MIA> Biblioteca> Neno Vasco > Novidades
Primeira Edição: A Lanterna, número 239 (S. Paulo), 18 de abril de 1914.
Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/neno-vasco/obras-de-neno-vasco/o-congresso-de-tomar/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Lisboa, 29 de Março
Realizou-se há quinze dias, tem Tomar, um congresso operário, isto é, de associações de classe ou de resistência, que parece ter sido o mais importante até hoje celebrado em Portugal, não só pelo número dos sindicatos representados – 103, com cerca de 90.000 associados – mas ainda pelos debates ali travados e pelas resoluções ali tomadas.
Convocado por membros do partido social-democrático, inspirou a princípio certa desconfiança da parte dos partidários da perifeita independência do movimento operário, de classe, ante todos os partidos políticos. Parecia-lhes aquilo um jogo de habilidosos captadores, feito em momento de desorganização sindicalista e de perseguição governamental, tanto mais que os promotores da reunião recusaram de começo adiar a sua celebração, só o fazendo depois por causa das greves ferroviárias.
A situação geral modificou-se enfim um pouco e ao congresso acudiram grande número de delegados.
O primeiro embate sério entre os sindicalistas e os sociais-democratas foi a propósito de sete delegados que, não sendo operários nem sindicalizados, ou não tendo uma das duas qualidades (um deles era deputado, outro era médico), eram pelos sindicalistas tidos como intrusos na assembleia e na organização de classe. Por fim, para evitar a cisão logo no início e para mostrar extrema boa vontade, uma maioria conciliadora, determinando que para o futuro se não repetisse o caso, consentiu que ficassem os sete, por aquela vez, em atenção às associações representadas… E os sete aceitaram o favor…
Em suma, por entre as naturais dificuldades, o Congresso conseguiu chegar ao fim, ao menos provisório, duma base de unificação da família proletária sobre o terreno da luta contra o patrão e seus esteios, com os meios que provêm da força dos braços produtores e da união desses braços.
Ficou constituída a transitória «União Operária Nacional», para daqui a dois anos, em Coimbra, se edificar definitivamente a Confederação Operária Portuguesa. A U.O.N., «agrupa provisoriamente os sindicatos profissionais e mistos de indústria», não pretencendo «a nenhuma escola política ou doutrina religiosa, não podendo tomar parte coletivamente em eleições, manifestações partidárias ou religiosas», e tem por fim: «promover nacionalmente a união dos trabalhadores assalariados para a defesa dos seus interesses morais e materiais, económicos e profissionais; estudar e propagar os meios de emancipação do proletariado e defender em público as reivindicações económicas dos trabalhadores, servindo-se para isso de todos os meios de propaganda; reunir e publicar dados estatísticos e informações exatas sobre a vida económica nacional, o movimento operário e as condições de trabalho em todo o país; estreitar internacionalmente os laços de solidariedade entre o proletariado organizado», tendo como principal base «a mais ampla autonomia do indivíduo no sindicato, como deste nos outros agrupamentos sindicais.»
O Congresso não agradou inteiramente aos ciosos da independência sindical, aos que desejam um operariado emancipando-se verdadeiramente a si próprio, tratando dos seus próprios interesses; e com razão se vê um perigo em certo artigo (o 32.º) dos estatutos, que não exclui terminantemente a possibilidade de penetrar nos corpos administrativos sindicais um operário que se faça deputado, um detentor de autoridade por «eleição popular». Mas esperemos que a atividade e a vigilância dos revolucionários neutralizem esse perigo e que um futuro congresso definitivamente o suprima, sem perigo de novas divisões. Alea jactya est…
Encarreirará o operariado português organizado por um bom caminho?
A meu ver, para que a oganização operária de resistência se eleve, pela ação, pela experiência, pela discussão, à conceção superior dum interesse geral de classe, que possa abranger o de toda a humanidade, pela integração de toda ela na classe única dos produtores úteis, possuidores em comum de todos os meios de produzir, a minoria consciente que atua no seu sio como fermento revolucionário deve evitar dois escolhos: o primeiro é a subordinação da organização operária a um partido político ou a adoção oficial duma doutrina, por mais revolucionária que seja; o segundo é, com o pretexto de independência, suprimir dentro do sindicato o franco e leal embate dos métodos e ideias, agindo no terreno e com os meios que o sindicato oferece.
Desde que os operários, convencidos da inutilidade ou insuficiência da ação e meios mutualistas, cooperativos, eleitorais e parlamentares, convecidos do mal da inércia, se decidem a lutar contra a exploração capitalista, só podem constituir uma verdadeira força se se unem sobre o terreno dos seus interesses comuns, fora dos partidos e escolas doutrinais. A violação deste princípio de organização económica traz a dispersão de forças ou dá-nos uma ficção, perigosa para o próprio ideal apregoado na tabuleta: as ideias duma minoria artificialmente atribuídas à maioria inconsciente.
Mas a independência ante os partidos e escolas, a auto-administração da organização operária, não implica a expulsão do seio do sindicato dos ideais e das inevitáveis reações destes sobre a ação sindical. O sindicato não toma parte oficial em manifestações partidárias, não exerce funções que lhe não são próprias, age com os seus meios e no seu campo; mas nada mais. Unir forças não é nivelar tendências, nem abdicar opiniões. Pelo contrário. A alma da união está na tolerância e no respeito mútuo das opiniões, assim como a alma do movimento operário é a livre expansão das ideias – procurando conquistar, não os estatutos e as declarações oficiais, mas o espírito dos associados e das massas, para se traduzir espontaneamente em factos.
Tal foi, parece-me, o caminho por onde, por exemplo, enveredou com acerto a Confederação Operária Brasileira, no seu notável congresso de setembro passado, embora, muito explicávelmente, tenham sido um tanto confusos os seus debates e resoluções.