MIA > Biblioteca > Arthur Lehning > Novidades
“Enquanto os Sovietes não tiverem assumido o poder, nós não o teremos”, declarou Lênin, em 14 de abril de 1917, em seu relatório sobre a situação política e a atitude diante do governo provisório, na Conferência dos bolcheviques de Petrogrado(1). Os Conselhos eram a expressão da Revolução popular, os organismos criados por ela e instrumentos da sua vitória. Para eles, a Revolução realizaria seu programa social. E se na reivindicação “todo poder aos Sovietes” se vê a palavra de ordem característica da Revolução em sua marcha, então a frase significativa de Lênin sobre a tomada do poder resume a posição do partido bolchevique em relação aos Sovietes e à Revolução. Essa declaração de Lênin é importante, pois traz o testemunho histórico de suas concepções teóricas e táticas na época, mas também porque contém em germe todo o desenvolvimento ulterior da Revolução até outubro e à tomada do poder pelo partido bolchevique, anunciando antecipadamente o declínio desta Revolução sob a ditadura do Estado bolchevique. Não não somos blanquistas, partidários da tomada do poder por uma minoria”, escrevera Lênin na Pravda, alguns dias antes, em 9 de abril. À mesma época, ele redige suas Cartas sobre Tática, um comentário sobre as Teses expostas em seu discurso de 4 de abril e, sobretudo, uma resposta aos críticos que este discurso sensacional suscitou nos círculos do seu próprio partido, que se ergue nestes termos contra a acusação de blanquismo:
Em minhas teses, eu me preveni contra toda tentativa de passar por cima do movimento camponês ou pequeno burguês em geral que ainda não explorou totalmente suas possibilidades, contra toda tentação de partir para a tomada do poder por um governo operário, contra toda aventura blanquista, uma vez que invoquei formalmente a experiência da Comuna de Paris. Sabe-se — como Marx demonstrou minuciosamente em 1871, e Engels em 1891 — que tal experiência excluiu completamente o blanquismo, assegurou o poder direto, imediato e incondicionado da maioria e a atividade das massas tão somente na medida em que tal maioria se afirmasse da maneira consciente.
Em minhas teses, eu reduzi a questão, de maneira perfeitamente explícita, à luta pela preponderância no seio dos Sovietes de Deputados Operários, Camponeses Assalariados e Soldados. […]
Quem quer pensar e aprender não pode deixar de compreender que o blanquismo é a tomada do poder por uma minoria, ao passo que os Sovietes notoriamente são a organização direta e imediata pela maioria do povo. Uma ação voltada à luta por influência “no seio” dos sovietes não pode — e não pode literalmente — afundar no lodo do blanquismo. Tampouco pode afundar no lodo do anarquismo, pois este nega a necessidade do Estado e de um poder estatal durante a época de “transição” do poder burguês para o poder do proletariado. Eu defendo, ao contrário, com uma clareza que exclui qualquer equívoco, a necessidade de um Estado neste momento, mas não um Estado parlamentar burguês ordinário, e sim, em acordo com Marx e a experiência da Comuna de Paris, um Estado sem exército permanente, sem polícia que se oponha ao povo, sem funcionários que se coloquem acima deste último.(2)
Os membros dirigentes do partido bolchevique se voltaram imediatamente contra o programa que Lênin formulou desta maneira: transformação imediata da Revolução em uma Revolução social (sem que entretanto isto significasse para Lênin a instauração imediata do socialismo), tomada imediata do poder e estabelecimento da ditadura. Eles supunham que a Revolução democrática burguesa ainda não estava terminada. No dia seguinte à publicação das Teses de Lênin, Kámenev escreveu na Pravda: “Quanto ao esquema geral do camarada Lênin, nós o consideramos inaceitável, posto que parte da ideia de que a Revolução democrática burguesa está concluída e prevê a transformação imediata desta em uma Revolução socialista.”(3) Não fazer a Revolução proletária, portanto, mas consolidar e intensificar a Revolução democrática e empurrá-la para a esquerda, fazendo pressão sobre a burguesia no poder, sem sair dos limites do regime burguês: tais eram as concepções dessa oposição que vinha sendo a tendência dominante do partido antes da chegada de Lênin a Petrogrado.(4) Se tal política fosse adotada, escreveu Trótski, “a Revolução passaria por cima do Partido, e se assistiria enfim a uma insurreição das massas operárias e camponesas sem a sua direção ou, em outros termos, às jornadas de julho em grande escala, não como um mero episódio, mas como um desastre”.(5)
Desde o início, Lênin julgou corretamente a situação histórica e compreendeu que a Revolução de fevereiro não era apenas democrática e política, mas marcava ao mesmo tempo o começo de uma reviravolta social. Ademais, Lênin compreendeu que tal Revolução social se exprimia pelos Conselhos e que, consequentemente, só se podia lutar contra o governo burguês por meio deles. Os bolcheviques não os criaram nem organizaram. Eles jamais poderiam ter lançado a palavra de ordem da tomada do poder pelos Conselhos — criações espontâneas da população trabalhadora — já que o programa do seu partido nunca teve outro objetivo que aquele do marxismo: a conquista do poder do Estado por um partido político. Mas, não sendo os Sovietes organizações como os partidos políticos, eles não poderiam lutar para assumir o poder do Estado. Conforme se estendia a Revolução, mais os operários e camponeses revolucionários se separavam do governo democrático burguês, mais a Revolução social se apartava da Revolução política, mais os Sovietes obtinham influência e mais se manifestava com evidência seu caráter antiestatal. Quanto mais a situação insustentável da “dualidade do poder” se aproximava da sua solução decisiva, mais a luta revolucionária deixava de ser apenas dirigida contra o governo, e se tornava um combate de morte contra o Estado e pela entrega da totalidade do poder aos Conselhos.
Quando Lênin escreveu “nós não teremos o poder enquanto os Conselhos não o assumirem”, o sentido desta frase não é outro senão este: os Conselhos podem derrubar o antigo poder sozinhos, e nós, o partido bolchevique, apenas podemos chegar ao poder apoiados sobre os Conselhos. Eis o que “todo poder aos Sovietes!” significava para os bolcheviques. A teoria da destruição do Estado burguês que Lênin proclamou depois de iniciada a Revolução se fundou sobre o movimento antiestatal dos Sovietes, expressão da ação das massas em uma Revolução social; Revolução esta realizada pela ação direta, e não com a ajuda do poder político da “democracia revolucionária”.
Lênin fundou sua teoria e sua tática em sua compreensão clara deste desenvolvimento Revolucionário. Ele viu que a tomada do poder, objetivo do seu partido (o Partido Operário Social-Democrata), seria mais rápida ou mesmo só seria possível, se ele rompesse completamente com a Revolução democrática burguesa e com os partidos que queriam consolidá-la e empurrá-la para a esquerda pela pressão de sua oposição. Lênin compreendeu que a Revolução, uma vez iniciada, não se interromperia no estágio da “democracia revolucionária”, e que as condições reais do desenvolvimento revolucionário tinham feito explodir o esquema doutrinário da abolição “histórica” da feudalidade e do absolutismo pelo poder democrático da burguesia capitalista.
A Revolução prosseguia, e os Sovietes, tendo nascido, continuavam a existir. E a Revolução ia além do programa dos social-democratas, mesmo aqueles que se intitulavam bolcheviques. É com razão que Lênin declara: “O país dos operários e dos camponeses mais pobres está mil vezes mais à esquerda que Chernóv e Tseretéli, e cem vezes mais à esquerda que nós.”(6) E como a Revolução, de acordo com a observação pertinente de Trótski, passaria por cima do partido caso a tática de Lênin não fosse adotada, tomou-se as palavras de ordem da Revolução como se fossem palavras de ordem do partido, mas para atingir os objetivos políticos e estatais deste partido. O país estava mais à esquerda que o partido que se proclamara a vanguarda, a Revolução tinha progredido sem tal vanguarda e ameaçava inclusive passar por cima do partido: estes são, na verdade, simples fatos históricos, e não revelações tiradas da história, mas eles acabam, por assim dizer, esquecidos, em função das lendas propagadas pelos bolcheviques — contudo, eles não podem apagar a história. Tais são fatos indispensáveis para compreender a Revolução Russa e a Revolução em geral. São particularmente notáveis essas proposições saídas da boca dos dois líderes mais eminentes do partido bolchevique, este partido que se identifica de bom grado com a Revolução que ele apenas usurpou e a qual, depois de levado ao poder pela onda revolucionária, ele só foi capaz de conservar ao lhe assassinar o próprio espírito com uma ditadura reacionária e terrorista, que foi imposta a um país cem vezes mais à esquerda que esse mesmo partido
Para que a Revolução não passasse por cima do partido, os bolcheviques deveriam tentar se tornar senhores dos Sovietes e atingir com eles o poder. “Enquanto os Sovietes não tiverem assumido o poder, nós não o teremos”. Dado que em 24 de outubro, quando os bolcheviques ocuparam os ministérios, o II Congresso pan-russo dos Sovietes ainda não havia acontecido, aquilo que a declaração de Lênin anunciava não se realizou literalmente, mas sim em espírito. Pois, de fato, em fins de outubro, a tomada do poder pelos Sovietes não era mais uma palavra de ordem apenas, mas já uma realidade! Não foi por acaso que o golpe de Estado dos bolcheviques coincidiu com o II Congresso. Para os bolcheviques, os Sovietes tinham apenas uma significação: não passavam de um instrumento do partido para a conquista do poder do Estado e um meio para conservá-lo e consolidá-lo. “Todo poder aos Sovietes” foi somente uma palavra de ordem estratégica, válida enquanto serviu aos seus desígnios. Após a tomada do poder, o partido no comando do governo não mais a tolerou: o jargão da Cheka a estigmatizou, tratando-a — o que é característico — como contrarrevolucionária. E aqueles que a lançaram ainda antes de outubro foram — como os de Kronstadt — massacrados, presos, deportados ou exilados.
Lênin e seu partido jamais levaram a sério a palavra de ordem “Todo poder aos Conselhos!” e jamais poderiam fazê-lo, pois seria preciso atribuir a tais Conselhos uma tarefa construtiva na edificação da sociedade socialista depois da destruição do Estado burguês: algo que se encontrava em absoluta contradição com a concepção bolchevista das vias para o socialismo. Fazer dessa palavra de ordem realidade teria significado substituir o sistema do Estado por uma nova organização social, em que todas as funções políticas e econômicas seriam exercidas pelos Sovietes. Mas era impossível conciliar semelhante formação da sociedade socialista com o socialismo de Estado de Lênin. Este último sempre repetiu que é condição indispensável para realizar o socialismo um forte poder de Estado. De fevereiro a outubro, em inúmeros artigos, discursos e teses, ele insistiu reiteradamente na necessidade de se assumir o poder e fundar um Estado novo. A meta da Revolução era, para ele, destruir o velho Estado burguês e instituir um Estado segundo o modelo da Comuna de Paris.
Em O Estado e a Revolução (setembro de 1917), Lênin fez um longo discurso sobre aquilo que entende ser um “Estado do tipo da Comuna”. Ele tentou, sobretudo, apresentar sua concepção do Estado como sendo fiel à ortodoxia marxista, baseando-a nos argumentos e na descrição da Comuna de Paris oferecidos por Marx em seu A guerra civil na França. Mas ele o fez de maneira equivocada, como mostramos em detalhes no segundo capítulo. Submetida a um exame crítico, a interpretação de Lênin se revelou insustentável.
Em sua teoria do “Estado do mesmo tipo que o da Comuna”, a fundação de um novo Estado proletário constitui elemento essencial. Todavia, Marx não dedica a isto nenhuma palavra. Qualquer alusão n’A guerra civil… a uma nova máquina de Estado e de opressão é pura invenção de Lênin — certo é que tal fábula tende a dar a sua estratégia de tomada do poder uma base teórica, e mesmo marxista. A conquista do poder do Estado pelo partido repousava sobre a seguinte hipótese: somente a vitória dos Sovietes tornaria possível a queda do antigo Estado e a vitória da Revolução. “Enquanto os Sovietes não tiverem assumido o poder, nós não o teremos!” Quanto aos Conselhos, eles podem mesmo ser comparados ao “modelo da Comuna de Paris”, ao menos aquele que Marx de fato descreveu, e mais precisamente no que diz respeito à eliminação do Estado parasita e à substituição do centralismo político por uma organização social de base econômica e federalista. Mas Lênin só poderia se valer deste “modelo da Comuna de Paris”, se atribuísse aos Conselhos um papel na construção do socialismo. Segundo sua singular interpretação d’A guerra civil, pelo contrário, o Estado do tipo da Comuna seria afeito à tomada do poder (depois que os Conselhos o tivessem assumido), isto é, à instituição de um novo poder de Estado centralizado, com a transformação dos Conselhos em órgãos de Estado. Esta conformidade entre a Comuna e os Conselhos, tal qual defendida por Lênin, é extremamente equivocada, não apenas na medida em que existe efetivamente uma conformidade, mas também porque ela se sustenta em um acordo que dá muito o que pensar, entre a teoria e a estratégia de Lênin. Sua concepção equivocada nasceu de uma dupla falsificação: interpretação errônea da Comuna na teoria e uma alteração do caráter dos Conselhos na prática.
Qual foi o papel Lênin atribuiu aos Sovietes no que diz respeito à conquista do Estado e à criação de um Estado novo? Em O Estado e a Revolução tem-se uma dissertação puramente teórica que trata da fundação de um “Estado como o da Comuna”. Mas o referido papel aparece mais claramente nos artigos e discursos de Lênin a partir da eclosão da Revolução de fevereiro até outubro: foi aí que ele tomou uma posição diante dos acontecimentos e fixou a tática do partido.
Aproximamos aqui as passagens mais importantes de tais textos, sem ligá-los entre si, sem as numerosas reiterações, sem seguir a ordem cronológica, mas citando as palavras de Lênin(7):
Deve-se derrubar o governo provisório, mas não neste momento, pois ele se sustenta em um acordo direto e indireto, formal e de fato, com os Sovietes de Deputados Operários e, antes de tudo, com o principal deles, o Soviete de Petrogrado; não se pode de modo geral “derrubá-lo” pelo método habitual, uma vez que o “apoio” que o segundo governo presta à burguesia beneficia os Sovietes de Deputados Operários, e que é este último o único governo revolucionário possível, o único que exprime a vontade da maioria dos operários e camponeses. A humanidade não elaborou, e nós não conhecemos até os dias atuais, um tipo de governo superior e preferível aos sovietes de deputados operários, assalariados agrícolas, camponeses e soldados.(8)
Qual é a composição de classe desse segundo governo? O proletariado e o campesinato (com uniforme de soldado). Qual é o caráter político? É uma ditadura revolucionária, ou seja, um poder que se apoia diretamente sobre um golpe de força revolucionário, sobre a iniciativa direta, vinda de baixo, das massas populares, e não sobre uma lei editada por um poder de Estado centralizado. Tal poder é completamente diferente daquele que há normalmente em uma república democrática parlamentar burguesa, do tipo que prevalece até o presente nos países avançados da Europa e da América. Isto é algo que frequentemente se esquece, algo em que não se reflete muito, mas que é essencial. Tal poder é do mesmo tipo que a Comuna de Paris de 1871, cujas principais características são:
1. A fonte do poder não é a lei previamente discutida e votada por um parlamento, mas a iniciativa das massas populares, iniciativa direta, local, vinda de baixo, um “golpe de força” direto, para empregar uma expressão corrente.
2. A polícia e o exército, instituições separadas do povo e opostas a ele, são substituídas pelo armamento direto de todo o povo; sob tal poder, são os operários e os camponeses armados, é o povo armado, que velam pela manutenção ordem pública;
3. O corpo de funcionários, a burocracia, também se substituem pelo poder direto do povo ou no mínimo são submetidos a um controle especial; não apenas os cargos se tornam eletivos, mas seus titulares, reduzidos ao posto de simples mandatários, são revogáveis à primeira demanda popular; eles deixam de ser um corpo privilegiado, com suas “sinecuras” e remuneração superior, para se tornarem trabalhadores de um destacamento especial, cuja remuneração não excede o salário habitual de um bom trabalhador.
Aí, e somente aí, está a essência da Comuna de Paris enquanto tipo particular de Estado. […] E na medida em que os Sovietes existem […] existe na Rússia um Estado do mesmo tipo da Comuna de Paris.(9)
Os operários, com seu instinto de classe, compreenderam que em um período revolucionário tem-se a necessidade de uma organização diferente da habitual, e eles seguiram o bom caminho, aquele que lhes mostrou as experiências da nossa Revolução de 1905 e da Comuna de Paris de 1871.(10)
Os Sovietes de Deputados Operários, soldados, camponeses etc. são mal compreendidos, posto que a maioria não faz uma ideia clara da sua significação de classe e do seu papel na Revolução “russa”; e são mal compreendidos também no sentido de que representam uma forma nova, ou mais exatamente, um novo “tipo de Estado”. […]
A Revolução Russa começou a criar, em 1905 e 1917, um Estado sob o modelo da Comuna de Paris, que oferece um tipo superior de Estado democrático: um que, de acordo com a expressão de Engels, deixa de ser Estado em certos aspectos ou que “não é mais um Estado no sentido próprio do termo”. […]
Uma república dos Sovietes de Deputados Operários Camponeses, Soldados etc., reunidos em Assembleia Constituinte de representantes do povo da Rússia ou em um Conselho dos Sovietes: eis o que está em vias de nascer entre nós atualmente, sob a iniciativa das massas populares que criam espontaneamente uma democracia à sua maneira. […]
O marxismo se distingue do anarquismo no que reconhece a necessidade do Estado e de um poder estatal durante o período revolucionário em geral, e durante a época de transição do capitalismo ao socialismo em particular.
O marxismo se distingue do “social-democratismo” pequeno burguês e oportunista dos Plekhânov, Kautsky e cia. no que reconhece a necessidade, nos mesmos períodos, de um Estado que não seja uma república parlamentar burguesa ordinária, mas sim como foi o da Comuna de Paris. […]
Retornar da república parlamentar burguesa à monarquia é fácil, pois todo o aparelho de repressão — exército, polícia, democracia — continua intacto. A Comuna e os Sovietes de deputados operários, soldados, camponeses etc. rompem e suprimem tal aparelho.
A república parlamentar burguesa dificulta e sufoca a vida política própria das massas, a sua participação direta na organização democrática de toda a vida do Estado, da base ao topo. Os Sovietes de deputados operários e soldados fazem o contrário.
Eles reproduzem o tipo de Estado criado pela Comuna de Paris, o qual Marx qualificou como “a forma política enfim descoberta, pela qual é possível a emancipação econômica dos trabalhadores”.(11)
Marx ensinou, a partir da experiência da Comuna de Paris, que o proletariado não pode simplesmente tomar a máquina do Estado pronta e movê-la em função de seus próprios fins, devendo antes destruí-la e substituí-la por uma nova. Esta nova máquina de Estado foi criada pela Comuna de Paris, e os Sovietes são um aparelho de Estado pertencente ao “mesmo” tipo. […]
O proletariado não pode tomar o aparelho do poder e colocá-lo em marcha. Mas pode perfeitamente destruir tudo aquilo que faz do velho aparelho do Estado uma máquina opressiva, rotineira e incorrigivelmente burguesa, para colocar em seu lugar um novo aparelho que lhe seja próprio. Os Conselhos constituem precisamente este novo aparelho. […]
Se o proletariado não tivesse necessidade deste novo aparelho, os Conselhos não teriam sentido algum e perderiam sua razão de ser. […] Somente quando conquistarem todo o poder do Estado os Sovietes serão realmente capazes de se desenvolver plenamente, de desdobrar plenamente sua aptidões e capacidades, pois de outro modo nada têm a fazer […]
Se a energia criativa das classes revolucionárias não tivesse dado origem aos Conselhos, a causa da Revolução proletária na Rússia não teria futuro; pois não resta dúvida que o proletariado não poderia manter firmemente o poder com o velho aparelho, e que seria impossível criar um de uma hora para outra.(12)
Os Sovietes de Operários e Camponeses constituem um novo tipo de Estado, uma nova forma superior da democracia, uma forma particular da ditadura do proletariado, um modo de administração do Estado sem a burguesia e contra a burguesia.(13)
Em um capítulo precedente, nós expusemos de modo geral a doutrina leninista do Estado, e mostramos em detalhe — oferecendo razões — que era impossível e inadmissível evocar A guerra civil na França diante dos três elementos essenciais de tal teoria:
Para conseguir dar uma base marxista à teoria do Estado que construiu (estraçalhamento do Estado burguês, criação e definhamento de um novo Estado), Lênin ofereceu uma interpretação d’A guerra civil… que, submetida a um exame crítico, se revelou totalmente falsa.
A “destruição” do Estado não significava ali, como compreende Lênin, apenas o aniquilamento da máquina do Estado burguês; mais que isso, significava a abolição de toda forma de Estado. Ao se destruir o Estado burguês, não se tinha o objetivo de instalar um novo em seu lugar. O novo poder centralizado foi uma pura invenção de Lênin, incorporada por ele à argumentação antiestatal de Marx. Ao Estado proletário que edificara, Lênin anexou uma teoria do seu definhamento. Mas n’A guerra civil na França não se trata absolutamente de um “definhamento”, e sim da abolição imediata e completa do Estado (abolição radical).
Como igualmente estabelecemos em detalhe, a argumentação antiestatal desse texto não tem qualquer relação — tampouco alguma pode ser estabelecida — com um desenvolvimento direcionado ao definhamento do Estado, nos termos do materialismo histórico de Marx e Engels, esta teoria de um processo histórico fundado sobre a evolução das relações de produção e pelo qual o Estado acaba suprimido.
O Estado e a Revolução, escrito no qual Lênin pretende ter estabelecido a verdadeira doutrina marxista em toda sua pureza, logo se revelou, diante de um exame mais rigoroso, uma mistura de elementos do marxismo e declarações de Marx.
Ali, Lênin encontrou nos Sovietes, como se vê nas passagens citadas, a organização ou, para ser preciso, os organismos de uma forma particular de Estado, apropriados a um novo poder centralizado, o que Lênin chama de modelo do Estado “de base comunal”: modelo teórico, como é evidente, de uma nova máquina de Estado —uma máquina de opressão — que nada tem em comum com a Comuna de Paris tal qual Marx a descrevera.
Ao contrário do que Lênin repete com força e insistência, a Comuna não tinha como único traço o não restabelecimento da polícia e a supressão do corpo de funcionários irremovíveis e privilegiados e de um exército apartado do povo. O caráter essencial da Comuna foi muito mais a destruição do centralismo político e a abolição de todo poder estatal, tornando possível a construção inteiramente nova de uma sociedade assentada em bases econômicas e federalistas. Os Sovietes foram efetivamente os organismos apropriados à construção de tal sociedade socialista. Eles podiam, à exemplo da Comuna de Paris, destruir completamente o poder do Estado, eliminar radicalmente o Estado parasita, substituir o Estado por um autogoverno dos produtores, por uma federação de comunas autônomas que deteriam todas as funções exercidas até então pelo Estado, assim como se lê em Marx. Não há a menor necessidade de se falar em um definhamento do Estado, posto que após sua eliminação ele é substituído por organismos essencialmente diferentes. É somente tal substituição que constitui a “abolição” do Estado.
Os Conselhos, e somente eles, podiam realizar o programa econômico que era, segundo Marx, o objetivo da Comuna: transformar os meios de produção, a terra e o capital, os quais tinham servido até então apenas ao assujeitamento e a exploração do trabalho, em simples instrumentos à mão dos trabalhadores livre e associados! Mas este objetivo visado pela Comuna de Paris, esta missão dos Sovietes, eram o oposto do programa econômico de Lênin, da centralização dos meios de produção nas mãos do Estado — pouco importa a sua forma! — trate-se do Estado democrático burguês ou o Estado proletário.
Segundo Lênin, o Estado proletário que deveria executar tal programa nasceria nos Conselhos. Estes serviriam como instrumentos para administrar o Estado sem a burguesia e contra ela, constituindo assim uma ditadura — uma ditadura de Estado, para instaurar um socialismo de Estado.
Mas atribuir tal papel aos Conselhos não quer dizer apenas rebaixá-los ao nível de órgãos de Estado, retirar sua significação essencial, praticamente aniquilá-los, quer dizer também negar absolutamente o seu papel histórico na Revolução.
Não se poderia de forma alguma usá-los com tais fins sem que eles perdessem assim o seu caráter de organismos de autogestão. Para a constituição de um novo Estado, de uma nova máquina de opressão, eles são tão imprestáveis quanto são as proposições de Marx sobre a Comuna de Paris, para justificar a teoria do Estado de “base comunal”. Entre os Sovietes e o Estado bolchevique se dá a mesma relação que entre a Comuna de Paris e o Estado de “base comunal” de Lênin. Exatamente como entre a palavra de ordem “todo poder aos Sovietes” e a da “ditadura do proletariado”.
Para Lênin, os Conselhos não eram outra coisa senão os órgãos de um novo poder de Estado, mantido nas mãos dos que os constituíam. Se os Sovietes não viessem a formar tal aparelho de Estado, e se o proletariado não tivesse necessidade disto, então eles não teriam a menor importância, perderiam toda significação, sua razão de ser desapareceria. Apenas depois de terem assumido totalmente o poder é que os Conselhos poderiam de fato se desenvolver completamente, e que suas aptidões e capacidades se desdobrariam plenamente. O que Lênin pensa enquanto fala desta tomada do poder é algo sobre o que não há necessidade de discutir: Enquanto os Sovietes não tiverem assumido o poder, nós — o partido bolchevique — não o teremos!Quanto ao pleno desdobrar das capacidades dos Conselhos depois da tomada do poder, ele não quer dizer outra coisa senão a sua transformação em órgãos de um Estado submetido à dominação do partido bolchevique, órgãos de uma ditadura estatal exercida por tal partido.
Lênin pôde escrever com razão que a energia criativa do povo deu à luz os Conselhos e dizer que, sem eles, a causa da Revolução não teria futuro. Mas não é menos exato afirmar que foi preciso esmagar tal energia criativa, uma vez que os bolcheviques atingiram o seu objetivo — isto é, a tomada do poder e a instauração da ditadura. Na verdade, os Conselhos — nos quais se manifestou realmente a potência criativa do povo e se exprimiu a vontade de uma transformação socialista da sociedade — eram, enquanto os próprios órgãos desta transformação, irreconciliáveis com os decretos estatais do poder ditatorial que inundava o país.
A ideia dos Conselhos, escreveu Rocker:
é a expressão mais precisa do que compreendemos por Revolução Social e abarca toda a parte construtiva do socialismo. A ideia de ditadura é de origem puramente burguesa e não tem nada a ver com o socialismo. […] Ela entra em contradição fundamental com a ideia construtiva do sistema dos Conselhos. Associar à força as duas concepções só poderia conduzir a esta monstruosidade sem esperança que é a atual “comissariocracia” bolchevista, fatal para a Revolução Russa. E não poderia ser de outra maneira: o sistema dos Conselhos não suporta qualquer ditadura, precisamente porque parte de postulados completamente diferentes. [Nele, se encarnam a vontade da base, a energia criativa do povo, enquanto] no bolchevismo se encarna o constrangimento vindo do alto, a submissão cega às prescrições ditadas por uma vontade sem alma. As duas concepções não podem coexistir. A ditadura venceu na Rússia, e é por isso que não há mais Sovietes ali. Aquilo que ainda restou não passa de uma horrível caricatura da ideia de Sovietes.(14)
Rocker também mostrou no mesmo texto que a ideia dos Conselhos já havia sido difundida na ala antiautoritária da I Internacional, em oposição à ideia burguesa da ditadura política. Sublinhou-se a importância das organizações econômicas para a transformação socialista da sociedade, e isto explica que se deva ver os elementos da futura sociedade socialista em tais organizações de luta no terreno econômico. O Congresso da Basileia, em 1969, adotou uma resolução que convidava os trabalhadores a formarem “associações de indústria”, organizações mais aptas a substituir o sistema do salariado pela federação dos produtores livres. Na sua exposição de motivos, o belga Hins declarou: “Os Conselhos das organizações profissionais e industriais substituirão o governo atual, e a representação dos trabalhadores substituirá definitivamente os velhos sistemas políticos.(15)
Ademais, esta ideia já havia se exprimido com clareza anteriormente, durante o período do movimento operário inglês que, no início dos anos 1840, pôde ser qualificado de “owenista” e “sindicalista”. A ideia fundamental do socialismo de Owen e das críticas sociais tais quais as de Thompson e Gray era a seguinte: a transformação da sociedade deveria ser obra de associações livremente constituídas no domínio da economia. Quando, em 1833-34, a ideia de cooperativa defendida por Owen se associou à concepção do movimento sindical, nasceu um movimento socialista de base econômica que tinha caráter sindicalista e não encontrava a solução da questão social em reformas ou no parlamentarismo, mas sim a tomada pelos produtores de toda a produção.
Supressão da autoridade do Estado, desaparição da autoridade no seio da “organização industrial”, substituição do sistema governamental pela organização do trabalho: tais são as ideias mestras do socialismo de Proudhon, e tal foi o objetivo de suas proposições de reformas sociais e econômicas.
Bakúnin adotaria essas ideias e as associaria ao movimento operário organizado. Ele enunciou os princípios de base do sindicalismo, o qual se deve considerar como o prolongamento da tendência bakuniniana da I Internacional.
Durante a Revolução Russa, foi nos Sovietes que tais ideias tomaram corpo de forma mais importante e ampla. Contrariamente às organizações nascidas de partidos políticos, de autoridade e de Estado, os Sovietes são uma criação específica, fundada sobre a noção de classe e obra dos trabalhadores. Eles não são portanto organizações eleitorais nem territoriais, mas sim grupos econômicos e específicos. Ali onde os indivíduos trabalham juntos e é preciso organizar o trabalho, ali onde é preciso defender interesses precisos, em um lugar e um momento precisos, ali é que nasce o Soviete. Enquanto organização, ele não limita sua ação à vida econômica, mas estende a toda a vida social. Como os Sovietes são criados para cumprir uma função, sua atividade se exerce de baixo para cima, e eles são a negação absoluta do centralismo político e de toda organização estatal. Os Sovietes são antiparlamentares: não são organizações de representantes, mas sim de delegados, e ignoram toda separação dos poderes legislativo e executivo. Enquanto os corpos políticos são apenas legislativos, e a execução das leis fica a cargo de um aparelho permanente de funcionários (signo característico do Estado político centralista), os Sovietes reúnem em si os poderes legislativo e executivo e atuam de forma descentralizadora e federalista. Assim a condição necessária para o funcionamento de um sistema soviético é a autonomia dos organismos de base, e a função social dos Sovietes se exerce de baixo para cima.
Os delegados do Soviete são eleitos por seus companheiros de trabalho. Eles ficam em contato direto com aqueles que os elegeram e com o trabalho em interesse do qual foram eleitos. Eles representam uma unidade econômica e social bem determinada: a fábrica, a casa, a comuna, a região. Todos os operários de uma fábrica — e somente eles — elegem o respectivo Soviete de fábrica; da mesma forma que os trabalhadores da terra elegem, em um distrito, o Soviete camponês. Os Sovietes nasceram assim que a Revolução eclodiu na Rússia, e como eram os órgãos da Revolução, tendiam a ser não apenas órgãos de revolta, mas também aqueles que garantiriam o andamento da vida social sobre novas bases.
A posição dos partidos políticos os impedia de apoiar tal tendência, embora eles tentassem atingir seus objetivos estatais com a ajuda dos Sovietes. Os socialistas revolucionários e os menchevique se apoiaram nos Sovietes para obter influência no governo burguês, e precisavam do seu apoio para conseguir governar. Eles tentaram neutralizar a ação espontânea e a posição de força dos Sovietes e monopolizar as funções políticas do Estado (comissão de controle, coalizão, comitê central camponês, parlamento preparatório). Quanto aos bolcheviques, eles apoiaram os Sovietes enquanto “órgãos de revolta” e organizações de luta contra o governo e o Estado burguês, e também tentaram tomar o poder por intermédio dos Sovietes.
Mas os Sovietes, nascidos das “forças criativas do povo”, teriam representado muito pouco, caso tivessem servido apenas para tornar possível a tomada do poder por um partido político, uma coalizão burguesa ou qualquer outra coalizão. Nascidos da Revolução, eles era a sua expressão. A agitação social deu à luz uma nova sociedade que deveria cumprir novas funções e, portanto, tinha necessidade de novos órgãos. Por isso os Sovietes resumem em si toda a significação da Revolução Russa, e a sua evolução é a da própria Revolução.
É possível comparar o papel dos Sovietes enquanto órgãos da Revolução ao das Comunas e ao dos “distritos” e “seções” na Comuna de Paris da Revolução Francesa. Assim como a abolição da autonomia das comunas e a destruição das seções parisienses significaram a morte da Revolução, também a abolição da autonomia dos Sovietes, com sua transformação em meros organismos de Estado, anunciaram o fim da Revolução Russa e o começo da contrarrevolução estatal.
Em sua grande obra sobre a Revolução Francesa — que não somente esclarece com uma luz particular os acontecimentos revolucionários do período entre 1789 e 1794, mas também é verdadeiramente uma obra clássica sobre a Revolução em geral — KropótkinKropotkin mostrou a importância que tiveram para a Revolução as Comunas, sobretudo a Comuna de Paris em 1793. Não basta, nota Kropotkin, terem havido mais ou menos levantes populares vitoriosos: ainda seria necessário que eles deixassem alguma marca nas instituições, para permitir o nascimento e a implantação de novas formas de vida. O povo francês pareceu ter compreendido exemplarmente tal necessidade, quando instaurou, desde as primeiras revoltas de 1789, a Comuna popular. O centralismo governamental apenas interveio mais tarde, mas a Revolução começou com a criação das Comunas, que lhe deram uma força extraordinária. Com efeito, nas aldeias, foi a Comuna camponesa que exigiu a abolição dos encargos feudais e deu força de lei à negação do pagamento de tais encargos, que retomou dos senhores os antigos terrenos comunais, que se revoltou contra os nobres e combateu o clero!
Nas cidades, foi a Comuna urbana que organizou a vida sobre novas bases, que nomeou os juízes e mudou a repartição dos impostos. Em Paris, foi a Comuna que derrubou o rei; ela foi a verdadeira morada e a verdadeira força da Revolução, força que esta última conservou enquanto a Comuna viveu. As Comunas foram a alma da Revolução integral, e sem a sua chama, que ganhou todo o território, a Revolução não teria força para destruir o antigo regime. Mais tarde, foi a Comuna revolucionária de 10 de agosto de 1792, composta diretamente de delegados dos distritos, que assumiu a força pública, dirigiu a insurreição e teve a maior influência sobre o curso dos acontecimentos.
Mas seria um grande erro se representar as Comunas de então como órgãos administrativos modernos aos quais os cidadãos, depois de uma excitação de alguns dias durante a eleição, abandonam ingenuamente a condução de seus negócios, sem mais preocupações. A confiança intensa no governo representativo que caracteriza a nossa época não existia no tempo da grande Revolução. A Comuna, nascida dos movimentos populares, não se separou do povo. Por seus distritos, suas seções, seus “clãs”, que eram como tantos outros órgãos da administração popular, a Comuna permaneceu popular, e nisto residia sua força revolucionária.
Com vistas às eleições, a cidade de Paris — e sua organização era semelhante à de milhares de comunas no interior — tinha sido dividida em sessenta distritos que deveriam eleger os eleitores de segundo grau. Depois da designação destes, os distritos deveriam desaparecer. Mas eles continuaram a existir e se organizaram por iniciativa própria como órgãos permanentes da administração municipal, assumindo tarefas e funções que anteriormente pertenciam à Justiça ou a diferentes ministérios do antigo regime, além de outras da maior importância no domínio econômico. Entre outras coisas, eles estabeleceram a ligação entre Paris e o interior. Em seguida à queda da Bastilha, os distritos aparecem como os organismos reconhecidos da administração municipal. Cada um organiza seus serviços de acordo com sua própria vontade. Para se acordarem entre si, eles criam um escritório central de relações. Assim se constitui o primeiro esboço da Comuna, de baixo para cima, pela união dessas organizações de distritos nascidas de maneira revolucionária da iniciativa popular. Os distritos buscam a unidade de ação não na submissão a um comitê central, mas na fusão de tipo federativo. O governo representativo deve ser reduzido ao mínimo. Tudo que a Comuna pode fazer por si mesma deve ser decidido por ela, sem instância intermediária, sem delegação de poder, ou então por delegados que detêm somente o papel de mandatários particulares e permanecem sob o controle permanente de seus mandantes.
Os distritos não apenas se interessavam por todas as grandes questões, como chegavam frequentemente a tomar iniciativa e se dirigir à Assembleia Nacional, passando por cima dos representantes oficiais da Comuna. Ademais, em todos os casos possíveis, as aldeias do interior entraram em relação com a Comuna de Paris. Manifestou-se assim um esforço para o estabelecimento de uma ligação direta entre as cidades e as aldeias da França, independentemente do parlamento nacional.
A liquidação e a venda dos bens do clero em benefício da nação — que foi decidia pela lei, isto é, no papel — jamais chegaria a se realizar, se os distritos não tivessem se encarregado da sua execução. Eles resolveram assumir a questão para si e convidaram todas as administrações municipais a fazerem o mesmo. Quando os eleitos para o Conselho municipal protestaram contra tal distorção da lei, eis o que os distritos responderam: “Como seria possível que o trabalho cumprido por comissários designados pela própria Comuna com este fim particular seja menos legal do que se fosse efetuado por representantes eleitos de uma vez por todas?”
Quando o governo central foi constituído com Robespierre, teve início a luta contra a Comuna, cuja força residia em suas seções. Assim, o poder central tentou sem descanso submeter as seções à sua autoridade. A Convenção lhes retirou o direito de convocar suas assembleias gerais. O Estado começou a centralizar tudo. Retirou das seções o direito de designar os juízes de paz e as privou de todas as funções administrativas. A criação dos Comitês Revolucionários já tinha tornado as seções órgãos subordinados à polícia, vinculados ao Comitê de Saúde Pública, isto é, ao governo central. O Estado chegou mesmo a impor-lhe funcionários indicados. Os Comitês foram assim transformados em engrenagens do mecanismo do Estado, colocados sob a dependência da burocracia. Isto significou a morte dos distritos em Paris e no interior. E a sua morte foi também da Revolução. A partir de 1794, escreveu Michelet, a vida pública foi reduzida a nada em Paris. As seções não tinham mais assembleias gerais.
Março de 1794 viu a vitória da contrarrevolução, à qual Robespierre abrira caminho, ao por fim nas tendências radicais que poderiam ter salvo a Revolução, atacando-a na raiz, com a instauração do centralismo político que destruiu seus órgãos. Os defensores da Comuna folha guilhotinados e o governo impôs a ela sua vitória. Era o fim do longo combate que este foco revolucionário conduziu desde 9 de agosto de 1792 contra os representantes oficiais da Revolução. A Comuna, que foi por dezenove meses como uma lanterna para a frança revolucionária, acabou reduzida ao papel de engrenagem da máquina do Estado. Assim a catástrofe se tornou inevitável.(16)
A história se repetiu: também a Revolução Russa afundou, quando um novo centralismo político paralisou a “energia criativa do povo”. Uma vez que os Sovietes — órgãos criados pelo povo e sem os quais a Revolução não poderia vencer — se tornaram engrenagens da máquina do Estado bolchevique, a Revolução Russa também foi cortada na raiz. O que torna o poder conservador e contrarrevolucionário, escreveu Proudhon em 1848, é que uma Revolução é algo orgânico e criador, ao passo que o poder do Estado é algo mecânico: não há nada mais contrarrevolucionário que o poder. Os jacobinos bolcheviques falaram até o último momento sobre a potência dos Sovietes, mas sonhavam apenas com a ditadura. Sua concepção autoritária e governamental do socialismo os conduziu à impossibilidade absoluta de acreditarem na “energia criativa do povo” sobre a qual falavam. Sua teoria dogmática do socialismo de Estado os tornou incapazes de conceder aos Sovietes alguma importância construtiva na Revolução Social.
O único objetivo dos bolcheviques era conquistar o poder político central. Como já mostramos, a coincidência entre a tomada do poder e o II Congresso dos Sovietes não foi obra do acaso. Este congresso ocorreu no momento em que a palavra de ordem “todo poder aos Conselhos” atingia seu máximo efeito. A luta decisiva contra o governo começara. Os bolcheviques, fixando no mesmo dia a data do seu golpe de Estado, fizeram com que ele fosse “legalizado” pelo Congresso dos Sovietes. Assim os bolcheviques puderam manter a palavra de ordem da Revolução até a tomada do poder, e seu partido pode efetivamente inscrever na bandeira “todo poder aos Sovietes”. Eles puderam agarrar o poder, uma vez que os Conselhos estavam a ponto de tomá-lo… Seria demasiado perigoso para os seus planos não manter a ilusão de uma tomada do poder pelos Sovietes; é o que admite Trótski, na linhas seguintes, que são um bocado significativas:
De todo modo, o Partido não estava em condições de tomar o poder por conta própria, de forma independente do Congresso dos Sovietes e às suas costas. Este seria um erro que teria efeito até mesmo na atitude dos operários e que poderia pesar muito sobre o estado de espírito da guarnição. Os soldados conheciam os Conselhos de Deputados Operários e sua seção militar. O partido, eles apenas conheciam através do Congresso. E se o levante viesse a acontecer às costas do Congresso, sem ligação com ele, sem ser coberto por sua autoridade, sem constituir clara e manifestamente para os soldados a conclusão da luta pelo poder dos Sovietes, isto poderia ter provocado na guarnição desordens perigosas.(17)
Ainda que os bolcheviques não tivessem assaltado o poder apenas depois que os Conselhos já o tivessem tomado, eles somente poderiam assumi-lo com a proteção dos Sovietes. A tomada do poder pelo partido bolchevique não significou a vitória da Revolução; foi um golpe de Estado conduzido na data de 24 de outubro, no decurso da Revolução. Esta não terminaria em 24 de outubro, mas duraria ainda alguns meses, ao longo dos quais a autoridade do Estado bolchevique não desfrutou de poder absoluto. Foram necessários esses meses até que a ditadura do Estado acabasse com a força dos Sovietes, e o partido bolchevique usurpasse todos os poderes por meio dela.
É certo que o governo constituído pelo partido bolchevique teve que se apoiar sobre os Sovietes em aparência, mas ele não tinha mais nada em comum com a organização soviética. Uma vez tomado o poder, ele não manifestou a menor intenção de repassá-lo aos Sovietes. Essa tomada do poder não tem nada a ver com a criação de um Estado sob o modelo da Comuna de Paris. Formou-se um governo como formaria qualquer partido político que tivesse assumido o poder, isto é, pela ocupação de ministérios de Estado — este Estado burguês, o qual nós deveríamos “reduzir a pó”. Mais do que a teoria de um tipo de Estado absolutamente novo que deveria nascer com os Conselhos, o relato a seguir de Trótski — ainda que algo anedótico — permite compreender claramente como se formou na realidade o Estado dos Conselhos leninista:
Nós havíamos tomado o poder, ao menos em Petrogrado […] É preciso formar o governo. Estamos em alguns membros do Comitê Central, participando de uma sessão improvisada no canto de uma sala.
— Como poderemos chamá-los? — Lênin pensa alto. — Não de “ministros”, certamente. É um termo gasto e que desagrada a todos.
Então eu proponho: — Poderíamos chamar de comissários, mas há comissários demais agora! Talvez “altos-comissários”? Não… Este “altos” soa mal. Então talvez “Comissários do Povo”?
— Comissários do Povo? Sim… Isto poderia funcionar — aprova Lênin. — E o governo no seu conjunto?
— Soviete. Soviete, naturalmente… “Soviete dos Comissários do Povo”, por que não?
— Soviete dos Comissários do Povo — Lênin repete. — Perfeito! Isso tem um tremendo cheiro de revolução!(18)
Ainda nem havia terminado a insurreição de Petrogrado (da qual os bolcheviques não foram os únicos a participar), e o partido bolchevique proclamava, antes da abertura do II Congresso dos Sovietes de Toda Rússia, o “governo revolucionário provisório”, que deveria receber o nome — revolucionário! — de Conselho dos Comissários do Povo. É verdade que no manifesto endereçado, no mesmo 25 de outubro, aos “operários, soldados e camponeses” se lia: “apoiado sobre a insurreição enérgica e vitoriosa dos operários e da guarnição de Petrogrado, o Congresso tem o poder nas mãos […] O Congresso decide: todo poder, em todas as diferentes localidades, passa aos Sovietes de Deputados Operários, Soldados e Camponeses […]”. Mas o Conselho dos Comissários do Povo, uma vez constituído, não tinha intenção de transferir o poder que tinha nas mãos ao Congresso dos Sovietes, tampouco aos Sovietes locais.
O Conselho dos Comissários do Povo, constituído no início unicamente por bolcheviques, portava o germe da evolução que conduziria à ditadura de um partido sobre os Sovietes. Foi apenas mais tarde que, diante da realidade, tal instituição — expressão da dominação do Partido — se tornou parte integrante da Constituição, tornando impossível a edificação de um verdadeiro sistema soviético. Em 10 de julho de 1918, tal Constituição foi adotada pelo V Congresso dos Sovietes de Toda Rússia, um Congresso que ademais era bolchevique, posto que a ditadura de Estado já havia suprimido todas as outras tendências socialistas.
Ainda que, no papel, todo o poder pertencesse aos Sovietes, a própria Constituição exibia a oposição absoluta entre um partido senhor do Estado e uma organização soviética. Remeter todo poder às mãos do Comitê Executivo Central do Congresso dos Sovietes significou reduzir a nada a autonomia, elemento capital do sistema soviético. A Constituição estipulava que eram da competência do Congresso pan-russo dos Sovietes e do seu Comitê Executivo Central todas as questões “que eles julgassem da sua alçada” (art. 50) — uma concepção elástica a bastante para, sem sair dos termos da Constituição, retirar numerosos direitos dos Conselhos locais. A atividade dos Conselhos locais, Conselhos de distrito etc. foi limitada pelo artigo 61 à “execução de todas as decisões dos organismos superiores competentes do poder dos Sovietes”. E estes organismos superiores não eram senão os Comissários, ou seja, os executantes das decisões do partido comunista.
Em lugar de dar efetivamente plenos poderes aos Sovietes nas questões da sua responsabilidade, relacionadas aos interesses que eles deveriam defender, em lugar de reservar a consideração comum apenas aos interesses que exigissem um regulamento geral ou que estivessem além das forças dos Conselhos, criou-se um poder central que reduziu a pó a autonomia e a iniciativa dos Conselhos, e por isso mesmo, acabou com sua própria razão de existir. O poder central significa a dominação imposta por um partido e por um centralismo autoritário, um estatismo político, uma regulamentação imposta de cima para baixo.
Criticando a constituição do Estado soviético, Alexander Schreider mostrou claramente que ela exprime a concepção bolchevista do Estado fundada sobre o velho princípio da soberania. O detentor do poder mudou, mas a noção do poder não foi modificada. Não é de surpreender que os métodos do governo dos bolcheviques se pareçam tanto com os métodos antigos. É preciso que o Estado soberano seja todo poderoso; ele não pode suportar nenhum poder concorrente. Ele deve lutar contra as tendências à descentralização administrativa, contra as uniões econômicas locais, contra as associações profissionais (que transforma em seus próprios organismos) e, sobretudo, contra os Sovietes…
A autonomia dos organismos da administração local opõe uma perigosa concorrência ao centralismo. Os bolcheviques, que no passado pregaram com tanto zelo a necessidade da tomada do poder pelos Conselhos locais, depois que obtiveram o poder, não hesitaram em diminuir o máximo possível a autoridade dos organismos locais. A Constituição de 10 de julho terminou de enquadrar os Sovietes locais resistentes. Sob a dominação dos bolcheviques, eles foram pouco a pouco tornados órgãos de execução do poder central, encerrados em uma rede inextricável de organizações que garante sua dependência financeira e econômica.(19)
Continuar a falar sobre a crítica — notável sob muitos aspectos — de Schreider e examinar de perto seu projeto de uma constituição federalista que reconhece a autonomia dos conselhos locais nos levaria muito longe. Parece-nos, entretanto, que a crítica jurídica da Constituição soviética exposta por Schreider e sua crítica correta do princípio de soberania que está na base desta Constituição não são o bastante para explicar completamente porque “no lugar de uma República dos trabalhadores, foi uma oligarquia de partido que nasceu”. Com efeito, isto não foi motivado pela concepção autoritária e ditatorial que os bolcheviques tinham do Estado, mas sim por sua adesão de princípio à noção de Estado no socialismo. Os bolcheviques eram socialistas de Estado, para quem a doutrina econômica do socialismo fixaria também os meios políticos adequados a realizá-lo. Todo socialismo de Estado, todo socialismo do tipo estatal, é inconciliável com uma organização soviética. Por outro lado, é porque os bolcheviques não eram somente socialistas de Estado, mas também jacobinos partidários da ditadura e da autoridade, que nasceu em meio às circunstâncias — da luta defensiva contra o exterior — esse poder ditatorial de Estado, essa oligarquia de partido sob a forma de uma ditadura de Estado. Era natural que a ditadura bolchevique destruísse os Sovietes, mas não por ela ser uma ditadura, o que determina somente o modo de destruição, a saber, O Terror. Quando à razão essencial, nós a encontramos no socialismo de Estado. Toda forma de socialismo de tipo estatal significa a negação do sistema soviético e é incompatível com o federalismo. O federalismo é um conceito econômico, e somente se pode acabar com o centralismo político do Estado por meio da economia. E é apenas na medida em que os Conselhos são efetivamente organismos da administração, mesmo no domínio econômico, que é possível, graças a eles, uma organização federalista da sociedade.
É claro que o partido de Lênin, adepto por princípio ao socialismo de Estado, não poderia se valer, para realizar seu programa, nem dos Sovietes nem de uma organização Soviética. Do que ele tinha necessidade era do poder do Estado. Daí também que a atitude dos bolcheviques a respeito da Constituinte tenha sido hesitante. Em 18 de março, StálinTalins escreveu sobre as condições da vitória da Revolução: “uma convocação rápida da Assembleia Constituinte é a terceira condição para a vitória da Revolução”(20). E ainda em 24 de outubro, dia da tomada do poder: “O poder deve passar às mãos dos Deputados dos operários, camponeses e soldados. O poder pertence a um novo governo que, eleito pelos Conselhos, pode ser por eles deposto e é responsável diante deles. Somente tal governo pode garantir no tempo oportuno a convocação da Assembleia Constituinte.”(21) Depois da Revolução de outubro, Lênin propôs retardar as eleições, estender o direito ao voto e estabelecer novas listas. O decreto que institui o Conselho dos Comissários do Povo — no qual foi dito que o poder governamental pertenceria a tal Conselho e que o controle da sua atividade, bem como o direito de revogá-lo pertenceriam ao Congresso dos Sovietes de Toda Rússia e ao seu Comitê Executivo Central — começa assim: “para governar o país até a convocação da Assembleia Constituinte, é preciso formar um governo provisórios dos operários e camponeses, com o nome de Conselho dos Comissários do Povo.” A convocação da Constituinte era popular entre as massas camponesas, pois a Revolução agrária lhe estava atrelada. Por razões táticas, os bolcheviques não suspenderam a convocação, ainda que, em um primeiro momento, o resultado fosse incerto para eles.(22)
Quando os bolcheviques dizem que a Constituinte, eleita segundo as velhas listas eleitorais, foi suplantada pelos acontecimentos revolucionários e pelo reagrupamento dos partidos, e notam que aos socialistas revolucionários de direita, por exemplo, foi dada uma maioria que está em flagrante contradição com o espírito dos camponeses, eles têm toda razão. Ao perceberem que eram minoritários, os bolcheviques se tornaram adversários da Constituinte. Mas não por razões de princípio, como os anarquistas, que depois de dois meses difundiram a palavra de ordem: abaixo a Constituinte! Viva a livre federação dos Sovietes!. Eles se tornaram adversários da Constituinte quando ficou claro que ela não estava disposta a legalizar o golpe de Estado. Se o partido bolchevique detivesse a maioria, ele provavelmente teria organizado o Estado soviético com a ajuda de um parlamento.
Quando a Constituinte se reuniu em 5 de janeiro, os bolcheviques se mantiveram à margem. A assembleia esteve sessão por algumas horas, sob a presidência de Chernóv, e foi dissolvida por um anarquista, Anatoli Zhelezniakov, marinheiro da frota do Báltico, que guardava o palácio Táurida, onde se dava a Constituinte. Já passava da meia-noite quando ele entrou armado na sala e disse: “É hora de acabar com essa comédia. Meus soldados estão cansados e querem dormir. Senhores, vão para casa. A Assembleia Constituinte está dissolvida”.
Se os bolcheviques negaram a Constituinte, não foi certamente em razão de terem reconhecido a incompatibilidade entre o sistema parlamentar e a organização dos Sovietes, mas sim porque ela não se prestaria a ratificar a tomada do poder pelo partido. Mesmo os socialistas revolucionários de esquerda — que sempre foram partidários da Constituinte, ainda que não fossem possuídos, como os bolcheviques, pela fé na onipotência do Estado — aprovaram a dissolução da Constituinte. Eles participavam do governo a partir de dezembro, ocupando sete assentos de Comissários do Povo até março de 1918(23): os únicos meses em que os bolcheviques não foram os detentores exclusivos do poder.
É certo que os Sovietes estavam aptos a organizar a insurreição, seria impossível tomar o poder sem eles e a proteção do II Congresso dos Sovietes e da palavra de ordem “todo poder aos Sovietes!”, mas o partido líder do governo só seria capaz de se servir deles para atingir seus fins, caso suprimisse sua atividade espontânea, tanto política quanto econômica. Era impossível conciliar o objetivo do partido, fosse com a potência política dos Sovietes, fosse com sua potência econômica. O objetivo do partido era o socialismo de Estado, e para que ele o atingisse era preciso que os Sovietes não fossem mais que órgãos do poder, isto é, órgãos burocráticos do Estado e da ditadura, instrumentos do Comitê Central do partido bolchevique. Era preciso acabar com os Sovietes enquanto órgãos da Revolução e da autogestão política e econômica, em nome da consolidação do poder do partido político, uma vez que eles se opunham irredutivelmente ao programa deste partido e ao seu esforço para assumir a totalidade do poder do Estado.
“Os bolcheviques se decidirão por tomar sozinhos o poder?”, escreveu Lênin, em setembro de 1917.
Já tive ocasião, no Congresso dos Sovietes da Rússia, de responder a esta questão com uma afirmação categórica, em uma observação que fui levado a lançar do meu lugar, durante um dos discursos ministeriais de Tseretéli. E jamais encontrei declarações impressas ou orais do partido dos bolcheviques que dissessem que nós não devemos tomar o poder.(24) Eu continuo ciente de que um partido político em geral — e o partido da classe de vanguarda em particular — não teria o direito de existir, não seria digno de ser considerado partido, não passaria de um zero à esquerda, se renunciasse ao poder, caso tivesse a possibilidade de obtê-lo.(25)
Tal recenseamento tornou-se possível graças aos aparelhos que o capitalismo já criou. Com efeito, além do aparelho opressivo formado pelo exército permanente, a polícia e a burocracia, há um outro aparelho no Estado moderno, estreitamente ligado aos bancos e associações capitalistas, que executa em escala gigantesca um trabalho de controle e registro. Não é preciso destruir este aparelho, sequer nós temos o direito de fazê-lo: o que se deve é arrancá-lo das garras dos capitalistas…
Os grandes bancos constituem o “aparelho de Estado” de que necessitamos para realizar o socialismo e que “tomaremos já pronto” do capitalismo; nossa única tarefa é então “subtrair” desse excelente aparelho de Estado aquilo que o torna um “monstro capitalista”, fazê-lo “maior ainda”, torná-lo mais democrático, mais universal. A quantidade se transformará em qualidade. Um banco de Estado, maior que os maiores, que teria sucursais em cada cantão, ao lado de cada fábrica: eis aí nove décimos do aparelho “socialista”. Uma “contabilidade” em escala nacional, o “controle” em escala nacional da produção e da partilha dos produtos, algo como a “armação” da sociedade socialista.(26)
Nós podemos assumir e “fazer funcionar” este aparelho de Estado (que não é completamente um aparelho “de Estado” sob o regime capitalista, mas que será conosco, no socialismo) de um só golpe, por um único decreto […]
A questão não está na confiscação dos bens dos capitalistas, mas no controle nacional, universal, exercido pelos operários, sobre os capitalistas e seus eventuais partidários.(27)
Em seu panfleto escrito na mesma época (setembro de 1917), “A catástrofe iminente e os meios de conjurá-la”, Lênin desenvolveu em mais detalhes o programa econômico que pensava em realizar. Abaixo, encontraremos as medidas imediatas que ele propôs. Elas não tem outro sentido senão o de abrir caminho para um socialismo de Estado ditatorial ou, mais simplesmente, um capitalismo de Estado(28):
1. A nacionalização dos bancos, ou seja, a fusão de todos os bancos em um banco de Estado:
apenas o controle sobre os bancos — este centro, este pivô principal e mecanismo essencial do tráfego capitalista — permitiria organizar o controle de toda vida econômica, a produção e da repartição dos principais produtos. O Estado controlará assim as operações bancárias, regulará a vida econômica e obterá milhões para suas grandes operações.
2. A nacionalização dos bancos conduz necessariamente à nacionalização dos sindicatos capitalistas. A regulação da vida econômica não quer dizer outra coisa que a nacionalização dos bancos e das associações capitalistas.
Os bancos e os principais ramos do comércio e da indústria são estreitamente unidos. Não seria possível se contentar em nacionalizar os bancos apenas, sem tomar medidas com vistas a estabelecer o monopólio estatal dos sindicatos de comércio e indústria (do açúcar, do carvão, do ferro, do petróleo etc.), sem nacionalizar estes ditos sindicatos.
As grandes associações já foram “socializadas” pelo desenvolvimento prévio do capitalismo.
3. “A cartelização forçada, isto é, o agrupamento forçado das indústrias”, que “já é praticamente aplicada pela Alemanha […]”.
Um meio para o Estado estimular o desenvolvimento do capitalismo que leva, por toda parte, à organização da luta de classes […] condição prévia e necessária de todo controle e toda política que tenda a economizar o trabalho do povo.
A “cartelização obrigatória”, ou seja, a reunião obrigatória em associações sob controle do Estado, eis o que o capitalismo preparou […] eis o que poderão perfeitamente fazer na Rússia os Sovietes e a ditadura do proletariado, eis “o que nos dará” um aparelho de Estado, ao mesmo tempo, universal, moderno e sem burocracia.(29)
4. O agrupamento obrigatório da população em sociedades de consumo sob controle do Estado. “O monopólio dos cereais, as senhas de pão, a obrigação geral do trabalho ficam nas mãos do Estado proletário, nas mãos dos Sovietes dotados do poder em sua plenitude, o mais potente meio de controle”.(30) É claro que tais meios não foram imaginados pelos teóricos do socialismo, mas isto não impede Lênin de considerá-los apropriados para realizá-lo: “Esses novos meios de controle não foram criados por nós, mas pelo capitalismo, no estágio da guerra imperialista. O monopólio dos cereais e a senha do pão foram instaurados pelos Estados capitalistas beligerantes. Foi também no quadro do capitalismo que se instituiu a obrigação geral do trabalho. Mas, para os países da Europa ocidental, tal obrigação do trabalho equivale, para os operários, a uma “prisão militar” ou uma “escravidão militar”.(31)
Pergunta-se qual relação poderiam manter com o socialismo tais métodos do capitalismo de Estado, todas essas medidas que são para os trabalhadores da Europa ocidental uma prisão militar, a senha do pão da guerra imperialista, o monopólio de Estado sobre as associações de comércio e indústria, a cartelização forçada destinada a estimular o crescimento do capitalismo, em uma palavra, todas essas medidas capitalistas e opressivas do Estado! Eis o que responde Lênin:
Tais medidas, se aplicadas a um Estado burguês (organização da classe dominante), conduzem a um capitalismo monopolista de Estado. Na Alemanha, elas chegaram a um capitalismo de Estado monopolista e militarista, que é uma prisão militar para os operários e, ao mesmo tempo, a proteção militar dos lucros capitalistas. Mas, uma vez que as mesmas medidas não são aplicadas pelo Estado dos capitalistas e dos grandes proprietários fundiários, e sim por um Estado democrático revolucionário, isto é, um Estado que destrói todos os privilégios, então o resultado é totalmente diferente:
Vocês verão que em um Estado realmente democrático e revolucionário, o capitalismo monopolista de Estado significa inevitavelmente, infalivelmente, um passo ou vários passos em direção ao socialismo!
Pois, se uma grande empresa capitalista se torna monopólio, é porque ela atende ao povo inteiro. E se ela se torna monopólio do Estado, isto significa que o Estado dirige todo o empreendimento. Em interesse de quem?
Ou em interesse dos grandes proprietários e dos capitalistas […] ou em interesse da democracia revolucionária; e então trata-se de um passo em direção ao socialismo.
Pois o socialismo não é senão a etapa imediatamente consecutiva ao monopólio capitalista de Estado. Ou ainda: o socialismo não é outra coisa senão o monopólio de Estado capitalista “posto a serviço de toda a população” e que, portanto, deixou de ser um monopólio capitalista. […]”
Porque o capitalismo monopolista de Estado é a mais completa preparação material para o socialismo […] a guerra imperialista marca a véspera da Revolução socialista […]
A dialética da história é tal que a guerra, que acelerou extraordinariamente a transformação do capitalismo monopolista em capitalismo monopolista de Estado, acabou “por isso mesmo” por aproximar consideravelmente a humanidade do socialismo.(32)
Tal era o programa econômico de Lênin, às vésperas da tomada do poder. Ele nos mostro melhor que qualquer outro texto o que Lênin entendia por “socialismo”: socialismo não é outra coisa que o monopólio do Estado capitalista! Compreende-se agora porque a condição prévia para o socialismo era um poder de Estado forte e o que significa o Estado soviético, este Estado do tipo da Comuna de Paris! Como fosse do espírito da Comuna favorecer o capitalismo de Estado, instituir um monopólio de Estado e uma ditadura econômica! Tal concepção do socialismo como monopólio do Estado capitalista já determina o papel do Estado. Não poderia ser questão aqui da abolição do Estado: ao contrário, tal concepção envolve o fortalecimento e o aumento monstruoso do poder do Estado, uma concentração jamais conhecida. O Estado sempre foi uma instituição política de opressão a serviço de uma classe dominante, a qual, por meio dele, dispunha do monopólio do poder. Este monopólio tornou possível o monopólio da propriedade. O capitalismo é um sistema econômico de exploração, porque coloca nas mãos de uma minoria a propriedade dos meios de produção. Mas se o monopólio capitalista se torna um monopólio de Estado, se os dois monopólios — do poder e da propriedade — começam a assumir cada vez mais o mesmo caráter, se eles se confundem e se reúnem nas mesmas mãos, então, em vez de se destruírem mutuamente, de se neutralizarem, eles assumem, graças à sua união, um poder espantoso. A união desses dois monopólios não diminui a eficácia de suas funções, mas, ao contrário, a multiplica. A concentração forçada da opressão política e da exploração econômica não engendra a liberdade, mas promove, ao contrário, uma escravização “racionalizada”.
O programa econômico de Lênin mostra por quais razões ele sempre insistiu na necessidade do Estado e do poder do Estado, sobretudo no período revolucionário, e qual era a verdadeira natureza da nova máquina de Estado que, segundo ele, nasceria dos Conselhos. Mostra também qual era o pensamento de Lênin, quando ele escreveu que este novo tipo de Estado seria um modo de administração do Estado sem a burguesia e contra ela.
A energia criativa do povo deu à luz os Conselhos, que fizeram a Revolução, organizando a expropriação direta dos expropriadores, tomando posse das terras e das fábricas, rompendo a resistência dos grandes proprietários e dos capitalistas, destruindo o Estado, esta velha instituição política de opressão, transportando a Revolução para o exército e obtendo à força a paz: por acaso seria possível que estes mesmos Conselhos servissem de instrumento para constituir uma nova máquina de Estado centralista, destinada a adotar medidas para para instaurar o capitalismo de Estado, para fazer prosperar o capitalismo? Seria possível os Conselhos facilitarem a execução desse tipo de medidas?
Tal era efetivamente a monstruosa concepção de Lênin; tal era o papel que ele atribuía aos Conselhos; tal era a ideia que ele tinha da Revolução social! Uma vez que o objetivo da Revolução para os bolcheviques (como para todo partido político) era a conquista do poder do Estado, o papel que eles atribuíam aos Conselhos era inicialmente o de tornar possível tal conquista e, a seguir, o de órgãos subordinados à burocracia de Estado ditatorial.
A este único fim serviam a tomada do poder e a teoria de Lênin que fez do poder de Estado uma condição prévia para a realização do socialismo, com a desculpa de que a sua conquista possibilitaria medidas de capitalismo de Estado que avançariam em direção ao socialismo! E tal Estado seria construído segundo o modelo da Comuna de Paris! Será que ainda é preciso dizer que a destruição radical do Estado exclui todas as medidas de capitalismo de Estado, todo monopólio de Estado, e que aquelas medidas econômicas que Marx põe na conta da Comuna estão em absoluta contradição com a interpretação leninista do seu A guerra civil na França — a qual as considera como o fato de um novo Estado centralizado (interpretação esta cuja falsidade demonstramos)?
A concepção leninista do papel do Estado, isto é, dos meios de realizar o socialismo, não tem nada em comum com A guerra civil na França, assim como este texto nada tem a ver com o resto do marxismo. Pode-se mesmo dizer que a interpretação falsa de Lênin é mais marxista que o próprio escrito de Marx. Pois há nela bem mais princípios marxistas do que se poderia descobrir, mesmo com a maior boa vontade do mundo, na Comuna de Paris. Um aspecto capital da teoria marxista não é ela considerar o capitalismo monopolista de Estado como o primeiro passo em direção ao socialismo? Basta extrair de todo o sistema marxista esta proposição monstruosa e se deixar penetrar: “o imperialismo não é outra coisa que o socialismo monopolista!” Os marxistas alemães também não sustentaram durante a guerra que a senha do pão era o início do socialismo? O capitalismo de Estado, escreve Lênin, é a mais completa preparação material para o socialismo, a porta que dá acesso a ele, “pois, na escala da história, representa o degrau que precede aquele que se chama socialismo, de tal maneira que entre os dois não existe nenhum degrau intermediário”. Tal afirmação repousa sobre os mesmo princípios dos social-democratas, como Renner e Cunow, quando estes qualificam o imperialismo como uma etapa necessária no percurso da evolução capitalista que conduz ao socialismo, tomando, consequentemente, como ridícula a tentativa de resistir a ele e considerando, a partir de 1918, a República capitalista como primeiro passo para o socialismo: trata-se, com efeito, do princípio marxista do desenvolvimento natural das relações econômicas em direção ao socialismo. Concepção esta que um dos mais eminentes teóricos do marxismo, Karl Kautsky, resumiu nesta proposição categórica: “Partimos do princípio de que o desenvolvimento da indústria moderna conduz necessariamente ao socialismo.”(33)
Ademais, é um princípio fundamental do marxismo que a nacionalização dos meios de produção é indispensável para realizar o socialismo. Em dado momento, as forças produtivas se tornam maduras para passar do estágio da propriedade privada ao da propriedade coletiva. A forma do Estado sob a qual se produz tal evolução é a ditadura do proletariado que nasce da república democrática, isto é, de acordo com Marx, a ditadura do proletariado organizado como classe dominante, da maioria dos trabalhadores proletarizados pela evolução da produção. Os adversários do marxismo pensaram, concordando com Marx, que o socialismo significa uma sociedade sem classes e então — considerando que o Estado não é senão um Estado de classe ou, simplesmente, a expressão dos antagonismos de classe — eles se esforçaram para atingi-la. Eles também não se cansaram de salientar que a transformação dos meios de produção em propriedade do Estado não conduziria jamais a uma sociedade sem classes, mas levaria forçosamente ao mero socialismo de Estado, isto é, em última análise, ao capitalismo de Estado. Já vimos de fato que Lênin não vê grande diferença entre as duas formas em teoria, e menos ainda na prática!
A transformação dos meios de produção em propriedade do Estado, isto é, em um monopólio econômico do Estado, é um princípio fundamental que está na base de toda interpretação ou “prolongamento” do marxismo, seja com os social-democratas ou os bolcheviques.
Nós não somos marxistas e não temos necessidade de escolher entre Noske e Lênin ou entre Hermann Müller e Trótski. Não acreditamos, é claro, que Marx tenha imaginado uma ditadura democrática do proletariado que fosse capaz de utilizar o poder político para massacrar dez mil proletários revolucionários em interesse de uma república capitalista, ou de empregar a dominação política para restaurar integralmente, em dez anos, o capitalismo e o militarismo, abrindo caminho para o fascismo. Rejeitamos não menos resolutamente a ideia de que Marx, quando falou de ditadura, tivesse em mente o terror chekista. Foi provavelmente sob uma forma muito diferente que ele se representou a evolução econômica e a transformação dos meios de produção! Acima, já nos debruçamos sobre a evolução dialética utópica do sistema marxista, sobre sua utopia baseada em dialética e abstração.
Quando Lênin defende o monopólio do Estado, quando não vê no socialismo nada além do monopólio do capitalismo de Estado, ele incorpora tais concepções ao fluxo das ideias do marxismo, visando transformar os meios de produção em propriedade do Estado. Sem dúvida, em Marx, tal transformação tem lugar quando a concentração provocada pela própria lei da produção capitalista atinge um grau tal, que é preciso que ela se livre do “invólucro do capitalismo”. Este invólucro, produto das condições da produção dadas, explode, sob ação das forças produtivas que amadureceram a ponto de passar para o estágio da propriedade coletiva. Isto se dá quando o Estado, isto é, o proletariado organizado como classe dirigente, concentra em suas mãos as forças produtivas já centralizadas pela evolução do capitalismo e as torna sua propriedade, ou quando, por assim dizer, a evolução do capitalismo chega a seu termo, e o monopólio do capital se torna um entrave para o modo de produção. Mas não se encontra nenhuma passagem dos escritos de Marx que faça alusão ao emprego possível do poder do Estado do proletariado organizado para acelerar tal evolução do capitalismo, para fazer progredir o seu desenvolvimento no sentido do Estado, para continuar o trabalho do centralismo capitalista, a concentração do capital que surge, segundo Marx, como consequência da lei da produção capitalista.
A ideia de que dar continuidade à evolução do capitalismo seria a missão do “Estado proletário” poderia muito bem ser considerada típica do prolongamento do marxismo sob o modo leninista!
Até 1917, o dogma marxista determinava que somente o completo desenvolvimento do capitalismo possibilitaria uma sociedade socialista e que, na Rússia, era preciso que a evolução da produção capitalista transformasse a maioria da população em proletários e proletarizasse, portanto, as massas camponesas. Por tais razões, os marxistas julgaram impossível uma revolução “socialista” na Rússia e consideraram indispensável o poder da burguesia capitalista. Pelas mesmas razões, os mencheviques marxistas defenderam sua coalizão com a burguesia democrática, e os líderes do partido bolchevique sustentaram, após a Revolução de fevereiro, que a revolução democrática ainda não havia terminado, e era preciso fazer pressão, na oposição, sobre o governo democrata burguês. Se esta política tivesse prevalecido, escreveu Trótski, “a Revolução teria passado por cima do nosso partido”!
O que a Revolução queria não era nem um governo democrático nem um prolongamento do capitalismo fundado em alguma doutrina marxista, mas sim a realização do socialismo, a posse das terras pelos Sovietes de camponeses, e das fábricas pelos Sovietes de operários. Tal era o significado da palavra de ordem “todo poder aos Sovietes”. Um sistema econômico fundado sobre a união dos Sovietes de fábrica, para construir a organização da indústria, ligados aos Sovietes de camponeses e às cooperativas cada vez mais numerosas, poderia lançar as bases de uma sociedade socialista. Mas tal edificação seria impossível segundo a doutrina marxista. Na Rússia, o advento do socialismo ainda estava absolutamente fora de questão, sob as concepções do marxismo! Ademais, o socialismo somente poderia se realizar com a transformação dos meios de produção em propriedade do Estado; daí um forte poder de Estado como condição prévia, e, como objetivo único do partido bolchevique marxista, a conquista do poder político. Para quais fins? Se não para instaurar o socialismo, ao menos para lhe abrir caminho, com a aceleração da sua evolução para um capitalismo de monopólio, com a sua transformação, por meio da ditadura, em um monopólio de Estado, e com a instituição de um capitalismo de Estado. Este último prepara materialmente o socialismo. É a última etapa antes do socialismo ou até mesmo o próprio socialismo, pois este “não é outra coisa senão o monopólio capitalista de Estado”, contanto que ele esteja “a serviço de toda a população”.
Mas quando tal teoria passou para os fatos, viu-se que o monopólio capitalista de Estado não favorecia à população inteira, mas sim a uma fração bem determinada dela: aqueles que exerciam o poder no Estado e tinham o monopólio capitalista nas mãos, esta oligarquia de partido que se intitula “ditadura do proletariado”.
O Estado é sempre uma organização política a serviço de uma classe dirigente. O Estado proletário de Lênin — aquele do capitalismo de Estado — é a última forma possível de Estado: o Estado burocrático. A classe dirigente de tal Estado é o Partido, que exerce, pela ditadura e pelo terror, o poder com exclusividade.
Um dos representantes mais típicos dessa “comissariocracia soviética”, dessa oligarquia dita “ditadura do proletariado”, caracterizou com excelência a concepção bolchevista do socialismo e a natureza do “Estado soviético” bolchevista, com uma frase que diz mais que vários volumes. Em termos concisos e expressivos, ainda que um pouco ingênuos e brutais, esta frase resume os argumentos teóricos de Lênin a respeito do Estado e também a questão sobre se os bolcheviques conservarão o poder: “O capitalismo de Estado é o capitalismo que poderemos organizar, um capitalismo estreitamente ligado ao Estado; quanto ao Estado, são os trabalhadores, é a fração mais progressista dos trabalhadores, é a vanguarda, somos nós!”(34)
Notas de rodapé:
(1) LÊNIN. Sämtliche Werke [“Obras completas”]. Tomo XX, primeira metade: Die Revolution von 1917 (Vom Sturz des Zarismus bis zu den Julitagen). [“A Revolução de 1917 (Da queda do czarismo aos dias de julho)”.] Viena/Berlim, Verlag für Literatur und Politik, 1928, p.. 237. [NT: Trata-se do discurso “Relatório sobre a situação atual e a atitude diante do Governo Provisório”, de 14 (27) de abril de 1971. Disponível em (inglês): https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1917/petcconf/14.htm#v24zz99h-141-GUESS. (retornar ao texto)
(2) LÊNIN. Ibid., p. 137-8. Os grifos são de Lenin. [NT: Trata-se da primeira das “Cartas sobre tática”, de abril de 1917. (retornar ao texto)
(3) KÁMENEV, Lev. Nossas divergências de opinião. (Artigo reproduzido na segunda metade do tomo XX das Obras de Lenin em alemão, p. 260.) (retornar ao texto)
(4) Cf. TRÓTSKI. 1917: Die Lehren der Revolution, E. Laub, 1925, p. 18-24. [NT: TRÓTSKI. As lições de outubro. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1924/licoes/index.htm. A. Lehning remete ao capítulo 2, onde se lê: “A tarefa da conquista do poder só se pôs ao partido depois de 4 de abril, quer dizer, após a chegada de Lenin a Petrogrado.”] (retornar ao texto)
(5) Ibid., p. 20. (retornar ao texto)
(6) TRÓTSKI. Über Lenin. Material für einen Biographen. [Sobre Lenin. Material para um biógrafo.] Berlin: Neuer Deutscher Verlag, 1924, p. 63. [NT: TRÓTSKI. Lenin. Parte II, cap. I (“Antes de outubro”). (retornar ao texto)
(7) [NT: As citações recolhidas a seguir, como o próprio A. Lehning não deixa de indicar, não são estritamente fiéis aos respectivos textos. As transcrições que ele faz não são exatas. Cada um dos trechos já é em si fragmentário, e a ordem do texto original chega a ser desrespeitada (em certos momentos, dada a fragmentação, optou-se por economizar as reticências). Na presente tradução, a tentativa foi de adaptar o texto da edição francesa tomada como base (que, por sua vez, reproduziu as citações de Lenin da edição em francês das Obras de Lenin — Paris-Moscou, 1966), confrontando-o com a tradução argentina (ed. Utopia Libertária) e com traduções para o português dos textos de Lenin (v. referências nas notas abaixo).] (retornar ao texto)
(8) LÊNIN. “Sobre a dualidade dos poderes.” (Pravda, n. 28, 9 de abril de 2017). (retornar ao texto)
(9) Loc. cit. (retornar ao texto)
(10) Id. “Sobre uma milícia proletária” (Cartas de Longe), 11 de março de 1917. (retornar ao texto)
(11) Id., “As Tarefas do Proletariado na Nossa Revolução”. 10 de abril de 1917. (retornar ao texto)
(12) Id., “Conservarão os Bolcheviques o Poder de Estado?” Outubro de 1917. (retornar ao texto)
(13) Id., “Carta aos operários americanos.” (Pravda, n. 178, 22 de agosto de 1918.) (retornar ao texto)
(14) ROCKER, Rudolf. Der Bankerott des russischen Staatskommunismus [“A falência do comunismo de Estado russo”]. Berlim: Verlag Der Syndikalist, 1921, p. 23-4. Este trabalho — assim como o folheto de Rocker A Revolução Russa e o partido comunista — constitui a primeira crítica global dos princípios do bolchevismo publicada em língua alemã, do lado anarquista. Ela é tão atual hoje [1929] quanto era há dez anos. [NT. Tradução brasileira: ROCKER, Os sovietes traídos pelos bolcheviques. São Paulo: Hedra, 2007, p. 77-8. Aqui, foram mantidos os termos da edição francesa que nos serve de base, pois é própria das citações de A. Lehning uma certa imprecisão que não caberia necessariamente corrigir. Contudo, foi feita uma adaptação, graças ao confronto com a edição nacional do texto de Rocker: o trecho entre colchetes não foi transcrito na edição francesa ou argentina do texto de Lehning, mas sim acrescentado à presente tradução. (Logo depois deste trecho, tem-se então um exemplo da referida imprecisão do nosso autor: ali onde Lehning anota “no bolchevismo”, Rocker escreve, de acordo com a edição brasileira do seu texto, “na ditadura” — note-se então que a imprecisão é mais de termos do que da compreensão, pois não é senão da ditadura bolchevique que Rocker está a falar no parágrafo remetido por Lehning.)] (retornar ao texto)
(15) Ibid., p. 25 [NT. Os sovietes traídos pelos bolcheviques, p, 80.] (retornar ao texto)
(16) KROPÓTKIN, P. A Revolução Francesa, 1789-1793. Capítulos 24 e 63. (retornar ao texto)
(17) TRÓTSKI. Über Lenin. Material für einen Biographen. [Sobre Lenin. Material para um biógrafo.] Op. cit., p. 78. [TRÓTSKI. Lenin, op. cit., Parte II, capítulo II (“O golpe de Estado”).] (retornar ao texto)
(18) TRÓTSKI. Mein Leben: Versuch einer Autobiographie. Berlim: Fischer, 1930, p. 323 [TRÓTSKI, Minha vida, cap. XXIX]. (retornar ao texto)
(19) SCHREIDER, Alexander. O sistema dos Conselhos, p. 59-60. (Al.) (retornar ao texto)
(20) STÁLIN. Auf dem Wege zum Oktober. Reden und Aufsätze vom März bis Oktober 1917 [A caminho de outubro. Discursos e artigos de março a outubro de 1917]. Berlim: Verlag für Literatur und Politik, 1927, p. 42. [A citação é do texto “Condições para a vitória da Revolução Russa”, disponível em inglês, em: https://www.marxists.org/reference/archive/stalin/works/1917/03/18.htm. (NT)] (retornar ao texto)
(21) Ibid., p. 249. [Citação do texto “Do que precisamos?”, disponível em inglês em: https://www.marxists.org/reference/archive/stalin/works/1917/10/24.htm. (NT)] (retornar ao texto)
(22) Cf. TRÓTSKI. Über Lenin. Op. cit., p. 98: “Nos primeiros dias, senão horas, que se seguiram à Revolução de outubro, Lenin levantou a questão da Assembleia Constituinte. — É preciso adiar as eleições — propôs ele. — É preciso ampliar o direito ao voto para os jovens de dezoito anos. É preciso possibilitar o estabelecimento de novas listas eleitorais […] — Ao que lhe replicaram: — Um adiamento seria desfavorável no momento. Ele seria visto como uma liquidação da Assembleia Constituinte”. [TRÓTSKI. Lenin, op. cit., Parte II, capítulo IV.] (retornar ao texto)
(23) Quando se lê a crítica do sistema dos Sovietes pelo socialista revolucionário de esquerda Schreider e se descobre que a instituição do “Conselho dos Comissários do Povo” é o defeito fundamental de tal sistema, uma vez que desnatura completamente seu verdadeiro caráter, tem-se a tendência a perguntar por quais razões os socialistas revolucionários de esquerda entraram no Conselho de Comissários do Povo. O próprio Schreider tenta explicar: “O Conselho dos Comissários do Povo, no centro, e a instituição dos Comissários Executivos do poder local nasceram por razões históricas. A prática do sistema dos conselhos precedeu sua teoria. Não é de surpreender portanto que, na memorável noite de 25 para 26 de outubro, quando o poder foi arrancado do governo Kérenski, se tenha seguido a via habitual da constituição de um novo governo a partir do velho modelo de um “Conselho de Ministros”. Não passou pela cabeça de ninguém que isto estaria em contradição com o sistema dos Conselhos e que o poder deveria passar diretamente ao Comitê Executivo Central e sua presidência.” (SCHREIDER, op. cit., p. 76.) Nós tentamos mostrar claramente que a criação do Conselho dos Comissários do Povo decorreu de causas bem diferentes de um avanço da prática sobre a teoria! Ela se fundou simplesmente no fato de que os bolcheviques não eram partidários de um sistema dos Sovietes e não poderiam sê-lo de maneira nenhuma, em virtude da sua própria doutrina socialista. Que não tenha passado pela cabeça de ninguém que havia contradição entre a tomada do poder por um partido e o sistema dos Sovietes é uma afirmação algo ingênua. Tal afirmação mostra tão somente que não passava pela cabeça dos socialistas revolucionários de esquerda — como aconteceria apenas mais tarde — que havia contradição entre a palavra de ordem “todo poder aos Sovietes!” e a palavra de ordem “Assembleia Constituinte!”, entre o sistema dos Sovietes e o sistema parlamentar. (retornar ao texto)
(24) Este é um erro de Lenin. Depois de uma semana que o Partido já havia decidido pela revolução armada para tomar o poder, antes de 25 de outubro, KámenevAmenemés se elevou contra a insurreição, à qual julgou como “inadmissível e nefasta para o proletariado e a Revolução”. E mesmo após a tomada do poder, membros influentes do partido sustentaram a opinião de que o Partido bolchevique não podia exercer o poder sozinho. Em 4 de novembro, ocorreu no seio do Comitê Central do Partido e do Conselho dos Comissários do Povo uma série de demissões de membros responsáveis que exigiram imperativamente a formação de um governo de coalizão com os partidos representados nos Sovietes: “Fora deste caminho, escreveram eles, só há uma possibilidade: o estabelecimento de um governo puramente bolchevique, pelos meios do terror político.” Profecia que se realizou literalmente. (Citado por TRÓTSKI. 1917: Die Lehren der Revolution, op. cit., p. 54. [TRÓTSKI. As lições de outubro, cap. 6, “Em torno da revolução de outubro.” (retornar ao texto)
(25) LÊNIN. “Conservarão os Bolcheviques o Poder de Estado?”, ed. alemã, p. 10-1. (retornar ao texto)
(26) Ibid., p. 28-29. (retornar ao texto)
(27) Ibid., p. 29-31. (retornar ao texto)
(28) Id. Die drohende Katastrophe und wie soll man sie bekämpfen? [“A catástrofe iminente e como lutar contra ela.”] Viena: Verlag der Arbeiter-Buchhandlung, 1920, p. 9-30. (retornar ao texto)
(29) LÊNIN, “Conservarão os bolcheviques o poder?”, op. cit., p. 31-2. Um aparelho de Estado “sem burocracia” que imporia a ditadura! Quando se lê isto hoje, soa como uma tremenda piada de mau gosto. (retornar ao texto)
(30) Ibid., p. 33. (retornar ao texto)
(31) LÊNIN, Die drohende Katastrophe und wie soll man sie bekämpfen? [“A catástrofe iminente e como lutar contra ela.”], op. cit., p. 36. (retornar ao texto)
(32) Ibid., p. 40-1. (retornar ao texto)
(33) KAUTSKY. Die Agrarfrage [“A questão agrária”], p. 296. (retornar ao texto)
(34) ZINÓVIEV, Grigori. Über die antisowjetistischen Parteien und Strömungen. [Sobre os partidos e tendências antissoviéticas.] Hamburgo: Hoym, 1922, p.8. (retornar ao texto)