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Um programa para vencer na luta negra pela igualdade precisa ser baseado numa análise correta dos seus principais pontos. Dentre esses, há a sua independência, seu papel de vanguarda e sua necessidade de ação política independente. Nós devemos comparar as posições do Socialist Workers Party sobre essas questões com aquelas que Harold Cruse acha que são [as posições do SWP] (em Liberator, maio e junho).
Cruse diz que a independência crescente do movimento negro produz uma crise para os marxistas:
"quanto maior o movimento negro se torna como uma força independente... mais profunda a crise fica para o próprio movimento marxista. Por 'aliança', esses tentam manobrar para que o movimento negro seja mais um dos quais onde os marxistas dominam."
Porém os fatos são coisas chocantes, e os registros reiteram os fatos – refutando as afirmações de Cruse – de que o SWP é oposto à independência do movimento negro frente ao movimento operário, ou qualquer outro, incluindo o próprio SWP. Por toda a sua existência, o SWP pensou, disse e argumentou justamente o contrário. [O SWP] foi a primeira organização combativa nesse país a reivindicar a justeza e a necessidade da independência do movimento negro.
Tão cedo quanto 1939, quando o SWP só tinha 1 ano de vida, esse declarou, numa resolução adotada por unanimidade numa convenção:
"… a consciência política do movimento negro que agora desperta toma a forma, não artificial, de um desejo por ação política independente fora do controle dos brancos. Os negros há muito sentiram e hoje, mais que nunca, sentem a urgência de criar as suas próprias organizações com seus próprios líderes e, assim, confirmar, não só na teoria mas também na ação, sua reivindicação de completa igualdade com todos os outros cidadãos americanos. Tal desejo é legítimo e deve ser vigorosamente apoiado…" (Em: Documentos Sobre a Luta Negra, Pioneer Publishers).
O SWP nunca enfraqueceu nessa posição nesses 25 anos desde então, como um exame da sua última (1963) resolução congressual provará. Ela se exprime assim:
“a libertação do povo negro requer que os próprios negros se organizem de forma independente, controlem sua própria luta e não a permitam ser subordinada a nenhuma outra consideração ou interesse.” (Freedom Now: O novo estágio na luta pela emancipação negra).
Por que marxistas genuínos tomam essa posição? Por que nós advogamos que o movimento negro necessita de independência, mesmo que essa seja em relação ao SWP? Porque a história da opressão negra nesse país tem sido tal que, quanto mais independente é o movimento negro, mais revolucionário este é. E o quão mais revolucionário esse movimento se tornar, melhor para todos os revolucionários, brancos ou negros. A radicalização dos negros pode ajudar a estimular a radicalização entre os brancos também.
Ao contrário do que diz J. Edgar Hoover – ou Harold Cruse –, nós, marxistas, não temos nenhum interesse em “enquadrar” o movimento negro. Nossa aspiração é influenciá-lo, assim como com o movimento operário ou qualquer outro movimento progressivo, e nós não temos nenhum segredo quanto a isso. Nós o fazemos por meio da exposição das nossas ideias revolucionárias, as quais os participantes do movimento negro obviamente podem aceitar ou rejeitar de acordo com a sua própria avaliação do que precisam ou querem.
Nós acreditamos que o quanto mais cedo o movimento negro se tornar completamente “indomado” (isto é, o quanto mais cedo este se tornar completamente independente e revolucionário), mais cedo ele irá se encaixar e aceitar as ideias e as políticas que os marxistas atingiram; e esse processo de independentização crescente irá, no fim, inevitavelmente levar a isso, como o resultado de suas próprias experiências, através de uma colaboração estreita com outras forças revolucionárias, incluindo o SWP. Esse tipo de relação fraternal, em vez de dominação, é a única para a qual temos trabalhado, e é a única que buscamos.
Uma das declarações mais gritantes no artigo de Cruse é a que:
“O crescimento da importância do movimento negro como uma força combativa na América decepciona completamente a teoria marxista” e a partir daí aprofunda a já aguda crise do marxismo.
Nós podemos somente imaginar sobre qual “teoria marxista” Cruse está falando. Uma vez que ele insiste, erroneamente, em identificar o Partido Comunista com o Socialist Workers Party como “dois galhos gêmeos descendentes do tronco podre da árvore do marxismo ocidental”, apesar das diferenças irreconciliáveis entre eles, talvez Cruse esteja pensando sobre alguma forma de “teoria marxista” vinda do Partido Comunista. Certamente não é e nunca houve qualquer teoria desse tipo vinda do SWP, que é o alvo dessa polêmica.
Nossa teoria foi contundentemente confirmada pelo “crescimento da importância do movimento negro como uma força combativa na América”. Para Leon Trotsky, fazendo uso do conceito marxista de revolução permanente – previsto há mais de 30 anos –, os negros se tornariam “a seção mais avançada” da classe trabalhadora, conseguiriam atingir a consciência revolucionária à frente dos trabalhadores brancos e poderiam se tornar a vanguarda da revolução proletária. Vinte e cinco anos atrás o SWP adotou uma resolução congressual declarando que os negros estavam destinados a se tornar “a nata da vanguarda da revolução proletária”. (“Documentos sobre a luta negra”.)
Assim a teoria marxista, a qual Cruse tenta desacreditar, previu a radicalização do movimento negro (não em todos os seus detalhes, mas na sua dinâmica geral) muito antes dessa acontecer, quando os empiristas daqueles dias e outros embasbacados pelo status quo não podiam nem sonhar com tal desenvolvimento.
Além do mais, o SWP não somente previu que o movimento negro iria se tornar a vanguarda combativa, mas a defendeu, e trabalhou para isso, e fica feliz que agora está acontecendo. Por que diabos então acharíamos que a nossa teoria foi golpeada? Por que a confirmação da nossa teoria pelos fatos deveria nos jogar numa crise? Se, pelo menos, todas as nossas teorias fossem “golpeadas” dessa maneira! A verdade, mais uma vez, é o oposto do que Cruse diz, e, nesse caso especial, temos uma ótima razão para os ativistas negros conhecerem melhor o método e o programa marxista.
Quando dizemos que os negros cumprirão um papel de vanguarda, Cruse tenta lançar confusão nas nossas posições e injetar-lhas um caráter manipulativo; atribuindo a nós aquela “crença segundo a qual as ‘leis históricas’ pré-ordenaram o movimento negro na América para ser usado como uma espécie de fase social transicional levando à ‘revolução marxista’”.
Se ele preferir ser gentil, gostaríamos de expor as nossas posições nós mesmos, mas sem os termos parciais que ele prefere. Nós não conhecemos nada como “revolução marxista”, com ou sem aspas, e não é isso o que defendemos. A revolução americana será uma revolução social – isto é, removerá a presente classe dominante do poder político e reconstruirá a sociedade sobre novas bases, sem exploração.
Nós também não consideramos o movimento negro como qualquer tipo de “fase”, transicional ou o que seja. Nós esperamos que aquele seja parte integral da revolução: antes, durante e depois da conquista do poder. Isto até que o movimento negro esteja satisfeito de que o racismo foi abolido e da sua impossibilidade de retorno.
O que nós pensamos é isso: condições históricas, sim, “leis”, colocaram o movimento negro numa posição de vanguarda – na liderança de uma luta de massa para mudar a sociedade socialmente, politicamente e economicamente. A sua radicalização marca o estágio aberto da revolução que cumprirá essas mudanças. Na medida em que a revolução continua e se desenvolve, toda a estrutura política se abalará e outras forças serão arrastadas para a revolução: contra ou a favor. Qual lado vencerá vai depender de quem consegue arrastar o maior apoio da até então maioria neutra e inativa.
A implicação desagradável de Cruse, de que os marxistas planejam “usar” o movimento negro e então jogá-lo de lado não tem base. Nós dizemos mil vezes na nossa resolução da convenção de 1963:
“O SWP acredita e age acreditando que a classe trabalhadora não pode atingir seus objetivos sem o povo negro atingir os deles. A revolução americana para a democracia socialista não pode ser vitoriosa a menos que seja baseada numa parceria mutuamente aceita e de igual para igual entre o movimento negro e o movimento operário.”
Essa é a nossa perspectiva, colocada abertamente. Ela não envolve a subordinação do movimento negro “a qualquer outra consideração ou interesse”. Ela não envolve a menor interferência na independência do movimento negro, o qual sempre deve ser guiado pelos seus próprios representantes e posto em movimento sempre por seus próprios objetivos. Nós não acreditamos que essa perspectiva é inconsistente com o que os ativistas negros desejam, se o que desejam é a revolução. Se nós estamos errados, queremos que nos mostrem.
Sob o entendimento do que foi dito, as distorções de Cruse sobre a atitude do SWP frente ao Freedom Now Party podem ser tratadas de maneira breve. Os seus quatro pontos, de alguma maneira contraditórios, são:
A bem conhecida posição do SWP em favor da independência negra obviamente se aplica em toda a sua extensão à ação política negra. Por muitos anos nós endossamos e apoiamos os candidatos negros independentes concorrendo contra os candidatos dos partidos capitalistas. Apoiar tais candidatos quando eles se juntam num partido deles próprios, e defender o seu direito de fazer tal da sua própria maneira, é somente uma extensão da nossa posição de longa data, e veio quase automaticamente para nós.
Toda pessoa politicamente informada nesse país conhece isso. Os escritores antimarxistas Tom Kahn e August Meier (em Notícias Políticas, primavera de 1964) disseram mesmo que a ideia do Freedom Now Party 100% negro “foi originalmente projetada pelos predominantemente brancos trotskistas e por alguns meses recebeu o seu principal apoio organizativo por aqueles”.
Isso não é verdade. A resolução da convenção de 1963 do SWP endossando “a ideia de um partido negro, um partido pelos direitos civis ou pela igualdade civil” especificamente apontava que a ideia tinha sido levantada anos antes por Adam Clayton Powell e Liberator, e no início de 1963 por Elijah Muhammad e William Worthy. Nós estaríamos felizes de reivindicar o crédito por ter concebido essa ideia, mas seríamos totalmente desonestos fazendo isso. O que nós reivindicamos é ter apoiado publicamente a ideia de um partido negro politicamente independente antes de qualquer outro ter tomado os passos organizativos para criá-lo.
Mas se nós fizemos isso, então por que, mesmo antes do novo partido ter sido estabelecido nacionalmente e numa base estável, deveríamos nós nos pormos apressadamente a competir com tal? Cruse nos chama de “astutos”. Mas no que é astuto encorajar a formação de outro partido se a sua primeira reação, mesmo antes daquele estar montado, é competir com ele? O apontamento [de Cruse] é ridículo frente a isso.
Não há a menor sombra de “competição com o FNP” na candidatura presidencial de Clifton DeBerry, exceto na cabeça de Cruse. Quando DeBerry foi denominado pelo SWP, era perfeitamente claro que o FNP não estaria hábil a lançar uma campanha presidencial no seu primeiro ano de existência. Ademais, DeBerry, em toda chance que tinha, expressava o seu (e o do SWP) completo apoio para o esforço de criar um FNP independente e de massas. (e era criticado por isso. O que DeBerry deve fazer então: manter o silêncio – ou opor-se ao FNP?)
O FNP ganhou uma visibilidade a nível estadual somente no pleito de Michigan. Aí, no dia após o FNP finalizar suas petições na última primavera, o SWP, o qual tinha conseguido as suas petições e ganhou direitos eleitorais em 1963, publicamente afirmou que era na campanha para combater os democratas e os republicanos: “Nós não estamos fazendo campanha contra o Freedom Now Party o qual, na nossa opinião, tem valiosas contribuições a fazer nessa luta eleitoral para um mundo livre de opressão e exploração. Nós saudamos a sua entrada na campanha eleitoral, e esperamos que ele tenha grande visibilidade entre os brancos assim como entre os negros.” Como prova de que isso não era só falatório, o SWP de Michigan não está concorrendo contra, mas endossando os candidatos do FNP em cada distrito de Michigan no qual existe a mínima possibilidade eleitoral.
Clifton DeBerry já refutou o argumento da “manobra”. A alegação de que ele “se ligou ao Freedom Now Party sem permissão do partido para tal” se apoia inteiramente no fato que DeBerry, sem jamais fingir sem um porta-voz do FNP, expressou apoio para o FNP e conclamou os militantes negros a ajudar a construí-lo. Qualquer expectativa de que DeBerry tivesse de pedir permissão ao FNP, ou ao Partido Democrata, ou ao Partido Republicano, antes de expressar as suas opiniões políticas sobre eles é – como podemos dizer? - levemente fantástica.
O ponto da “intromissão” é igualmente sem base alguma. DeBerry e o SWP foram acusados de estar se “intrometendo” no desenvolvimento do FNP porque quando eles discutem o significado e efeitos do FNP, “eles precisam tentar projetar a ideia de um Freedom Now Party de acordo com sua própria imagem marxista, com o esgotado e desacreditado tema da unidade [dos movimentos] negro-operário.”
O significado disso é que DeBerry e o SWP discutem o significado do FNP como marxistas. Mas o que há de errado com isso? Isso impede alguém de discutir esse fenômeno do ponto de vista que mais lhe aprouver? Isso interfere com o direito de Cruse de discutir como um antimarxista? Ou o direito de qualquer outro membro do FNP de discutir como queira? Como DeBerry exercer o seu direito de expressar sua opinião, esteja ela certa ou errada, pode ser se “intrometer” no desenvolvimento do FNP?
A argumentação inteira explode quando vemos que Cruse se baseia exclusivamente numa matéria do New York Times a qual apresenta DeBerry dizendo que ele apoia o FNP como “um passo à frente rumo à ação política independente tanto [do movimento] dos trabalhadores quanto [do movimento] negro.” Chacoalhando isso um pouco, Cruse pinta uma imagem de oposição ao FNP:
“Os teóricos trotskistas percebem muito bem que um partido político negro verdadeiramente independente cujas funções não dizem respeito ao que o movimento operário branco faz ou não faz irá posteriormente aumentar a já séria crise no dogma marxista ocidental. Isso poderia mostrar como as ideias marxistas sobre o capitalismo nos países avançados não são para serem levadas a sério.”
Mesmo se DeBerry tivesse dito o que o Times mostrou (um “passo para a ação política independente [do movimento] dos trabalhadores e [do movimento] negro”) em vez da ordem inversa (“ação independente dos negros e dos trabalhadores”), Cruse sabe muito bem o que isso significa: que DeBerry e o SWP acreditam que um partido negro de massas, frustrando e posteriormente destruindo a coalização Democratas-Sindicatos-Movimento Negro, dará ímpeto para a formação de um partido operário independente também.
E o que há de tão terrível, esgotado e desacreditado em tal previsão? Cruse pensa que o estímulo a um partido operário independente pelo crescimento de um FNP de massas seria ruim? Então deixemos com ele a palavra. Será que ele acha aquilo impossível? Então, deixemo-lo argumentar. E não deixemos que ele substitua essa argumentação, o que seria frutífero, por suas reivindicações infundadas que nós não podemos ser a favor de um partido político negro porque isso aprofundaria “a crise do marxismo”.
A única crise que isso aprofundaria seria a crise da política capitalista, a crise dos Democratas, dos burocratas sindicais, dos liberais, dos gradualistas negros – a qual é precisamente uma das razões por sermos fortemente a favor de tal. E, afinal de contas, a ruptura do sistema bipartidário e a radicalização da política americana não está no topo da lista das “ideias marxistas sobre o capitalismo”?
Inclusão | 06/11/2017 |