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Ao contrário de César, seu pai adoptivo, Octávio fez o possível por minimizar os aspectos monárquicos do seu poder. Era um homem extremamente cauteloso e parcimonioso, e chamava-se a si próprio simplesmente «o primeiro entre iguais» (primus inter pares) ou «princeps», visto que o seu nome era o primeiro da lista dos senadores. A estrutura política do Estado romano que tomou forma durante o reinado de César Augusto e que durou por todo o primeiro período do império foi chamada o principado.
O principado pode ser definido com uma Monarquia com a aparência de uma República. O Senado e todos os cargos oficiais republicanos foram conservados. Além disso, Octávio mostrou particular respeito para com os senadores e fez-se eleger cônsul, por treze vezes. Tratou os procônsules e os tribunos de igual maneira e ocupou ele próprio o cargo de sumo-sacerdote e adoptou o título honorífico de «pai da Pátria». É claro que esta restauração da estrutura do estado republicano foi estritamente formal, visto que todos os cargos oficiais, estavam concentrados nas mãos de um só homem. Além disto, César Augusto foi declarado comandante em chefe das forças armadas, e o tradicional título militar de «imperator» (imperador) foi incluído na sua lista de títulos e nomes.
Durante o principado de Augusto, a Assembleia Popular foi gradualmente privada do seu significado. A política de César em relação à plebe pode ser resumida nas palavras «pão e circo» — por outras palavras: distribuía-se pão de graça, e realizavam-se jogos e entretenimentos extravagantes para o populacho, enquanto se faziam todos os esforços para impedir o povo de participar na vida política. Augusto procurava o seu principal apoio junto dos grandes proprietários de terras, não só de Roma mas de toda a Itália, e junto do exército romano.
César Augusto promulgou algumas medidas para consolidar o sistema da escravatura. Foi outorgada uma lei que decretava que em caso de assassínio de um proprietário de escravos todos os escravos da sua casa seriam executados. Limitou também o número de escravos a quem se podia conceder a liberdade e proibiu a ascensão de escravos «libertos» às camadas mais elevadas da sociedade. Quanto ao exército, depois de as guerras civis terem acabado, Augusto reduziu consideravelmente o número de legiões e estabeleceu a chamada guarda pretoriana, tropas com privilégios especiais que constituía a guarda pessoal do «princeps» e em que ele confiava absolutamente.
A política externa de César Augusto foi altamente cautelosa. Preferiu estender o império romano por meio de negociações diplomáticas a fazê-lo pela guerra. Desta maneira, conseguiu obter o controlo da Arménia e do reino do Bósforo. A penetração romana na Germânia foi de início muito bem sucedida até que se deu uma revolta das tribos germânicas. No ano 9 d.C., as tribos revoltosas infligiram um golpe esmagador às tropas romanas na batalha da floresta de Teutoburgo.
César Augusto foi chefe supremo do império romano durante 45 anos. Ordenou que o poder imperial se tornasse hereditário, e quando morreu no ano 14 d.C. sucedeu-lhe o seu enteado Tibério.
O reino de Augusto coincidiu com o período áureo da literatura romana. Neste contexto deve referir-se Virgílio (Públio Virgílio Marão, 70-19 a.C.), que escreveu ao Bucólicas — ciclo de dez poemas que exaltam as belezas da natureza e os méritos da vida no campo, as Geórgicas, poema da vida e conselhos agrícolas, e uma obra ainda mais famosa do que as anteriores, a Eneida, poema épico em 12 livros segundo o modelo de Homero. A Eneida conta a história do lendário antecessor da gens Júlia da qual descendiam Júlio César e Augusto. O poema de Virgílio é uma epopeia artificial, baseada que é em mitos e lendas: o seu verdadeiro significado é um mal disfarçado elogio de César Augusto como homem e como governante.
Outro poeta notável desta época foi Horácio (Quintus Horatius Flaccus, 65 - 8 a.C.), autor das Sátiras, Épodes, Odes e Epístolas. Horácio era essencialmente um poeta lírico, embora nalgumas das suas obras se verifique um certo esforço polémico e como Virgílio cantasse elogios a Augusto. O seu famoso poema Exegi Monumentum («O monumento») inspirou muitas imitações, mesmo nos tempos modernos.
O terceiro grande poeta deste período foi Ovídio (Públio Ovídio Nasão, 43 a.C. -17 d.C.). As suas primeiras obras foram, sobretudo, poemas de amor. Mas os mais famosos dos seus poemas são as Metamorfoses, uma narrativa poética de vários mitos, e os Fastos, nos quais as lendas antigas estão ordenadas em forma de um calendário romano onde inclui todos os feriados e festas nacionais. No ano 8 d.C., por razões que desconhecemos, Ovídio foi exilado para uma região distante do império onde acabou os seus dias. As obras Tristia e Epistulae ex Ponto datam deste período da sua vida.
Entre os estudiosos romanos deste período, uma das figuras mais notáveis foi o historiador Tito Lívio (59 a.C. - 17 d.C.), autor de uma volumosa história de Roma em 142 livros, intitulada Ab urbe condita libri, que encomiava o passado heróico da cidade. Outra figura notável foi o estudioso Plínio, o Antigo (séc. I d.C.), cujos escritos incluem a célebre Historia Naturalis, na qual aborda vários campos das ciências naturais — cosmografia, botânica, zoologia, mineralogia, etc.
Durante o reinado de Augusto, a arquitectura e as belas-artes também se desenvolveram. O forum romano (a praça central) foi reconstruído e foram erigidos alguns edifícios públicos e templos, incluindo o famoso Ara Pacis Augustae (Altar da Paz). O próprio Augusto afirmou em várias ocasiões que começou o seu reinado numa cidadela de tijolo e deixou atrás de si uma cidade de mármore. Na verdade, durante o seu reinado, Roma cresceu consideravelmente e pouco a pouco começou a adquirir a aparência de capital de um grande império.
Durante o séc. I d.C., Roma foi governada por imperadores da linhagem Júlia-Cláudia, o mais famoso dos quais foi Nero (54—68 d.C.), homem pervertido e cruel, responsável pelo assassínio do seu irmão e da sua própria mãe. Nero não tinha tempo para se ocupar do Senado e mandou executar muitos senadores, sem sequer tentar disfarçar as suas tendências despóticas. Durante o seu reinado foram gastas somas enormes com despesas da corte imperial, e ele e os seus favoritos viviam no meio de um luxo sem precedentes. Nero, que tinha um grande amor pela música e pelo canto, costumava representar no palco e chegou a percorrer a Grécia dando espectáculos musicais. No ano 64, ocorreu em Roma um incêndio enorme, que durou uma semana inteira e destruiu dez dos catorze bairros da cidade. Entre a populaça murmurava-se que o próprio Nero tinha deitado fogo à cidade para poder gozar um espectáculo raro. A crueldade do imperador e os seus caprichos macabros acabaram por provocar uma revolta. A guarda pretoriana traiu-o e Nero foi obrigado a suicidar-se. Diz-se que exclamou antes de morrer: «Que artista morre comigo!».
Já com o apoio das suas legiões, Vespasiano tomou o poder a seguir a Nero e fundou a dinastia dos Flávios. Vespasiano, que reinou de 69 a 79 d.C. tinha feito nome como o chefe militar durante a repressão da revolta da Judeia que rebentara durante o reinado de Nero e durou de 66 a 70 d.C. A Vespasiano seguiram-se os seus dois filhos, Tito e Domiciano. Durante o reinado de Tito, deu-se uma erupção do monte Vesúvio que submergiu em lava as duas cidades de Pompeia e Herculano. Nestas cidades fizeram-se mais tarde escavações que nos deram a possibilidade de ter um quadro bastante nítido da vida e dos costumes das pequenas cidades do império romano.
Sob a dinastia dos Flávios começaram a operar-se importantes alterações no Estado romano. Os imperadores passaram a confiar cada vez mais na nobreza de província e a dar-lhe lugares, em número sempre crescente, entre os representantes no Senado. Desta maneira, os principais proprietários de terras, não só de Roma e da Itália mas do império como um todo, tornavam-se o principal bastião do poder imperial.
No séc. II d.C., o império romano foi governado pela dinastia dos Antoninos. Os mais famosos membros desta dinastia foram Trajano (98-117), em cujo reinado Roma fez as suas últimas aquisições territoriais (as províncias da Dácia, Arábia, Arménia e Mesopotâmia), Adriano (117-138), que em vez de procurar novas conquistas se aplicou ao desenvolvimento do aparelho administrativo e burocrático necessário para o controlo de tão grande império, e, finalmente, Marco Aurélio (161-180), famoso pelos seus escritos filosóficos. Durante o reinado deste último, apareceram os primeiros sinais de crise do império, simultaneamente com a pressão dos povos bárbaros nas fronteiras.
O séc. II é encarado como o período áureo do império romano. Foi o período da máxima expansão territorial. As suas fronteiras estendiam-se da Escócia, ao Norte, às cataratas do Nilo, ao Sul, e das costas do Atlântico, a Ocidente, até ao golfo Pérsico, a Oriente.
No entanto, a natureza do Estado romano não era só determinada por estes factores externos. A sociedade baseada na escravatura tinha atingido nesta altura o auge do seu desenvolvimento. A maior parte das terras e das indústrias eram orientadas para uma economia de mercado e o comércio interno e externo desenvolviam-se. Como resultado, os proprietários de escravos esforçavam-se por tirar deles o máximo proveito, e não tinham escrúpulos em utilizar formas de exploração selvagens. A situação dos escravos tornava-se ainda mais cruel. À mínima falta eram encarcerados em prisões especiais que existiam em todas as propriedades, faziam-nos trabalhar acorrentados, eram espancados e condenados à morte. Os escravos eram mantidos em submissão com medidas de terror. Aconteceu, por exemplo, que um nobre romano foi morto por um seu escravo; segundo a lei promulgada, como dissemos, no reinado de Augusto, todos os seus escravos de cidade — neste caso eram 400 — incorriam na pena de morte. Embora provavelmente o povo de Roma, indignado perante esta medida cruel, pudesse erguer-se e protestar, a sentença foi executada e os 400 escravos foram mortos.
O apogeu do império romano também foi marcado por progressos económicos nas províncias e particularmente na vida urbana das províncias. Nas cidades das províncias ocidentais (Gália, Espanha, etc.) apareceram muitos comerciantes e artesãos, unidos em collegiae, que serviam não só os centros comerciais locais mas as partes mais remotas do império. No Oriente, o comércio também progrediu na Ásia Menor e na Síria. Além disso, foram estabelecidas ligações comerciais regulares com a Arábia e a Índia, e mais tarde, até com a China. Destas terras vinham especiarias, perfumes, marfim e seda.
Em resultado das novas e florescentes rotas comerciais, muitas novas cidades foram fundadas em sítios onde destacamentos do exército romano ficavam por tempo suficiente. Por outro lado, várias cidades antigas voltaram a ganhar vida nesta altura. Regra geral, os centros urbanos das províncias gozavam de um certo grau de autonomia, tendo os seus próprios senados e funcionários.
Contudo, o povo das províncias irritava-se com a dureza do governo romano. A terra foi espoliada aos camponeses locais e doada aos colonos romanos, enquanto os primeiros caíam frequentemente na escravatura por dívidas. A população das províncias estava sujeita a pesados impostos; as requisições de géneros pelo exército eram uma prática frequente. A conjugação destes factores esteve na origem das maiores revoltas que se deram em algumas províncias, como a Gália, a Grã - Bretanha e a África, no séc. I, e a Palestina, no séc. II. Contudo, o império romano nessa altura era suficientemente forte para esmagar estes movimentos, que não representavam uma ameaça séria ao seu poder centralizado.
O período áureo do império romano terminou no ano de 192, quando o último imperador da dinastia antonina, Cómodo, foi morto por conspiradores. Depois da luta entre vários pretendentes ao trono, Septímio Severo saiu vencedor e reinou de 193 a 211 d.C. Durante o seu reinado, o império adquiriu um carácter abertamente marcial. Septímio Severo saiu vencedor e reinou de 193 a 211 d.C. Durante soldados tinham agora o direito de continuar a servir e a serem promovidos até se tornarem chefes e a serem admitidos na Ordem Equestre. Esta medida abriu aos soldados amplas perspectivas para uma carreira civil e militar. Não foi por coincidência que em anos subsequentes apareceram os chamados «imperadores» soldados e que se murmurava que Septímio Severo, pouco antes de morrer, deixara instruções aos seus filhos para «enriquecer os soldados e não ligar importância ao resto».
A dinastia dos Severos não reinou durante muito tempo. Depois de o último destes imperadores ter sido assassinado, o poder esteve por um curto período de tempo nas mãos de Maximino, antigo pastor que entrara no exército como soldado raso. Contudo, era pouco depois assassinado, e após a sua morte começou uma sucessão rápida, por vezes quase caleidoscópica, de imperadores, revoltas e golpes militares. Ao mesmo tempo, a pressão das tribos bárbaras nas fronteiras do império aumentou. Os Francos e os Alamanos invadiram a Gália, os Saxões invadiram a Grã-Bretanha e os Mouros invadiram a África, enquanto se formava uma grande aliança bárbara entre as várias tribos góticas dos países das margens do mar Negro. As confrontações militares com as tribos bárbaras tornavam-se mais difíceis para o governo central que ao mesmo tempo era obrigado a dominar perturbações dentro da própria pátria. Roma começou então a perder algumas das suas possessões ocidentais — a Gália, a Grã-Bretanha e a Espanha. No Oriente, surgiu o reino de Palmira, que, depois de concluir uma aliança com a Pérsia, obteve o controlo de quase todas as províncias orientais do império.
Este período também foi marcado por uma intensificação do conflito de classes. Em contraste com os movimentos dos sécs. II e I a.C., o principal papel nestas novas revoltas não era desempenhado pelos escravos mas por grupos de camponeses explorados e dependentes. Isto não significa, porém, que os escravos não tomassem parte nestes movimentos. Houve algumas revoltas na África e na Ásia Menor, mas a mais importante de todas foi a grande revolta dos camponeses e escravos da Gália, que se espalhou e acabou por chegar à própria Espanha. Tinha começado nos anos sessenta do século III e, com vários intervalos, durou várias décadas.
Assim, o império romano estava literalmente a desintegrar-se. O enfraquecimento do poder central, as guerras nas fronteiras, as revoltas internas — mais não eram do que manifestações políticas e sociais de uma profunda crise.
Mas a crise tinha raízes mais profundas, que estavam relacionadas com as próprias bases económicas da sociedade romana e se reflectiram na sua ideologia em transformação. A desintegração da base económica da sociedade romana está intimamente ligada ao aparecimento dos coloni, e a crise ideológica encontrou, sobretudo, expressão no aparecimento e na expansão do cristianismo.
O trabalho-escravo e um tipo de economia baseada na escravatura já não correspondiam às exigências do tempo. O escravo não estava interessado no fruto do seu trabalho e trabalhava sempre forçado. Era quase impossível, ou pelo menos muito difícil, assegurar uma supervisão eficaz das grandes massas de escravos, e este facto funcionava como travão do desenvolvimento das grandes propriedades, organizadas na base do trabalho escravo.
Durante a segunda metade do séc. II, os imperadores romanos foram obrigados a tomar algumas medidas que até certo ponto limitavam o poder e os direitos dos proprietários de escravos. Foram abolidas as prisões para escravos nas propriedades individuais e passou a ser ilegal manter os escravos permanentemente acorrentados. Além disso, os proprietários de escravos foram privados do direito de os condenar à morte. Desta maneira, o Estado começou a desempenhar um papel muito mais activo do que antes nas relações entre senhores e escravos.
Por outro lado, os próprios proprietários de escravos começaram a criar incentivos para os levarem a produzir. Havia mesmo quem os alugasse, autorizando-os a guardar parte do salário assim obtido. Prática mais frequente era dar aos escravos a propriedade de um lote de terra, uma oficina ou uma loja. Assim, o escravo podia ter o seu próprio «negócio», pagando ao seu senhor uma parte do que rendia como uma espécie de renda livre.
Mas a mais importante das novas tendências foi o aumento do número de coloni. Colonos, era o nome dado às pessoas (em geral homens livres) que arrendavam lotes de terra. A prática de arrendar a terra existia desde há muito, mas durante o apogeu da propriedade baseada no trabalho escravo, não se desenvolvera em larga escala. Agora, no entanto, os donos de terras e particularmente os proprietários de salti (grandes propriedades) tinham chegado à conclusão de que em vez de empregarem muitas centenas de escravos para cultivarem as suas terras, seria muito mais vantajoso dividir a terra em pequenas parcelas e arrendá-las aos coloni.
Foi assim que um novo modelo de trabalho agrícola se espalhou cada vez mais. No final do séc. II d.C., a distinção entre coloni e os escravos que tinham lotes de terra ou escravos libertos (com direito de propriedade) quase desaparecera. Dependiam igualmente dos proprietários dos salti, viviam em herdades separadas ou em aldeias com as suas oficinas, lojas e mercados próprios, onde os cultivadores da terra vendiam os seus produtos e compravam os artigos de que precisavam.
Durante o período crítico do séc. III, quando a vida da cidade atingira um estado de estagnação e havia muito pouca moeda em curso, os donos das grandes propriedades começaram a exigir a renda em géneros. Os coloni eram agora obrigados a dar ao seu senhor uma parte fixa da colheita (geralmente um terço) e a trabalhar na terra do senhor de 6 a 12 meses no ano. Este facto marcou o início da servidão dos coloni, que foi registada e transformada em lei no séc. IV, durante o reinado do imperador Constantino. A posição dos coloni veio, afinal, a assemelhar-se cada vez mais à do servo. Mesmo assim, o trabalho dos coloni em servidão representava uma melhoria em relação ao trabalho do escravo em vários aspectos: os coloni que possuíam os seus próprios instrumentos de trabalho, cuidavam melhor deles, e como só eram obrigados a entregar ao senhor uma parte do que produziam, tinham maior interesse pelos frutos do seu trabalho. Todos estes factores demonstram que a economia do proprietário de escravos e o sistema da escravatura estavam ultrapassados e tinham de ser substituídos por uma nova forma de economia e um tipo de trabalho mais eficiente. Era este o ponto crítico da profunda crise económica da sociedade romana que praticava a escravatura.
A religião cristã, que foi a expressão ideológica da crise do império romano, surgiu no séc. I d.C. mas espalhou-se com grande rapidez a partir do fim do séc. II. A velha religião dos Romanos, com os seus numerosos deuses e deusas, crenças e ritos simplistas, já não satisfaziam as necessidades espirituais da sociedade. O culto dos imperadores — culto que os próprios imperadores tinham de celebrar com grande pompa — ainda tinha menos possibilidades de colmatar esta lacuna. Por isso, alguns cultos orientais começaram a enraizar-se e a ganhar popularidade em Roma — o da deusa egípcia Ísis, do deus persa Mithra e do deus hebraico Yavé ou Jeová, e, por fim, com um papel de grande relevo, as doutrinas cristãs.
O fundador desta nova religião foi Jesus de Nazaré que afirmava ser o filho de Deus e salvador da humanidade. Os escritos cristãos contam como ele era acompanhado por discípulos, fazia milagres e pregava ao povo: mais tarde foi preso e submetido a uma morte dolorosa e humilhante na cruz. A lenda conta como ao terceiro dia ressuscitou e subiu ao céu. Esta era a história da vida de Jesus Cristo na Terra, tal como foi divulgada pelos adeptos da nova religião.
O cristianismo que nasceu na Palestina e se espalhou por outras cidades e países do império romano, ganhou muitos adeptos principalmente devido à simplicidade do modo de viver das primeiras comunidades cristãs e por causa da crença numa vida depois da morte. Às comunidades cristãs juntaram-se, sobretudo, as camadas mais baixas da população: os camponeses, os homens livres pobres e os escravos. Este facto levantou suspeitas às autoridades imperiais que passaram a perseguir os cristãos. Contudo, a nova religião ganhava cada vez mais terreno.
Uma nova fase do seu desenvolvimento começou no séc. II quando as comunidades cristãs se uniram sob a chefia da comunidade romana. A hierarquia dos novos dirigentes religiosos tomou-se mais complexa — apareceram os bispos e instituiu-se a ordem dos diáconos, para os que tinham a seu cargo as questões económicas das comunidades. A composição social das comunidades também começou a mudar; cada vez mais se convertiam membros das camadas mais elevadas da sociedade romana. E assim se foi formando uma poderosa organização, que mais tarde passaria a ser conhecida por Igreja Cristã. O governo romano e os imperadores começaram então a compreender que a nova religião, que exortava os homens à submissão, a deixar «as vaidades deste mundo» e lhes prometia uma recompensa no céu para todos os seus sofrimentos, se podia tornar um útil instrumento nas suas mãos.
Por esta razão, a separação entre a Igreja e o Estado foi, pouco a pouco, colmatada e não nos deve surpreender o facto de o cristianismo ter acabado por se tornar a religião do Estado oficialmente reconhecida. A linha de divisão entre as esferas de influência de Igreja e do Estado estava definida: Cristo foi reconhecido Rei dos Céus, e o imperador romano era o Senhor do império na Terra.
Apesar da situação, agora crítica, em que se encontrava o império romano, os seus governantes conseguiram aguentar o barco por algum tempo. Na verdade, o poder imperial foi consolidado; à estrutura do Estado que foi instituída no último período do império deu-se o nome de «dominato» (nome derivado da palavra dominus que significa «senhor»). Era agora um Estado de natureza abertamente monárquica com reminiscências dos estados despóticos orientais. Todas as características republicanas que tinham sido conservadas durante o principado foram agora abandonadas. O Senado já nada mais era do que o conselho da cidade de Roma, e o ritual da corte desenvolvia-se de acordo com os extravagantes costumes do Oriente.
Outro facto que contribuiu para a consolidação do poder imperial ocorreu durante o reinado de Diocleciano (284-305), organizador de talento e político lúcido. Tendo sempre consciência das tendências separatistas de algumas províncias, Diocleciano dividiu o império em quatro partes e nomeou três co-governantes ou colegas (a tetrarquia). Além disso, o império no seu todo foi dividido em 101 províncias e várias províncias foram agrupadas em unidades administrativas maiores chamadas dioceses, que eram doze.
Além destas reformas administrativas, Diocleciano promoveu uma reforma dos impostos, estabelecendo um imposto de terras per capita, e uma reforma fiscal, destinada a restaurar o equilíbrio necessário na esfera da circulação da moeda, e, finalmente, o famoso édito sobre preços fixos. Este édito foi a primeira tentativa para regular oficialmente os preços dos artigos de primeira necessidade e as remunerações de trabalho.
No ano 305, Diocleciano abdicou, e embora o poder ainda estivesse formalmente nas mãos dos seus antigos colegas, apareceram inevitavelmente pretendentes ao trono. Rebentaram hostilidades entre eles, que deram origem a nova guerra civil. Desta luta saiu vitorioso Constantino, filho de um dos colegas de Diocleciano, que reinou de 306 a 337. Constantino teve que lutar contra os seus rivais durante muitos anos, e quando, finalmente, se tornou senhor único do império romano, manteve a divisão do império em quatro partes, embora abolisse o sistema da tetrarquia.
Cada um dos tetrarcas passava a estar dependente dum prefeito responsável perante o imperador.
O título de Grande foi atribuído a Constantino pela Igreja Cristã. O imperador era um governante calculista e astucioso, sendo ao mesmo tempo um político de visão. Foi durante o seu reinado que se firmou a aliança entre a Igreja e o Estado. Pelo édito de Milão deu liberdade aos cristãos. A partir dessa altura, a Igreja passou a ser um aliado de confiança, um defensor do poder imperial, ao passo que os imperadores se tornavam protectores da Igreja e a enriqueciam com generosos donativos de terras e dinheiro.
Em 11 de Março de 330, Constantino transferiu a capital do império romano para o Oriente, para as margens do Bósforo. A antiga colónia grega de Bizâncio foi aumentada e reconstruída, e chamada de Constantinopla, em honra do imperador. A transferência da capital mais para o Oriente não foi um acaso: as províncias orientais eram mais ricas e culturalmente mais adiantadas do que as ocidentais e na prática os centros económicos e culturais do império desde há muito se situavam no Oriente. Foi uma medida perfeitamente lógica transferir para lá também o centro político do império.
Depois da morte de Constantino, estalou nova luta pelo poder. Durante alguns anos o poder esteve nas mãos do seu filho Constâncio e depois nas do seu neto Juliano. O reinado deste último é memorável pelo facto de ter tentado restaurar a velha religião romana, empreendimento que redundou num completo fracasso.
Acontecimento crucial, que contribuiu para a queda do império foi uma nova grande migração de povos. O impulso inicial para esta migração foi dada pelos Hunos, provavelmente uma tribo nómada de origem mongólica, que avançaram gradualmente das estepes da Ásia Central para as margens do mar Negro à procura de pastagens e novas terras. À medida que avançavam, conquistaram parcialmente e em parte desalojaram povos da aliança ostrogoda (Godos do Oriente) que, por sua vez, exerceram pressão sobre os Visigodos (ou Godos do Ocidente). Procurando auxílio contra os Hunos, os líderes das tribos visigóticas voltaram-se para o imperador romano Valente pedindo autorização para atravessar o Danúbio e para se estabeleceram no império. Esta autorização foi concedida com a condição de os Godos guardarem as fronteiras do império.
Os Godos estabeleceram-se nas províncias da Mésia e da Trácia, na margem ocidental do Danúbio. Contudo, as suas esperanças de levarem uma vida pacífica e tranquila foram desde logo cruelmente desiludidas. Em breve os administradores romanos e os chefes militares começaram a desrespeitar os seus direitos e a sua liberdade, de muitas maneiras. As suas mulheres e os seus filhos foram presos e vendidos como escravos. O fornecimento de alimentos era deficiente e havia frequentes surtos de fome entre as tribos góticas. Estes factores levaram a uma revolta no ano 377. A revolta propagou-se como o fogo e o imperador Valente chefiou o exército para esmagar a revolta. No ano de 378, travou-se uma grande batalha em Adrianópole, que acabou numa esmagadora derrota para os Romanos e durante a qual foi morto o imperador.
A guerra com os Godos continuou por vários anos. Foram, finalmente, derrotados por um dos sucessores de Valente, Teodósio, que reinou de 379 a 395. No seu reinado, as partes oriental e ocidental do império foram reunificadas pela última vez. O reinado de Teodósio assistiu também à vitória final da religião cristã, quando se tornou não só a religião do Estado mas a única reconhecida. Os éditos de Teodósio proibiram os sacrifícios e decretaram que não se dariam mais subsídios aos templos romanos, cujas terras foram confiscadas. Nalgumas cidades do império, tais como Alexandria, organizaram-se massacres dos adeptos da velha religião romana.
Depois da morte de Teodósio, o império foi de uma vez para sempre dividido em duas partes. O império do Oriente, que veio a ser chamado bizantino, existiria como Estado unificado até meados do séc. XV. O império do Ocidente, por seu lado, já enfraquecido por crises internas, não pôde resistir à pressão sempre crescente das tribos bárbaras.
No início do séc. V, os Godos atacaram Roma chefiados por Alarico. Contudo, descontente com o modo como se processavam os acontecimentos, Alarico marchou sobre Roma em 24 de Agosto de 410. Os portões da cidade foram abertos pelos escravos que se passaram para os lados dos conquistadores.
O impacto desta conquista foi tremendo. Era a primeira vez, desde que os gauleses tinham saqueado Roma na aurora da sua história, que a Cidade Eterna, a «Luz da Terra», tinha caído nas mãos dos bárbaros.
Os cinquenta ou sessenta anos seguintes foram marcados por uma série quase ininterrupta de invasões bárbaras do império romano e alguns reinos bárbaros foram fundados mesmo em território romano. Em 429, o rei vândalo Genserico subjugou a Itália e devastou Roma, e, em 449, a Grã-Bretanha foi invadida pelos Anglos, Saxões e Jutas. Entretanto, estabeleceu-se ao longo do Danúbio, uma grande federação de tribos bárbaras sob o comando do huno Átila. Primeiro, os Hunos devastaram a península balcânica. Depois, marcharam sobre a Gália. Em 451 travou-se em Châlons a «batalha das nações», onde os Hunos foram derrotados por um exército misto de romanos e bárbaros — Francos, Godos e Burgúndios. Depois desta derrota, Átila retirou-se para além-Reno, mas no ano seguinte invadiu o Norte da Itália mais uma vez. Mas morria pouco depois (453) e a aliança dos Hunos morreu com ele.
O império do Ocidente acabava aqui na prática a sua existência. Toda a Itália estava devastada e Roma mais não era já do que uma cidade de província. No forum, onde em tempos se decidira o destino do mundo, crescia erva e pastavam porcos. Os imperadores do Ocidente eram agora peões insignificantes nas mãos dos chefes dos exércitos bárbaros. No ano 476, um deles — Odoacro, chefe dos mercenários germânicos, depôs o último imperador, Rómulo Augustulo, e declarou-se regente do imperador do Oriente na Itália. Assim, até a existência formal do império do Ocidente tinha acabado. O ano 476, é convencionalmente considerado como marcando a queda do império romano do Ocidente.
O significado histórico da queda do império do Ocidente não está, é claro, no facto de o último imperador, que por sinal não era uma figura notável, ter sido destronado; está, sim, no colapso desta enorme sociedade que praticava a escravatura, no colapso dum estado baseado numa economia que assentava sobre o trabalho escravo. Este tipo de estrutura política e de sistema económico, fora ultrapassado, e foi, por isso, que o império romano, já internamente fraco depois da profunda crise social do século terceiro, não conseguiu evitar a crescente pressão dos seus inimigos bárbaros. A base económica da sociedade romana já estava minada no séc. III, quando o sistema de colonato se radicou e foi substituindo o trabalho escravo. Contudo, como unidade política, o Império Romano, provou ser suficientemente forte para sobreviver a esta crise. Mais século e meio de conflitos de classe dentro do império e de constante pressão nas suas fronteiras fizeram com que caísse a última cidadela da sociedade de senhores de escravos, e com ela a economia baseada no trabalho escravo, e o poder dos nobres proprietários de escravos. É neste facto que reside o significado histórico da queda do Império Romano do Ocidente.
Inclusão | 15/04/2016 |