MIA > Biblioteca > Marcel Willard > Novidades
Mas, repetimos, para seguir uma tal linha, para atingir tais objetivos, é preciso não temer por sua pele, melhor ainda, é preciso uma força de resistência a toda a prova.
De onde hás de tirar essa força de resistência? De onde a tiraram todos esses heróis cuja atitude e autodefesa ofensiva celebramos?
De um duplo reservatório, um reservatório interior: sua fé política, o dinamismo de sua doutrina; um reservatório exterior: seu Partido, sua classe, a opinião popular.
É desses reservatórios de força que sua força — de maneira desigual — se alimenta e se renova.
Porque em reservatórios, essas fontes de alimentação lhes fazem falta é que os acusados não revolucionários ou contrarrevolucionários nunca poderão resistir e defender-se ofensivamente como bolcheviques.
O acusado não revolucionário nem crente quase não tem outro recurso senão o instinto de conservação. Por vezes, apenas influência a opinião de seu meio, de seu agrupamento ou, mesmo, mais raramente ainda, no caso Dreyfus, por exemplo, uma parte da opinião pública.
Quanto aos renegados, que traíram a revolução, por que até mesmo os mais ousados perdem tantas vezes, quando são desmascarados, todo espírito de resistência e, — dir-se-ia — todo instinto de conservação?
Num surpreendente uníssono, o coro dos inimigos e dos falsos amigos da União Soviética declamou os temas da surpresa e da incredulidade perante a derrocada e as confissões humilhadas dos acusados trotskistas e bukarinistas. E entra a apelar para a inverossimilhança psicológica para acreditar na explicação, segundo a qual se teriam empregado contra esses traidores meios que estão realmente em uso e até erigidos em sistema do outro lado da grande fronteira, na vertente fascista, isto é, entre os que os pagaram.
Os acusados não eram crianças, eram homens experimentados, muito inteligentes, de formação revolucionária marxista. Cem vezes concedeu-se-lhes ocasião de retratarem publicamente suas confissões: eles as confirmaram e, por vezes, as ampliaram.(1)
E, (se acreditássemos nos componentes desse coro) essas confissões, pelo próprio fato de serem concordantes em seu conjunto, constituiriam, em favor dos acusados, uma presunção de inocência!
Na verdade, se são os criminosos que se defendem, se é seu acusador que se acusa, tu compreendeste bem, com certeza, é muito simplesmente porque o acusador é o povo no poder, é a democracia dos trabalhadores, cuja legitima defesa bem que segostaria de desarmar.
Mas, uma vez que as ovelhas se perdem no meio dos lobos, uma vez que as boas almas indignadas com esse acordo de confissões acham muito natural combinar seus balidos com os uivos muito bem conduzidos dos lobos e dos cães, explica-lhes porque, como os objetos de sua ternura, os renegados, os traidores, separados das massas, se derrocaram como tais..
Essa boa gente raciocina, sem dúvida, de boa fé, como se o processo tivesse tido lugar em seu país, num Estado capitalista. Esquecem ou ignoram, por um lado, a diferença das relações que existem entre o tribunal e o acusado conforme o regime econômico e" social, e, por outro lado, a questão-chave é a de saber em que classe, em que forças se apoia o acusado que comparece a uma dada jurisdição.
Por toda parte, fora da União Soviética, o tribunal, sob forma autoritária ou liberal, exprime os interesses da minoria reinante a ser estabelecida na URSS, em que a classe dominante libertou os trabalhadores, a esmagadora maioria da população, lá, onde se edifica a sociedade sem classes, o tribunal, profundamente popular por sua origem e seus contactos, exprime as conquistas da Revolução, a pátria socialista, os interesses, a vontade, o futuro de um povo em construção.
E esse acusado político, antigo revolucionário que traiu todos esses valores, os entregou ao inimigo, especulando, com sua derrota e fazendo o possível para provocá-la, aliou-se ao fascismo agressor, que é que exprime? Será que exprime outra coisa que não sejam os interesses e a vontade do inimigo a quem serve e que o paga?
Ei-lo convencido de seus crimes, acabrunhado pela evidencia das provas (documentos, testemunhos, confissões de um comparsa). Em que reservatório, dize-me, iria encontrar de as forças que sua resistência exigiria?
“Nenhuma base doutrinaria” Há muito que renegou a causa de seu Partido que deveria continuar a ser sua razão de ser. No melhor dos casos, se algum dia foi sincero, se foi, num momento qualquer, um oposicionista convicto e se, antes de sua degenerescência criminosa, algum dia acreditou, à sua maneira, servir uma política, viu essa política negativa entrar em derrocada. Ei-lo, agora, tendo que enfrentar sua derrota. Assiste amargamente ao desastre de sua vida falhada, da sua “teoria” condenada pela história, de suas reviravoltas e de suas traições inúteis.
“Nenhum apoio nas massas”, em nenhuma fração das massas. Nenhuma base, nenhuma raiz na terra nacional, e foi isso, aliás, o que o impeliu para a conspiração ao serviço do inimigo.
“Está irremediavelmente isolado”. Isolado da comunidade popular, mais unânime do que nunca, na qual faz papel de corpo estranho.
Que lhe resta, pois? Por trás de si, nenhuma linha de resistência, uma vez que o complot está pelo menos decapitado, nenhum ponto fortificado, nenhuma esperança de vingança, ainda que póstuma.
Nada mais. Ninguém mais.
Ninguém mais? Sim, mas no estrangeiro: o inimigo que se serviu dele e o ajudou a preparar a agressão contra o que foi sua pátria, contra o povo no poder, que o vomita com horror.
À beira de um precipício e sob o desprezo de todos, de onde tiraria sua força? De onde e de que reserva sua força iria tirar aquilo de que necessita para se alimentar?
Que há de espantar em que se afunde?
Em todo o caso, a luta é terrivelmente desigual. Em geral, ele é de formação marxista e são marxistas os que o interrogam. Apoiados em provas esmagadoras, fortalecidos com o apoio popular, o procurador, o tribunal, estão armados contra ele, com uma dialética afiada, que funciona a pleno rendimento.
Os papéis estão invertidos e o que constitui a força dos heróis dmitrovianos perante os tribunais fascistas constitui aqui a força do acusador e do juiz revolucionário perante o traidor isolado.
Não lhe resta outro recurso senão o instinto de conservação, que não pode animar uma resistência impossível, mas que ’ inspira seus últimos sobressaltos, suas reticências, (porque, na maioria dos casos, só confessou o que era inegável) e suas suplicas.
Será que alimenta ilusão quanto à sorte que o espera? Talvez ainda, se se trata de um agente de execução mais ou menos subalterno, de algum assassino mais dirigido do que dirigente! O instinto de conservação não pode, nesse caso, impeli-lo a outra coisa a não ser adular o tribunal e a opinião chicaneando sobre a extensão de sua responsabilidade, fazendo alarde de seus remorsos, verdadeiros ou fingidos, na esperança de salvar a pele.
Em caso contrário, o instinto de conservação incita-o, na maioria dos casos, a condenar-se a si mesmo, até a ampliar suas primeiras confissões (em certa medida, porquanto a experiência prova que ele não disse tudo) com o objetivo desesperado de salvar alguma coisa de seu passado, de sua composição, de suas ruínas.
E, agora, tiremos a vista desse monturo e busquemos a altitude em que nossos heróis respiram. Se respiram penosamente é porque estão encarcerados, brutalizados, torturados física e moralmente. Lembra-te, porém, do duplo reservatório que os alimenta de oxigênio.
Esse oxigênio, nem todos o absorvem por igual: absorvem-no de acordo com sua capacidade pulmonar. E eis porque, jovem militante, nós te convidamos a desenvolver teus músculos torácicos, teu perímetro torácico revolucionário.
De valor desigual, de acordo com o dinamismo de tua fé, de que renovas tua força de resistência, teu oxigênio, são também de valor desigual e variável.
De valor desigual, de acordo com o dinamismo de tua fé, de tua doutrina.
“Não é por acaso que a maioria desses heróis cuja defesa se nos apresenta exemplar são da mesma linhagem política: são revolucionários consequentes.”
Não é por acaso que os melhores são aqueles em que a paixão revolucionária e a mais indomável coragem estão ligadas à mais solida firmeza doutrinaria, à mais firme clarividência.
Não é por acaso que, desde que o marxismo existe, na maioria dos casos, são marxistas. Não é por acaso que, desde que Lênin viveu, na maioria dos casos, são comunistas.
Não é por acaso que o maior dentre os acusados comunistas é esse que se revelou o melhor armado da potência dialética de Marx, de Lênin e de Stálin: o bolchevique Dmitrov.
Mas, em que o reservatório exterior, teu Partido, tua classe, tua comunidade popular, é de capacidade variável? Em que tua força pode ser afetada por essas variações?
A experiência o mostra:
Se os comunardos parisienses, que souberam tão bem morrer, se defenderam tão mal em geral, perante a justiça versalhesa, não foi apenas por fraqueza doutrinaria, foi também porque, esmagado seu movimento, este tinha perdido a maioria dos seus pontos de apoio.
Ao contrário, a firmeza legendaria de um Varlin, de um Marty, de um Gramsci, de um Itsikava, de um Edgar André, como de tantos outros precursores e discípulos de Dmitrov, vivifica-se ao contacto de uma força organizada que sobe ou que resiste.
De sorte que se poderia, sem negligenciar, é claro, os fatores individuais e nacionais, demonstrar que a energia dessa reserva é maior ou menor conforme o sinal positivo ou negativo do movimento, conforme o sentido ascendente ou descendente de sua curva.
Não está nisso ainda uma lição que a história nos dá, uma lição que nos lembra nossa tarefa humana e política, sempre atual, de solidariedade?
Não está nisso o sentido profundo do ensinamento que Dmitrov consentiu em tirar, em minha presença, de sua própria experiência, a fim de servir à campanha internacional pela libertação de Thaelmann?
— “O melhor método para exercer pressão sobre um governo e um tribunal fascistas, é, em minha opinião, encorajar a mobilização das massas em seu próprio país. A campanha internacional é, naturalmente também, de grande importância; mas a campanha nacional, no próprio país, é que será decisiva.”(2)
Nosso dever nacional e internacional é, pois, de nada esquecer, fazer o possível para aumentar, ampliar esse capital de forças em que a força de nossos heróis se renova e “pode, assim, duplamente contribuir para sua vitória”.
Compreendes, agora, porque nossos heróis nunca estão sós, porque, se és um verdadeiro militante revolucionário, um verdadeiro bolchevique, mesmo fechado na incomunicabilidade mais estrita, isolado do mundo exterior, nunca estarás só?
Não viste Dmitrov e seus êmulos romperem o círculo de solidão que os apertava e fazerem entrar o proletariado em plena cidadela inimiga?
Não os vês dirigirem-se por cima da cabeça do carcereiro, do carrasco, do juiz, ao seu auditório natural, ao seu verdadeiro defensor?
Não ouves sua voz entrecortada de interrupções atravessar a espessura das paredes, atravessar terras e mares, mobilizar, ao seu apelo, o exército imenso do trabalho de punhos cerrados?
Por detrás deles, ao redor deles, por toda a parte, a presença invisível, mas real, mas inumerável, das multidões oprimidas, dos mártires da liberdade, da paz, envolvidos vivos em mortalhas de pedra, dos operários em luta pelo seu pão, dos desempregados esfomeados em marcha e dos povos inteiros que se unem contra a escravidão e contra a guerra.
Por detrás deles, ao redor deles, essa sexta parte viva do planeta que se libertou da opressão, da exploração, do desemprego, da insegurança, da incultura.
Os que estão nos estaleiros, nas usinas coletivas, as equipes de choque, as brigadas stakanovistas, que se lançam, numa corrida impetuosa, para o rendimento, para o assalto dos recordes, para o domínio da máquina e da natureza.
E seus irmãos dos campos ilimitados, os kolkozianos, os sovcozianos, que semeiam e colhem o socialismo e cujos tratores impelem um para a outra o campo e a cidade.
E a juventude feliz, de duros músculos, de olhar claro, que, não tendo conhecido o velho mundo, nem por isso lhe deixa de destruir melhor, por toda a parte, mesmo em sua consciência, os vestígios, que aprende a construir a si mesma construindo, se transforma ao transformar sua paisagem e prepara, na expansão das forças produtivas, o livre ímpeto do homem novo.
O privilegio do herói dmitroviano é que traz em si, onde quer que vá, no deserto de sua masmorra ou de sua ilha, do mesmo modo que no deserto humano da sala de audiência, a energia irresistível dessas multidões.
Essa energia é que se transforma no nervo dos seus nervos, na carne de sua carne; é a ela que encarna e que exprime.
E é dessa troca de forças que pode nascer o mais fecundo valor, o mais fecundante, uma grandeza humana sobre-humana, um dinamismo que ultrapassa toda a medida comum, uma vitória criadora de vitórias novas.
Nenhuma dessas vitórias ficou perdida.
O vencedor pode tombar. Uma esquadra o substitui. E. se a esquadra se liquida, um batalhão tapa a brecha. E cada uma dessas substituições progressivas enriquece-se com a herança heróica, enriquecendo-a por sua vez.
O exército não chora os seus mortos. Transfunde em seus feridos o próprio sangue que se torna músculo. Não se ajoelha diante de seus corpos. Com eles aprende a vencer. Ao seu exemplo, cresce, avança, organiza o terreno conquistado.
Quaisquer que sejam as flutuações do combate, é invencível. Uma vanguarda de vivos guia-o e dirige, com Dmitrov à frente, rodeado dos precursores, dos discípulos e dos êmulos.
Dmitrov, Itsikava, Prestes, Rakosi, Antikainen, Marty, Ana Pauker, Thaelmann, todos vós, nossos porta-vozes, nossos porta-bandeiras, vós que sofrestes e lutastes por nós, preparastes para a defesa de vossa pessoa a defesa de nossa causa, para vossa vida nossa razão de viver, glória a vós!
Sois o batalhão de choque, cujo sacrifício abre caminho para a ofensiva, para o sucesso final, para o outubro universal, para a liberdade dos povos, para a civilização de amanhã.
Sois a legião de honra.
Notas de rodapé:
(1) Assisti, pessoalmente, ao mais recente desses processos de Moscou, o do “bloco dos direitistas e trotskistas”, e posso afirmar que qualquer pessoa honesta que o tenha assistido impôs a si mesmo a firme convicção de que os acusados confessaram porque não podiam negar e só confessaram o que era inegável. (retornar ao texto)
(2) V. também mais ps. 196-200. (retornar ao texto)