Primeira Edição: 1983
Fonte: Mozambique History Net
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
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O texto que agora se publica resulta de reflexões registadas no papel há mais de quatro anos por ocasião do grande impulso organizacional que se seguiu ao III Congresso.
A Campanha de Estruturação do Partido, o processo eleitoral para as Assembleias do Povo, a Campanha Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos, a reunião de Nacala sobre Planificação, a estruturação do Aparelho de Estado, a demarcação do colonialismo através do processo de reintegração dos comprometidos, a reunião com os ex-prisioneiros políticos do colonialismo, o movimento das Aldeias Comunais e cooperativas, a reunião das Cidades e Bairros Comunais, e tantos outros extraordinários acontecimentos que transformavam radicalmente a sociedade moçambicana determinavam esta profunda reflexão.
De onde viemos? Qual o nosso património de experiências revolucionárias? Qual o processo dialéctico que nos conduz ao Partido?
Eis as questões com as quais se impunha confrontar a nova realidade política que se via perante as imensas tarefas de reconstruir o país, vencer o subdesenvolvimento, edificar uma sociedade socialista.
Que fazer? A célebre pergunta renova-se constantemente neste acto criador que é a Revolução. Que tarefas competem ao nosso Partido marxista-leninista nesta nossa realidade política, económica, social e cultural?
A reflexão conduziu a uma profunda pesquisa sobre problemas concretos ligados ao dia a dia do nosso Povo, aos problemas concretos dos camponeses, à imensa Riqueza que está nas suas mãos, às formas correctas de enquadrar e mobilizar as largas massas populares para enfrentarem na primeira pessoa a responsabilidade de combater a miséria esse inimigo mortal dos povos.
A ligação entre a experiência acumulada nas zonas libertadas e as necessidades de um país enorme e extremamente contraditório nos desequilíbrios tecnológico e económico, na complexidade social e cultural, conduziram a uma profunda análise do problema do homem, como entidade cultural, como força dominadora e transformadora da natureza.
Os inúmeros acontecimentos que, entretanto, se registaram — a escalada das agressões rodesianas, a necessidade de desencadear a ofensiva, as grandes questões económicas, a conjuntura regional e internacional — foram adiando a conclusão do trabalho.
O texto, na sua primeira versão, ficou à espera de uma revisão final. Apenas há escassos meses, foi possível retomar o trabalho.
É longo o lapso de tempo que separa o período em que o texto foi produzido e o momento em que se decide a sua publicação. Todavia, a extraordinária actualidade da reflexão nele contida fez com que o Autor aceitasse a sua publicação na versão produzida há quatro anos, permitindo deste modo situar o texto no período histórico em que foi originariamente escrito.
Maputo, Abril de 1983
A Frente de Libertação de Moçambique cristalizou as experiências seculares da opressão colonial, da dor comum dos seus filhos na humilhação, deportação e assassinato. Ela sintetizou as tradições históricas mais gloriosas da resistência contra os invasores e conquistadores. Assim a FRELIMO foi capaz de unir todo o Povo do Rovuma ao Maputo na base dum programa que respondia aos interesses profundos do Povo. A FRELIMO manifesta-se por isso como o produto histórico da luta multissecular do Povo.
O colonialismo para dominar o nosso Povo recorreu à divisão. Utilizou as estruturas arcaicas das sociedades tradicionais-feudais, fomentou o tribalismo e o regionalismo, erigiu como virtudes da sociedade o que eram fraquezas conducentes à sua subjugação e absorção pela sociedade capitalista nascente.
Mas o colonialismo, como todas as formas de dominação, trazia a contradição no seu seio; o germe da revolta, provocada pela dor e humilhação, criava a unidade dos homens para derrubar o opressor comum. A FRELIMO foi então o catalisador dessa vontade de unidade fornecendo a linha política correcta para a libertação e dando nascimento ao Partido que hoje dirige o Povo na construção do seu futuro livre, a Sociedade Socialista.
As contradições antagónicas que opunham as massas populares ao colonialismo, sistema de exploração e opressão estrangeiras, eram idênticas em todo o território moçambicano.
As grandes companhias concessionárias que monopolizavam a compra das culturas obrigatórias eram tão odiadas pelo camponês de Cabo Delgado, como pelo camponês de Nampula, de Tete ou da Zambézia.
Os colonatos portugueses, fruto da usurpação das terras mais férteis, eram roubados às massas rurais no Limpopo da mesma forma como o eram em Mandimba ou em Montepuez, no Gurué, no Chimoio ou em Moamba.
O trabalho forçado era uma constante da vida do moçambicano colonizado, de todas as tribos, de todas as religiões, do campo ou da cidade.
A exploração da fábrica irmanava o operário do Monapo, com o de Moatize, do Dondo, do Chókwè ou Língamo.
Por isso, os moçambicanos que em 1962 se reuniram em Dar-Es-Salaam, no 1.° Congresso da FRELIMO, provenientes de todas as regiões, tinham experiências comuns. Eles tinham vivido sofrimentos comuns, traziam em si a semente da unidade forjada na dor comum.
A FRELIMO, em 25 de Junho de 1962, era a materialização da plataforma de unidade mínima objectiva já existente, a emanação daquilo que de comum tinham as massas populares moçambicanas.
Desde o início, no entanto, foi necessário lutar contra as concepções erradas com que o colonialismo tinha impregnado a mente de muitos militantes.
A história da FRELIMO está cheia desses exemplos, que devem ser estudados e analisados. O tribalismo, o regionalismo estavam evidentes ainda nos combatentes que em Setembro de 1964 iniciaram a luta armada de libertação nacional.
No período de treino na Argélia, em Bagamoyo, em Kongwa, muitos deles foram motores de indisciplina e liberalismo e até de deserções porque pensavam ainda em termos de tribo e região.
Foi necessário um grande trabalho de esclarecimento, através da discussão colectiva, para ultrapassar esses males e, então, iniciar a luta armada. Muitos deles depois tornaram-se exemplares, entregaram totalmente as suas energias, a sua saúde e a sua vida à causa da liberdade.
É no decurso da história da luta de libertação nacional que a FRELIMO consolida e aprofunda a sua essência democrática e popular, graças aos métodos correctos de trabalho fundados na busca de soluções populares para ultrapassar as contradições e conflitos.
Na organização da vida nas zonas libertadas, as reuniões populares constituíam uma componente fundamental da sociedade que nascia.
Com efeito, era nas reuniões populares que, mediante a participação directa e franca das massas, se organizava a vida colectiva, se definiam as prioridades, se distribuíam as tarefas e as responsabilidades. Era na prática da organização da vida numa situação de guerra, que as massas populares interiorizavam o centralismo democrático como nova maneira de o povo viver.
Das reuniões organizativas da vida do povo nas zonas libertadas nasce a divisão de tarefas, de acordo com as necessidades do momento e segundo as possibilidades de cada um.
As sugestões sobre a organização do trabalho são canalizadas às estruturas superiores, discutidas nos colectivos e depois surgem como normas de acção.
Isto só é possível quando o povo está organizado, numa perspectiva colectiva. A planificação das tarefas é feita conjuntamente e depois a sua aplicação é feita de maneira dispersa, de acordo com as tarefas que a cada um compete realizar.
A vida colectiva, o centralismo democrático, a vontade de edificar a nova sociedade, são indissociáveis da própria FRELIMO. Quando o povo se reúne e discute um problema da comunidade, quando critica uma solução errada, quando analisa uma experiência vivida, isso é uma reunião da FRELIMO, é a maneira de viver da FRELIMO, a forma de trabalhar da FRELIMO.
A tradição que se criou desta profunda união entre a FRELIMO e o povo na sua vida quotidiana, a democracia nos métodos de trabalho, a identificação entre os anseios das massas e os objectivos da luta, consolidam cada vez mais a FRELIMO como emanação dos interesses e da luta histórica de todos os moçambicanos que se reencontram como Nação.
O povo, enquadrado pela FRELIMO, assume consciência do seu papel de motor do processo revolucionário. Para a FRELIMO O POVO É UMA ENTIDADE CONCRETA. A FRELIMO, vanguarda da Revolução, combate com firmeza os que demagogicamente, em nome do povo, se apresentam como seus representantes, para impor interesses egoístas e sectários.
A experiência da revolução moçambicana é fecunda em exemplos da ligação permanente com as massas, da auscultação e discussão aberta dos problemas, do pedido de propostas de soluções, de decisões e orientações do Partido e do Governo em conformidade com essas consultas e discussões.
Assim foi durante a luta de libertação, no processo de implantação das estruturas de direcção das zonas libertadas; assim foi após a independência, com a preparação do III Congresso da FRELIMO, com as Eleições para as Assembleias do Povo; assim tem sido com importantes leis populares. Assim se está a processar a organização das Cidades e dos Bairros Comunais.
E tem que ser assim porque é o povo que é motor do avanço, do progresso das sociedades. É o povo quem encontra as soluções mais justas para os seus problemas.
É o povo que faz a História. Só o povo tem séculos de conhecimentos acumulados. Só o povo tem na memória os quinhentos anos de colonialismo, do Rovuma ao Maputo, de Tete ao Oceano Índico.
O povo é cada um de nós, os pais de cada um de nós, os pais dos nossos pais. O povo conhece cada geração, todas as gerações.
A prática do recurso permanente ao povo tem demonstrado ser uma prática correcta. Cada vez que recorremos ao povo, cada vez que o povo se encontra, reforça-se o pensamento comum, consolidam-se as aspirações populares, tempera-se a identidade nacional e de classe. Vamos ao povo para reforçar o que nos une e lutar contra o que nos divide.
Vamos ao povo para preparar o combate, para purificar as nossas fileiras, para organizar a nossa vitória.
A Campanha Nacional de Estruturação do Partido, após o III Congresso, constituiu um exemplo desta longa tradição, e confirmou mais uma vez que o povo quer a Revolução, demonstrou mais uma vez que as massas populares são a garantia da vitória do socialismo.
A Campanha Nacional de Estruturação do Partido foi o ponto mais alto deste longo itinerário, no decurso do qual, o povo foi filtrando as fileiras da FRELIMO, foi caracterizando a sua natureza revolucionária e de classe.
Quando em 1962 nos reunimos para criar a FRELIMO éramos ainda essencialmente macondes, nianjas, senas, macuas, rongas, ajauas. A constituição da FRELIMO em 25 de Junho foi o primeiro passo em frente para a unidade, o salto para a dimensão nacional.
Do ódio ao colonialismo partimos para a experiência comum da luta. Mas quem alimentava a luta, quem constituía as fundações da nova sociedade que se criava eram as largas massas camponesas. No quadro da contradição global que opunha o moçambicano à ocupação estrangeira começou a ser predominante a contradição que opunha as largas massas camponesas exploradas à sociedade de exploração.
Quando nas zonas libertadas a FRELIMO começou a organizar a vida do povo, surgiram elementos no seio da organização que embora lutassem contra o colonialismo, pretendiam substituir-se apenas a ele e continuar a exploração do povo. Estes novos exploradores abusaram e enganaram durante algum tempo a confiança das massas, porque eram enviados pela FRELIMO. Mas foi o próprio povo organizado, que no quadro das reuniões públicas, os denunciou.
É deste modo que a organização da vida nas zonas libertadas desencadeia o processo da luta interna entre os interesses das massas e a ambição dos novos exploradores.
São as massas camponesas que denunciando os reaccionários precipitam a confrontação entre as duas linhas da Direcção da Frente.
A linha correcta da FRELIMO, o enraizamento popular dos dirigentes revolucionários permitiram distinguir sempre a contradição principal da contradição secundária. Assim, a luta contra o colonialismo, nunca parou, e na eliminação das forças reaccionárias ganhavam-se novas energias para alargar a nossa base social e intensificar a luta contra o colonialismo.
Engajadas directamente na tarefa principal, que era a luta armada de libertação nacional, educadas, mobilizadas e organizadas pela FRELIMO, dirigidas por uma linha política correcta, expressão das suas aspirações mais profundas, as massas camponesas ganharam um alto nível de consciência que lhes permitiu combater simultaneamente e com sucesso o colonialismo português e os exploradores internos.
Nas zonas libertadas foram as massas camponesas que lançaram as bases da nova sociedade.
É no exemplo de vida organizada dos camponeses durante a guerra popular de libertação que o Povo moçambicano independente busca a inspiração para a edificação a todos os níveis da nova vida.
É no exemplo de vida organizada do campesinato nas zonas libertadas, é na aliança íntima com o campesinato que reside um dos principais factores determinantes do rápido crescimento da consciência de classe do operariado moçambicano.
Isto explica-se porque o campesinato em Moçambique é sujeito histórico da nova sociedade independente e democrática.
O encontro das massas camponesas com a produção organizada e com a técnica mais moderna, a apropriação pelas massas dos meios de produção, a vida colectiva e o pensamento comum fazem crescer e consolidar-se o proletariado moçambicano: o operário industrial, o operário agrícola.
Organizado na sua vanguarda de classe, o Partido FRELIMO, é o proletariado que constitui a força dirigente do processo que transforma a sociedade edificando a Sociedade Socialista.
Foi no ventre fértil da luta multissecular das massas camponesas oprimidas pelo estrangeiro e pelo feudalismo que germinou a NAÇÃO moçambicana.
No processo da luta, todos sofrem as mesmas dores nas longas caminhadas, todos lutam pela mesma causa, todos aspiram à mesma liberdade, todos igualmente choram o companheiro que tomba e todos querem construir a mesma sociedade. Neste processo, as diferenças vão-se esbatendo e o homem do Norte e do Sul, o maconde ou o changane, descobrem que nada os divide, descobrem que tudo os une, desde a vida de sofrimento colonial até à vitória gloriosa nas batalhas. Ambos vítimas do mesmo opressor, lutam hoje contra ele; entenderam-se na mesma língua de combate, cantam canções, juntos passam fome e comem os mesmos alimentos. Tudo isto os une, os irmana e os faz ganhar consciência da sua identidade, da sua qualidade de trabalhadores antes de tudo o mais.
A luta armada foi o processo catalisador da unidade nacional, e da unidade de classe, simultaneamente forjadas. A Nação moçambicana nasce contra a burguesia e feudalidade, nasce baseada na solidariedade de classe, no combate de classe.
Essa a razão por que luta tenazmente contra todas as formas de tribalismo, racismo ou regionalismo, que nos divide, e abre o caminho às falsas identidades que se tornam canal de penetração do inimigo, sua camuflagem e refúgio.
Os combatentes das FPLM, provenientes de todas as províncias, viveram, lutaram, sacrificaram-se irmanados na mesma causa, enquadrados nas mesmas estruturas. No seio do campesinato de Cabo Delgado, Niassa e Tete, como mais tarde em Manica, Sofala e Zambézia os guerrilheiros, as massas populares em armas forjaram com o seu sacrifício, com a sua vida esta nova dimensão, quebraram com a sua consciência as barreiras do tribalismo, regionalismo, racismo, lutaram sem tréguas contra todas as formas de divisionismo. Eles eram o povo mesmo. Tal como o peixe nada nas águas, o guerrilheiro tinha identificação imediata com o povo das zonas em guerra.
No processo de luta pela nossa libertação total se cria a nova unidade fundada na descoberta de um passado comum, dos mesmos sacrifícios consentidos, da mesma história, dos mesmos interesses.
Estes são os elementos básicos, o cimento que une os homens, estes são elementos da consciência nacional. A luta por um determinado território, a luta pelo Moçambique destas fronteiras, cria também gradualmente a ideia de nação-território, fundamental para a criação da consciência nacional.
No processo da luta pela nossa libertação total se enriquece a nova unidade na libertação da cultura popular, na dialéctica entre tradição e revolução, na descoberta da personalidade moçambicana.
Sobre as cinzas do divisionismo se edifica uma forma superior de unidade baseada nos interesses das massas trabalhadoras, a Nação.
A FRELIMO, desde sempre, assumiu a importância decisiva e revolucionária deste facto, fazendo do combate contra todas as formas de divisionismo um dos combates permanentes e fundamentais da luta pela liberdade, um instrumento da luta de classes.
Por isso a Nação que concebemos e edificamos representa um nível superior de unidade: a Nação socialista.
Isto significa que o combate pelo fim da opressão e da exploração do homem pelo homem leva necessária e inelutavelmente a uma sempre maior unidade de pensamento e de acção.
Na tradição da FRELIMO, o conceito de unidade nunca assumiu um carácter estático, moralista ou mecanicista.
A unidade sempre foi concebida de forma dialética, segundo o critério da UNIDADE-CRÍTICA-UNIDADE, como uma constante do desenvolvimento, de cada um de nós e do progresso de toda a sociedade.
A Nação socialista pressupõe uma unidade sempre mais perfeita através de um crescimento ininterrupto do nível de consciência de classe de cada cidadão tornando o homem livre, realizado finalmente como HOMEM COMUNISTA.
É uma estrada sem fim que a Humanidade deve percorrer, um caminho sinuoso feito de avanços e recuos, de vitórias e derrotas. É a luta constante entre o velho e o novo à escala mundial.
Derrotado o colonialismo português, libertada a pátria da ocupação estrangeira, a contradição principal alterou-se e com ele se alteraram as tarefas principais do combate pela libertação total e completa.
A contradição que determinou a grande crise no seio da FRELIMO de 1967/1969, com a derrota do colonialismo, surge como a contradição dominante no período da reconstrução nacional e da edificação da sociedade socialista.
Durante a luta de libertação nacional, salvo em momentos cruciais, a confrontação de classes surgia camuflada de divergências isoladas e aparentemente secundárias sobre a organização da vida económica, sobre a estratégia e táctica militares, sobre a definição do inimigo, sobre a emancipação da mulher, sobre problemas organizacionais e de estruturas.
Hoje, a luta de classes aparece sem máscara e violenta, opondo claramente os interesses do imperialismo e da burguesia nacional aos interesses do povo trabalhador, da classe operária e o seu aliado fundamental, o campesinato.
A luta de classes agudiza-se cada vez mais no nosso País, quer no plano interno quer ao nível da confrontação directa com o imperialismo e os seus agentes locais.
O inimigo interno, aparentemente fraco, assume sempre com maior clareza o seu papel de elemento de ligação, de lacaio do imperialismo, de vendedor da Pátria.
É princípio consagrado pela experiência revolucionária da FRELIMO desprezar estrategicamente o inimigo mas tomá-lo a sério do ponto de vista táctico.
A burguesia nacional está condenada. Está irremediavelmente afastada do poder e do controlo dos meios de produção. O regime de Smith está na iminência do colapso. O “apartheid” é já um sistema contra o qual se levanta o Povo sul-africano organizado e que os próprios imperialistas, embora continuem a apoiá-lo, não podem deixar de condenar publicamente.
Mas a burguesia nacional, os reaccionários nacionais, ainda estão infiltrados no aparelho estatal, nos órgãos de controlo da nossa economia, e por vezes mesmo no Partido.
A Rodésia racista, desesperada, conduz os seus mercenários e fantoches em massacres cada vez mais bárbaros, agressões cada vez mais repugnantes.
O regime do “apartheid”, já ferido mortalmente, renova a sua fúria ditatorial e assassina, agride os Estados da região e ameaça com a chantagem nuclear a segurança dos povos independentes da África.
Na nossa fase de luta de classes, mais do que nunca é necessário que consolidemos a unidade ideológica.
A elevação do nível de conhecimentos científicos e técnicos, conjugados com a prática política, forjaram a unidade ideológica. O Partido dirige esse processo.
Na Reconstrução Nacional, na construção do Socialismo, é necessário igualmente que o Partido assuma sempre as tarefas de educar, de organizar a vida material do povo.
Basta procurarmos na história recente da luta de libertação nacional para verificarmos que o Partido Frelimo desenvolve, nas novas condições da luta, o papel educador que a Frente de Libertação de Moçambique soube correctamente assumir.
A experiência acumulada nos anos da luta armada demonstrou que a FRELIMO recusou e combateu a concepção idealista e livresca desta responsabilidade que lhe compete. Porque conhece a importância da teoria como arma revolucionária, porque considera como património próprio a experiência revolucionária de todos os povos de todos os continentes, porque mobilizou constantemente para o estudo teórico, a FRELIMO sempre deu a prioridade ao fundamental, a educação do Povo através da prática da luta política.
Os militantes e os cidadãos exemplares não são necessariamente aqueles que leram e estudaram os clássicos da teoria revolucionária.
Em Moçambique, o cidadão exemplar é aquele que, no comportamento quotidiano é um trabalhador dedicado e consciente, um homem moralmente íntegro. O cidadão exemplar é aquele que estabelece relações sociais correctas de respeito e solidariedade, tanto no trabalho, como no bairro ou no próprio lar. O militante exemplar é o que, além disso, na prática da luta de classes, sabe definir claramente a nossa zona e a zona do inimigo, combate com determinação o individualismo, a ambição, o divisionismo. Ele assume imediatamente como dever as palavras de ordem ou as tarefas patrióticas lançadas pelo Partido ou pelo Estado e engaja-se na mobilização dos outros cidadãos para a sua implementação. Em cada momento, preocupa-se em elevar os próprios conhecimentos políticos, culturais, técnicos e científicos.
A militância revolucionária é a prática correcta, consequente.
A tarefa do Partido, nesta perspectiva concreta, é de educar, corrigir, ganhar para a revolução sempre maior número de cidadãos, ganhar mais elementos. Ampliar a nossa base não significa abrandar a vigilância, aceitar compromissos com o inimigo.
O processo de rejeição dos inimigos da nossa classe é exactamente a outra face do processo de educação e libertação do homem. Isolar os reaccionários, reprimir os reaccionários, libertar os hesitantes, educá-los e assim ganhar novas forças são momentos da dialética da revolução.
O processo da rejeição e assimilação dos antigos presos políticos foi particularmente significativo como exemplo deste processo.
Isolando o pequeno grupo de traidores e assassinos, consagrando o exemplo dos numerosos heróis que nunca vacilaram perante a PIDE, o Partido Frelimo criou as condições para levar os que aceitaram pequenos compromissos perante o inimigo a compreender e denunciar os seus erros, a iniciar assim o processo de eliminação das suas fraquezas ideológicas e progressivamente tornarem-se militantes consequentes. O processo foi doloroso mas ao mesmo tempo educativo e libertador. A revelação dum passado comprometedor levou esses combatentes clandestinos a conhecer onde passa exactamente a linha de demarcação entre a nossa zona e a zona do inimigo, libertou-os das eventuais pressões e chantagens do inimigo, permitiu o restabelecimento da confiança perante o Partido e as massas populares, fazendo com que esses camaradas se transformassem num reforço para o combate da classe operária e do seu aliado fundamental o campesinato.
Outros elementos do Povo moçambicano têm agora a possibilidade de se libertarem de um processo de colaboração com as estruturas ideológicas e de repressão do colonial-fascismo.
Os que voluntariamente aceitaram submeter-se à vigilância popular e reconhecer o próprio grau de comprometimento iniciaram um processo de libertação dos laços de cumplicidade que os mantinham vulneráveis à acção do inimigo.
O Partido, ao dirigir a luta das massas trabalhadoras contra a exploração, tem que dirigir também a luta de cada homem pela sua libertação e pela sua transformação.
Educar o povo significa ensinar a cada homem o caminho da própria libertação e transformação, significa apoiá-lo no combate permanente do Novo contra o Velho.
Os velhos hábitos, as velhas ideias, os velhos esquemas de pensamento, moldados à imagem do colonizador e da sociedade de exploração por ele criada, lutam para sobreviver na nova sociedade e em cada cidadão. O Velho não quer morrer.
As ideias reaccionárias por vezes pretendem mascarar-se de novas. Mascaram-se de falso progressismo, ressurgem sob o disfarce racista, anticolonial, da negritude, ou usam a roupagem ultrapassada da social-democracia baptizada convenientemente de “socialismo africano”, camuflam-se no liberalismo “anti-burguês” ou no ultra-radicalismo. Mas todas estas falsas ideologias têm como objectivo conservar, na sua essência, os valores da velha sociedade, os privilégios e os vícios da velha sociedade. Elas têm como objectivo recusar a transformação profunda, manter-nos acorrentados ao imperialismo e à burguesia.
O tradicionalista, o supersticioso, o corrupto, o tribalista, o racista, o polígamo, o parasita, independentemente da idade, representam o que existe de velho na nossa sociedade. Eles representam o que nos impede o avanço, o progresso, o desenvolvimento económico, cultural e social do País, a libertação dos laços de dependência. Eles representam a oposição renitente ao corte do cordão umbilical com a velha sociedade.
A função histórica de um partido revolucionário é a de modificar radicalmente a sociedade, transformando as suas relações de produção e nesse processo transformando igualmente o estilo de vida e o esquema de pensamento do cidadão.
O estabelecimento de novas relações sociais de produção é a condição necessária para essa transformação. Mas a nossa experiência ensinou-nos que não é a condição suficiente para o nascimento do Homem Socialista, pois que a manterem-se as ideias e os hábitos reaccionários, cedo ou tarde, estes lançam-se à conquista da sociedade, destruindo as vitórias do passado. A construção do socialismo só se torna irreversível com o surgimento do Homem Socialista.
A Campanha Nacional de Estruturação do Partido ensinou-nos que estruturar o Partido é também despertar a consciência, libertar as mentalidades escravizadas submetidas ao estrangeiro ou enterradas no passado.
O colonialismo criou a ideia de que os povos africanos são pobres por razões “naturais”. A miséria que eles próprios criaram nos territórios que colonizaram é atribuída ao clima, à preguiça e ignorância inata dos africanos. Esta concepção gerou o preconceito burguês e ocidental da imagem do africano como subdesenvolvido crónico, boçal, esfarrapado e incapaz.
O africano é, assim, apresentado como uma pessoa a quem é preciso ajudar.
Ao racismo brutal e descarado do colonialismo seguiu-se um racismo subtil e paternalista que corresponde aos interesses neocoloniais de exploração; os africanos serão “gente” quando forem iguais à imagem do cristão europeu, quando negarem a personalidade e cultura africanas. Em suma, para o imperialismo, o africano ganha pleno estatuto de ser humano quando deixa de ser africano.
O imperialismo pretende que os países africanos copiem o seu modelo de sociedade, de civilização e de cultura. O desenvolvimento dos estados africanos, dizem teóricos burgueses, será conseguido quando estes forem como as metrópoles coloniais. Esta é a herança cultural e ideológica do inimigo dos povos. Fisicamente o colonialismo deixou de estar presente, mas as suas ideias permaneceram na cabeça de muitos. Com a estruturação do Partido Frelimo criaram-se as condições para o combate sistemático contra este preconceito ideológico e contra o complexo de inferioridade que gera em vastos sectores da nossa sociedade.
O Partido Frelimo, implantado agora a todos os níveis do aparelho estatal e produtivo do nosso País, tem de levar esse combate à própria atitude do cidadão perante a organização da produção, ao seu comportamento em face dos problemas económicos da sociedade.
Todos os homens, consciente ou inconscientemente, fazem planificação. Na sociedade primitiva o homem planificava as suas reservas alimentares para os meses em que o clima não permitia cultivar. As grandes migrações africanas exigiam uma preparação: grupos avançados de reconhecimento, programação dos locais de estacionamento para a produção agrícola, para a pastagem do gado ou para a própria defesa. Os grandes estados, como o império do Monomotapa ou o reino de Gaza, não poderiam ter sobrevivido tanto tempo sem uma forma de planificação.
Actualmente, quando calculam como gastar o seu vencimento mensal, os trabalhadores fazem um plano, fazem planificação elementar.
Viver planificado é uma forma de estabilidade material e cultural, é a capacidade de dominar uma parte da própria existência num certo período de tempo.
O trabalhador, quando planifica como gastar o seu vencimento, exerce a sua capacidade de decidir a realização de um certo número de acções concretas durante o próximo mês.
Planificar é, com efeito, exercer o poder. Quanto maior é o período para o qual se pode planificar, maior é o poder que se detém e que se exerce.
Os nossos antepassados viviam num sistema de economia natural que, apesar das insuficiências científicas e tecnológicas, tinha o seu equilíbrio e sobre o qual eles exerciam o seu domínio.
Era um sistema que permitia uma certa previsão no tempo e a correspondente planificação.
O colonial-capitalismo, com a ocupação militar e administrativa, criou as condições para destruir a estrutura económica existente.
Através da sua integração no sistema monetário, o camponês colonizado, arrancado do seu sistema económico natural, tornou-se escravo da esmola colonialista e reduzido a um sistema de subsistência quotidiana. Para os que tentavam resistir a esta ditadura exercida através do sistema monetário, o colonialismo criou o imposto de palhota que só podia ser pago em dinheiro, obrigando-o assim a entrar no sistema.
Ao retirar aos povos dominados a possibilidade de previsão no tempo, ao reduzir o seu horizonte à sobrevivência diária, o colonial-capitalismo tentava destruir no colonizado a sua capacidade de controlo sobre a própria vida, a sua capacidade de planificar, o último poder que lhe restava.
É aqui que devemos procurar a causa histórica e social da maneira de viver desorganizada e improvisada de muitos dos nossos compatriotas. É o exemplo disto a dona de casa que cozinha todos os dias e que só quando prova a panela do caril é que se lembra que não tem sal. Chama o filho e manda-o comprar dois escudos de sal à cantina! Quando quer lavar a roupa é que descobre que não há sabão. Quando à noite quer acender o candeeiro verifica que o petróleo acabou.
Outro exemplo é o do trabalhador que gasta todo o seu salário em poucos dias, em bebida, em passeios e em banalidades e é obrigado depois a pedir dinheiro emprestado aos amigos para poder comer. Provavelmente não pagará a renda de casa e a conta de água e luz.
Estes exemplos são outros tantos testemunhos da influência do colonialismo, da permanência das suas ideias, da sobrevivência de alguns dos seus vestígios criminosos na mentalidade de muitos. Estes cidadãos desorganizados e indisciplinados ainda não iniciaram o combate pela libertação, pela sua própria descolonização.
Permanecem com uma mentalidade escravizada e subdesenvolvida. Transportam a improvisação da vida de subsistência diária a que o colonialismo os condenou, para a nova sociedade libertada.
O pesado fardo que carregam do colonialismo, a sua relutância em readquirir o controlo da própria vida e em reconquistar a capacidade de viver organizados e planificados fazem destes nossos concidadãos uma dificuldade a superar na reconstrução nacional e um travão na libertação total da nossa sociedade.
Não é possível organizar o País se os seus habitantes não venceram esta sequela da exploração colonial-capitalista.
Ao Partido Frelimo, estruturado a todos os níveis da Nação moçambicana, compete preparar e dirigir este combate decisivo.
É neste quadro que se inserem a organização do poder popular local através da eleição das Assembleias do Povo, a Campanha Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos, a Campanha Nacional de Estruturação do Partido e o processo da organização da vida nas cidades.
Elas constituem a componente essencial do esforço que, ao nível do aparelho de Estado e da direcção da economia, foi necessário para a passagem à fase da planificação socialista.
Ao Partido Frelimo cabe, pois, a tarefa de educar, organizar e dirigir os esforços dos cidadãos e de mobilizar racionalmente os recursos do país para a satisfação das necessidades da NAÇÃO.
A sociedade, cuja direcção tivemos que assumir após a independência, era uma sociedade capitalista, fortemente dependente do exterior. Não há no nosso País uma linha férrea que ligue o Norte ao Sul. A rede ferroviária estava concebida para o escoamento das matérias-primas de que o imperialismo necessita quer elas viessem de Moatize, quer viessem da Rodésia, da Suazilândia ou da África do Sul. Nunca o colonial-capitalismo poderia conceber como critério a construção de um sistema de transporte baseado nos interesses do povo.
A estrutura industrial do País foi construída com o duplo objectivo de apoiar os grandes investimentos estrangeiros e promover os níveis de consumo locais para os colonos, tornando Moçambique um fornecedor de matérias-primas e um comprador de produtos industrializados.
A própria “grande obra” do colonialismo português, Cabora Bassa, é um verdadeiro emblema do regime: uma das maiores barragens hidroeléctricas do mundo foi construída no nosso País para fornecer, a um baixo preço, energia eléctrica à África do Sul. Só com a independência nacional se iniciou o processo de colocar, ao serviço da nossa economia, a nossa energia eléctrica.
A ruptura das relações de dependência económica do estrangeiro constitui a nova fase da luta pela libertação total e completa da Pátria. Ela é a extensão ao plano da economia e à escala de todo o País do combate libertador conduzido pelo Partido Frelimo.
Neste plano também, é a experiência acumulada na organização da vida nas zonas libertadas que deve constituir a nossa fonte de inspiração e de estudo. Na experiência das zonas libertadas devemos procurar a solução para a organização da vida no nosso País libertado.
Nas difíceis condições de guerra foi possível desenvolver a produção, alimentar as populações e os combatentes, criar excedentes para troca e exportação, garantir os transportes e as comunicações. Para que estas tarefas tivessem sucesso não era viável o recurso a meios técnicos sofisticados. A garantia da realização de tais objectivos, vitais para o triunfo da luta, não podia depender do auxílio externo.
Assim, a organização da vida nas zonas libertadas materializou-se através da aplicação na prática do princípio de contar com as próprias forças e do princípio de colocar a política no posto do comando.
Com o reforço da organização da FRELIMO, a intensificação do trabalho de mobilização e educação das massas populares e a democratização crescente dos métodos de trabalho, libertou-se a iniciativa criadora das massas e desenvolveu-se o espírito colectivo.
Baseando-se nas próprias forças, sempre mais ricas do ponto de vista quantitativo mas fundamentalmente do ponto de vista qualitativo, foi possível canalizar de forma correcta os recursos humanos, materiais e naturais disponíveis e organizar a sua utilização de modo racional.
A planificação que hoje procuramos aplicar ao nível da economia nacional, é a síntese da experiência adquirida nas difíceis condições de vida das zonas libertadas e da experiência acumulada por outros povos na luta pela libertação económica, pela construção do socialismo.
Só baseando-nos nas próprias forças e planificando a utilização dos recursos disponíveis podemos vencer a lógica do subdesenvolvimento.
O ponto de partida para este combate é a vitória sobre a fome e a ignorância, a reconquista por cada um de nós da capacidade de vivermos organizados e de planificarmos a nossa vida.
A estratégia do nosso desenvolvimento económico define a agricultura como base e a indústria como factor dinamizador.
A socialização do campo é a condição necessária da vitória.
O Partido Frelimo indicou o Distrito como a unidade básica do desenvolvimento real da nossa economia.
O grande objectivo a atingir a breve prazo é o da auto- -suficiência dos distritos no campo dos produtos básicos da alimentação. Se todos os distritos realizarem essa tarefa teremos conseguido a primeira e decisiva vitória sobre a pior das sequelas da exploração colonial-capitalista: a fome.
Com a Campanha Nacional de Estruturação do Partido criou-se a condição essencial para essa batalha. A todos os escalões do nosso País está implantada a estrutura dirigente.
É necessário estarmos organizados e enquadrados para podermos decidir o que devemos produzir e programar como vamos produzir.
Há problemas concretos a resolver: escolher a terra melhor para este tipo de cultura; calcular a quantidade de semente necessária; preparar o abastecimento de água para rega; definir os tipos de animais para criação, etc.
O Partido Frelimo deve mobilizar e organizar o Povo para que cada distrito atinja a autonomia alimentar com base nas próprias forças, planificando os recursos existentes.
O Partido tem a tarefa fundamental de dirigir o processo de inventariação dos recursos humanos, materiais e naturais existentes e das necessidades a satisfazer.
O Partido tem de desenvolver e potenciar esses meios disponíveis e planificaria sua utilização para dar resposta a tais necessidades.
O Partido Frelimo tem de intensificar o seu papel de educador dirigindo a sistematização e o aumento dos conhecimentos dos camponeses para que a produção seja cada vez mais científica e mais planificada.
O camponês deve conhecer e programar a utilização dos meios de produção que possui, sejam eles a enxada, a charrua ou o tractor.
O camponês deve conhecer as técnicas da sementeira e da colheita e programar a utilização dos meios de que dispõe para a sua execução.
O camponês deve conhecer as diversas modalidades de aproveitamento e recolha de água — poços, represas, cisternas, etc. — e programar a sua racional utilização.
O camponês deve conhecer as formas mais adequadas de conservação da produção e programar a construção de silos, armazéns, telheiros, etc.
O camponês deve conhecer os processos de defesa e enriquecimento dos solos e programar a recolha de estrumes e a produção de adubos orgânicos.
O camponês deve conhecer as possibilidades de utilização dos recursos naturais para a fabricação de tijolos, de coberturas, de pavimentos, etc., e programar o seu aproveitamento adequado.
O camponês deve conhecer as técnicas de criação e a complementariedade das pequenas espécies animais e programar a sua reprodução e o seu consumo.
O camponês deve conhecer e programar o uso dos meios de transportes disponíveis, desde o transporte à cabeça ou em carroça, ao aproveitamento da tracção animal, da bicicleta, etc.
É tarefa do Partido Frelimo, em resumo, criar condições para que o campesinato conquiste o controlo colectivo e científico do que está potencialmente à sua disposição. A sua utilização planificada vai, ao nível de cada distrito, revelar a imensa riqueza que as sequelas do colonialismo ainda conservam acorrentadas pela ignorância, pelo individualismo, pelo tradicionalismo, pela falta de organização e enquadramento, pelos complexos de inferioridade.
Só depois de se atingir um nível de auto-suficiência nos produtos básicos de alimentação no Distrito, é possível alargar, à Província e à Nação, a aplicação do princípio de basear-se nas próprias forças e planificar os recursos disponíveis.
Atingido esse nível de auto-suficiência do Distrito, o Povo moçambicano poderá então dominar concretamente a utilização articulada dos recursos e da produção a nível nacional para a destruição total e completa da fome.
Este combate fundamental é, necessariamente, um catalisador dos combates paralelos contra a nudez, a doença, contra o obscurantismo, contra o espírito de dependência.
Este combate implica uma ofensiva cerrada e a destruição implacável da concepção do camponês individual e desorganizado.
Este combate exige a aprendizagem de novas técnicas, o despertar de novas necessidades, a criação de novos hábitos de vida, a abertura de novos horizontes.
Porque é que dizemos que a fome é uma das principais sequelas do colonialismo, uma das causas profundas do subdesenvolvimento?
Analisemos o que se passa na natureza e tomemos como exemplo o que sucede com as plantas que nos rodeiam.
Se o terreno é pobre, isto é, se tem pouco alimento para as plantas, o que sucede? Muitas sementes nem chegam a germinar; outras morrerão nos primeiros dias; as que conseguem sobreviver em tais terrenos serão sempre plantas fracas, que produzem pouco. Todos conhecemos o tipo de maçarocas que são produzidas pelo milho a que faltou a água quando estava a crescer.
É isto o que sucede com o ser humano. Se uma criança, mesmo ainda no ventre da mãe, é mal alimentada, ela cresce vulnerável à doença, diminuída na sua capacidade física e mental.
Mas ter fome não é apenas ter o estômago vazio.
Uma alimentação humana pouco variada, baseada num pequeno número de produtos, uma alimentação de que não fazem parte, por exemplo, frutas, legumes, ovos, carne, peixe, leite, etc., tem consequências análogas à das plantas que crescem em terreno pobre.
Há muitos adultos que, por terem sofrido faltas alimentares na sua infância e adolescência, são fracos, por vezes apáticos, sem iniciativas, com complexos de inferioridade.
O sistema de exploração capitalista, o imperialismo, condena-nos à fome e à miséria. Estas, por sua vez, diminuem as nossas capacidades físicas e mentais, diminuem a nossa capacidade de lutar contra esse sistema de exploração.
Mas o imperialismo reforça essa sua acção criminosa teorizando o racismo e usando-o como a arma decisiva para desumanização dos povos dominados.
É neste contexto que a imagem do homem africano aparece associada à do homem esfarrapado, estúpido, meio nu, com as costelas contadas e à espera da chuva. O africano é assim reduzido a um ser exótico, pitoresco. Quando os turistas dos países capitalistas visitam África não fotografam as nossas realizações políticas, económicas e sociais: procuram o camponês isolado, o mais pobre e miserável. Só assim poderão demonstrar aos seus amigos e compatriotas que em África conseguiram ver um "africano autêntico”.
O imperialismo, através desta permanente agressão económica e ideológica, visa reforçar a ideia de que somos subdesenvolvidos porque somos incapazes, preguiçosos e estúpidos.
O processo de libertação do Povo moçambicano tornou para todos nós bem claro que se há doentes, fracos, ignorantes entre nós é exactamente porque a pilhagem colonial e a exploração capitalista nos reduziu à mais profunda pobreza.
É por isso que a luta contra a fome é também um combate fundamental no plano ideológico, aquele que nos permitirá romper este ciclo vicioso.
É por isso que o Partido Frelimo tem como preocupação constante o esclarecimento e mobilização das largas massas populares para o enriquecimento da dieta alimentar, com prioridade para a alimentação das crianças e das mães.
A estratégia da nossa luta contra a fome deve ter em consideração dois aspectos fundamentais:
O papel dirigente e educador do Partido Frelimo deve exprimir-se, pois, neste combate fundamental.
Para que a dieta alimentar do povo seja rica e equilibrada durante todo o ano, mantendo-se o objectivo da auto-suficiência alimentar do Distrito, é necessário:
Na implementação do primeiro ponto referido, é tarefa do Partido Frelimo assumir, em todos os escalões, a direcção do processo de organização das Aldeias Comunais e dos Bairros Comunais e a implementação das suas estruturas. Dispersos e desorganizados não podemos avançar. A experiência da nossa história ensina-nos a importância da unidade de objectivos e da coordenação das nossas forças para a vitória final.
A luta contra o obscurantismo e a ignorância são constantes do processo de libertação do Povo moçambicano. A educação política das largas massas populares, a prioridade dada ao Ensino e Cultura, a Campanha Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos constituem expressão dessa preocupação do Partido Frelimo.
A elevação dos conhecimentos científicos e técnicos dos camponeses está inevitavelmente ligada ao desenvolvimento da produção agrícola e pecuária. Para que os distritos atinjam a auto-suficiência dos produtos alimentares de base, os camponeses organizados devem dominar cientificamente alguns sectores essenciais.
Os camponeses devem, nomeadamente, conhecer bem as técnicas de conservação dos produtos, técnicas de renovação da fertilidade dos solos e técnicas de controlo e aproveitamento de água.
Esta é uma tarefa concreta das estruturas do Partido Frelimo até ao nível da célula. Sobre cada um dos sectores aqui referidos, as estruturas do Partido devem estudar a realidade concreta de cada aldeia e das várias aldeias de cada Distrito; devem estudar e introduzir, em conformidade com as possibilidades locais de cada unidade de produção, novas técnicas que melhorem a capacidade de controlo do nosso Povo sobre a natureza.
Quando falamos em conservação dos produtos estamos a falar na capacidade de guardarmos a nossa produção durante um longo período de tempo sem que ela apodreça, sem que os produtos percam as suas qualidades, o seu gosto, etc., sem que os ratos ou os insectos os possam estragar.
Esta conservação é fundamental para mantermos a nossa dieta alimentar rica e variada todo o ano, mas também para podermos trocar os produtos, criarmos condições para o seu escoamento e conservamos sementes para a campanha seguinte.
Como é possível, numa Aldeia Comunal, conservarmos os nossos produtos? Algumas das técnicas já são dominadas pelo nosso camponês e a acção do Partido deve concentrar-se, então, na dinamização do seu constante aperfeiçoamento. Por exemplo: há casos em que o milho embora tenha sido guardado bem seco e sem bicho, sofre grandes perdas devido aos ratos. A tarefa do Partido é demonstrar que os ratos não são uma calamidade inevitável. Para combater este inimigo basta construir os celeiros sobre estacas e proteger estas com espinhos de micaias. Os ratos ficam assim impedidos de trepar pelas estacas para os celeiros onde está o nosso milho.
Também a carne e peixe podem ser conservados por muito tempo. Técnicas como a secagem, a fumagem e a salga, correctamente praticadas, permitem dispormos destes géneros durante largos períodos de tempo.
Outras técnicas de conservação, não tradicionais entre o nosso Povo, deverão ser introduzidas. Por exemplo, é possível conservar fruta fazendo compotas, caldas, fruta seca, fruta cristalizada, sumos, etc.
As técnicas de conservação são, portanto, em grande número e dependem tanto dos produtos como dos fins a que se destinam os géneros que pretendemos manter guardados.
A conservação exige planificação. É preciso, com efeito, que saibamos que quantidades precisaremos para a nossa alimentação, quanto vamos destinar ao escoamento para venda ou troca, que quantidades de sementes precisaremos para a próxima campanha. Isto implica que tenhamos que decidir qual o tipo de técnica a utilizar, obriga-nos a prever o aproveitamento dos produtos necessários para a aplicação dessas técnicas e exige-nos a construção com antecedência dos celeiros, silos, fumeiros, armazéns, bem como a definição da sua dimensão.
Podemos pois afirmar que a conservação dos alimentos exige planificação e que a planificação da nossa vida não se pode fazer se não soubermos conservar os produtos.
Dar ao nosso camponês as condições de dominar as técnicas da renovação dos solos que trabalha, tem de ser uma preocupação do Partido Frelimo.
A recuperação da fertilidade do solo é outro dos princípios fundamentais a respeitar na produção agropecuária.
As plantas alimentam-se à custa do solo, donde retiram, todos os anos, as substâncias de que precisam para a sua própria vida. Em última análise, as plantas transformam certos componentes do solo em produtos úteis para o homem. Neste processo, o solo fica empobrecido.
Certos solos muitos ricos, como os que há nas margens dos nossos rios, podem dar boas colheitas durante anos seguidos sem necessidade de fertilização. Mas muitos outros solos, que são a maioria no nosso País, esgotam-se rapidamente.
Os camponeses sabem bem que, após dois ou três anos, têm de abrir novos terrenos para cultura a fim de que os processos naturais possam dar de novo a fertilidade aos solos cansados.
Conhecendo cientificamente como a natureza recupera a riqueza dos solos, os nossos camponeses podem acelerar esse processo, praticando a adubação. Há adubos em toda a parte. Adubos não são só os produtos químicos importados.
Para se produzirem adubos com os recursos locais basta recolher todo o estrume dos animais, restos de comida, folhas e capins, e amontoar ou enterrar toda esta matéria orgânica. Sempre que se deposita esta matéria orgânica ela deve ser coberta com finas camadas de terra. Ao fim de alguns meses o adubo está pronto para ser usado nas machambas.
O simples facto de se enterrar o capim no momento em que se cava as machambas, em vez de se queimar, aumenta muito consideravelmente a riqueza do solo. As produções são melhores e os solos não se cansam. Utilizando estas técnicas é possível cultivar os mesmos terrenos durante muitos anos seguidos com boas produções.
A nossa estratégia de desenvolvimento rural, com base nas Aldeias Comunais, e portanto com um tipo de agricultura fixa, exige a introdução do princípio da adubação dos terrenos para além dos conhecimentos científicos de base do camponês moçambicano.
É, por isso, tarefa do Partido Frelimo dinamizar em todo o país o aproveitamento dos estrumes, capins, restos de comida, de toda a matéria orgânica, e combater as queimadas descontroladas, de forma a garantir a recuperação da fertilidade dos solos e, portanto, o aumento da produtividade da terra.
A planificação da produção agrícola de uma Aldeia Comunal é grandemente facilitada pela garantia da manutenção da riqueza dos solos das suas machambas. Contudo, para poder conservar a fertilidade dos seus solos, essa Aldeia Comunal deverá planificar a produção dos adubos necessários, definindo os locais mais convenientes para a sua fabricação e organizando os camponeses para a recolha sistemática de toda a matéria orgânica que possa contribuir para o fabrico do adubo.
A utilização das técnicas da recuperação da fertilidade dos solos está intimamente associada à transformação do camponês num cidadão organizado e planificado.
Finalmente, quando nos referimos às técnicas de conservação e aproveitamento da água é desnecessário explicar a sua importância para a agricultura e para a vida do cidadão em geral.
Em muitas regiões do nosso País não há lagos ou rios permanentes que permitam às populações terem água para as suas necessidades durante a época seca. Esta dependência do homem em relação à incerteza do regime das chuvas limita grandemente o potencial da produção agro-pecuária. Por exemplo, os legumes e certas árvores de frutas, tão importantes para uma correcta dieta alimentar, exigem uma rega regular. Se não há água, não são possíveis estas culturas.
Há zonas do País em que, apenas com os recursos locais, não se pode organizar o abastecimento regular de água à comunidade. Aí, será necessário a intervenção de meios técnicos mais avançados para a solução do problema.
No entanto, o colonialismo, criou no nosso camponês uma atitude de fatalismo em relação ao problema da água e ao qual se ligam muitas práticas obscurantistas.
Ora, em muitos locais, com o estudo das condições naturais e a mobilização dos habitantes da zona, podem encontrar-se soluções populares que deem resposta às necessidades da vida social e da produção.
Aproveitando pequenos cursos de água sazonais é possível por vezes, fazerem-se lagoas através da construção de represas feitas de terra; em terrenos com declive pode-se, em muitos casos, preparar sistemas de escoamento que concentrem as águas em depressões naturais ou reservatórios escavados pelo homem.
As estruturas do Partido devem constituir a vanguarda na mobilização para o estudo das condições naturais que podem ser aproveitadas, assim como na opção e melhoria constante das técnicas a utilizar. Os poços, por exemplo, cuja água se destina ao consumo pelo homem, devem merecer uma atenção especial; para que a qualidade das águas seja a melhor possível e elas não constituam um transmissor de doenças, deve haver um grande esforço, em todo o País, no sentido de se melhorarem as técnicas de construção dos poços e os cuidados com a sua utilização.
Outro problema que deve merecer o estudo e discussão dos camponeses organizados pelo Partido Frelimo é o do transporte da água para locais de consumo. Há muitas soluções populares possíveis sem o recurso às moto-bombas.
Utilizando a própria força das águas ou do vento, a tracção animal ou mesmo o trabalho do homem, pode-se levar a água até às machambas e mesmo até às casas.
O controlo das águas pelo homem, quer no que se refere ao armazenamento, quer no que diz respeito ao transporte, exige estudo e planificação. É preciso conhecer as realidades, escolher as soluções e planificar a sua realização e manutenção.
A garantia da disponibilidade de água durante todo o ano, cria condições favoráveis para que os camponeses organizados possam planificar a melhoria da própria vida.
Para que o camponês organizado ganhe a dimensão plena do que significa programar e planificar as suas actividades, a sua vida em geral — condição indispensável para se implementar a auto-suficiência alimentar dos distritos — ele deve adquirir a concepção do aproveitamento integral dos recursos locais e a possibilidade de quantificar a produção e as próprias necessidades.
É preciso combater a ideia dos que olham para uma vaca ou um cabrito e só veem carne. Quando mata um cabrito, geralmente, o camponês pensa só em alimentar-se. E o mais normal é comer-se toda a carne de uma só vez, enchendo a barriga e arriscando-se a ficar doente, aceitando passar depois semanas ou meses sem voltar a provar carne. Isto é falta de planificação.
Como já dissemos, se ele salgar, fumar ou secar a carne, e a pendurar num sítio limpo e arejado onde os ratos não cheguem, ela conserva-se durante muitos meses em bom estado e o camponês pode consumi-la gradualmente. Planificar o aproveitamento da carne é, igualmente, matar o cabrito quando o pasto é bom e ele está gordo, conservando a carne para comer na época seca em que o gado está magro.
E o resto do cabrito? Não presta para nada? É correcto deitar fora e deixá-lo a cheirar mal e criar moscas?
No cabrito, como em todos os animais, não há nada que não tenha valor; tudo pode ser aproveitado para aumentar a nossa riqueza e melhorar a nossa vida, em vez de ficar a fazer lixo e a favorecer as doenças. Vejamos.
As tripas bem lavadas, raspadas por dentro e por fora e secas à sombra, fazem cordas muito resistentes, tão resistentes como as cordas de ”nylon” que se importam do estrangeiro. Os nossos antepassados sabiam fazer cordas com tripas mas o colonialismo, no processo de destruição da sociedade, destruiu também esse conhecimento popular.
Do leite coalhado que se encontra no estômago dos cabritos novos faz-se um fermento de muito boa qualidade para o fabrico de queijos. Seca-se ao sol esse leite coalhado, desfaz-se em pó, deita-se depois no leite fresco que coalha e do qual se faz queijo. Fabricando queijos conservamos durante muito tempo as qualidades alimentares do leite.
Todas as vísceras que não são usadas na nossa comida, servem para a alimentação de animais domésticos como os porcos, os patos, as galinhas ou os cães. O próprio conteúdo do estômago e dos intestinos não deve ser desprezado pois serve para juntar na estrumeira para fazermos adubo orgânico para as nossas machambas.
A bexiga, enchendo-se de ar e deixando secar, faz uma boa bola para as crianças jogarem.
O sangue pode ser recolhido em bacias limpas e fervido. Esta fervura faz com que o sangue coalhe numa massa dura que é mais nutritiva do que a própria carne e pode ser cozinhada, como esta, ou desfeita para fazer molho que se come com o arroz ou a farinha. Mas se não quisermos aproveitar esse sangue fervido para a nossa comida, devemos usá-lo para alimentar os animais juntando-o à sua ração.
As gorduras constituem um bom tempero para a comida. Quando os cabritos são muitos gordos podemos conservar o excedente da sua gordura cortando-a aos bocados e derretendo-os numa panela. Aparecerão pedaços sólidos torrados e a gordura propriamente dita, que se separou. Os pedaços sólidos são bons para comer. A gordura, que pode ser conservada durante muito tempo em panelas de barro bem limpas, tem inúmeras utilizações na vida do camponês: pode ser usada quer na alimentação, quer para lubrificação de peças de máquinas simples, quer para untar e conservar utensílios de couro, etc.
A pele é muito valiosa. Por isso devemos esfolar o animal com muito cuidado para não se fazerem golpes na pele. Depois, lava-se do sangue e raspa-se com muito cuidado a parte de dentro para retirar toda a carne e gordura. Se a pele estiver bem limpa basta esticá-la muito bem e pô-la a secar à sombra. No entanto, se houver sal, deve esfregar-se na parte de dentro, pois ajuda a conservá-la em bom estado, condição necessária para que o camponês a possa vender. Contudo, as peles não devem ser guardadas e tratadas apenas com vista à comercialização; o camponês deve aproveitá-las também para fabricar, na aldeia, diversos objectos, como cordas, colares, artigos de mobiliário, almofadas, arreios para animais.
Os ossos servem para fazer sopas e molhos; além de enriquecerem o gosto da comida, ao cozinharmos os ossos na panela extraímos produtos que eles contêm e que são de grande valor para a nossa dieta alimentar. Com os ossos já usados podemos ainda melhorar a ração dos nossos animais pois todos eles, e em especial as fêmeas em reprodução, precisam de cálcio que os ossos contêm; para tal devemos esmigalhar os ossos quase como se fosse farinha, e misturar com a alimentação.
Até os pelos servem para encher almofadas. Os chifres e as unhas podem ser usadas igualmente para vários fins mas, se não os quisermos aproveitar para mais nada, devemos parti-los em pequenos bocados e juntá-los à outra matéria orgânica com que fazemos adubo para a machamba.
Como podemos ver, é errado olhar para um animal e ver nele apenas a carne que vamos comer. Tudo, nesse animal pode ser usado para o nosso benefício.
A concepção do aproveitamento integral dos recursos locais deve ser assumida pelo camponês no aproveitamento dos próprios recursos da natureza.
Grande parte da população no campo consome carne que provém da caça, especialmente a população das províncias do Norte do país e nas margens do rio Save. No entanto a utilização da fauna, que é uma das grandes riquezas de Moçambique, não se faz de maneira racional e planificada.
Os camponeses, enquadrados pelo Partido Frelimo, devem estudar este problema.
Em primeiro lugar, é necessário que se escolham os que sabem caçar melhor, os que conhecem como preparar armadilhas e que são capazes de usar zagaias e setas. Não se deve ficar à espera das espingardas quando se têm outros meios eficazes para a caça.
Em segundo lugar, as estruturas do Partido devem promover o estudo das novas leis já feitas por nós e que definem como usarmos a caça em nosso benefício de forma organizada. O objectivo dessas leis é que os recursos naturais sejam aproveitados pelo Povo e não destruídos e desperdiçados.
Algumas pessoas perguntam porque é preciso respeitar as reservas de caça, porque razão só se pode caçar em certos períodos e não se podem caçar certos animais. Isto está bem claro nas leis. De Outubro a Maio, as fêmeas estão prenhes ou estão a amamentar as crias. É o período de procriação das espécies e por isso é preciso respeitar certos princípios que têm por objectivo permitir que os recursos naturais se renovem. Temos algumas espécies que, dizimadas pela avidez colonialista, estão em risco de desaparecer em certas regiões. A lei prevê portanto a sua protecção.
Como no caso dos animais domésticos, de que o cabrito foi exemplo, também nos animais bravios tudo pode ser aproveitado para aumentar a nossa riqueza.
Outro factor essencial para que a planificação se torne uma forma de vida de cada cidadão é a capacidade, por parte deste, de conhecer quanto produz e quanto necessita.
O camponês organizado deve conhecer as potencialidades produtivas de cada espécie agrícola e pecuária e que necessidades tem a sua Aldeia Comunal e o seu distrito, que produtos são necessários para a economia e a vida da Nação.
Desenvolvendo este conhecimento, o Partido Frelimo cria as condições para que o nosso cidadão assuma com profundidade as palavras de ordem na frente da produção e se engaje resolutamente na sua aplicação.
Em cada Aldeia ou Bairro Comunal, o cidadão moçambicano deve compreender porque as pequenas espécies animais constituem prioridade para um rápido enriquecimento em proteínas da sua dieta alimentar, evitando-se o recurso à importação de carne, com efeito as pequenas espécies animais tem características como:
Devemos saber que as vacas só podem ficar prenhes com dois anos ou dois anos e meio de idade e que, após nove meses de gravidez, necessitam de mais três meses para de novo serem cobertas.
Assim, uma vaca só começa a reproduzir ao fim de pelo menos três anos, e, na melhor das hipóteses, pode parir uma cria por ano. Esta cria demora uns dois anos, no mínimo, para se desenvolver até poder ser economicamente abatida para consumo.
O camponês que queira introduzir na sua alimentação o consumo de carne deverá esperar vários anos para que o abate não comprometa o crescimento da manada.
Se optar paralelamente pela criação de pequenas espécies, poderá introduzir, em pouco tempo e com frequência, carne na sua dieta alimentar.
As galinhas, como as patas, podem produzir ovos quando têm cerca de 6 meses de idade. Praticamente com sete meses de idade dão ovos e, ao fim do primeiro ano, começam a produzir carne para a nossa alimentação.
Os coelhos, a partir dos 6 meses de idade podem reproduzir-se 4 a 5 vezes por ano, produzindo 6 a 8 filhos por cada parição. Num ano, uma coelha pode bem produzir três dúzias de crias o que permite, logo no início do segundo ano, um consumo mensal de 4 ou 5 quilos de carne sem comprometer o rápido aumento da criação.
A alimentação destas pequenas espécies é fácil em qualquer ponto de Moçambique e as técnicas de criação e prevenção de doenças são facilmente assimiláveis como o prova a experiência já por nós adquirida.
Em cada aldeia ou Bairro Comunal, o cidadão moçambicano deve compreender porque é necessário introduzir nos hábitos alimentares do povo, o consumo de frutas e qual a importância que essa produção pode ter para o desenvolvimento da indústria e o aumento da exportação.
Ele deve saber que os citrinos produzem ao fim de 4 a 5 anos e que a bananeira, por exemplo, produz ao cabo de um ano.
Ele deve saber que, de entre os citrinos, a laranjeira produz cerca de 80 quilos por ano, o que equivale a oitocentas a mil e duzentas laranjas por cada árvore adulta. A toranjeira, por seu lado, produz cerca de 100 quilos por ano, isto é trezentos a setecentos frutos por árvore adulta.
O camponês deve saber que um hectare de bananeiras não deve produzir menos de 20 toneladas de bananas e pode produzir até 60 toneladas por ano. O camponês deve saber que um cajueiro com trinta anos de idade produz dez quilos de castanhas em cerca de dois mil frutos.
Só conhecendo cientificamente as prioridades e as potencialidades de cada tipo de produção agrícola e pecuária podemos programar a nossa actividade produtiva, de acordo com as necessidades da própria Aldeia Comunal, do distrito, da província e da Nação.
Isto significa que o homem é o factor decisivo. A transformação qualitativa do homem é a via que garante a nossa libertação. A planificação como forma de vida é uma das medidas dessa transformação qualitativa.
A planificação económica que estamos a aplicar no nosso desenvolvimento tem na planificação da produção o seu aspecto decisivo.
Cada distrito deve saber quanto pode produzir, o que é que pode produzir e quais são as suas necessidades.
Quando o Partido Frelimo define como base da planificação o distrito quer dizer que se nós conhecermos as capacidades, as potencialidades e as necessidades de cada distrito conhecemos a Nação.
Quando o Partido Frelimo traça como primeira fase da luta contra a fome o objectivo da auto-suficiência distrital em produtos alimentares de base, isto significa que quando eliminarmos a fome em todos os distritos, eliminaremos a fome no nosso País.
Inclusão | 21/08/2018 |