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«Desejo comunicar, e porque tal constitui tarefa fundamental, a firme decisão de impor, desde já, uma séria moralização da vida nacional, como condição básica para a tomada de medidas que a actual situação económica e social do País exige, para o prestígio das instituições públicas, que deverão dispor de um crédito de confiança perante o País.»
«Não há processo revolucionário sem desvios, fraquezas, covardias e traições» — estas são palavras de Vasco Gonçalves que me ocorrem a propósito do tema do presente capítulo. Elas pertencem à longa entrevista a que já tenho aludido, e que o General deu a Carlos Coutinho para constituir a parte dianteira do volume colectivo Companheiro Vasco(39).
Pois que nenhum processo revolucionário se desenvolveu ao longo da História sem o acidente mais ou menos gritante de quaisquer desvios, isso representa uma verdade nobre a qual não devem, certamente, restar dúvidas. Para lá da sucessão lógica, necessária, dos factos objectivos, próprios da busca de liberdade que toda a Revolução representa, alguns dos seus protagonistas assumem comportamentos que efectivamente se resolvem no nosso espanto, quando não até mesmo na abertura da nossa ingenuidade, a qual só depois descobrimos ter sido friamente traída.
Não me recordo quem foi o pensador que afirmou constituir uma Revolução — mas sempre — um reino de ambiguidades. De ser, afinal, um campo onde convivem o trigo da lúcida coragem e o joio das infidelidades.
Se não é grande a revelação desta analogia, e, se chega a correr o risco de se assumir como uma figura de literatura fácil, ela tem todavia o mérito de significar a evidência da tal verdade. Tenhamos a consciência de que não poderia fugir a esta regra o processo instaurado em 25 de Abril de 1974.
Muito ampla foi, sem dúvida, a frente unitária, que, logo de início, se dirigiu ao encontro do «Movimento dos Capitães». Mas já vimos como são complexas, como se mostram variáveis e ao mesmo tempo frágeis todas as unidades de ruptura. O amálgama social, com efeito, é de todos o mais impuro e o mais incoerente. Nas relações internas que o definem, vivem os seus elementos componentes (indivíduos de classes diferenciadas ou antagónicas) a constante latência de contradições indomáveis.
Ficou já dito no capítulo anterior: porque falhadas as tentativas reaccionárias de Palma Carlos e de Spínola, o capital financeiro foi o primeiro a «separar-se» do empreendimento político do 25 de Abril. Consciente de que não segurava as rédeas do Poder, a grande burguesia decidiu-se combater contra, mas do lado de fora. Por consequência, com este «afastamento» dir-se-ia que se tinha conseguido para o futuro uma mais sólida homogeneidade no seio das forças empenhadas na Revolução.
Independentemente de qualquer orientação cronológica — a que, como se sabe, de modo nenhum obedece este meu livro — é esta, decerto, a ocasião mais própria para se evocar a Aliança Povo-MFA. Eis a ideia-força que não duvido ter sido aquela que mais fundamente enraizou no espírito de Vasco Gonçalves. Bem o demonstra, aliás, o texto-entrevista publicado no «Diário de Lisboa, de 28 de Setembro de 1978.
Como aliança que se estruturou na comunhão de uma luta unitária, esta ideia-força dominou a institucionalização do Movimento. Pena foi, porém, que também ela não haja conseguido manter-se imune ao desenrolar dramático das querelas e das intrigas internas.
Seja como for, diga-se entretanto o que se disser, não obstante as vicissitudes práticas e as dificuldades de interpretação jurídica, que o caso possa levantar (ou que até tenha já mesmo levantado) o insofismável é que tal ideia-força está consagrada na Constituição da República.
Diz, à evidência, o n.° 2 do seu artigo 3.°:
«O Movimento das Forças Armadas, como garante das conquistas democráticas e do processo revolucionário, participa, em aliança com o povo, no exercício da soberania, nos termos da Constituição.»
Mas falei em querelas e intrigas, umas certamente mais antigas, outras actuais. E em que termos concretos ? — importa perguntar.
Quanto a querelas e a nível jurídico, eis aí um exemplo, o do professor Soares Martinez, extraído de um seu livro recente:
«A posição atribuída ao Movimento das Forças Armadas — escreve ele — é manifestamente anómala nos quadros constitucionais. E não parece facilmente explicável que, no exercício da soberania, o qual compete ao povo (n.° 1 do artigo 3.°), participe o Movimento das Forças Armadas (n.° 2 do artigo 3.°) que a Constituição não chega a definir. Melhor fora atribuir àquele Movimento uma representação popular, uma qualidade de órgão, mesmo transitório, da soberania.»(40).
Esta dificuldade de explicação, assinalada no fragmento que acabo de transcrever, é muito relativa.
O MFA aparece-nos na Constituição, como sujeito-político, em três lugares: no preâmbulo, no citado artigo 3.º e no artigo 10.°, sempre em conexão com a Revolução ou com o Processo Revolucionário. Só que este Movimento não se constituiu na categoria de sujeito-directo da soberania popular, e, por isso, limita-se a participar no seu exercício.
Vital Moreira e Gomes Canotilho advertem-nos sobre esta questão, notando que se trata, neste caso,
«de uma das mais claras incursões da legitimidade revolucionária na Constituição, ou de recepção e legitimação constitucional de instituições revolucionárias»(41).
Presença normal (revolucionária) do MFA na Constituição; presença manifestamente anómala... — aí está um núcleo de oposições teóricas e práticas para numerosas querelas. Se, na verdade, a Aliança Povo-MFA conseguiu ser justamente considerada um projecto realizável, um programa que se concretizou em actos e resultados, a partir do 25 de Abril (tempo em que tudo exactamente se resumia, e, apenas, ao desconcertar e derrubar as estruturas do aparelho de Estado Fascista) ocorre perguntar se ele não se terá tornado infactível no preciso momento em que houve necessidade de se definir e apontar um determinado tipo de sociedade?
Para lá das implicações de uma polémica teórica, muito menos de uma exegese constitucional (a Constituição da República não existia ainda como estrutura jurídica vigente), reflectiu Vasco Gonçalves, contra as baixas intrigas, no seu célebre discurso, de 18 de Agosto de 1975. Foi no Pavilhão Gimno-Desportivo da Escola D. António da Costa, em Almada, fazendo ajuste de contas com todos os desvios, fraquezas e traições de que o MFA tinha sido vítima, disse corajosamente o Companheiro General:
«Desprovida de sensibilidade popular — começa assim a presente transcrição (que vai ser tão extensa quanto a tremenda actualidade das suas desassombradas acusações o exige) — essa gente não tem sequer a vibração nacional de escolher melhor os confidentes e cúmplices. Fala a torto e a direito, espalha boatos, implora a intervenção estrangeira nos assuntos pátrios — e tudo isso, pretendem eles, porque a nossa Revolução está em perigo às mãos do Gonçalvismo, porque o nosso País está à beira da guerra civil, etc., etc. Essa gente é o que é — e eu sou membro do MFA.»
E logo acentuaria Vasco Gonçalves:
«Não respondo, pois, aos seus ataques pessoais. Digo porém, que efectivamente a nossa Revolução estará em perigo — e de morte! — enquanto eles teimarem em dividir as classes laboriosas, em intimidar a pequena e média burguesia, em dividir o Movimento das Forças Armadas, em destroçar a Aliança Povo-MFA — e também fornecer a órgãos de informação adversos ao nosso processo revolucionário as elocubrações delirantes e malévolas do seu espírito pequeno-burguês. Sim, são eles que põem a Pátria em perigo, eles que semeiam a discórdia, que suscitam programas e auto-de-fé fascistas, que arrebanham e cobrem todos aqueles que, com culpas no cartório, tentam desesperadamente, raivosamente, travar uma derradeira batalha. Cá dentro, não hesitam em aliar-se ao que há de pior na sociedade portuguesa; lá fora, rojam-se aos pés de quem não admite que um pequenino povo, como o nosso, tenha a pretensão de ser plenamente livre e feliz!»
E depois:
«É facto que, após quarenta e oito anos de fascismo, o comportamento deste género de indivíduos não nos surpreende sobremaneira já que são o produto acabado de um regime que privou sucessivas gerações de qualquer educação cívica e patriótica. Enfim, repito, essa gente é como é... E é porque ela é como é, que cada cidadão português verdadeiramente empenhado no nosso Processo Revolucionário tem o dever absoluto de dar mostras das mais altas qualidades morais. Política e moral são inseparáveis. Não se pode encher a boca com democracia, socialismo e liberdade e, ao mesmo tempo, ter acções salpicadas de tinta Salazarista, com tudo o que isso significa de falta de carácter, de grosseria e de arrogância. Isso nada tem a ver com o modo de vida que queremos estabelecer e ver desabrochar em Portugal. Isso nada tem a ver com o Socialismo: o socialismo que queremos consiste também na possibilidade, para cada cidadão, de ser um homem de qualidade, de ser um homem de lisura. Só é livre aquele que respeita e enaltece o que há de grande, de belo e de humano nos outros homens. Apelar para o baixos sentimentos, para os pavores ancestrais, para a ignorância ardilosamente inculcada na população pelo fascismo, é ser-se antidemocrático, é dar prova de desprezo pelo seu semelhante, pelo seu compatriota a quem foi vedado o acesso à mais elementar manifestação cultural. É, numa palavra, um procedimento de cariz fascista — já que foi abusando da ignorância do povo português que o Salazarismo e o caetanismo se mantiveram autoritariamente no Poder por tão largos anos!»
E por fim, como que em remate, acrescentaria Vasco Gonçalves, neste seu decisivo discurso de Almada:
«É pois de lamentar que homens com quem a Revolução deveria contar, que tinham o dever de se encontrar lado a lado com os outros revolucionários, civis e militares, não hesitem em estabelecer alianças de facto com os indignos que ontem combateram, só com o propósito de quererem impedir que as classes trabalhadoras tomem o seu destino em mãos — esquecendo até que, em última análise, e por mais mostras de arrependimento que derem, não se esquivarão, mais dia menos dia, à sanha dos inimigos do Povo Português.»(42)
Ao distanciar-se, decisivamente, daqueles socialistas que não queriam fazer o Socialismo, consumou Vasco Gonçalves o seu drama político na luta de cara descoberta.
Ele pugnou por uma definição clara dos destinos portugueses. Ele sacrificou-se pela duríssima conquista de novos horizontes e de domínios libertos e desagravados. Só que os fariseus exemplares, os comprometidos solenes e os amantes teóricos da liberdade geral, lançaram-se todos, à compita, na mira de enganá-lo.
As contradições traduzidas no desígnio de se tentar simultaneamente uma aproximação à Europa e uma promoção política do chamado espaço económico nacional, caldeando funda a articulação de Portugal com as colónias, haviam exacerbado o processo de bloqueamento da sociedade portuguesa. Tal bloqueamento, aliás, foi bem patente nos finais do ano de 1973. E manteve-se, como acentuada tendência, durante os Governos do Companheiro General por parte de forças ditas progressistas e de esquerda. A confusão reinava nos espíritos, contra-revolucionariamente.
Mas Vasco Gonçalves é — em 1974 e 1975 — o homem que, na consonância de uma acendrada e entusiástica base de apoio popular (eu não disse grande), procurou responder, incansável e corajosamente, ao ror de interrogações que as pessoas se faziam. Muitos dos seus discursos são definições. Constituem o acertamento de conceitos.
Veremos que na segunda semana de Julho de 1975, quando êle apresentou à Assembleia do MFA o documento sistemático de «Análise da Situação Política», aí mostrou como era justamente considerada uma das causas, ou um dos factores da crise daquele Verão, precisamente a «indefinição política».
Transcrevo, para confirmação de que é assim, uma passagem daquela «Análise». Com ela, inicia-se o ponto 1.2 — indefinição política:
«A prática demonstra que o MFA é coeso e sabe avançar e manter a sua aliança com o povo quando existe uma definição política e uma definição do inimigo claras e operantes. Na fase da luta antifascista directa, actuou-se com coerência e unidade, e o próprio processo se encarregou de isolar e eliminar os que contrariavam; as dificuldades agudizaram-se quando a questão principal passou da destruição do fascismo para a construção do socialismo. Efectivamente, é muito mais fácil caracterizar uma atitude antifascista do que uma atitude socialista, até porque só esta última obriga a uma opção de classe e põe em causa os tabus correspondentes à origem pequeno-burguesa da maioria dos elementos do MFA. Daqui, as discussões, as dúvidas e as dificuldades relativas à definição política. Tais dúvidas, discussões e dificuldades não são mais do que a expressão das contradições “classe-opção socialista” no seio do MFA.»(43)
Oportunamente efectuada uma jornada de síntese ao longo das décadas do fascismo (jornada que no próximo capítulo levo a cabo), voltarei a este assunto da definição necessária. Agora, porém, pretendo cursar outro caminho: o da demonstração de que o General Vasco Gonçalves foi sempre, em todos os seus momentos de acção, um político extremamente coerente.
A Política para ele — recorda-se — segue de par com a Moral.
Daqui, de tal princípio, resulta necessariamente que a incoerência é impensável a propósito deste homem frontal, aberto e simples. E não se diga que ela só não se tornou visível porque muito pouco (de catorze meses) foi o tempo material do seu efectivo poder. Tão intensamente se nos revelou Vasco Gonçalves, que um diagnóstico sobre o seu espírito e a sua ética não pode deixar de ser seguro. A propósito de um homem como este são, por exemplo, impensáveis episódios iguais ou análogos àquele que passo a recordar de imediato.
Todos nos lembramos do caso, com certeza, tanto mais que ele directamente se refere à controversa problemática da integração de Portugal na CEE.
Em 13 de Dezembro de 1974, com efeito, concedeu o Dr. Mário Soares uma entrevista ao vespertino «A Capital» e nela afirmou, categórica, a tese seguinte:
«Eu declarei, e declaro, que Portugal não está em condições de se integrar, neste momento, no Mercado Comum, visto que, se houvesse uma liberdade total de transferência de homens, mercadorias e capitais entre Portugal e a CEE, a nossa economia ficaria arruinada a curto prazo e seria totalmente colonizada pelas grandes firmas multinacionais.»
Mas muito pouco foi o tempo que girou adiante. Os cataventos são fulminantes na viragem.
Viu-se o mesmíssimo Dr. Mário Soares instalado em Governo próprio ou feito cabeça de Ministério, como melhor quisermos. Antes, ele tinha logrado até um recomendável retrato público no seio de alguns sectores do eleitorado operário e conquistara o Poder. Mas chegado aí, já os seus ouvidos, o seu tacto, os seus sentidos lhe ouviram, tactearam e sentiram diversamente.
Com aquela alegre versatilidade que lhe é tão própria, eis que o Primeiro-Ministro passou a defender a teoria polarmente oposta à que expusera ao referido vespertino.
E foi assim que o Dr. Mário Soares afirmou na TV, em 28 de Fevereiro de 1977, agora coagido, sem dúvida, pelos seus compromissos de ordem externa, que é imprescindível a penetração portuguesa na área da integração capitalista europeia, sendo também obviamente
«preciso deixar actuar os mecanismos normais da sociedade capitalista» (sic)(44).
Dir-se-ia que o secretário-geral do Partido Socialista, ao ser entrevistado por «A Capital», caíra em lamentável distracção, esquecendo os parâmetros da sua linha europeia! Ou, segundo outra perspectiva, poderia dizer-se que há quem pensa que pode seguramente construir a História à sua maneira. O Dr. Mário Soares, por exemplo, julgou que havia de ficar assinalado, nos anais portugueses, pelas manifestações do seu indisfarçável voluntarismo ditatorial.
É, porém, quase na abertura de O 18 Brumário — esse livro que se diria fundamental para a compreensão de tanta coisa sobre a luta de classes — o lugar onde Karl Marx enuncia a afirmação do princípio contrário a esse voluntarismo:
«Os homens fazem a sua própria História, mas não a fazem como querem.»
Os homens não definem, eles próprios, o curso dos acontecimentos sob circunstâncias da sua escolha. O Dr. Mário Soares pensou e agiu errado. Os homens actuam conforme as condições com que directamente se defrontam, «legadas e transmitidas pelo passado». E também é de Marx e é do mesmo livro, ainda esta outra advertência importantíssima sobre a qual devemos reflectir:
«A tradição de todas as gerações mortas oprime, como um pesadelo, o cérebro dos vivos.»(45)
Não foi por acaso, evidentemente, que me lembrei de referir este texto. Aliás, para me explicar melhor quanto à razão da referência, decido-me a um pequeno parêntesis.
Em 31 de Maio de 1975, teve lugar a Conferência de Imprensa de Bruxelas. Aí discretou o Primeiro-Ministro do IV Governo Provisório sobre uma diferença subtil. Tratava-se de distinguir, com relevância para o domínio ético de uma determinada política, entre isenção, imparcialidade e partidarismo.
Ser isento, para Vasco Gonçalves, representava manter-se o governante autónomo e descomprometido perante as diversas forças políticas:
«O MFA não é um movimento partidário como, por vezes, os nossos inimigos querem crer. As pessoas que estão no MFA evidentemente que têm ideias políticas, evidentemente que exercem o seu direito de voto. Mas ninguém pergunta as ideias políticas a cada elemento do MFA, dentro do MFA.
Nós somos um movimento político autónomo, com o seu desenvolvimento próprio, mas não somos partidários. Nesse sentido, nós podemos afirmar, em toda a consciência, que somos isentos. E como é que nós conseguimos isto? Pela prática quotidiana, entre nós, da análise das decisões, das críticas mútuas, das análises dos nossos próprios procedimentos. E ainda, e sobretudo, pela chama que nos anima, o espírito que nos anima, e que não digo que não anime outras pessoas, os outros portugueses.»(46)
Cautela, porém: a isenção e o apartidarismo de modo algum implicam a imparcialidade.
Não há revoluções imparciais, eis a primeiríssima verdade. Basta lembrar, para vermos que assim é, a tradição de uma simultânea reverência e antipatia que domina quase toda a perspectiva que podemos ter de um Marx e da sua concepção de sociedade. Não se concebe, com efeito, um revolucionário neutral. A do revolucionário neutro é uma figura impossível, teórica e praticamente.
Continuou Vasco Gonçalves, em Bruxelas, na linha destas ideias:
«Há outros que dizem que não têm ideias políticas ou que não fazem política. Estes segundos, quando dizem que não têm ideias políticas ou que não fazem política, estão a fazer já dessa própria atitude uma certa política.»(47)
Se a memória me não atraiçoa, foi Schiller, o poeta o dramaturgo, o historiador de Os Bandidos, de Guilherme Tell, da História da Insurreição dos Países Baixos Contra o Domínio Espanhol, quem mais subtilmente denunciou a hipocrisia da imparcialidade:
«Até enquanto “escolho” e “elejo” o tema do meu poema — teriam sido pouco mais ou menos estas as suas palavras — eu não sou imparcial.»
Do ponto de vista político-social revela-se, então, muito mais grave o farisaísmo. A imparcialidade é, com efeito, a parcialidade oculta ou dissimulada dos conservadores.
Vasco Gonçalves concluía assim, naturalmente preocupado com a sua verdade:
«É preciso que eu diga o seguinte: não há pessoas imparciais no mundo. Imparciais são os mortos quando estão no caixão. Porque quando as pessoas dizem que são imparciais, elas já estão a tomar uma determinada posição: quanto mais não seja, a favor do “establishment”, do “statu quo”. Sobretudo esta última frase aplica-se àqueles que dizem que não têm política nenhuma; não àqueles que são parciais.»(48)
Mas estará aqui, como razão central ou gérmen do parêntesis que abro neste ponto, a base de uma discordância da minha parte relativamente a Vasco Gonçalves?
Tal só seria possível se acaso eu não entendesse perfeitamente o que o Companheiro General quis dizer no contexto desta passagem. Os mortos não são imparciais — repito a afirmação de Marx — porque «a tradição de todas as gerações mortas oprime, como um pesadelo, o cérebro dos vivos». E só a massa física do corpo onde a vida humana parou — «os mortos no caixão» — , só essa é imparcial. Isto porque só ela fica inerte, só ela resta abandonada daquilo que os vivos foram como teorias e como práticas, como teses e atitudes, enfim, como ideologias e acções. É o «eco» de tudo isto que constitui o peso-pesadelo a que aludia Marx.
Toma-se, aliás, evidente (e ainda há pouco o mostrei, referindo um caso do Dr. Mário Soares) que quem pretende alcançar com a evocação desta teoria de O 18 Brumário, é outra ou são outras pessoas, que não o Companheiro General, invectivando-as globalmente pelo seu desbordado voluntarismo. Esta é a posição justa. Sabe-se, todavia, que não pouca gente — muita mesmo, e até de bom estofo intelectual — não hesitou em imputar a Vasco Gonçalves desbordo semelhante.
Veja-se, por exemplo, o pequeno texto de Eduardo Prado Coelho no volume colectivo Companheiro Vasco. Foi aí que o jovem teórico cometeu um dos seus mais flagrantes erros de perspectiva. E fê-lo, escrevendo assim:
«Repare-se que não é apenas hoje que descobrimos que muitas hostes encarniçadas contra Vasco Gonçalves se erguiam não contra a desfiguraçção do socialismo, mas contra a sua figura emergente. O trágico foi que o projecto «gonçalvista» continha, na desmesura da esperança que era, na desmesura do ódio que provocava, o desmedido perigo de uma catástrofe de tipo chileno — e deve-se a Melo Antunes, Vasco Lourenço e a alguns outros, a vitória de a termos evitado.»(49)
Que devemos pensar desta afirmação, que pode tão directamente afectar o perfil revolucionário do General, mesmo que posta num livro destinado a homenageá-lo?
Hoje, no momento em que reescrevo este capítulo (estamos na passagem de 78 para 79) olho como vai dramático o nosso país. Seja mais ou menos próximo ou remoto o risco de uma nova opressão, palavras assim como aquelas de Eduardo Prado Coelho, tão evidentemente repassadas de um medo verdadeiramente idealista e de um comodismo terrivelmente burguês, sugerem-me um tipo muito particular de considerações. O Velho do Restelo, peso e contrapeso de mortos, continua a representar o seu «melhor».
O Velho do Restelo, sim!
Nele, na triste figura desse plurissecular de à beira-rio, surpreendemos o limite em que a prudência constitui uma boa desculpa. E, mais ainda, a barragem que vale uma indulgência para que tudo emperre.
Tem sido, precisamente, nos instantes mais ou menos duradouros em que se instauram processos de ruptura, nos tempos de grande mobilidade de massas, nos ápices de entusiasmo e euforia, em que se movem as bases para uma via oposta (ou oponível) à da opressão das gerações moribundas ou mortas, que desde logo os «velhos do Restelo» inculcam de arriscada, de perigosa ou de utópica a meta a atingir.
Qual, porém, a atitude certa? — pergunta o homem comum, que somos todos nós.
Na entrevista de Vasco Gonçalves, conduzida por Carlos Coutinho, fala-se de Maquiavel mais uma vez. Esta personagem histórica cujo nome evoca a astúcia e a manha, quando não a perfídia, vem ali à colação, mercê de se pôr em causa o problema que está no fulcro do presente capítulo: as relações (boas ou más) da Política com a Moral.
É verdade que o entrevistador qualifica de anti-Maquiavel o entrevistado. E está certo, sem dúvida. Basta pensarmos nas suas preocupações de atingir sempre uma cristalina transparência nas palavras e nos actos. Afirmou-a e praticou-a Vasco Gonçalves em todos os momentos.
Por mim, no entanto, tenho de memória dois nomes que gosto e me prezo de citar sempre que se toca nesta questão de se aferir a Política pela Moral. Vou pois, de imediato, socorrer-me deles.
Sabe-se, efectivamente, que um Voltaire como o das Cartas Filosóficas se perguntava assim:
«Que é a Política senão a arte de mentir a propósito?»
E quanto ao nosso padre António Vieira, ele dizia bem pior, um século antes:
«Tempos houve em que os demónios falavam e o mundo ouvia; mas depois que ouviu os políticos, ainda é pior o mundo.»(50).
Será esta, acaso uma proba e santa verdade?
Opostamente à tese de Vieira, que nos mostra o condutor político da primeira fase da Restauração a ser injusto consigo próprio, pode a Política constituir um acto de sã coragem. E de cívica determinação.
Direi até melhor: pode ser, e é.
Mas há intenções e intenções. Algumas, como se sabe, limitam-se a navegar no mar de sonho desfasado. Para o nosso tema, por exemplo, importaria reflectir sobre se Vasco Gonçalves quis desmesuradamente «escolher» a direcção da História e se desmesuradamente construiu ele também, uma esperança sem norte; ou se, bem pelo contrário, o que o Companheiro General fez foi interpretar o querer da gente viva do povo.
Este é, afinal, o problema que nos vem posto desde O 18 Brumário enquanto observa que a tradição recebida das gerações mortas nos oprime.
Foi Vasco Gonçalves — como pretendeu a legião dos seus caluniadores — um temerário desgarrado da realidade? Mostrou-se ele um destemperado empreendedor de loucuras?
Ou constituiu antes o lúcido e audaz intérprete de um complexo somatório de condições muito objectivas?
Os vínculos da Política relativamente à Moral encontrou-os aquele a quem chamaram o Companheiro Vasco, no respeito da objectividade das coisas e dos factos. O seu tão afirmado desejo de diafaneidade, repito, representou disso uma das provas. E não há quem não recorde a sua persistente vontade de que o povo se esclarecesse e se iluminasse. Nem ninguém o poderá desligar dessa ideia tão original e pura, bastante menos ingénua do que à primeira vista se pode aquilatar, de ser criado um Serviço Nacional Anti-Boato, única forma de se reagir, pela objectividade, contra as mil atoardas dos fala-barato, contra, enfim, os venenos mortais dos caluniadores de profissão.
Foi ainda nesse já tão citado discurso de Almada que Vasco Gonçalves contrapôs, aos artifícios e aos sofismas despudorados de certa «gente», a regra de ouro de uma prática do procedimento politicamente cristalino. Sabe-se, aliás, de que gente se tratava, a quem se queria aludir, se bem que o então Primeiro-Ministro do V Governo Provisório não tivesse explicitamente designado nomes:
«Questões de moral, portanto já que — observou ele — para mim, Moral e Política vão de par. É verdade que, procedendo assim, estou a singularizar-me, a destoar na pecha provinciana que leva certos políticos a exibirem publicamente as mazelas para suscitarem simpatias e apoios, e a confiarem mesmo aos mais diversos órgãos de informação estrangeiros os seus hipotéticos pavores, os seus medos apocalípticos e, de modo geral, por mais que os disfarcem em “tiradas de fervor democrático”, os seus ressentimentos de ambiciosos frustrados (...) Enfim, essa gente é como é — e eu sou membro do MFA.»
E foi continuando a apóstrofe:
«Não satisfeitos com a total liberdade de que disfrutam no País, tais indivíduos, ao verem que o tempo trabalha contra os seus interessesinhos de politiqueiros ávidos do Poder, transformam-se, sem vergonha, nos principais fornecedores das oficinas reaccionárias que, em Portugal e no estrangeiro, porfiam em lançar o descrédito sobre o empreendimento patriótico a que deitámos ombros, desde o 25 de Abril, para que cada português seja livre e feliz.»
Depois, naturalmente, veio a reprovação crítica da má consciência da tal «gente»:
«É verdade que, em toda a nossa História, houve sempre portugueses que, por espírito mesquinho de classe, estiveram de cócoras diante do estrangeiro, prontos a sacrificar os interesses da Pátria a interesses não-nacionais. Todos nós conhecemos os nomes de tais homens, e execrámo-los. Durante séculos e séculos, como bicho dentro da maçã, o partido castelhano corrompeu e desfibrou o País até o levar aos opróbios de 1580; mais perto de nós, foram os integralistas (ora de imitação francesa, ora de figurino germanófilo e nazi) que se entregaram à mesma tarefa. Hoje erguem-se vozes a cantar loas à Europa — não à Europa dos trabalhadores, claro, mas à Europa dos monopólios e das sociedades multinacionais. Ontem houve quem servisse Castela contra a arraia miúda; hoje há quem deseja colocar as classes laboriosas portuguesas na situação de fogueiros da fornalha da Europa capitalista.»
E remataria em Almada o General do Povo, naquele memorável dia 18 de Agosto de 1975, com uma frase que, mercê da sua força, intencionalmente reitero neste livro:
«Desprovida de sensibilidade popular, essa gente não tem sequer a vibração nacional de escolher melhor os confidentes e os cúmplices. Fala a torto e a direito, espalha boatos, implora a intervenção estrangeira nos assuntos pátrios — e tudo isso, pretendem eles, porque a nossa Revolução está em perigo às mãos do «gonçalvismo», porque o nosso País está à beira da guerra civil, etc., etc. Essa gente é o que é — e eu sou membro do MFA. Não respondo, pois, aos seus ataques pessoais.»(51)
Este, enfim, o seu único orgulho — o de ser membro do MFA — na exacta medida em que tal condição significou para ele o possuir o estatuto ético de uma política concreta e patriótica.
Aliás, significou e significa.
Os parágrafos que acabo de transcrever deste que foi um dos seus últimos, mas talvez o mais vibrante de todos os seus discursos (proferido, como estamos recordados, nas circunstâncias dramáticas de um próximo desenlace final), ficaram a perdurar como das mais poderosas e objectivas acusações (não obstante o vivo calor com que foram ditas), contra a política de recuperação capitalista e imperialista. Com o VI Governo Provisório começaria, efectivamente, o capital a sua estrangulante reconquista, e até hoje vem acontecendo o que todos estamos a ver, não obstante termos uma Constituição na qual o respectivo artigo 7.° determina que Portugal se rege, nas relações internacionais, pelos princípios da independência nacional e da não-ingerência dos Estados nos assuntos que só aos outros inteiramente respeitam.
Demitido de funções o V Governo, consumado o derrube que o imperialismo pressurosamente contra si havia concertado, fez Vasco Gonçalves declarações à revista belga «Hebdo 75».
Estas resumiram sem disfarces todo o drama da sua queda e uma vez mais, ali ele vincou a génese, o carácter evidentemente ético de uma política séria:
«Para mim política e moral andam a par.»(52)
O drama pessoal não conta (nunca contou) para a elevação patriótica do espírito político de Vasco Gonçalves. Despersonalizando a questão dos ataques contra si efectivados, porque incapaz de um ressentimento por aquilo que só a si individualmente lhe diria respeito, o entrevistado da «Hebdo» preferiu advertir que só a revolução das estruturas sociais pode oferecer aos homens a franca realização de uma outra sociedade:
«Isso será talvez possível no futuro — disse ele — , dentro de alguns anos, numa sociedade em que os homens serão mais livres, em que não haja relações de exploração. Nesse momento, a política e a moral andarão a par. Hoje, provavelmente, não vivemos em condições que o permitam, mas eu não sou capaz de viver de outra maneira.»(53)
Que pensar desta confirmação?
Será que Vasco Gonçalves, como político, é um simples sonhador?
Ou, neste tempo em que campeia a exploração, não será ele, antes, um homem adiantado na hora portuguesa, enquanto a hipocrisia é (e será por mais decurso ainda) uma questão fatal, e a democracia um jogo de escondidas e de rasgos simulados, só destinado a ocultar do Povo a verdade real?!
Para mim — por que não dizê-lo?... — uma das facetas de Vasco Gonçalves que sempre mais me seduziu é a da sua inabalável certeza na marcha irrecusável e irreversível da História.
O seu caso não se consubstancia, com efeito, no destino irremediável dos heróis vencidos das tragédias clássicas, seres gigantescos em vários dos seus aspectos, mas incapazes de superar as forças transcendentes que se lhes opõem e os destroem.
Vasco Gonçalves é antes, na magnífica contradição do seu ser político, o vencido–vencedor. É aquele que tem do seu lado a força imperecível dos valores éticos. Como protagonista histórico, há-de por isso mesmo ter um lugar que só pode pertencer aos sujeitos positivos: a «derrota» do Verão quente de 1975 foi um simples episódio de uma vitória progressiva geral.
Vieira, por exemplo, igualmente foi um vencido-vencedor. É a História dos tempos modernos que o diz e o mostra(54). Nada mais adequado, a este propósito, do que repetir a patética observação-interrogativa do Companheiro General de que há pouco dei conta: «... talvez possível no futuro» (o íntegro fundir da Moral na Política) porque «hoje, provavelmente, não vivemos em condições que o permitam».
Não tenho dúvidas de que a arte dramática utilizará, mais tarde ou mais cedo, o tema. Despertos Marx e Engels para uma abordagem crítica de Franz Von Sickingen, eles viram, aliás com toda a razão, que a tragédia revolucionária não pode radicar numa polémica abstracta de ideias, mas num conflito histórico de classes. A «tragédia» (o drama) da Revolução começará, quando, por razões de classe, se intenta realizar um objectivo que não logra, de momento, ser total ou plenamente realizado(55).
E poderia fechar aqui este capítulo sobre a Política e a Moral em Vasco Gonçalves. Decididamente, porém, não o quero fazer ainda. Passar em branco semelhante e tão grave injustiça como aquela de que passo a dar conta, seria coisa imperdoável. Parei, portanto, mais uma transcrição de um fragmento alheio.
De Eduardo Lourenço, com efeito, lemos este trecho de um artigo seu, contemporâneo da governação do Companheiro General:
«Vasco Gonçalves tem razão em não querer separar a política da ética, mas as simplificações caluniosas em que se tomou mestre relativamente aos adversários que assim são «assassinados» ideologicamente, pode ser uma expressão do maquiavelismo fruste que incarna, mas não de qualquer ética e muito menos revolucionária. Se o General Vasco Gonçalves deseja, e a justo título, que se seja honesto em relação às suas intenções expostas, com claridade solar nos seus textos, discursos programáticos e entrevistas — é curial que dê o exemplo dessa honestidade política de que se faz ou quer fazer uma especialidade.»(56)
Têm de que se lhes diga, estas injustíssimas palavras.
Poderei, talvez, sintetizar três ou quatro ordens de razões que a elas se opõem. Todavia, quero desde logo notar uma insofismável evidência: o decurso do tempo (de 1975 para cá) veio mostrando, cada vez mais, quanto de razão assistia a Vasco Gonçalves, relativamente à irrecusabilidade de certo procedimento político para se poder caminhar rumo àquela meta que veio a ser apontada pelo artigo 1.° da Constituição da República: uma sociedade sem classes(57).
Vejamos, porém, essas tais razões.
Em primeiro lugar: — dizer-se que Vasco Gonçalves foi mestre de «simplificações caluniosas» constitui, isso sim, uma simplificação crítica de todo infundada, vítima daquele purismo sempre tão próprio das argumentações incorrigivelmente idealistas.
Quais foram — melhor seria que, entretanto, concretamente o tivesse dito Eduardo Lourenço — as simplicidades caluniosas do General?
Depois: — afirmar-se que o Primeiro-Ministro dos II ao V Governos Provisórios cometia «assassinatos» ideológicos relativamente aos seus adversários, representa ignorar o que seja a concreticidade política exigida, sem rodeios, pela luta de classes, xadrez em que os adversários não se limitam a ser peças de um passeio de cortesias e hipócritas gentilezas.
Mesmo assim, acaso individualizou Eduardo Lourenço as vítimas homiziadas do General? Terão sido elas, porventura, aqueles que propuseram contra Vasco Gonçalves acções judiciais que o Poder Jurisdicional deste país julgou improcedentes?
Por fim: — pretender-se que Vasco Gonçalves foi sujeito activo de uma qualquer espécie de maquiavelismo, ou fruste ou de baixa qualidade, equivale a nada se ter entendido, infelizmente, do processo revolucionário de que aquele constituiu um dos mais corajosos, abertos, generosos e francos de todos os seus protagonistas.
Porém, logrará Eduardo Lourenço, minimamente, arrolar os enredos pecos e grosseiros que o Companheiro General tenha gizado e que hajam abortado?
Que o faça hoje, se lhe é possível sem se ver auto-compelido ao exercício da penitência.
Frustes acusações, as suas! Elas, sim.
E mais: — que dizer ainda quanto ao seu convite para que desse Vasco Gonçalves — segundo aquelas que vimos serem as suas palavras — «o exemplo dessa honestidade política de que se faz ou quer fazer uma especialidade»?
Quero crer que Eduardo Lourenço, não obstante a sua famosa e reconhecida classe de observador e comentador político, quanto à impertinência deste repto não passou de uma nuvem que choveu no molhado. Vasco Gonçalves não precisa que nenhum Catão (nem que seja o Catão da Crítica) lhe venha dar lições ou fazer convites para a exibição de honestidades.
Vão lá cerca de trinta anos, escreveu o autor da Heterodoxia (mais exactamente no prefácio do seu primeiro volume) que, se a prática desta é difícil, ainda o é mais a sua justificação teórica. O desejo mais profundo do homem resolve-se na paz, mas a paz — reparava Eduardo Lourenço — «é a oferta das ortodoxias»(58).
Se se afigura notável esta afirmação de inquietude intelectual e de relativismo moral e político por parte do seu autor, não me levará todavia ele a mal que, cá na vida mais Chã das não-altitudes filosóficas, lhe recorde que também existe a paz da consciência. Por exemplo: a de, nunca por nunca, nos deitarmos a fazer injustas e gratuitas imputações, ainda que apresentadas ao público com as vestes de um talento inegável e as galanices da oportunidade partidária.
Notas de rodapé:
(39) In Companheiro Vasco, p. 17. (retornar ao texto)
(40) Soares Martinez, Comentários à Constituição Portuguesa de 1976, Editorial Verbo, 1978, p. 16. (retornar ao texto)
(41) J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1978, pp. 36-37. Neste lugar, esclarecem os autores: «A forma por que o MFA participa na soberania é o Conselho da Revolução (v. nota ao artigo 142.°). Na realidade, o Conselho da Revolução é mesmo a única expressão constitucional do MFA, o qual não tem constitucionalmente existência autónoma.» (retornar ao texto)
(42) Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas, pp. 470-472. (retornar ao texto)
(43) Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas, p. 419. (retornar ao texto)
(44) Este afã capitalista do secretário-geral do Partido Socialista Português parecem manter-se nas mais recentes datas. Durante uma das sessões da Internacional Socialista, no Estoril, ocorreu um episódio de que o «Expresso» de 7-10-1978 dá a seguinte conta: «Encerrados numa sala do Hotel Palácio para aprovar a "Declaração de Lisboa" (que deveria ser o documento final da reunião da Internacional Socialista), os representantes da Península Ibérica e da América Latina quase assistiram a um duelo corporal entre Mário Soares e Rafael Escuredo, representante do PSOE e deputado às Cortes espanholas. Este último recusou-se a assinar a “declaração” que Soares queria impor: Isto é uma declaração reaccionária, que faz o jogo das grandes empresas internacionais, é uma declaração capitalista, que nada tem a ver com o socialismo, disse Escuredo.» (retornar ao texto)
(45) Karl Marx, O 18 Brumário e Cartas a Kugelman, «Paz e Terra», em língua portuguesa, 1969, p. 17. (retornar ao texto)
(46) Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas, p. 353. (retornar ao texto)
(47) Idem. p. 350. (retornar ao texto)
(48) Idem. pp. 349-350 (retornar ao texto)
(49) In Companheiro Vasco, pp. 336-337. Sublinhado meu. (retornar ao texto)
(50) António Vieira, Sermões, Lello & Irmãos, vol. VII, p. 116. (retornar ao texto)
(51) Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas, pp. 470-471. (retornar ao texto)
(52) Idem. p. 505. (retornar ao texto)
(53) Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas, p. 505. (retornar ao texto)
(54) No prefácio da minha peça António Vieira (Jornal do Fundão Editora, 1973, pp. 8-9), escrevi o seguinte, que parece dever ficar aqui anotado: «Uma revolução vitoriosa, ao libertar as energias criadoras do povo, acha-se fora do “beco-sem-saída” que, em princípio, o mundo trágico parece constituir. A vitória está no ponto-antítese da tragédia. Isso é uma verdade indesmentível, quer para a arte dramática quer a política. Quando, todavia, a revolução sossobra na catástrofe, ela ingressa nesse mundo do trágico. Neste sentido, por exemplo, uma película como Espartacus, de Stanley Kubrick, representados uma autêntica tragédia revolucionária. A personagem do famoso escravo, lutando pela libertação de toda uma classe social, não deixa, mesmo mercê da derrota, de ser a de um herói verdadeiramente positivo, tal como o meu António Vieira, um protagonista reflexivo, no limiar do “homem novo”, racionalista e científico — não deixando de ser positivo apesar de ferido pelas quebras messiânicas e sebásticas.» (retornar ao texto)
(55) Cf. em «A concepção do trágico em Marx e Engels» — As Ideias Estéticas de Marx, de Adolfo Sánchez Vásquez, tradução brasileira, «Paz e Terra», 1968, p. 141. (retornar ao texto)
(56) Eduardo Lourenço, O Fascismo Nunca Existiu, p. 155. (retornar ao texto)
(57) A título de sorridente curiosidade, não é descabido lembrar as palavras do Dr. Freitas do Amaral justificando o «apoio» dado pelo CDS à teoria constitucional de uma futura sociedade sem classes, mas no sentido de que todos serão proprietários: «O Grupo Parlamentar do CDS deseja declarar que votou o artigo 1.° porque a referência ao objectivo da transformação da sociedade numa sociedade sem classes consta da declaração de princípios do CDS, publicada em 19 de Julho de 1974. É, pois, no sentido em que nos referimos a este objectivo nessa declaração que votámos o artigo 1.°.» (retornar ao texto)
(58) Eduardo Lourenço, Heterodoxia, 1949, vol. I, p. 9. (retornar ao texto)
Inclusão | 25/04/2015 |