Materialismo e Empiro-Criticismo
Notas e Críticas Sobre uma Filosofia Reacionária

V. I. Lênin

Capítulo III - A Teoria do Conhecimento do Empiro-Criticismo e do Materialismo Dialético
(Conclusão)


14. O Erro de Plerrânov em sua Concepção da "experiência"


Plerrânov escreve, nas páginas X e XI do seu Prefácio ao Ludwig Feuerbach (ed. de 1905):

"Um escritor alemão observa que a experiência é, para o empiro-criticismo, um objeto de análise e não um meio de conhecimento. Se assim é, a oposição do empiro-criticismo ao materialismo perde toda sua razão de ser e as dissertações sobre o empiro-criticismo, chamado a substituir o materialismo, são, por conseguinte, vazias e ociosas!"

Isso não é, de ponta a ponta, mais do que confusão.

Fr. Carstanjen, um dos mais "ortodoxos" discípulos de Avenarius, escreve, em seu artigo sobre o empiro-criticismo (resposta a Wundt), que a experiência é, para a Critica da experiência pura, um objeto de estudo e não um meio de conhecimento.(1) Conclui-se, segundo Plerrânov, que a oposição das ideias de Fr. Carstanjen ao materialismo é destituída de sentido!

Fr. Carstanjen transcreve quase textualmente Avenarius, que, em suas Observações, opõe resolutamente a sua concepção da experiência como o que nos é dado, como o que descobrimos (das Vorgefundene), a essa outra concepção de acordo com a qual a experiência é um "meio de conhecimento", "no sentido das teorias dominantes do conhecimento, teorias que, no fundo, são inteiramente metafísicas" (loc. cit., §§ 66 e 67). Petzoldt repete-o, após Avenarius, em sua Introdução à filosofia da experiência pura (t. I, p. 117). Dai se conclui, segundo Plerrânov, que não há nenhuma razão para que se oponham as ideias de Carstanjen, Avenarius e Petzoldt ao materialismo! Ou Plerrânov não leu até o fim Carstanjen & Cia. ou recebeu de terceira mão essa referência de "um escritor alemão".

Que significa essa afirmação dos mais eminentes empiro-criticista, não compreendida por Plerrânov? Carstanjen pretende dizer que Avenarius toma, em sua Critica da experiência pura a experiência, isto é, toda especie de "expressões humanas", como objeto de estudo e Avenarius não pergunta aqui, diz Carstanjen (loc. cit., p. 50), se essas expressões são reais ou não passam de visões; apenas agrupa, sistematiza e classifica formalmente as variedades das expressões humanas, tanto idealistas como materialistas (p. 53), sem abordar o fundo da questão. Carstanjen tem plena razão ao qualificar esse ponto de vista de "ceticismo por excelência" (p. 213). Carstanjen defende, nesse artigo, seu querido mestre contra a acusação humilhante (para um professor alemão) de materialismo, que Wundt lhe lança. Materialistas, nós? pois sim! replica, afinal, Carstanjen não tomamos a "experiência" no sentido habitual, comum, do termo, o que conduz ou pode conduzir ao materialismo; apenas estudamos como experiência tudo quanto os homens "exprimem". Carstanjen e Avenarius consideram como materialista a concepção segundo a qual a experiência é um meio de conhecimento (talvez a concepção mais comum, entretanto falsa, como o vimos pelo exemplo de Fichte). Avenarius repudia a "metafísica dominante" que se obstina, sem querer concordar com as teorias da introjeção e da coordenação, a ver no cérebro o órgão do pensamento. Pelo elemento dado ou pelo descoberto (das Vorgefundene), entende precisamente a relação indissolúvel do eu e do meio, o que leva a uma interpretação confusamente idealista da "experiência".

Desse modo, portanto, as correntes materialistas e idealistas da filosofia, bem como as de Hume e de Kant, podem, sem dúvida, abrigar-se sob o termo experiência, mas nem a definição da experiência como objeto de estudo(2) e nem sua definição como meio de conhecimento não resolvem a questão. E as observações feitas por Carstanjen contra Wundt nada tem ver com a oposição do empiro-criticismo ao materialismo.

Vejamos um aspecto curioso que Bogdanov e Valentinov revelam em sua resposta a Plerrânov, uma informação inteiramente insuficiente. Bogdanov diz: "Isso não está bem claro" (III, p. XI) e "Cabe aos empiro-criticistas verificar o que há nessa fórmula e aceitar ou não a condição". Posição comoda: Não sou um discípulo de Mach e não me compete esclarecer em que sentido um Avenarius ou um Carstanjen consideram a experiência! Bogdanov quer servir-se da doutrina de Mach (e da confusão que ela engendra por intermédio da "experiência"), mas sem assumir a responsabilidade de tal coisa.

O empiro-criticista "puro" Valentinov citou a nota de Plerrânov e fez escândalo diante dos espectadores; acusou Plerrânov por não ter dito o nome do escritor a que se referiu e por não ter explicado de que se tratava (pp. 108-109, loc. cit.). Mas esse filosofo empiro-criticista, que confessa ter lido bem umas três vezes a nota de Plerrânov (mas sem nada entender, evidentemente), não diz coisa alguma sobre o fundo da questão! Como são notáveis os discípulos de Mach!


Notas de rodapé:

(1) Vierteljahrsschrift für wiessenschaftliche Philosophie, ano XXII, 1898, pág. 45. — N. L. (retornar ao texto)

(2) Teria Plerrânov acreditado que Carstanjen tivesse dito: "O objeto do conhecimento independente do conhecimento" e não "um objeto de estudo"? Seria, nesse caso, verdadeiramente materialismo. Mas Carstanjen, não mais do que qualquer outra pessoa a par do empiro-criticismo, não disse e não poderia ter dito nada de semelhante. — N. L. (retornar ao texto)

Inclusão