MIA> Biblioteca> Neno Vasco > Novidades
Primeira Edição: jornal A Aurora (Porto, 27 dezembro 1914) (Contexto de início 1ª Guerra Mundial)
Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/neno-vasco/obras-de-neno-vasco/o-desarmamento-geral/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Toma incremento, na Inglaterra, o movimento em favor do desarmamento geral, a impor-se como cláusula na conclusão da paz.
A ele se associam francamente ministros e oficiais do exército, incluindo alguns do quartel general de French.
Devemos confiar na sinceridade e na praticabilidade desse esforço?
O argumento mais sólido e positivo dos que nutrem esperança na vitória desse movimento de opinião sancionado por um governo funda-se no supremo interesse da insular Grã-Bretanha em destruir ou anular o militarismo no continente europeu.
Graças às suas especiais condições geográficas e históricas, a Ingleterra nunca necessitou nem conseguiu instalar em casa um poderoso exército permanente; nem parece que possa agora mudar de caminho, apesar da outra corrente de opinião que, aproveitando as circunstâncias atuais, procura convencer o país das vantafens e necessidade do serviço militar obrigatório.
Demais, se possuísse esse grande exército, não o poderia manejar facilmente como arma ofensiva contra uma potência continental. Sempre que o Estado britânico precisou de aniquilar a ameaça dum imperialismo continental, o poder dum concorrente perigoso, teve que se socorrer dum aliado, servindo-se dos seus soldados ou dos seus portos de desembarque.
Compreende-se, pois, o empenho posto pela Inglaterra em reclamar o desarmamento geral: é um tanto a história daquela raposa que, desprovida de cauda, pretendia induzir as suas congéneres a cortarem o respetivo apêndice.
A empresa, porém, não parece das mais fáceis, ainda mesmo que à Inglaterra se juntassem os seus dois aliados. Muito provavelmente, fracassaria a imposição, como fracassou a que Napoleão fez à Prússia.
Sinceramente ou com velhacaria, o que os estadistas e militares ingleses procuram é doirar o horror naturalmente inspirado pelas carnificinas internacionais e entusiasmar pela luta um povo que não conhece a servidão militar forçada. Se a horrível conflagração puder ser apresentada como a derradeira, se lhe for dado como alvo sublime o desarmamento geral, se desaparecer sob tão luminosas aparências a mesquinha e feroz luta de interesses capitalistas e estatais, os cambatentes surgirão numerosos e ardentes e o povo suportará com santa resignação a dolorosíssima prova.
Poderá, pois, o proletariado esperar o desarmamento?
Em regime capitalista e estatal, esse desarmamento, se não é um vão devaneio pronto e acabado, toca as raias da utopia. Demasiados são os interesses que, na atual sociedade, se prendem ferreamente à guerra e à paz armada: a finança, a grossa indústria metalúrgica, o comércio grande e pequeno dos fornecedores de tropas e marinhas, o militarismo profissional, etc., tudo isso pesará formidavelmente na balança. E como, em sistema capitalista – de patronato e salariato, ninguém trata de produzir utilidades, mas apenas de ganhar seja como for alguns vinténs para subsistir, o próprio proletariado se acha interessado nas indústrias de paz armada. Se ele não temesse a desocupação, temê-la-iam os governos, pelas perturbações e revoltas que causaria. Nem sob o ponto de vista social revolucionário, o lucro seria total, pois que os Estados, em vez dos grandes exércitos de soldados à força, reforçariam, para o serviço de coação interna, as suas guardas e gendarmerias de homens escolhidos e predispostos.
O militarismo e o imperialismo são frutos do vigente sistema de produção, e a revolução que pretenda suprimi-los tem de suprimir o regime burguês e os Estados.
O que não impede de registar as promessas dos governantes e de combater com todos os males do Capitalismo, o avanço do militarismo e do espírito militar.