Primeira publicação: Bulletin of the Opposition, n.º 74, fevereiro de 1939, e Partisan Review, inverno de 1939.
Fonte: Esquerda Diário.
Tradução: Felipe Colares - MRT.
HTML: Lucas Schweppenstette.
Caro Breton:
Com todo meu coração parabenizo você e Diego Rivera pela criação da FIARI – uma federação internacional de artistas verdadeiramente revolucionários e verdadeiramente independentes. E por que não adicionar – de verdadeiros artistas? É hora, mais que hora! O globo inteiro está se tornando uma caserna suja e fétida. Os heróis da democracia, com o inimitável Daladier à frente, fazem todo esforço para imitar os heróis do fascismo (o que não os prevenirá de cair em um campo de concentração fascista)(1). O quão mais estúpido e mais ignorante o ditador, mais ele sente-se chamado a prescrever o desenvolvimento da ciência, filosofia e arte. O servilismo de rebanho da intelligentsia é, em retorno, um sinal importante da podridão da sociedade contemporânea. A França não é exceção.
Por que falar dos Aragorn, dos Ehrenburgs(2) e outros pequenos canalhas? Por que nomear esses senhores (a morte não os absolveu) que fazem, com igual entusiasmo, biografias de Jesus Cristo e Stálin?(3) Deixemos de lado também o lamentável, para não dizer desprezível, declínio de Romain Rolland… Mas sente-se muito intensamente para ignorar o caso de Malraux. Acompanhei seus primeiros passos literários com muito interesse. Àquele tempo já havia um forte elemento de presunção e afetação nele. Seus estudos pretensiosamente frios de heroísmo nos outros frequentemente desconfortavam. Mas era impossível negar seu talento. Com inegável poder ele mirou no ápice da emoção humana – da luta heróica, auto-sacrifício, extrema angústia. Pode-se esperar – e eu sinceramente desejei – que o senso de heroísmo revolucionário entraria mais profundamente em seu ser, o purificaria da pretensão e o faria o maior poeta de uma época de desastres. Mas o que de fato aconteceu? O artista se tornou um repórter da GPU, um fornecedor de heroísmo burocrático em fatias prudentemente proporcionadas em largura e medida (não há terceira dimensão).
Durante a guerra civil fui obrigado a lutar obstinadamente contra os relatórios militares vagos ou mentirosos enviados por oficiais que tentavam esconder seus erros, fracassos e derrotas em uma enxurrada de generalidades. As produções atuais de Malraux são como esses relatórios mentirosos dos campos de batalha (Alemanha, Espanha, etc.). No entanto, a mentira é mais repugnante quando se ornamenta na forma artística. O destino de Malraux é simbólico para todo um estrato de artistas, quase para uma geração inteira. É a geração dos que mentem por pretensa “amizade” pela Revolução de Outubro.
A infeliz imprensa soviética, evidentemente sob ordens superiores, reclama amargamente nestes últimos dias do “empobrecimento” da produção científica e artística na URSS e repreende os artistas e escritores soviéticos por sua falta de sinceridade, coragem e vitalidade. É inacreditável: a jibóia dá ao coelho um sermão sobre independência e dignidade pessoal. Hedionda e ignóbil imagem, mas quão digna de nossa época!
A luta pelas ideias revolucionárias na arte devem recomeçar com a luta pela verdade artística, não em termos de uma escola única, mas em termos da imutável fé do artista em seu eu interior. Sem isto não há arte. “Não mentirás!” – esta é a fórmula da salvação.
Devidamente compreendida, a FIARI não é uma escola estética ou política e não pode tornar-se uma. Mas a FIARI pode oxigenar a atmosfera onde criam e respiram os artistas. Em nossa época de reação convulsiva, de declínio cultural e retorno à selvageria, a criação verdadeiramente independente não pode ser senão revolucionária por sua própria natureza, pois não consegue não buscar uma saída para o intolerável sufocamento social. Mas a arte de conjunto, e cada artista particularmente, procura essa saída de formas próprias a si mesma – não dependendo de ordens externas, mas rejeitando tais ordens e concentrando desprezo a todos que se submetem a elas. Encorajar tais atitudes entre os melhores círculos de artistas – este é o papel da FIARI. Acredito firmemente que seu nome entrará para a história.
Seu,
Leon Trótski
Coyoacán, D.F., 22 de dezembro de 1938.
Notas de rodapé:
(1) Edouard Daladier, (1884-1970), que havia sido dirigente do Partido Radical durante sua aliança em Frente Popular com o Partido Socialista e o Partido Comunista, como premier em 1938 assinou o pacto de Munique. Pôs na ilegalidade o Partido Comunista após o início da guerra com a Alemanha. Internado pelo governo Vichy em 1940, ele foi enviado em 1943 a uma prisão fascista na Alemanha, de acordo com a previsão de Trótski, e foi liberado em 1945. (Nota à edição "Leon Trotsky on literature and art - Pathfinder Press, 1977) (retornar ao texto)
(2) Ilya Ehrenburg (1891-1967): romancista, jornalista e correspondente de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, foi mais habilidoso em cumprir as demandas impostas aos escritores por Stálin. Durante o expurgo dos "cosmopolitas" após da guerra, ele era aparentemente o único escritor de origem judaica com qualquer proeminência que sobreviveu. Após a exposição de Stálin por Khrushchev, entretanto, Ehrenburg saudou o relaxamento do controle em seu romance O degelo, deu informações sobre os expurgos em suas memórias e cautelosamente pedia por maior liberdade aos escritores. (Nota à edição "Leon Trotsky on literature and art - Pathfinder Press, 1977) retornar ao texto)
(3) A referência é a Henri Barbusse (1873-1935), romancista de guerra francês, pacifista, Stalinista e organizador do Congresso Mundial contra a Guerra e o Fascismo, que realmente escreveu biografias de Jesus Cristo e Stálin. (Nota à edição "Leon Trotsky on literature and art - Pathfinder Press, 1977) retornar ao texto)
Colaboração