condenando-as à degeneração antes que tivessem tempo de crescer e desenvolver-se.

Isto significa que o partido revolucionário do proletariado pode ou deve representar uma somatória de frações? Para clarear melhor esta questão, tomaremos com exemplo o Partido Socialista Francês, cujos estatutos legalizam as frações e introduzem o princípio da representação proporcional em todas as eleições partidárias. Neste sentido, durante muito tempo, e não sem êxito, a seção francesa da Segunda Internacional apresentou-se como a expressão mais pura de “democracia partidária”. E formalmente é, ou melhor dito, era. Mas, assim como a democracia pura da sociedade burguesa encobre o domínio real do setor mais alto de proprietários, a democracia ideal da Segunda Internacional oculta o domínio de uma fração extra-oficial, mas poderosa: a dos oportunistas municipais e parlamentares. Esta fração, ao mesmo tempo em que se prende solidamente ao aparato, permite à ala esquerda pronunciar discursos de tom muito revolucionário. Mas, quando a autêntica fração marxista – para a qual a palavra e o fato caminham lado a lado – começa a denunciar a hipocrisia da democracia partidária, a fração do aparato implementa rapidamente a expulsão.

Dado que os bolcheviques não ingressaram ao partido reformista para adaptar-se ao mesmo, mas sim para combate-lo, o choque com a fração dominante estava pré-determinado. O perigo de guerra iminente e o giro social-patriota da Terceira Internacional aceleraram o conflito e o investiram de excepcional gravidade desde seu começo. Se os social-patriotas expulsam os revolucionários e não vice-versa, é culpa integralmente da relação de forças: sobre isto ninguém faz a menor ilusão. O entrismo no partido Socialista nos permitiu considerar algo, mas de nenhuma maneira tudo. Graças a ele, nossa seção francesa tem podido estender sua influência de maneira considerável. A luta entre o internacionalismo e o social-patriotismo ficou delineada com notável clareza. Com respeito aos balanços organizativos, todavia não tem chegado o momento de elaborá-los: a luta no Partido Socialista Francês está distante do fim.

Existem certos indivíduos sagazes (muitos deles se opuseram anteriormente ao entrismo) que dizem: os bolcheviques-leninistas têm uma política demasiado temerária no Partido Socialista, por exemplo, quando chamam a formar a Quarta Internacional, etc... Não é raro encontrar essa visão errônea em política. O êxito é tão sedutor que um desejaria que pudesse desenvolver-se de forma ininterrupta. Em épocas como as atuais, é fácil perder de vista o fato de que no mundo possa existir um adversário com olhos e ouvidos. Somente um imbecil sem remédio pode acreditar que o chamado pela Quarta Internacional assuste a Blum e companhia. É totalmente absurdo! Foram o perigo de guerra iminente e a traição descarada da Terceira Internacional, ao fortalecer enormemente ao social-patriotismo, ao menos durante o período próximo, os fatores que obrigaram a Léon Blum e companhia a lançarem-se à ofensiva. Acreditar que tal ou qual expressão “carente de tato” – inevitáveis ao calor da luta – poderia desempenhar um papel importante na expulsão, significa uma atitude excessivamente superficial e irresponsável na avaliação do inimigo.

Se a camarilha dirigente, desafiando o mito tradicional da democracia, deliberou pela expulsão, deve ter obedecido a razões graves e apressadas. Não é difícil encontrar uma desculpa: Blum, e não somente Mussolini, sempre possuem um Wal-Wal para casos de emergência.

Não basta estudar as últimas experiências do Partido Socialista Francês para comprovar, com precisão, porque o partido não pode ser mero somatório das frações. Um partido somente pode tolerar as frações que não perseguem objetivos diretamente contrapostos aos seus. Enquanto a esquerda tradicional do Partido Socialista Francês dedicou-se a perder tempo, foi tolerada. Mais ainda: foi encorajada. Blum sempre se referiu a esse revolucionário de segunda, Zyromsky, como “meu amigo”. Esse título, aplicado também a Frossard, significava: essa pessoa era necessária porque encobria a camarilha dominante, seja desde a esquerda ou desde a direita. Mas os leninistas – para os quais não existe contradição entre a palavra e o fato – eram algo que a democracia do partido social-patriota não podia tolerar.

O partido revolucionário apresenta um programa e táticas definidas. Isto impõe de antemão limites determinados e muito claros em relação à luta interna das tendências e agrupamentos. Depois da destruição da Segunda e Terceira Internacionais, esses alinhamentos assumem um caráter especialmente gráfico e determinado. O mero fato de pertencer à Quarta Internacional deve depender necessariamente do cumprimento de um conjunto de restrições que refletem todas as experiências dos anteriores movimentos da classe trabalhadora. Mas o fato de que as limitações à luta ideológica interna se estabeleçam a priori de nenhuma maneira nega a luta em si, dentro do marco dos princípios gerais. É inevitável. Caso se mantenha dentro dos limites assinalados, é frutífera. Todavia, o conteúdo fundamental da vida partidária não reside na discussão, mas sim na luta. Se as discussões intermináveis alimentam mais discussões intermináveis, o único resultado é a decadência e a desintegração. Mas se a discussão está enraizada na luta coletiva, submetendo-a à crítica e preparando suas novas etapas, a discussão é um elemento indispensável para o desenvolvimento.

A discussão de problemas graves não se concebe sem a formação de agrupamentos. Mas em circunstância normais, estes se dissolvem posteriormente no organismo partidário, sobretudo porque as novas experiências constituem a melhor prova nos casos em que existem diferenças políticas. Quando os grupos se convertem em frações permanentes, este fato constitui um sintoma alarmante de que ou as tendências em luta são absolutamente irreconciliáveis, ou que o partido em seu conjunto se encontra em um ponto morto. Esta situação não se pode evitar simplesmente mediante a proibição de formar frações. Combater o sintoma não significa curar a enfermidade. Somente uma política correta e uma estrutura e métodos organizativos internos bons podem impedir que os agrupamentos temporários se transformem em frações ossificadas.

A saúde do regime depende em grande medida da Direção do Partido e de sua capacidade de escutar oportunamente a voz de seus críticos. Uma obstinada política de imposição de “prestígio” burocrático é altamente prejudicial para o desenvolvimento da organização proletária e assim mesmo para a autoridade da Direção. Mas não basta a boa vontade da Direção. O grupo de oposição também é responsável pelo caráter das relações intra-partidárias. Na luta fracional contra os reformistas, os revolucionários recorrem a medidas extremas, se bem que, por regra geral às lutas fracionais, as condutas dos reformistas são muito mais desapiedadas e talhantes. Mas, neste caso, ambos os bandos se prestavam a efetuar a ruptura sob condições mais vantajosas. Quem transfere tais métodos ao trabalho na organização revolucionária revele ou imaturidade política e falta de responsabilidade, ou esse individualismo anarquizante que, na maioria dos casos, oculta-se sob princípios sectários; ou, finalmente, que são elementos estranhos à organização revolucionária.

Ao aumentar a maturidade da organização e a autoridade de sua Direção, cresce seu sentido da proporção na luta fracional. Quando Vereecken trata de criar a impressão de que os “sectários” o expulsaram por sua lealdade aos princípios marxistas, só podemos desconsiderar. Se Vereecken tem a oportunidade de participar no trabalho pela construção da Quarta Internacional, deve agradecer tal oportunidade – sobretudo – à organização internacional da que se separou devido a impulsos de seu temperamento fortemente sectário.


Inclusão 10/12/2008
Última alteração 15/12/2010