Trechos Escolhidos sobre Literatura e Arte

Marx, Engels, Lenine e Stalin


Primeira Parte: Marx e Engels
VI — POR UMA LITERATURA REVOLUCIONÁRIA


1. — CONTRA UMA LITERATURA DE SUBMISSÃO.
capa

Em luta contra essas condições sociais, a crítica não é uma paixão da cabeça, é a cabeça da paixão. Não é um escalpelo, é uma arma. Seu objetivo é o inimigo que ela quer não refutar, mas aniquilar. Porque o espírito dessas condições sociais foi refutado. Essas condições em si não constituem assuntos dignos de prender a atenção, mas um estado de fato tão desprezível quanto desprezado. A crítica em si não precisa fatigar-se para compreender esse objetivo, visto que está fixada a seu respeito. Não se dá mais como um fim em si mas unicamente um meio. Sua paixão essencial é a indignação, sua tarefa essencial a denúncia.

...A crítica que se ocupa desse objetivo é uma crítica em combate e em combate não se trata de saber se o adversário é um adversário nobre, um adversário de nossa categoria, um adversário interessante; trata-se de atacá-lo. Trata-se de não deixar aos alemães um só instante de ilusão ou de resignação. É preciso tornar a opressão real mais opressiva ainda, acrescentando-lhe a consciência da opressão e tornar a Vergonha mais vergonhosa ainda dando-lhe publicidade. É preciso representar cada esfera da sociedade alemã como a parte vergonhosa da sociedade alemã, e estas condições sociais petrificadas, é preciso forçá-los a dançar, obrigando-a a ouvir o som de sua própria melodia! É preciso ensinar ao povo a horrorizar-se de si mesmo, a fim de dar-lhe coragem.
(MARX, Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Obras, t. i pgs. 609-610, ed. al.; Ed. Costes, Obras Filosóficas, t. I, pgs. 87-89).

2. — A LITERATURA POPULAR.

Se a crítica conhecesse melhor o movimento das classes populares inferiores, saberia que a extrema resistência que elas encontram na vida prática as modifica diariamente. A nova literatura em prosa ou em verso que, na Inglaterra e na França, provém das classes populares inferiores, lhe demonstraria que as classes populares inferiores sabem elevar-se intelectualmente sem a proteção imediata do Espirito Santo da crítica crítica.
(MARX, A Sagrada Família. Obras, t. III, p. 311, ed. al.; Edit. Costes, Obras Filosóficas, t. II, p. 2421

3 — THOMAS HOOD.

Na A situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845), Engels não deixa de acentuar as manifestações literárias do sofrimento e da revolta proletária. Cita (pgs, 177-178, ed. al.) a poesia de um operário de Birmingham, Edward P. Mead, contra “o rei Vapor” que termina por um apelo à insurreição.(1)

É a expressão exata do sentimento que reina entre os operários”, escreve Engels. Mais adiante ele ele fala de Thomas Hood (1799-1845), o autor da Canção da Camisa.

Thomas Hood, o mais bem dotado de todos os humoristas ingleses contemporâneos, e, como todos os humoristas, cheio de sentimentos humanos mas sem nenhuma energia intelectual, publicou no começo do ano 1844, no momento em que a miséria das costureiras enchia os jornais, uma bela poesia: The song of the shirt, A Canção da Camisa, que arrancou grandes lágrimas de compaixão, mas sem utilidade, dos olhes das moças da burguesia. Falta-me espaço para reproduzi-la aqui; apareceu inicialmente no Punch e correu depois toda a imprensa. A situação das costureiras foi então tratada em todos os jornais, e assim citações especiais seriam supérfluas.
(ENGELS, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Obras, t. IV, p. 201, ed. al.; Edit. Costes, t. II, página 131).

4. — O PROLETARIADO INGLÊS E A LITERATURA.

E, — o que demonstra a que ponto o proletariado inglês conseguiu adquirir uma cultura independente, — as manifestações mais importantes da nova literatura filosófica, politica e poética são lidas quase exclusivamente pelos operários. O burguês, escravo do regime social e dos preconceitos que ele encerra, treme e se benze diante de tudo o que é verdadeiramente o ponto de partida de um progresso; o proletário tem os olhos abertos sobre isso e o estuda com prazer e sucesso. A esse respeito, os socialistas principalmente, muitíssimo fizeram pela cultura do proletariado; traduziram os materialistas franceses Helvecius, Diderot, etc., e os difundiram ao mesmo tempo que as melhores produções inglesas a baixo preço. A Vida de Jesus» de Strauss e a Propriedade, de Proudhon, circulam igualmente entre os proletários. Shelley, o genial e profético Shelley e Byron com seu ardor sensual e sua amarga sátira à sociedade existente, encontram a maior parte de seus leitores entre os operários; os burgueses só possuem deles edições expurgadas, family editions, que são preparadas de acordo com a moral hipócrita da época. Os dois maiores filosofes práticos dos últimos tempos, Bentham e Godwin, são também, principalmente este último, propriedade quase exclusiva do proletariado; se bem que Bentham tenha também feito escola entre a burguesia radical, só o proletariado e os socialistas conseguiram desenvolvê-lo. Nessas bases, o proletariado criou- se uma literatura que lhe é própria, constituída principalmente pelos jornais e brochuras e cujo valor ultrapassa de muito toda a literatura burguesa.
(ENGELS, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Obras, t. XV, pgs. 227-228, ed. al.; Edit. Costes, t. II, pgs. 182-184).

5. — BERANGER.

A Associação Democrática, tendo por fim a união e a fraternidade de todos os povos”, criada em Bruxelas, enviou em 28 de fevereiro de 1848, alguns dias antes da queda de Luis Felipe, uma mensagem ao Governo provisório da República francesa, mensagem redigida em francês e com a assinatura de Karl Marx, seu vice-presidente.

A vós, franceses, a vós a honra, a vós a glória de ter lançado os principais fundamentos dessa aliança dos povos tão profeticamente cantada pdo vosso imortal Beranger.
(MARX, Mensagem da Associação Democrática... Obras, t. VI, p. 654, ed. al.)

6. — HENRI HEINE.

Marx exerceu, em graus diversos, uma influência profunda sobre os quatro poetas revolucionários da Alemanha no século XIX: Heine (1797-1856), Weerth (1821-1856), Freiligrath (1810- 18761 Herwegh (1817-1875).

A filha de Marx, Eleanora Marx Aveling, que deixou um depoimento emocionante sobre as relações entre Marx e Heine, escreveu em suas memórias, que seu pai “era um grande admirador de Heine. Ele amava tanto ao homem quanto a suas obras e era muito indulgente para suas fraquezas políticas. Dizia que os poetas são criaturas originais, que é preciso deixá-los seguir seu caminho próprio e que não se lhes deve aplicar a mesma medida que às pessoas comuns”.(2)

Foi durante sua estada em Paris (1843-1845) que Marx se ligou a Heine. “Não temos necessidade de muitos sinais para nos compreendermos”, escrevia o poeta a Marx, no decorrer de| uma viagem que fez à Alemanha em 1844. Quando foi expulso, em janeiro de 1845, Marx, nos atropelos de sua partida precipitada para a Bélgica, mandou um bilhete a Heine: “De todas as pessoas que aqui deixo, o mais doloroso é o deixar Heine. Gostaria de levá-lo na minha bagagem”...(3)

Mais tarde, Marx e Engels criticaram os erros e as faltas de Heine, a pensão dada ao poeta na miséria pelo governo francês sob Luis Felipe (carta de Marx a Engels em 17 de janeiro de 1855), as fraquezas devidas à doença, sua conversão em 1848 seu testamento com “retratação em face de Deus e dos homens” (carta de Marx a Engels em 8 de maio de 18561 Mas eles guardaram sempre admiração pelo escritor revolucionário, cuja criação poética atingiu verdadeiramente seu apogeu durante aquele ano de 1844 quando frequentava Marx em Paris. A áspera e sombria lamentação dos Tecelões e o poema satírico Alemanha, Um conto de inverno (1844) marcam as preocupações sociais do poeta que, o comunismo atrai:

Ein neues Lied, ein basseres Lied,
O Freunde, will ich eych dichten!
Wir wollen hier auf Erden schon
Das Himmelreich errichten.

Wir wollen auf Erden Glucklich sein
Und wollen nicht mehr darben;
Verschlemmen soll nicht der faule Bauch
Was fleissige Hande erwarben.

Es wachst hienieden Brot genug
Für alle Menschenkinder
Auch Rosen und Myrten, Schonheit und Lust,
Und Zuckererbsen nicht minder.

Ja, Zuckererbsen für jedermann,
Sobald die Shoten platzen!
Den Himmel uberlassen wir
Den Engeln und den Spazen.(4)

I

Henri Heine, o maior de todos os poetas alemães vivos, reuniu-se às nossas fileiras e publicou um volume de poemas políticos que contém algumas peças pregando o socialismo. Ele é o autor do célebre Canto dos Tecelões Silesianos do qual vos dou uma tradução prosaica mas que — e isso me assusta — será considerado como uma blasfêmia na Inglaterra... Com esse canto que no original alemão é um dos poemas mais poderosos que conheço, despeço-me por esta vez, com a esperança de poder brevemente vos falar de nossos progressos e de nossa literatura social.
(ENGELS, Rapid Progress of Communism in Germany, 1845. Obras, t. IV, pgs. 341-342, ed. al.)

II

Como na França, no século XVIII, a revolução filosófica precedeu, na Alemanha do século XIX, à catástrofe politica. Mas que diferença nos dois casos! Os franceses estão em., luta aberta contra toda a ciência oficial, contra a Igreja, frequentemente mesmo contra o Estado; suas obras são impressas do outro lado da fronteira, na Holanda ou na Inglaterra e eles próprios quase sempre são obrigados a fazer, de tempos em tempos, uma temporada na Bastilha. Os alemães, pelo contrario, são professores, instrutores da juventude nomeados pelo Estado, suas obras reconhecidas como manuais oficiais de ensino e o sistema que coroa todo o desenvolvimento, o de Hegel, elevado mesmo de certa maneira à categoria de filosofia oficial da monarquia prussiana! E é atrás desses professores atrás dessas frases pedantes e obscuras, desses períodos pesados e enfadonhos que a revolução se deve esconder. Os homens que passaram à época como representantes da revolução, os liberais, não eram os adversários mais encarniçados dessa filosofia que lançava a confusão em todos os cérebros? Mas o que nem o governo nem os liberais viram, foi visto por um homem pelo menes desde 1883: é verdade que esse homem se chamava Henri Heine(5).
(ENGELS, Ludwig Feuerbach, pgs. 15-16. Verlag für Literatur und Politik, ed. al.; MARX e ENGELS, Estudos Filosoficos, p. 10, E.S.I.)

7. — A REVOLUÇÃO SUAVIZADA POR FREILIGRATH

Freiligrath (1810-1876) deixou-se inicialmente seduzir pela miragem romântica do Oriente. Proclamara a independência absoluta do poeta acima dos partidos.

Er beugt sein Knie dem Helden Bonaparte
Und hort mit Zurnen d’Enghiens Todesschrel:
Der Dichter stcht auf einer hohern Warte.(6)

Herwegh respondeu-lhe na Gazeta Renana em fevereiro de 1842:

Ihr musst eucj mit in diesem Kampfe schlagen
Ein Schwert in curer Hand ist das Gedicht...

Ich hab' gewahlt, ich habe mich entschieden
Und meinem Lorbeer flechtet dir Partei.(7)

Alguns anos mais tarde, Freiligrath se reaproxima do movimento revolucionário e modifica seu ponto de vista. Publicou “A revolução caminha” (1846) coletânea de poemas revolucionários a propósito do qual Engels lamenta a ingenuidade do poeta, visivelmente afastado das massas.

Durante a revolução de 1848, Freiligrath aderiu à Liga dos Comunistas e colaborou na Nova Gazeta Renana; sob a influência direta de Marx escreveu seus mais belos poemas; quando Marx foi expulso de Colonia e a Nova Gazeta Renana teve de desaparecer, publicou em 18 de maio de 1849 na primeira página de seu último número impresso em papel vermelho, seu poema que se tornou célebre:Não é um golpe leal numa luta leal.”

Quando a maré revolucionaria entrou na vazante e a Liga dos Comunistas, depois do processo de Colonia (1852) foi declarada dissolvida, Freiligrath afastou-se do Partido e só conservou relações pessoais com Marx. Em 28 de fevereiro de 1860 escreve-lhe a fim de pedir sua demissão oficial de membro do Partido ao qual, na verdade, desde muito deixara de pertencer: “Para minha natureza como para a de todo o poeta é preciso liberdade! O Partido também é uma prisão e os cantos, mesmo para o Partido, é melhor que sejam cantados fora da prisão que dentro dela. Fui poeta do proletariado e da revolução muito antes de tornar-me membro da Liga e membro da redação da Nova Gazeta Renana!.. Freiligrath voltava à sua antiga posição...

Marx, em sua resposta (20 de fevereiro de 1860) criticou a concepção que Freiligrath fazia da liberdade. Demonstrou-lhe que, deixando o partido proletário, o poeta não ia cantar suas canções fora da prisão, mas realmente, lamentando-se das más companhias a que se expunha pertencendo ao Partido, ele nada mais fazia que se unir ao partido burguês de pessoas respeitáveis.

Depois disso, Marx e Engels falavam apenas acidentalmente e com desdem de Freiligrath, principalmente por ocasião da guerra de 1870-18711 quando o poeta se proclamou nacionalista alemã e publicou suas poesias patrióticas (carta de Marx a Engels em 22 de agosto de 1870).

O poema mais característico é: “Como isso se faz”, isto é, como Freiligrath faz uma revolução. Tempos difíceis chegaram, o povo tem fome, está vestido de farrapos. “Onde obterá pão e roupas?” Nesta emergência, aparece um “rapaz ousado” e sensato. Conduz todo o pessoal ao arsenal da Landwehr e distribui os uniformes que são logo vestidos. “Para experimentar” tomam fuzis e acham que carregá-los “será um ótimo divertimento”. Aí, ocorre uma ideia ao nosso “ousado rapaz”: poder-se-ia chamar “uma rebelião, infração e roubo essa farsa de vestimentas” e então seria preciso “rir dessa mascarada”. O grupo carrega barretinas, sabres e cartucheiras, e arvora um alforje de mendigo à guiza de bandeira. Assim se chega à rua. Aí aparece “a tropa de linha real”, o general dá ordem de fogo, mas os soldados, jubilosos, confraternizando se jogam nos braços da Landwehr de brinquedo. E como tudo está bem encaminhado, dirigem-se todos “por brincadeira” para a capital, encontram reforço em caminho e é assim que, mediante uma mascarada: “O trono é derrubado, a coroa cai, o Império treme em seus alicerces”. Isso se passa tão rápida e tão facilmente, que durante todo esse processo os cachimbos dos homens do “batalhão proletário”, não tiveram tempo de apagar-se. É preciso reconhecer que em nenhuma parte as revoluções se fazem com tanta alegria nem com tão poucas dificuldades quanto na cabeça de Freiligrath. Era necessária verdadeiramente toda a hipocondria atrabiliária da Allgemeine Preussiche

Zeitung para enxergar um crime de alta traição numa festa campestre tão inocente e tão idílica.
(ENGELS, Os Verdadeiros Socialistas. Obras, t. VI, pgs. 105-106, ed. al.)

8. — INFLUÊNCIA IDEOLÓGICA NA POESIA.

Se se quisesse, contrariamente à verdade, atribuir-me qualquer influência sobre ti, isso só seria verdadeiro, quando muito, relativamente ao curto período da Nova Gazeta Renana, onde compuseste admiráveis poesias, certamente as mais populares que escreveste.
(MARX, Carta a Freiligrath, em 23 de novembro de 1859; MEHRING, Freiligrath und Marx in ihrem Briefwechsel, 1912, pg. 32, ed. al.)

9. — GEORGES WEERTH.

Engels, tão severo para com a poesia revolucionaria quando ela é ingenuamente sentimental e declamatória ou idílica, segue, desde sua juventude, com um olhar atento e ávido, cada verdadeira manifestação da literatura proletária. Uma poesia de Weerth, morto havia 21 anos, poesia encontrada em 14 de março de 1883 nos papéis de Marx, que acabava de morrer, inspirou-lhe um artigo no Sozial-Demokrat, de Zürich, em 7 de junho de 1883.

HANDWERKSBURSCHLIED VON GEORG WEERTH (1846)

Wohl um die Kirschenbluthe
da haben wir logirt,
Wohl um die Kirschenbluthe
In Frankfürt einst logirt.

Es sprach der Herbergsvater:
“Habt schlechte Rocke an!
“Du lausiger Herbergsvater,
Das geht dicj gar nichts an!

"Gib uns von deinem Weine,
Gib uns von deinem Bier;
Gib uns zu Bier und Weine
Auch ein gebraten Thier”.

Da kräht der Hahn im Spunde-
Das ist ein guter Frluss.
Es schmeckt in unsrem Munde
Als wie Urinus.

Da bracht’er einem Hasen
In Petersilienkraut;
Vor diesem todten Hasen
Hat es uns sehr gegraut.

Und als wir waren im Bette
Mit unsrem Nachtgebet,
Da stehen uns im Bette
Die Wanzen früh und spät.

Das ist gescheh‘n zu Frankfürt
Wokl in der schönen Stadt,
Das weiss, der dort gelebet
Und dort gelitten hat(8).

Encontrei essa poesia de nosso amigo Weerth no espólio literário de Marx. Weerth, o primeiro e o mais importante poeta do proletariado alemão, nasceu de pais renanos em Detmold onde seu pai era zelador de igreja. Quando em 1843, eu morava em Manchester, Weerth veio a Bradford como representante de uma casa alemã e passamos juntos muitos domingos alegres. Em 1845, quando Marx e eu morávamos em Bruxelas, Weerth foi encarregado pela sua casa de representá-la nos países continentais e arranjou meios de estabelecer seu quartel general igualmente em Bruxelas. Depois da revolução de março de 1848, encontramo-nos todos em Colonia para a fundação da Nova Gazeta Renana. Weerth encarregou-se do folhetim e duvido muito que outro jornal tenha tido, jamais, folhetins tão alegres e tão mordazes. Uma de suas principais obras foi: A vida e as explorações do célebre cavaleiro Schnapphahnski, onde descreveu as aventuras do príncipe Lichnovsky que Heine, em Atta Troll designou por este nome. Os fatos são todos verídicos; mas como deles tomamos conhecimento é o que direi talvez noutra ocasião. Esses folhetins sobre Schnapphahnski foram editados num livro por Hoffmann e Campe em 1849 e são hoje ainda muito divertidos. Mas como Schnapphahnski-Lichnovsky, em 18 de setembro de 1848 fora, a cavalo em companhia do general prussiano von Auerswald (igualmente membro do Parlamento) espionar as colunas de camponeses que se dirigiam para Francfort a fim de se reunir aos combatentes das barricadas, e que nessas circunstancias ele e Auerswald foram, segundo o que mereciam, mortos como espiões pelos camponeses, a justiça do Império apresentou uma queixa contra Weerth por ter ofendido a memória de Lichnovsky e o poeta, que se achava desde muito na Inglaterra, foi condenado a três meses de prisão muito depois da reação ter fechado a Nova Gazeta Renana. Ele teve efetivamente que passar esses três meses na prisão, porque seus negócios o obrigavam a ir à Alemanha de quando em vez.

De 1850 a 1851, realizou, por conta de uma outra casa Bradford, uma viagem à Espanha, e depois às índias Ocidentais e percorreu quase toda a América do Sul. Depois de uma curta estada ha Europa voltou para suas queridas índias Ocidentais. Aí não pôde resistir ao desejo de ver em Haiti o rei negro Soulouque (53), o verdadeiro protótipo de Luis Napoleão III. Entretanto, — como Wilhelm Wolff (57) dizia a Marx, em carta de 28 de agosto de 1856 — teve “aborrecimentos com as autoridades devido à quarentena e foi obrigado a renunciar ao seu projeto, sendo atacado no decorrer da viagem pela febre amarela que o levou à Havana. Doente de cama declarou-se a meningite. Em 30 de julho nosso Weerth morria em Havana”.

Eu o chamei o primeiro e o mais importante poeta do proletariado alemão. Realmente, seus poemas socialistas e políticos superam de muito os de Freiligrath pela originalidade, humour e principalmente pelo calor do sentimento. Serve-se frequentemente da forma de Heine, mas só para enchê-la de conteúdo original, inteiramente independente. Ainda mais, distingue-se dos outros poetas alemães porque suas poesias, uma vez escritas, lhe são totalmente, indiferentes. Depois de ter mandado uma cópia a Marx ou a mim, ele não se preocupava mais com os seus versos e, muitas vezes, era mesmo difícil forçá-lo a publicá-los. Só agiu de outro modo durante o período da Nova Gazeta Renana. Este trecho de uma carta de Weerth a Marx, escrita de Hamburgo em 38 de abril de 1851, nos revela as razões dessa conduta.

“Espero aliás te rever em Londres no começo do mês de julho porque não posso suportar esses grasshoppers(9) de Hamburgo. Uma existência brilhante me ameaça aqui, e me faz medo. Qualquer pessoa se agarraria a ela com as duas mãos. Mas estou muito velho para me tornar um filisteu, e do outro lado do mar está o longínquo Ocidente”.

Nestes últimos tempos escrevi uma porção de cousas, mas terminei nada porque não vejo naquilo que escrevo, nem utilidade, nem finalidade. Quando tu escreves qualquer cousa sobre economia politica isso tem um sentido e uma razão. Mas eu? Fabricar palavras de espírito miserável e fazer graças ruins para provocar um riso imbecil nas fisionomias careteiras de nossos compatriotas — decididamente não conheço nada de mais lastimável. Minha atividade literária morreu, sem dúvida, com a Nova Gazeta Renana.

Devo confessar; quanto mais lamento ter perdido, sem razão, sem motivo, esses três últimos anos, tanto mais penso com prazer em nossa vida em Colonia. Nós não nos comprometemos. Isso é o essencial! Desde Frederico-o-Grande, ninguém jamais tratou o povo alemão en canaille(10) como a Nova Gazeta Renana.

Não quero dizer que todo o mérito me pertença, mas eu contribui para isto...

Oh, Portugal! Oh, Espanha! (Weerth regressava justamente desses países). Se ainda nós tivéssemos teu belo céu, teu vinho, tuas laranjas e teus mirtos! Mas nem isso temos nós! Só temos chuva, narizes compridos e carne defumada!

Sob a chuva, com um nariz comprido, teu

G. Weerth.”

No que Weerth foi mestre, no que ele ultrapassou Heine (porque era mais sadio e mais verdadeiro que este), no que ele foi ultrapassado na literatura alemã por Goethe, foi na expressão de uma sensualidade e de apetites carnais sadios e robustos. Alguns dos leitores do Social Democrata ficariam horrorizados se eu quisesse reproduzir aqui certos folhetins da Nova Gazeta Renana. Mas não penso nisso. Contudo, não posso deixar de observar que um momento chegará para os socialistas alemães em que deverão desembaraçar-se do último preconceito filisteu alemão, da hipócrita pudicícia pequeno-burguesa que só serve para encobrir obscenidades secretas. Quando se lê, por exemplo, os poemas de Freiligrath, poder-se-á verdadeiramente pensar que os homens não têm órgãos sexuais. E, no entanto, ninguém amava as licenciosidades escondidas tanto quanto Freiligrath cujos poemas são ultra-púdicos. É tempo realmente para que os operários alemães, pelo menos, se habituem a falar das cousas naturais, indispensáveis e extremamente agradáveis que eles próprios fazem noite e dia, tão naturalmente quanto o faziam os povos romanos, Homero e Platão, Horácio e Juvenal, o Antigo Testamento e a Nova Gazeta Renana.

Aliás, Weerth escreveu também cousas menos censuráveis e me permitirei mandar de vez quando algumas delas para o folhetim do Social-Democrata.
(ENGELS, Canto do Companheiro, de Georges Weerth (1846) Sozial-Demokrat, Zürich, 7 de junho de 1883 (texto fornecido pelo Instituto Marx-Engels-Lenine).

10. — UMA VELHA CANÇÃO CAMPONESA.

O primeiro número do Sozial Demokrat, órgão da “Associação Geral dos Trabalhadores Alemães”, aparecera a 15 de dezembro de 1864, em Berlim, alguns meses depois da morte de Lassalie. Schweitzer, o redator-chefe, pedira a colaboração de Marx e Engels. Marx, que protestara contra os elogios servis feitos no primeiro número a Lassalle, só deu um artigo sobre Proudhon que acabava de morrer (janeiro de 1865) e Engels uma nota sobre O Senhor Tidmann, texto escolhido a propósito para obrigar o jornal a lutar contra os fidalgotes de Bismarck.

Engels deu sempre a maior atenção ao folclore revolucionário; esforçava-se para utilizar no presente as inspirações do passado. Assim no Sozial Demokrat, que apareceu em Zürich (7 de setembro de 1882), publicou a tradução de uma velha canção inglesa sobre um padre que muda de convicções e de religião segundo os reis que estejam no poder". "De nenhum modo esta canção envelheceu na situação atual da Alemanha", acrescenta Engels aludindo ao servilismo dos funcionários prussianos.

Senhor Tidmann é uma velha canção dinamarquesa que Engels transcreve como epigrafe do seu comentário. Eis o resumo dela: “O Senhor Tidmann levanta-se de manhã cedo, põe sua bela camisa, sua roupa de seda, suas botas de couro, suas esporas douradas e vai para o Thing. Reclama de cada camponês sete litros de cereais e um porco sobre quatro. Então, um velho levanta: "Nenhum de nós pode dar isso. Que o senhor Tidmann não saia vivo do Thing!”(11)

I

Esse trecho da guerra dos camponeses durante a Idade Média, tem como cenário a Suderharde (Harde é uma circunscrição da justiça) ao norte de Arrhus, na Jutlandia. No Thing, — a assembleia de justiça da circunscrição, — julgavam-se além dos casos judiciários, os de imposto e de administração; a canção mostra como a nobreza, depois de sua ascensão ao poder, se conduzia em relação aos Edeling, isto é, os camponeses livres e, ao mesmo tempo, como os camponeses sabiam pôr termo à arrogância dos nobres. Num país como a Alemanha, onde a classe possuidora compreende tanto a nobreza feudal quanto a burguesia, e o proletariado compreende tanto ou maia proletários agrícolas quanto operários industriais, a velha e forte canção camponesa encontra sempre seu ambiente.
(ENGELS, Senhor Tidmann, Sozial-Demokrat, Berlim, 5 de fevereiro de 1865. Texto fornecido pelo Instituto Marx-Engels-Lenine).

II

Envio uma pequena canção popular dinamarquesa sobre Tidmann, que um homem velho liquidou no Thing porque queria fazer pagar aos camponeses novos impostos. É revolucionaria e não cai, entretanto, nas garras da lei, é inicialmente contra a nobreza feudal, contra a qual o jornal deve absolutamente lutar. Acrescentei alguns comentários.
(ENGELS, Carta a Marx, em 27 de janeiro de 1885, Correspondência, t. III, página 218, ed. al.; Edit. Costas, t. VIII, p. 128).

11 — A CANÇÃO REVOLUCIONARIA.

O Partido Social Democrata resolvera, em 1885, editar uma antologia de poemas revolucionários e dirigira-se a Engels pedindo sugestões. Engels acentua as deficiências da canção revolucionaria do passado.

A Marselhesa da guerra dos camponeses foi: Eine feste Burg ist unser Gott(12); o texto e a melodia desse canto refletem a vitória, mas hoje é impossível e inútil interpretá-lo nesse sentido... No que diz respeito às canções estrangeiras, conheço apenas a velha e bela canção dinamarquesa Senhor Tidmann que traduzi no Sozial Demokrat de Berlim em 1865.

Houve toda sorte de canções cartistas, mas estas não são mais encontradas agora. Uma delas começava assim;

Britannia’s sons, though slave you be,
God, your creator, made you free,
To all he life and freedom gave,
But never, never made a slave(13).

Não sei nada mais. Tudo isso caiu no esquecimento; aliás essa poesia não valia grande coisa.

Em 1848, duas canções com a mesma melodia, foram muito difundidas.

  1. Schleswig-Holstein;
  2. O cântico de Hecker.

Kecker, hoch Dein Nams schalle
An dem ganzen deutschen Rheim.
Deine Grossmut, ja Dein Auge
Flossen schon Vertrau’n ein.
Hecker, der ais deutscher Mann
Für die Freiheit sterben kann.(14)

Penso que isso basta. Depois a variante:

Hecker, Struve, Blenker, Zitz und Blum,
Bringt die deutschen Furste um!(15).

(ENGELS, Carta a Schluter, 1885. Texto fornecido pelo Instituto Marx-Engels- Lenine).

continua>>>

Notas de rodapé:

(1) E seus capatazes furiosos, os orgulhosos senhores das usinas, — regurgitando de ouro e vermelhos de sangue —, a cólera do povo deve abate-los, — como o monstro, como o seu Deus! (retornar ao texto)

(2) Grunberg; Archiv fur die Gesghichte des Sozialismus und der Arbeiter-Bewegung. t. IV, 1913, p. 215-219. (retornar ao texto)

(3) Grunberg, Archiv. t. IX, 1920, p. 132. (retornar ao texto)

(4) Estrofes do poema “Alemanha”. Um conto de Inverno, (Cap. 1) Amigos, quero compor para vocês — uma nova canção, uma canção melhor! — Queremos, já nesta terra — estabelecer o reino dos céus. — Queremos ser felizes nesta terra — Não queremos mais sofrer fome, — O ventre do preguiçoso não mais deve devorar, — aquilo que mãos trabalhadoras acumularam. — Nesta terra aumenta o pão —- para todos os filhos dos homens há rosas, mirtas, beleza e alegria — e também ervilhas doces — Sim, ervilhas doces para cada um, — Desde que as favas se abram — Nos deixaremos o céu — Para os anjos e os pardais. (retornar ao texto)

(5) Heine escreveu em sua Contribuição à Historia da Religião e da Filosofia na Alemanha (1832): “Nossa revolução filosófica está concluída. Hegel terminou seu grande ciclo”. (retornar ao texto)

(6) Ele (o poeta) dobra os joelhos diante do herói Bonaparte — E escuta enraivecido o grito de morte do duque de Enghien: O poeta está de pé sobre uma torre mais alta que as ameias do Partido. (retornar ao texto)

(7) Também deveis travar a batalha — A poesia é uma espada em vossas mãos... — Eu já escolhi, eu já me decidi — E meus louros são tecidos pelo Partido. (retornar ao texto)

(8) Canção do Companheiro de Georges Weerth (1816):

Na espoca das cerejeiras em flor — que moramos em Frankfurt — Foi na época das cerejeiras em flor — que outrora moramos em Frankfurt. — O estalajadeiro dizia: — “Estão muito mal vestidos!” — Estalajadeiro piolhento — Que tens tu a ver com isso? — “Dá-nos de teu vinho — Dá-nos da tua cerveja; — Dá-nos com a cerveja e o vinho — Um assado” — A torneira Pinga no tanque — Eis um rio excelente — A bebida tem em nossa boca — O gosto de urina. — Ele nos trouxe então um coelho — Com salsa e couve – E esse coelho morto — nos aterrorizou enormemente, — E quando fomos para a cama — com a nossa oração da noite nos lábios — fomos mordidos na cama — da noite à manhã pelas pulgas — Isso aconteceu em Frankfurt — Uma tão bela cidade — Ele o sabe, ele que viveu — E que sofreu. (retornar ao texto)

(9) Gafanhotos. (retornar ao texto)

(10) Em francês no texto. (retornar ao texto)

(11) O primeiro golpe foi o velho quem deu. Atirou o senhor Tidmann ao chão. — Senhor Tidmann está estendido, seu sangue corre em borbotões. — E essas coisas todas a gente de Suder as louva, — Senhor Tidmann está no chão, seu sangue corre em borbotões. — Entretanto, o arado livremente rasga a terra negra, — Os porcos livremente pastam na floresta, — E essas coisas toda gente de Suder as louva. (retornar ao texto)

(12) “Nosso Deus é uma fortaleza sólida”... hino de Lutero. (retornar ao texto)

(13) Filhos da Grã-Bretanha, se bem que sejais escravos, — Deus Vosso criador vos fez livres. — A todos ele deu a vida e a liberdade, — E nunca, nunca, fez ele um escravo. (retornar ao texto)

(14) Kecker, que teu nome ressoe bem alto — Sobre todo o Reno alemão, — Tua magnanimidade, teu próprio olhar, — Já inspiram confiança. — Kecker que, como alemão, — Sabe morrer pela liberdade! (retornar ao texto)

(15) Kecker, Struve, Blenker, Zitz e Blum, — Destruí os príncipes alemães! (retornar ao texto)

Inclusão 03/07/2019