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A indústria só começou a se desenvolver na Rússia depois dos outros países capitalistas: Inglaterra, França e Alemanha. Por isso, também o movimento operário começou a se desenvolver mais tarde e apenas adquiriu caráter de massa lá para a década de 90 do século passado. Por essa altura, a experiência de luta do proletariado internacional, que passara, entretanto, por várias revoluções, era já grande. Foi no fogo desse movimento revolucionário que se forjaram pensadores como Marx e Engels, cuja doutrina iluminaria o caminho a percorrer pelo proletariado. Eles demonstraram que o regime burguês estava irremediavelmente condenado, que o proletariado triunfaria de maneira inevitável, conquistando o poder, reorganizando a vida e criando uma sociedade nova, comunista.
Lênin, que na sua juventude estudou a doutrina de Marx e Engels e sobre ela meditou profundamente, compreendeu que o marxismo era um guia para a ação da classe operária na Rússia, pois só ele poderia fazer com que os operários russos deixassem de ser ignorantes escravos, oprimidos e brutalmente explorados, transformando-os em lutadores conscientes e organizados pelo socialismo, fazendo da classe operária uma força poderosa, orientando na sua esteira o grosso dos trabalhadores e pondo cobro à exploração.
A doutrina de Marx esclareceu Lênin quanto ao rumo do desenvolvimento social.
“Se a nossa propaganda – dizia Lênin – alcança êxitos, isso não acontece por virtude da nossa habilidade propagandística, mas porque afirmamos a verdade”.
A profunda convicção é uma das características da propaganda leninista.
Lênin dominava perfeitamente a doutrina marxista; leu e releu cada uma das obras de Marx. O seu texto sobre Marx, escrito em 1914 para o Dicionário Enciclopédico de Granat, traz uma extensa bibliografia e é uma amostra do seu conhecimento da doutrina marxista. Todas as obras de Lênin o demonstram.
O perfeito conhecimento dos assuntos em causa é a segunda característica da propaganda leninista.
Lênin conhecia a teoria marxista, todas as suas relações e conexões.
Em 1894, quando o movimento operário ainda despontava, Lênin escreveu Quem são os verdadeiros “amigos do povo” e como lutam contra a social democracia, texto onde fez a defesa da aplicação do marxismo na Rússia, de acordo com as nossas condições concretas e desde os primeiros passos do movimento operário.
É de notar que afirmou isso quando a maioria não podia assumir um papel de relevo na Rússia.
Em 1898, publicou O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, onde demonstrou, à base de inúmeros dados, que o desenvolvimento capitalista, apesar do atraso do país, se estava a fazer na Rússia.
Em 1902, Que Fazer?. Analisa aí o que deve ser o partido da classe operária na Rússia para poder conduzir a classe por uma via correta.
Em 1905, As duas táticas da social-democracia na revolução democrática.
Em 1907, quando a derrota da revolução de 1905 era já evidente, entre outras razões devido à insuficiente ligação do movimento operário com o campesinato, Lênin escreveu O programa agrário da social-democracia na primeira revolução russa, onde sublinhou a necessidade de uma sólida aliança revolucionária da classe operária e do campesinato, fundamentando toda a sua argumentação na experiência de 1905.
As questões cruciais para o movimento operário foram, todas elas, cuidadosamente estudadas à luz do marxismo por Lênin. Sabemos hoje a importância enorme que o livro de Lênin sobre o imperialismo, escrito no clímax da guerra mundial, e O Estado e a Revolução, publicado nas vésperas da Revolução de Outubro, tiveram entre nós. A relação estabelecida entre a teoria e a prática é uma particularidade das obras de Lênin: nenhuma questão prática aparece nela separada da teoria, os problemas teóricos estão estreitamente vinculados à realidade viva, e isto permite ao leitor compreender facilmente tanto uns como outros. Quer nos trabalhos científicos, quer na propaganda oral e escrita, Lênin sabia fundir a teoria com a prática.
A arte de relacionar a teoria com a realidade viva, tornando compreensível, ao mesmo tempo, a teoria e a realidade circundante, é outra das características da propaganda leninista.
Não era por serem interessantes que Lênin estudava a teoria e a realidade. Se analisava a realidade à luz do marxismo era para tirar dela as conclusões que serviram de guia para a ação. A sua propaganda ligava-se de perto ao que, a cada momento, impunha-se fazer. Na Conferência sobre a Comuna de Paris, realizada na Suíça pouco depois da Revolução de Fevereiro de 1917, Lênin não tratou apenas de como os operários parisienses ganharam o poder em 1871 e do juízo de Marx sobra a Comuna, mas também o que os operários russos teriam que fazer quando conquistassem o poder. Isto explicava como Lênin sabia fazer da teoria um guia para a ação.
A arte de arvorar a teoria em guia para a ação é outra das características da propaganda leninista.
Apesar da amplitude dos seus conhecimentos e da sua vasta experiência de propagandista – as suas conferências e artigos de propaganda são numerosíssimos – Lênin preparava meticulosamente cada intervenção, cada conferência ou relatório. Os numerosos papéis das conferências de Lênin que se conservam, permitem-nos observar como ele pesava escrupulosamente as suas intervenções e a sua arte de destacar o mais necessário, o essencial, e ilustrar os seus pensamentos com exemplos brilhantes.
A preparação cuidadosa de cada intervenção, outra característica da propaganda leninista.
Lênin, nas suas intervenções, não ladeava os problemas delicados nem os atenuava, pelo contrário, colocava-os concretamente, de maneira nua e crua. Por vezes, agudizava mesmo as questões, não se assustando com as palavras fortes: considerava que a linguagem do propagandista não podia ser desapaixonada, semelhante ao murmúrio tranquilo de um regato. Ainda que por vezes falasse com brusquidão, com rudeza, as suas palavras ficavam gravadas na memória, emocionavam e atraíam.
Colocar frontalmente os problemas e sugestionar o público pela fogosidade: eis o método da propaganda leninista.
Lênin estudava atentamente as massas, conhecia as suas condições de trabalho, as suas condições de vida e os problemas concretos que as afligiam. Quando falava às massas, procurava uma linguagem que lhes fosse comum. Nas conferências e palestras tomava em consideração o que nesse momento mais preocupava o auditório, o que o auditório tinha mais dificuldade em compreender e o que lhe parecesse mais importante. Era pelo grau de atenção dos ouvintes, pelas perguntas e contestações que faziam, que Lênin se regulava para apreciar o estado de espírito do público, falar do que lhe interessava, explicar o que eles viam claramente e identificar-se com eles.
Lênin sabia identificar-se com o auditório e criar uma atmosfera de mútua compreensão.
E, finalmente, é de referir que, perante as massas, Lênin dava força às suas palavras. Falava com os operários, os camponeses pobres e médios e os soldados vermelhos de maneira chã, como camarada, como iguais. Não eram para Lênin “objetos de propaganda”, mas pessoas vivas que tinham sofrido e pensado muito, que exigiam atenção para as suas necessidades. “Falava a sério conosco”, diziam os operários, e apreciavam a sua lhaneza, simplicidade e camaradagem. Os ouvintes notavam que Lênin se preocupava com as questões que abordava e isso era, para eles, o mais convincente.
A simplicidade com que explicava as suas ideias e a camaradagem que punha no trato com os ouvintes davam força à propaganda de Lênin, faziam-na particularmente frutífera e eficaz, como agora se diz.
A propaganda, a agitação e a organização não estão separadas por muralhas intransponíveis. O propagandista que saiba comunicar ao público o seu entusiasmo é, ao mesmo tempo, um agitador. O propagandista que saiba converter a teoria em guia para a ação facilita indubitavelmente o trabalho do organizador.
Na propaganda de Lênin as notas de agitação ressoavam vigorosamente e era dada toda a importância aos problemas de organização, o que não diminuía a força e a transcendência da propaganda.
Aprendamos, pois, com o Lênin propagandista.
“A nossa doutrina não é um dogma, mas um guia para ação”, diziam Marx e Engels. Lênin repetia frequentemente estas palavras. Toda sua atividade se orientou no sentido de fazer do marxismo o guia para a ação da classe operária.
Quando chegou a Petersburgo, em 1893, começou a explicar aos operários dos círculos como é que Marx concebia a situação e a tendência para o desenvolvimento da sociedade, ressaltando a importância que Marx dava à classe operária, à sua luta contra os capitalistas e explicando as razões que o levavam a dizer que o triunfo da classe operária era inevitável. Lênin procurava falar com a maior simplicidade, dando exemplos da vida dos operários russos. Via que os operários o escutavam com um grande interesse e assimilavam os fundamentos da doutrina de Marx, mas notava que não bastava falar, que era “necessário desenvolver amplamente a luta de classes”, que era preciso mostrar como isso se poderia fazer e destacar os problemas em torno dos quais se deveria organizar a luta. A tarefa consistia em pegar os fatos que mais preocupavam os operários, explicá-los e mostrar o que importava fazer para acabar com eles, ou modificá-los. Por exemplo: algumas das coisas que mais preocupavam os operários na década de noventa era a duração da jornada de trabalho, as multas, os descontos e o tratamento grosseiro. O círculo de Lênin resolveu mandar um camarada a certas fábricas para ajudar os operários a formular as reivindicações à administração. Depois imprimiam tarjetas que os operários apoiavam, unânimes.
A agitação punha as massas operárias em movimento.
“A propaganda deve estar indissoluvelmente ligada à agitação entre os operários; essa agitação passa naturalmente ao primeiro plano em virtude das atuais condições políticas da Rússia e o nível de desenvolvimento das massas operárias”, escrevia Lênin, em 1897, no texto As tarefas da social-democracia russa.
“A agitação entre os operários se faz com a participação dos social-democratas em todas as manifestações espontâneas da luta da classe operária, em todos os conflitos entre operários e capitalistas por causa da jornada de trabalho, do salário, das condições de trabalho, etc., etc. A nossa tarefa consiste em fundir a nossa atividade com os problemas práticos, cotidianos, da classe operária, ajudar os operários a se orientarem nestas questões, despertar a atenção dos operários para os principais abusos de que são alvo, ajudá-los a formular, da maneira mais exata e prática, as reivindicações perante os patrões, desenvolver nos operários a consciência da sua solidariedade, a consciência da comunidade de interesses e da comunidade da causa de todos os operários russos como classe operária única, parte do exército mundial do proletariado”.
Em 1906, tratando de como os encarregados da agitação eleitoral social-democrata deviam fazer entre os camponeses, Lênin escreveu:
“... a simples repetição da palavra ‘classe’ é insuficiente para demonstrar o papel de vanguarda do proletariado na atual revolução. A exposição da nossa doutrina socialista e da teoria geral do marxismo não bastam para demonstrar o papel da vanguarda do proletariado. Para o fazer, é necessário saber demonstrar com fatos, quando se analisam os problemas candentes da revolução atual, que os militantes do partido operário defendem com mais consequência, acerto, energia e habilidade que ninguém os interesses desta revolução e seu completo triunfo”.
A agitação, segundo Lênin, liga a teoria com a prática. Nisso reside a sua força.
A agitação desempenhou um papel muito importante na luta econômica dos operários, ensinado-os a utilizar a greve como método de luta contra os capitalistas e propiciando a conquista de algumas melhorias para a classe operária.
Com o entusiasmo pelos êxitos na luta econômica, surgiu no seio da social-democracia a corrente do “economismo”, que se caracterizava pelo menosprezo da teoria marxista, pelo culto da espontaneidade, pela tendência para reduzir as tarefas do proletariado à luta pela melhoria da sua situação econômica e pelo afã de restringir a agitação política entre os operários.
“Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário” – escreveu Lênin, em 1902, no Que Fazer?, saindo ao caminho dos economistas.
“Nunca é demais insistir nesta ideia numa altura em que à prédica posta em voga pelo oportunismo se junta um devotamento pelas formas mais estreitas da atividade prática”.
A agitação é um método para fomentar a atividade das massas, e não são os marxistas os únicos a utilizarem-na; a burguesia tem uma enorme e velha experiência neste sentido. Mas uma e outra agitação são em absoluto distintas. Só “a justa solução teórica assegura o êxito sólido da agitação”, dizia Lênin no II Congresso do Partido.
O menosprezo pela teoria e a subestimação da sua importância – “absolutamente independente da vontade de quem a faz” – significa “fortalecer a influência da ideologia burguesa sobre os operários”. Deste modo, o fundamental, aquilo que Lênin dava importância, é o conteúdo da agitação.
Lênin se opunha a que a agitação se reduzisse exclusivamente aos apelos e exigia que ela se ligasse ao trabalho de esclarecimento.
Lênin considerava que a força da agitação estava no trabalho de esclarecimento, convenientemente organizado, simples e claro na forma.
É preciso “falar numa linguagem simples e clara, acessível às massas, abandonando decididamente a artilharia pesada dos vocábulos sábios, das palavras estranhas, as palavras-de-ordens, definições e conclusões aprendidas de antemão, mas que as massas ainda não entendem, nem conhecem” – escrevia Lênin, em 1906, num artigo intitulado A social-democracia e os acordos eleitorais.
Isso não significa, evidentemente, que Lênin negasse a utilidade das palavras-de-ordens.
“Em muitos casos, é conveniente, e por vezes necessário, coroar a plataforma eleitoral da social-democracia com uma palavra-de-ordem geral e breve, a palavra de ordem das eleições, que coloque os principais problemas da prática política imediata e proporcione a base e o material mais favoráveis e acessíveis para fazer a prédica do socialismo em todos os terrenos” – escreveu Lênin, em 1911.
Lênin condenava a demagogia, a excitação dos maus instintos das massas, aproveitando a sua ignorância. Afirmava: “... não me cansarei de repetir que os demagogos são os piores inimigos da classe operária”. A demagogia e as falsas promessas indignavam-no. O que os socialista-revolucionários prometeram aos camponeses!
Lênin nunca prometeu aos camponeses nada em que não acreditasse profundamente. Não admitia que, com a finalidade de se obterem êxitos, calassem-se os nossos objetivos socialistas, a nossa posição nitidamente classista. As massas apercebiam-se disso e compreendiam que Lênin falava “a sério” com elas (como dizia um operário ao recordar as intervenções de Lênin, em 1917).
Atacava fogosamente os economicistas que procuravam restringir o conteúdo da agitação. Em As tarefas da social-democracia russa (1897) Lênin afirmava:
“Se não há no campo econômico problema da vida operária que não seja utilizável para a agitação econômica, também não há no campo político problema algum que não sirva para a agitação política. Estes dois tipos de agitação estão indissoluvelmente ligados na atividade dos social-democratas, como o estão entre si as duas faces de uma medalha. Tanto a agitação política como a econômica são de igual modo indispensáveis para o desenvolvimento da consciência de classe do proletariado; tanto a agitação política como a econômica são de igual modo importantes para a direção da luta de classes dos operários russos, pois toda a luta de classes é luta política”.
“... A agitação multilateral é precisamente o foco onde coincidem os interesses candentes da educação política do proletariado e os interesses candentes de todo o desenvolvimento social e de todo o povo, de todos os elementos democráticos que nele existem. O nosso dever é nos metermos em todas as questões levantadas pelos liberais, definir a nossa posição de social-democratas perante eles e tomar providências necessárias para que o proletariado participe ativamente na sua solução e obrigue a resolvê-las à sua maneira.”
“Será possível nos limitarmos à propaganda da ideia de que a classe operária é hostil à autocracia? Naturalmente que não. Não basta explicar a opressão política a que os operários estão sujeitos (da mesma maneira que não bastava explicar-lhes o antagonismo entre os seus interesses e o dos seus patrões). É necessário fazer a agitação em volta de cada manifestação concreta dessa opressão (como começamos a fazê-la a propósito das manifestações concretas da opressão econômica). E dado que as mais diversas classes são vítimas desta opressão, dado que se manifesta nos mais diferentes aspectos da vida e da atividade sindical, civil, pessoal, familiar, religiosa, científica, etc., etc., é ou não evidente que não cumpriríamos a nossa missão de desenvolver a consciência política dos operários se não nos comprometêssemos a organizar uma vasta campanha de denúncias da autocracia? Porque, para fazer agitação a propósito das manifestações concretas da opressão, é preciso denunciar essas manifestações (do mesmo modo que para fazer agitação econômica era necessário denunciar os abusos perpetrados nas fábricas).”
A Iskra, periódico clandestino editado no estrangeiro, teve ao seu cargo a denúncia política. De acordo com a intenção de Lênin, o periódico deveria converter-se num propagandista coletivo que contribuísse para fundir a atividade das massas numa única torrente e para colocar os problemas mais importantes.
“... Toda a vida política – escrevia Lênin, em 1902, no Que Fazer? – é uma cadeia sem fim formada por uma série infinita de elos. A arte do político está precisamente em achar e segurar com força o elo mais difícil de arrancar das mãos, o elo mais importante num momento determinado, e que garanta tanto quanto possível a quem o possua a posse de toda a cadeia...”.
A Iskra, dirigida por Lênin, sabia escolher os problemas mais importantes e desenvolvia em seu torno uma ampla agitação.
Uma organização política adequadamente estruturada, que abarcasse as imensas massas trabalhadoras, elevava o papel do agitador.
O agitador – dizia Lênin – é um tribuno popular que sabe falar às massas, comunicar-lhes o seu entusiasmo e agarrar os fatos mais salientes e elucidativos. O discurso de um tribuno popular deste tipo encontra sempre eco nas massas e é apoiado pela energia da classe revolucionária.
Lênin foi um agitador, um tribuno popular deste tipo.
No verão de 1905, Lênin escreveu em As duas táticas da social-democracia na Revolução Democrática que
“toda a ação do POSDR se cristalizou já num marco definitivo, consistente e invariável, que garanta incondicionalmente a fixação do centro da gravidade na propaganda e na agitação, nos comícios relâmpagos e nas reuniões de massa, na difusão de prospectos e folhetos, na contribuição para a luta econômica e no apoio das suas palavras-de-ordens”.
Mas, se agitação entrou já no âmbito do trabalho prático e adquiriu formas determinadas, ISSO NÃO SIGNIFICA QUE LÊNIN TOLERASSE, UM MOMENTO SEQUER, QUE ELA SE TRANSFORME NUM CHAVÃO.
Lênin exigia que se abordassem as diferentes camadas da população de maneiras diversas. Qualquer social-democrata que pronuncie, seja onde seja, um discurso político, tem de falar sempre obrigatoriamente da república. Mas é necessário saber falar da república. Não se pode falar dela nos mesmos termos num comício, numa fábrica e numa aldeia cossaca, numa reunião de estudantes ou num casebre de camponeses, nas tribunas da III Duma e nas páginas de uma publicação editada no estrangeiro.
“A arte de qualquer propagandista e de qualquer agitador consiste precisamente em influenciar o melhor possível cada auditório dado, apresentando as verdades conhecidas da forma mais convincente, compreensível e assimilável”, escreveu Lênin, em dezembro de 1911.
Isto, evidentemente, não significa que se deva falar a uns de uma coisa e a outros de outra. Trata-se apenas da maneira de abordar a questão. Recordo-me dos anos que vivemos em Paris e frenquentávamos as sessões eleitorais. Lênin interessava-se particularmente pela maneira como os socialistas falavam nas reuniões públicas. Lembro-me que uma vez ouvimos um socialista discursar num comício operário e voltamos depois a ouvi-lo numa reunião de intelectuais, onde predominavam professores. O conferencista disse na segunda reunião precisamente o contrário do que tinha dito na primeira. Desejava apenas ter o maior número de votos nas eleições. Lênin ficou indignado: o conferencista mostrava-se radical perante os operários e oportunista perante os intelectuais.
Lênin considerava de grande importância o saber explicar as palavras-de-ordens gerais, baseando-se nas questões locais.
“É necessário utilizar o melhor possível o órgão central na agitação local: reimprimindo-o, explicando em panfletos as ideias e as palavras-de-ordens, desenvolvendo-as ou modificando-as consoante as condições locais, etc.”, eis o que Lênin afirmava, em 1905, em nome da redação do Proletari no periódico Rabochi(1).
Nunca se cansava de insistir para que se mudassem as massas, para que se lhes falasse habilmente. Lênin estudava constantemente as massas, sabia escutá-las, compreender o que diziam, e captar a essência do que o operário e o camponês pretendiam expor.
Ao falar da ditadura do proletariado e de como os comunistas se devem preparar para ela, Lênin disse nas Teses acerca das tarefas fundamentais do II Congresso da Internacional Comunista (julho de 1920):
“A ditadura do proletariado é o pleno exercício da direção de todos os trabalhadores e explorados – aqueles que a classe capitalista oprimia, vexava, perseguia, desunia e enganava – pela única classe que o desenvolvimento histórico do capitalismo preparou para esta função dirigente. Daí que a preparação da ditadura do proletariado deve ser iniciada desde já por toda a parte, da seguinte maneira, entre outras”.
Depois de sublinhar a necessidade de organizar células comunistas, Lênin prossegue:
“... estas células estreitamente ligadas entre si e com os órgãos centrais do Partido, permutando entre si suas experiências, realizando um trabalho de agitação, de propaganda e de organização, e adaptando-se a todas as esferas da vida social, a todas as categorias e setores das massas trabalhadoras, devem educar-se a si mesmas com regularidade através deste trabalho multilateral e educar o Partido, a classe e as massas”.
E mais adiante:
“... no que se refere às massas, é preciso aprender a abordá-las do modo mais paciente e cauteloso, para chegar a compreender as particularidades e os aspectos originais da psicologia de cada camada, profissão, etc.”.
Aprender a abordar as massas, era nisso que Lênin via a preparação do Partido para a ditadura do proletariado. Foi isso o que aprendeu com particular tenacidade durante toda a sua vida.
Lênin NÃO TOLERAVA NENHUM CHAVÃO NA ESCOLHA DAS PALAVRAS-DE-ORDENS em torno das quais a agitação era feita. Dava grande importância à sua escolha. Num relatório sobre os partidos pequeno-burgueses apresentado a uma reunião de funcionários do Partido, em novembro de 1918, Lênin assinalou que:
“toda a palavra-de-ordem se pode tornar mais rígida que o necessário”.
Ele dava uma extraordinária importância à flexibilidade na agitação, à arte de escolher numa cadeia de fatos o elo que permitisse arrastar toda a cadeia, ou seja, elucidar todo o conjunto de fenômenos.
Quando, nos inícios da década de 90, entrei para um círculo estudantil, sem ser ainda marxista, os camaradas deram-me para ler as Cartas Históricas, de Mirtov (Lavrov). As Cartas me impressionaram imensamente. Anos depois, na deportação em Shishenkoie, Lênin e eu conversamos sobre este tema. Eu falava delas com muita “suavidade”. Ilich criticava-as numa perspectiva marxista. O meu último argumento foi este: “não terá acaso razão Lavrov quando diz: ‘A bandeira que é revolucionária num momento, poderá ser reacionária no momento seguinte?’”. Ilich me respondeu que esse pensamento era correto, o que, no entanto, não fazia que todo o livro também o fosse.
Ao longo de toda a sua atividade, o Partido, mantendo-se fiel aos seus princípios fundamentais, teve de constantemente mudar as palavras-de-ordens de acordo com as mutações das condições. E as condições de trabalho mudavam sem cessar.
No Verão de 1905, Lênin escreveu aos camaradas da Rússia que era muito importante dar a conhecer aos operários que o órgão central do Partido se editava clandestinamente no estrangeiro com uma tiragem de dois mil exemplares e a sua difusão se fazia ilegalmente. Aos operários apenas chegavam alguns desses exemplares. Mas, ao cabo de uns meses, as condições mudaram radicalmente.
“Agora, a tribuna de onde podemos influir mais amplamente sobre o proletariado é o diário de Petersburgo (podemos publicar dez mil exemplares e reduzir o preço de venda até um copeque)”, escreveu Lênin a Plekanov, nos fins de outubro de 1905.
Em dezembro de 1911, Lênin expôs a importância enorme da “Duma do Estado como tribuna de agitação”. Essa importância era também compreendida pelos liberais, os kadetes, que já na segunda Duma insistiam no fato de os bolcheviques terem abandonado este ponto de vista sobre a Duma.
Quando mudavam as condições, repito, mudavam as palavras-de-ordens.
Em 1897, Lênin assinalou no folheto As tarefas dos social-democratas russos que não se deviam dispersar, mas sim, concentrar todas as forças no trabalho entre o proletariado das cidades. Fazer nesse momento agitação nas aldeias seria gastar inutilmente as energias. Mas, em 1907, Lênin escreveu:
“É preciso decuplicar o nosso trabalho de agitação e organização entre os camponeses, entre os que nas aldeias passam fome e entre os que no Outono passado mandaram os seus filhos para o exército e viveram aí o grande ano da revolução”.
A arte de apreciar cada momento de um ponto de vista marxista, de analisar os acontecimentos em todas as suas conexões, consequência e desenvolvimento, e de determinar o que a classe operária necessita num momento dado para triunfar, a consideração dialética marxista, dos momentos vividos apetrechou o Partido com a arte de escolher corretamente as palavras-de-ordens e de agarrar o elo fundamental. Lênin deu uma contribuição particularmente valiosa à análise das tarefas do Partido em cada etapa.
A escolha correta das palavras-de-ordens ligava a teoria com a prática e dava particular eficácia à agitação. A palavra-de-ordem da “paz” e a palavra-de-ordem da “terra”, lançadas antes de Outubro pelos bolcheviques, asseguraram o triunfo da classe operária e calaram profundamente no espírito dos camponeses e dos soldados. Lênin qualificava de fraseologia revolucionária as palavras-de-ordens que, mesmo brilhantes, não se baseavam na situação real.
Quando, em 1918, colocou-se o problema de aceitar as duríssimas condições de paz com a Alemanha, e alguns, opondo-se à conclusão da paz, falavam da guerra revolucionária, Lênin criticou-os num artigo intitulado Acerca dos compromissos:
“A fraseologia revolucionária é a repetição de palavras-de-ordens revolucionárias sem ter em conta as circunstâncias objetivas, a marcha dos acontecimentos e a situação das coisas. Palavras-de-ordens magníficas, sugestivas, embriagadoras, mas sem base firme, eis a essência da fraseologia revolucionária”, escreveu Lênin. “Quem não queira adormecer com palavras, discursos e exclamações – prossegue – não pode deixar de ver que a palavra-de-ordem de guerra revolucionária, em fevereiro de 1918, é uma palavra-de-ordem atrás da qual nada há de real e de objetivo. Sentimento, desejo, irritação, indignação, eis o único conteúdo desta palavra-de-ordem nos momentos atuais. À palavra-de-ordem que apenas tenha um conteúdo semelhante dá-se o nome de fraseologia revolucionária”.
“O trabalho de agitação política nunca se faz em vão”, escrevia Lênin, em 1908, quando a reação atingia o seu apogeu. “O seu êxito não se mede apenas pelo fato de a conseguirmos fazer agora e que a maioria tenha concordado numa ação política coordenada. Há, no entanto, a possibilidade de não conseguirmos isso: mas precisamente porque somos um partido proletário organizado não devemos nos deixar perturbar pelos reveses transitórios, fazendo o nosso trabalho com tenacidade, de maneira imutável, inclusive, nas condições mais difíceis”.
A vida demonstrou que Lênin tinha razão. Em 1912, começou o afluxo revolucionário e reviveram-se as tradições de 1905, que contribuíram para que os operários contestassem os acontecimentos do Lena com uma grandiosa greve de massas. Os operários compreenderam e ressuscitaram imediatamente esta tradição.
Lênin chamava à greve revolucionária de massas o método proletário de agitação.
“A revolução russa – escreveu Lênin, em junho de 1912 – desenvolveu, pela primeira vez, em vastas proporções, este método proletário de agitação, este método de despertar, coesionar as massas e incorporá-las na luta. E agora o proletariado põe de novo em ação, e ainda com maior firmeza, este método. Não há no mundo nenhuma força capaz de fazer o que a vanguarda revolucionária do proletariado faz com este método. Este imenso país com 150 milhões de habitantes, dispersos pela sua extensão gigantesca, divididos, oprimidos, sem direitos, ignorantes, afastados ‘das influências perniciosas’ por um enxame de autoridades, polícias, espiões; todo este país entra em efervescência. Os setores mais atrasados, quer dos operários quer dos camponeses, entram em contato direto ou indireto com os grevistas. Aparecem de chofre em cena centenas de milhares de agitadores revolucionários, cuja influência se intensifica infinitamente porque estão ligados indissoluvelmente com a base, com as massas, permanecem nas suas fileiras, lutam pelas necessidades mais imediatas de cada família operária, enlaçam esta luta direta pelas necessidades econômicas imediatas com o protesto político e a luta contra a monarquia. A contrarrevolução inculcou em milhões e dezenas de milhões de homens o ódio profundo à monarquia, os germens de compreensão do seu papel, e agora a palavra-de-ordem dos operários avançados da capital – “Viva a República Democrática” – flui sem cessar através das milhares de condutas que vão de cada greve para os setores mais atrasados, para as províncias mais distantes, para o ‘povo’, ‘para as profundezas’ da Rússia”.
As massas convencem-se com fatos, não acreditam nas palavras, mas nos atos.
Na sua intervenção ao III Congresso dos Sovietes, Lênin afirmou:
“Sabemos que se levanta agora outra voz entre as massas populares; elas dizem a si próprias: a partir de agora não devemos temer o homem da espingarda porque defende os trabalhadores e afastará implacavelmente a dominação dos exploradores. O povo se deu conta disso, e, por isso, a agitação feita pelas pessoas simples e pouco instruídas, quando dizem que os guardas vermelhos dirigem todo o seu poder contra os exploradores, é uma agitação invencível”.
Durante a guerra civil, a agitação adquiriu proporções extraordinárias. O Comitê Central Executivo da Rússia organizou então comboios e barcos de agitação. Vladimir Ilich deu extrema atenção a este trabalho e dispôs algumas indicações acerca da escolha do pessoal, do caráter da agitação e de como se devia tomar em conta o trabalho já realizado.
Os decretos do Poder Soviético tinham igualmente grande relevância no terreno da propagando e da agitação. Lênin escreveu:
“... Se renunciássemos a apontar nos decretos o caminho a seguir, trairíamos o socialismo. Estes decretos que puderam imediatamente ser aplicados na íntegra, desempenharam um importante papel do ponto de vista da propaganda. Se anteriormente tínhamos feito a nossa propaganda na base das verdades comuns, hoje temos de a fazer com o nosso trabalho. Este também é propaganda pela ação, e não no sentido de ações isoladas de alguns indivíduos, que tanta chacota nos provocaram na época dos anarquistas e do velho socialismo. Os nossos decretos são apelos, mas não no velho estilo: “Operários, levantai-vos e derrubai a burguesia!”. Não, são exortações às massas, são apelos a ações práticas. Os decretos são instruções que convidam à ação prática das massas. Isso é o essencial”.
LÊNIN RELACIONAVA ESTREITAMENTE A AGITAÇÃO COM A PROPAGANDA E COM A ORGANIZAÇÃO.
“A agitação ajuda as massas a se organizar – dizia Lênin –, coesiona-as e ajuda-as a atuar em uníssono”.
A agitação teve importância organizativa nos momentos da revolução, mas não a tem menos na fase da construção do socialismo. As formas de agitação mudam, mas a agitação continua a ter importância organizativa e, principalmente, a AGITAÇÃO PELOS ATOS, PELO TRABALHO E PELO EXEMPLO.
Lênin dava particular importância à agitação pelo exemplo. No artigo Tarefas atuais do Poder Soviético, escrito entre março e abril de 1918, Lênin sublinhou a grande força de agitação que o exemplo adquiriu na sociedade soviética.
“Com os métodos capitalistas de produção, a importância de cada exemplo isolado, suponhamos de uma cooperativa de produção, fica infalivelmente limitada ao extremo, e só uma fantasia pequeno-burguesa podia sonhar em “corrigir” o capitalismo através da influência de instituições modelo. Depois do poder político passar para as mãos do proletariado, depois da expropriação dos expropriadores, a situação muda radicalmente e, de acordo com as repetidas indicações de destacados socialistas, a força do exemplo adquire pela primeira vez a possibilidade de influenciar em grande escala. As comunas modelo devem servir e servirão como exemplo educador, como ensino e estímulo para as comunas atrasadas. A imprensa deve ser um instrumento para a construção do socialismo, difundido com todos os pormenores os êxitos das comunas modelo, analisando as causas dos seus êxitos, o modelo de organização das suas economias, colocando, por outro lado, na “lista negra” as comunas que obstinam em conservar as “tradições do capitalismo”, quer dizer, a anarquia, a folgança, a desordem, a especulação”.
LÊNIN DAVA ENORME IMPORTÂNCIA À EMULAÇÃO SOCIALISTA COMO MEIO DE AGITAÇÃO.
Quando a guerra civil estava prestes a acabar, Lênin assinalou que a propaganda e a agitação deveriam ser dirigidas para outros fins, ligando-se o mais estreitamente possível à construção socialista e, sobretudo, às tarefas de edificação econômica e da economia planificada.
“A propaganda do velho tipo – dizia Lênin – fala e dá exemplos do que é comunismo. Mas essa velha propaganda não serve para nada, porque é preciso mostrar como é que se deve construir o socialismo. Toda a propaganda deve basear-se na experiência política da edificação econômica... A nossa política fundamental nestes momentos deve ser a construção econômica do Estado... E toda a agitação e propaganda devem basear-se nisso. Todo o agitador deve ser dirigente do Estado, um dirigente dos camponeses e dos operários na edificação do socialismo”.
Lênin exigia que se reforçasse o trabalho econômico e político de comboios e barcos de agitação, incluindo nas suas seções políticas agrônomos e peritos, escolhendo publicações técnicas e políticas adequadas, exigia que se rodassem filmes sobre temas agrícolas e industriais e que se comprassem no estrangeiro filmes desse tipo.
Exigia aos centros de instrução política que organizassem em grande escala a propaganda técnica, redigia teses sobre esta questão, pedia que se estudassem as formas que esta propaganda e agitação industrial se revestia no estrangeiro, sobretudo, nos Estados Unidos, e que se estudasse a aplicação destes métodos no nosso país. Relativamente ao relatório da GOELRO, exigia que se incorporassem as amplas massas operárias no trabalho de eletrificação e que se desse caráter político à agitação em torno de um plano único de eletrificação, exigia que se ampliasse o horizonte politécnico dos operários, sem o qual seria impossível compreender a essência da economia planificada.
Lênin sonhava apaixonadamente transformar o País dos Soviets numa espécie de centro de agitação que convencesse com exemplos, numa tocha que iluminasse o proletariado do mundo inteiro.
Notas de rodapé:
(1) Jornal clandestino, editado pela social-democracia russa, sob a responsabilidade do Comitê Central do POSDR, publicou-se em Moscou, de agosto a outubro de 1905. (retornar ao texto)
Inclusão | 11/09/2012 |