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Doloroso episódio o da luta sem quartel que, depois do Tratado de Riga (1921), a Polônia dos coronéis e dos grandes proprietários territoriais move contra os seis milhões de trabalhadores da Ucrânia ocidental colonizada.
Mas também comovedora lição de heroísmo revolucionário dada aos povos por 57 desses trabalhadores, erguidos contra a opressão polonesa por sua libertação nacional e social. Tal foi o processo de Lucke que, mais de três anos depois das revoluções camponesas de 1930, culminaria pela “pacificação” pelo terror desse desgraçado país sucumbido de miséria e de escravidão.
A partir de sua anexação à Polônia, a Ucrânia ocidental vê sua economia entrar em decadência, a melhor metade de suas terras açambarcadas pelos proprietários e colonos poloneses, seus camponeses arruinados, esmagados de impostos, cobrados de maneira brutal, reduzidos (sobretudo depois da crise), ao desemprego, à miséria, pela queda dos salários e dos preços.
Expropriada de sua língua e de sua cultura nacionais, privada de suas escolas, apesar das leis e dos tratados, está separada de seus mercados naturais, que são orientais, e privada da felicidade que coube à Ucrânia soviética.
Qualquer oposição seria ao regime é reduzida à ilegalidade, encurralada. O governo de Varsóvia só faz concessões aos partidos reacionários. Reserva seus raios para as organizações nacionais revolucionarias, como a Sel-Rob, e para o Partido Comunista, condenados à ação clandestina. Nada de greves sem efusão de sangue, nada de movimento de emancipação sem execuções sumárias.
Tal era a situação quando, de julho a novembro de 1930, os camponeses exasperados incendiaram os domínios de alguns de seus opressores.
Foi esta jacquerie que serviu de pretexto para as expedições punitivas que a oligarquia e a soldadesca polonesas ornamentaram com o nome de “pacificação”. Buscas em massa, colheitas saqueadas, fuzilarias, massacres, atrocidades sádicas, cujo “excesso” o próprio governo teve que reconhecer e sobre o que a Liga das Nações surpresa preferiu fechar os olhos.
No decorrer dessas verdadeiras dragonadas, 450 comunas foram “visitadas”; feitas 1739 prisões entre os camponeses, artesãos, estudantes, liceistas. Depois do terror da soldadesca, o terror dos juízes: 914 acusações deram margem a 19 processos, o mais característico dos quais é o dos 57 de Lucke. Esse processo-tipo, que culminou pela distribuição de perto de três séculos de prisão, é o melhor conhecido para nós, graças à coragem denunciadora dos acusados e graças também à presença de um estrangeiro, meu amigo Paul Vienney, que, como delegado da Associação Jurídica Internacional, se fez em Lucke o eco da emoção universal.
Vienney nos evocou de maneira chocante a pesada atmosfera que cobriu não apenas as audiências, mas também a população aterrorizada dessa pequena cidade de província, próxima da grande fronteira.
Os acusados, detidos preventivamente durante três anos, haviam sido atrozmente torturados e a acusação não tinha sequer além dos relatórios dos espiões outro ponto, de apoio senão as confissões arrancadas pelo suplício. Um dos supliciados Stephan Boiko, deputado comunista ao Sejm, tinha urrado de dor uma noite inteira; morrera, porém, sem falar e seu corpo fora lançado ao Styr. Dois outros suicidaram-se.
Logo que, no início da primeira audiência, se faz a chamada dos acusados, um deles exclama: “Que fizestes de Boiko?” O presidente, perturbado, informa-o da morte de seu camarada. Eles, então, levantam-se e, a uma só voz, entoam, à sua memória, um canto fúnebre revolucionário: “Nós, que tombamos na luta...” Solidariedade pungente, acusadora.
Os policiais lançam-se sobre os 57, e, publicamente, aos olhos complacentes do tribunal, espancam-nos a torto e a direito. Apesar dos protestos dos defensores, esta cena selvagem prolonga-se por perto de uma hora. No dia seguinte, os prisioneiros ainda trazem sinais dos golpes recebidos...
Quer sejam comunistas, socialistas de esquerda, membros do Sel-Rob, sindicalistas ou cooperativistas, quer sejam operários, intelectuais ou estudantes, esses homens, essas mulheres, essas moças, sobre quem se encarniçaram à porfia os carrascos, rivalizam em firmeza revolucionária.
“Os corpos estão magros”, escreve Vienney, “os rostos estão cavados, as costas vergadas. Mas as vontades permanecem firmes e retas como no primeiro dia. Tanta constância heróica espanta. Força o respeito, mesmo dos adversários, jornalistas e testemunhas, que sacodem a cabeça, como para dizer: decididamente não iremos ao cabo deles”.
Aqui temos um militante do Socorro Vermelho Internacional, que não cita sua própria experiência de prisioneiro senão para pôr em evidencia a obra necessária da solidariedade:
— “Como não vir em socorro dos prisioneiros políticos, diz ele, quando a alimentação das prisões, a alimentação que se nos dá nem mesmo prestaria para os animais da fazenda mais pobre”.
E também essa jovem estudante, que, escreve Vienney, estimula as coragens “e joga sua liberdade com um sorriso tão constante e tão juvenil que a gente fica espantado de vê-la tornar-se seria inesperadamente”.
Simpatizante do comunismo, não hesita em professar sua fé:
— "Não sou membro do Partido Comunista. Mas não considerarei como erro pertencer a ele. Se simpatizo com ele, é porque fiquei chocada com os lucros que os industriais e proprietários territoriais tiram da miséria operária e camponesa e porque encontrei no marxismo a explicação desse estado de coisas. Assim, também, compreendi que o terror que lavra na Polônia e, sobretudo, na Ucrânia ocidental, não passa de produto da decomposição do regime capitalista e porque unicamente o comunismo nos mostra o caminho justo da emancipação. Nunca recuei perante a luta e não recuarei jamais. Insurgi-me contra o terror policial. Na prisão, luto e lutarei contra o prolongamento excessivo da formação de culpa, contra o massacre dos prisioneiros que voltam pacificamente do passeio, contra nossa privação de cartas, de colchões, de visitas, contra a falta de alimentação, contra a mistura, na lavandaria, de nossa roupa com a roupa dos sifilíticos da prisão. Faço-o, ao mesmo tempo, por convicção política e por dever de solidariedade”.
E, enfim, um operário, que proclama sobriamente seu orgulho de ser comunista e subordina sua defesa à glorificação de seu Partido:
— “Sou comunista, exclama, e não o escondo. Isso não é um crime, mas um dever. Lutei com meu Partido contra a ditadura polonesa e contra a ocupação da Ucrânia. Não tínhamos armas, porque ainda não tinha chegado o momento das lutas decisivas. Mas nós prepara vamos para ele as massas pela organização, pelas greves, pelas demonstrações de toda sorte. Não me cabe dizer-vos o papel que desempenhei nessas lutas e não vo-lo direi. Mesmo sob a tortura, nada disse. Um membro do Partido Comunista não tem medo das pancadas: não fala. Boiko era membro do Partido, foi torturado e morreu, mas não falou. Estamos aqui exclusivamente graças à denúncia de provocadores que visavam destruir nosso Partido. Mas devo preveni-los de que se enganam se julgam ter atingido seu fim. O Partido Comunista da Ucrânia ainda vive. Continua a luta e vencerá”.
Será que não se encontra, nesta breve declaração, tudo o que Lênin recomenda ao militante, tudo aquilo de que Dmitrov deu o exemplo: a recusa de falar sobre a organização e sua atividade interna; o controle dos nervos até sob a tortura; o heroísmo bolchevique; a colocação em evidencia do Partido, de sua linha, a exaltação de seu prestígio e a confiança inabalável em sua vitória? De que são acusados os 57? De sua ação revolucionária, do fato de pertencerem a organizações culpadas de terem suscitado o movimento de emancipação nacional e social da Ucrânia ocidental: crime de alta traição. Já o dissemos, a acusação nem sequer se fundamenta senão em denúncias e relatórios dos espiões; apoia-se em leis penais promulgadas, depois dos fatos em apreço, no Código Penal de 1932 que se pretende aplicar retroativamente. Vienney pôde assistir aos depoimentos dessas testemunhas policiais que ocupam o lugar de provas: ouviu os inspetores “lamentavelmente se atrapalharem nas audiências, confundindo os acusados, não se lembrando de nada, traindo a lição decorada ou escondendo-se oportunamente por detrás do segredo profissional”. O presidente corre em seu socorro: assim que demonstram embaraço, ele atira-se ao acusado, ao defensor, as suas perguntas indiscretas: “A pergunta não será formulada”, tal o argumento clássico e peremptório que se repete a cada instante como um leit-motiv. Se o acusado insiste ou se emprega um dos termos do vocabulário proibido (“imperialismo polonês”, “colonização polonesa”, “pacificação da Ucrânia”), arrastam-no do seu banco e atiram-no para fora violentamente. As brutalidades do presidente não impedem que esses combatentes intrépidos digam o que têm a dizer. O procurador pretende alardear, à falta de documentos sérios, confissões extorquidas a alguns pela tortura: o imprudente fornece-lhes assim ocasião de retratarem suas confissões e de revelarem como os carrascos as arrancaram! Uma estudante, que não pode comparecer a não ser carregada pelos seus camaradas (porque recusa a cadeirinha da polícia), denuncia os suplícios, as humilhações atrozes de que foi vítima e testemunha e é, então, um rosário de horrores pelos quais os acusados se recusam a perdoar os seus carrascos. Acusam. O eco de seu sofrimento, de sua cólera, sufocada na prisão, sufocada no Sejn, repercute desta vez muito além da sala de audiência. Melhor ainda, forçaram um dos seus carcereiros o principal, o chefe, o diretor da prisão, a fazer, de seus processos odiosos, uma confissão, que Vienney não deixou de anotar.(1) Será inútil, consequentemente, recusar-se a responder, será inútil para o presidente “não formular a pergunta”, expulsar da sala os acusados que as formulam mesmo assim: a polícia denunciada retira-se vencida. Os juízes de Lucke poderão cumprir sua missão, poderão sentenciar penas de prisão de 3 a 8 anos; poderão absolver tardiamente alguns daqueles que trazem em sua carne os traços indeléveis de seus três anos de prisão preventiva. Foram esses homens e essas mulheres, estes rapazes e estas moças, absolvidos ou condenados, que proferiram o único libelo que o povo ouviu ç ele, que julga os juízes, condenará os condenadores em última instância. A coragem dos 57 não ficará estéril. E não é por outro motivo que, em vez de defenderem suas pessoas, em sua maioria apenas defenderam o seu Partido. Uma causa tem os defensores que merece. Um causa que produz tais defensores não morre.
Notas de rodapé:
(1) Foi obrigado a reconhecer também que, apesar desses métodos, os prisioneiros conseguiam fazer reuniões clandestinas, comemorar os aniversários revolucionários (como o dos três L), redigir e difundir seu jornal da prisão! (retornar ao texto)