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No verão de 1788 houve uma colheita particularmente má, depois de as plantações se terem estragado em muitas regiões, a que se seguiu um inverno extraordinariamente duro. Revoltas camponesas estalaram em algumas províncias, no Outono e no Inverno desse ano, continuando em 1789. Os camponeses, levados ao desespero pela fome e pela pobreza, arrombaram celeiros, dividiram os cereais e obrigaram os comerciantes a vender-lhes o grão a preços que eles pudessem pagar ou por «preços honestos». A escassez de pão causou também grande agitação nas cidades. As autoridades esmagaram as revoltas pela força, mas elas continuaram a estalar por todo o lado.
Que se passava? Por que razão estava a França envolvida em tão alargada luta de povos? Afinal, não era a primeira vez que o povo tinha tido más colheitas e havia calamidades naturais. Mas até então as autoridades tinham conseguido controlar o descontentamento popular; em 1788 e 1789 não o conseguiram.
Os anos 1787-1789 foram ainda marcados por uma crise industrial e comercial. Muitos camponeses que haviam aumentado os seus proventos trabalhando em manufacturas durante o inverno ou emigrando para as cidades para trabalhar temporariamente na construção, por exemplo, estavam agora privados desta possibilidade. As cidades e as estradas estavam cheias de pobres e vagabundos.
Mas o mesmo tinha acontecido nas manufacturas, nos trabalhos construção e no comércio muitas vezes. Por que razão reinava em 1788-1789 um espírito de agitação por todo o país e por que se falava constantemente da necessidade e da eminência de uma profunda mudança?
Nem a situação crítica da indústria e do comércio, nem a má colheita de 1788 eram as principais razões subjacentes à crise revocionária que se desenvolve na França neste período. Estas serviram apenas como veículo de uma crise que desde há muito se desenvolvia. As causas fundamentais da situação revolucionária tinham raízes mais fundas.
O factor mais importante que deu origem a um descontentamento à escala nacional em relação à ordem existente é o facto de os padrões sociais feudais absolutistas dominantes já não serem compatíveis com o estádio de desenvolvimento económico, social e político do país.
Cerca de noventa e nove por cento da população francesa era constituída pelo chamado terceiro estado, enquanto as classes privilegiadas — a nobreza e o clero — constituíam o restante, um por cento. Contudo, eram estas classes numericamente insignificantes que dominavam a terra. Não tomavam parte na produção, viviam isoladas dos camponeses, enchendo os bolsos com o dinheiro de tesouro público, e constituíam a principal fonte de apoio do rei.
O terceiro estado não representava uma classe homogénea. Incluía a burguesia economicamente poderosa com aspirações ao poder político e o campesinato que constituía a parte principal da população, os escravos oprimidos pela exploração feudal assoberbados por inúmeras requisições que serviam para encher os bolsos dos proprietários: o clero e a monarquia. Finalmente havia os pobres das cidades — os trabalhadores e artesãos empobrecidos — privados de todos os direitos e que levavam uma vida miserável. Os interesses e objectivos das diferentes classes não coincidiam em todos os aspectos; no entanto todas tinham uma coisa em comum, que reunia os seus representantes numa oposição às classes privilegiadas — ou seja: a sua total ausência de direitos políticos e o seu desejo de mudar a ordem existente. Nem a burguesia nem o campesinato nem o proletariado urbano estavam dispostos a reconciliar-se com o domínio dos monarcas absolutistas e com os padrões sociais feudais. A estrutura social existente era incompatível com os seus interesses de classe e com o desenvolvimento económico do país.
Quer os membros do terceiro estado fossem ou não conscientes disso, um avanço no desenvolvimento histórico do seu país estava próximo, ou seja, a transição do feudalismo para o capitalismo, que nessa altura representava uma forma de sociedade mais progressista. Em última análise, todas as agudas contradições de classe da época levavam a esta transição. Era por estas contradições serem tão profundas e de tal modo inseparáveis da estrutura social existente que as autoridades não estavam em posição de pôr fim ou de controlar a crescente agitação popular, e a revolução em França tornou-se historicamente inevitável.
Enquanto as massas populares das cidades e do campo afirmavam que não podiam nem queriam viver como haviam vivido no passado, as autoridades do país — o rei e as classes privilegiadas também mostraram que não podiam governar o país como até então.
O estado desesperado do tesouro público, que resultava dos gastos exorbitantes feitos peja corte e pelas duas primeiras classes, deu origem a uma aguda crise financeira. A monarquia não tinha agora com que pagar as suas necessidades imediatas. Depois de uma série de tentativas frustradas para melhorar a situação, o Rei viu-se obrigado a convocar os Estados Gerais — a assembleia de representantes dos três estados — que não tinha sido convocada ém França desde havia cento e setenta e cinco anos.
No meio de um profundo descontentamento popular em muitas áreas do país, na Primavera de 1789, e no meio duma agitação social largamente espalhada, os Estados Gerais abriram em Versalhes em 5 de Maio. O rei Luís XVI é os seus esperavam, com a ajuda dos Estados Gerais, conseguir reconquistar a confiança do povo, acabar com a agitação e obter fundos necessários para encher os cofres do estado. O terceiro estado entretanto esperava coisas muito diferentes dos Estados Gerais. Viu na sua convocação uma esperança de grandes mudanças políticas no país.
Desde o início houve um choque de pontos de vista nos Estados Gerais entre o terceiro estado e as classes privilegiadas acerca da maneira de orientar as sessões e o processo de votação. A 17 de Junho os representantes do terceiro estado declaram-se Assembleia Nacional, convidando os representantes dos outros estados a juntarem-se com eles. Depois desta ousada resolução, a Assembleia Nacional tomou-se o supremo órgão representativo e legislativo do novo francês. Contudo, o Rei, apoiado pela nobreza, recusou-se a reconhecer esta medida. A 20 de Junho deu ordens para que, fosse fechada a entrada para o palácio onde estava a reunir a Assembleia. Mas os deputados à Assembleia Nacional não estavam preparados para obedecer às ordens do rei. Encontraram uma sala quase vazia e espaçosa que anteriormente tinha sido usada como uma espécie de campo de ténis (o Campo da Péla) e aí reabriram a sua Assembleia, encorajadas a resistir pelo povo que no exterior os ovacionava.
Nessa memorável reunião no Campo da Péla de 20 de Junho os deputados à Assembleia Nacional juraram solenemente não se separar ou de qualquer modo interromper o seu trabalho até que fosse feita e aprovada uma constituição.
A 9 de Julho, a Assembleia Nacional proclamou-se Constituinte, sublinhando assim o seu dever de instituir uma nova ordem social e de elaborar as suas bases constitucionais. O Rei, contrariado, teve de aceitar esta resolução da Assembleia Nacional, com a qual, na realidade, não tinha o mínimo desejo de se reconciliar. Tropas leais ao Rei começaram a reunir-se em Versalhes e em Paris, enquanto o povo e os deputados seguiam alarmados as acções do Rei e dos seus sequazes, interpretando-as com razão como uma ameaça à Assembleia Nacional. Quando em 12 de Julho se soube que o Rei tinha demitido Necker, considerado o único adepto de reformas no governo, e o povo soube que estavam a ser concentradas tropas em Paris, estas notícias foram tomadas como prova da decisão das forças contra-revolucionárias em passar à ofensiva.
Logo ruas e praças da cidade se encheram de gente. Ocorreram em vários lugares escaramuças com as tropas reais e os tiros que se ouviram aumentaram a indignação popular. O povo de Paris levantou-se espontaneamente para a luta.
A 13 de Julho, de manhã cedo, tocou o alarme e os pobres de Paris vieram para a rua armados de machados, pistolas e pedras. O avanço dos revoltosos levou as tropas a abandonarem bairro após bairro e formou um exército que crescia de hora a hora. O povo assaltou os armeiros e os arsenais militares e apoderou-se de dezenas de milhares de espingardas.
Na manhã de 14 de Julho a maior parte da capital já estava nas mãos dos revoltosos mas as oito torres da prisão fortificada da Bastilha ainda se erguiam imperturbáveis sobre a cidade. O ardor revolucionário que se apoderava do povo levou-o a invadir esta formidável fortaleza. Tomar a Bastilha com os seus fossos, pontes levadiças, a sua numerosa guarnição e os seus canhões parecia uma tarefa impossível. No entanto, para o povo revoltado, não havia nada impossível. Os artilheiros, que se puseram ao seu lado, abriram fogo e partiram as correntes de uma das pontes levadiças. O povo marchou corajosamente para a frente e conseguiu logo entrar. O comandante da guarnição foi morto e os seus homens renderam-se. A Bastilha tinha caído.
A tomada da Bastilha em 14 de Julho foi um grande triunfo para o povo revoltado. Esta data memorável marcou o início da Revolução Francesa. A partir desse dia, a força revolucionária decisiva, o povo, entrou na batalha contra os seus antigos senhores, e foi o seu papel nos meses seguintes que tornou possível a vitória.
O Rei foi obrigado a curvar-se perante esta vaga de fúria popular e, em 17 de Julho, com os membros da Assembleia Constituinte, veio para Paris para reconhecer formalmente este triunfo revolucionário. Aos acontecimentos de Paris seguiram-se revoltas em cidades de toda a França. Por todo o país os funcionários do governo foram expulsos e foram eleitas novas Câmaras nas cidades. Formou-se um exército revolucionário — a Guarda Nacional.
O campesinato pegou também em armas. Depois de ter conhecimento da tomada de Bastilha invadiu as residências dos seus odiados senhores e destruiu-as. Nalgumas regiões os camponeses tomaram os campos e florestas e dividiram-nos entre si. Houve frequentes casos de recusa de pagamento de impostos e de prestar os serviços habituais. As revoltas dos camponeses e os protestos violentos contra a exploração e a opressão a que os nobres senhores os submetiam espalharam-se por toda a França.
As vitórias iniciais da revolução foram tão notáveis e os primeiros golpes decisivos contra a monarquia absoluta tão eficientes, que todo o terceiro estado — isto é, tanto o povo como a burguesia que o conduzia — estava unido nesta fase e tinha objectivos comuns. A burguesia era um elemento jovem e progressista apostado em combater o absolutismo feudal. Não receava ainda o povo e marchava para a frente ombro a ombro com ele.
Esta unidade e a enorme vaga de fervor revolucionário que se apoderou de toda a nação reflectiram-se na «Declaração dos Direitos do Homem» (de L’homme et du citoyen) que foi decretada pela Assembleia Constituinte em 26 de Agosto de 1789. Este importante documento havia de estabelecer os princípios fundamentais da nova ordem social anunciada pela Revolução.
A Declaração consistia em dezassete artigos, o primeiro dos quais proclamava: «Os homens nascem livres e com os mesmos direitos», em em que na maior parte dos países do mundo o absolutismo feudal estava ainda na ordem do dia e em que todas as pessoas que não pertencessem à nobreza nem à Igreja estavam privadas de todos os direitos, em que a servidão e a escravatura eram práticas comuns, esta proclamação de liberdade e igualdade de direitos era espantosamente revolucionária.
A Declaração dos Direitos também proclamou como inalienáveis e sagrados os direitos do cidadão, como: a liberdade pessoal, a liberdade de expressão pessoal, a liberdade de expressão e consciència, a inviolabilidade pessoal e a necessidade de resistir a todas as formas de opressão. O direito de propriedade privada também foi proclamado como direito sagrado e inalienável, o que mostrava não só que a propriedade burguesa e camponesa estava a ser protegida contra a violação por parte dos latifundiários (nisto reside o seu aspecto progressista) mas também uma tentativa de perpetuar o direito para sempre. Este facto aponta para as limitações burguesas da Declaração, pois significava que a liberdade que proclamava era de tipo puramente formal, porque perpetuava a desigualdade baseada na propriedade.
Apesar de tudo, tomada no seu conjunto, a Declaração dos Direitos representava um documento de altíssimo significado revolucionário. O famoso slogan «Liberdade, Igualdade, Fraternidade», tirado das suas páginas soaria por todo o mundo anunciando o fim da reacção feudal e do absolutismo.
No entanto, os frutos da vitória não pertenciam nem a todo o terceiro estado nem mesmo a toda a burguesia. Em pouco tempo o poder ia ter praticamente às mãos da grande burguesia ou da «aristocracia burguesa» como veio a ser chamada. Na Assembleia Constituinte, nas câmaras de Paris e das cidades de província e na Guarda Nacional, a voz decisiva em breve seria a da mais rica e economicamente mais poderosa facção da burguesia.
O Conde de Honoré de Mirabeau dotado orador parlamentar, era um líder político preparado para atingir os seus fins quaisquer que fossem os meios: nos seus discursos, criticava duramente o estado absolutista e de início foi um dos mais autorizados líderes políticos na Assembleia Constituinte, embora mais tarde tivesse entendimentos secretos com a corte. Foi o Marquês de La Fayette, um nobre rico que fizera nome durante a Guerra da Independência Americana, que tomou o comando da Guarda Nacional que era constituída, sobretudo, por elementos burgueses. Todos os que quisessem alistar-se nela tinham de ter um dispendioso uniforme que estava muito além das possibilidades dos pobres.
Para consolidar o poder da grande burguesia, no final de 1789 representantes deste grupo social na Assembleia Constituinte apresentaram leis que estipulavam um sistema de classificação eleitoral que ia dividir os cidadãos do país em dois grupos com direitos diferentes. Os cidadãos (apenas os homens, é claro) que tinham o direito de votar e de serem eleitos, chamavam-se «cidadãos activos», tinham de reunir as condições de propriedade requeridas e eram obrigados a pagar impostos directos segundo uma escala diferencial. Os cidadãos que não tivessem as condições de propriedade requeridas, não podiam votar nem ser eleitos e chamavam-se «cidadãos passivos». Da população total de vinte e seis milhões, só cerca de quatro milhões e trezentos mil, ou seja, um sexto, adquiriu direitos políticos. Um dos jornalistas políticos que ia ganhar fama no decorrer da revolução, Jean-Paul Marat, escreveu no seu jornal O Amigo do Povo, que estas leis criavam uma nova aristocracia baseada na riqueza.
A grande burguesia pôs-se à parte do resto do terceiro estado e em breve ir dar ao seu poder já real uma estrutura legal.
Deve notar-se, entretanto, que apesar da preponderância da grande burguesia interessada apenas em transformar a França na linha burguesa, a Assembleia Constituinte promulgou um certo número de leis de significado progressista. Por exemplo, em 1789-1790, o aparelho administrativo da Franca foi reestruturado: as unidades administrativas medievais — províncias gerais, bailios — foram substituídas por oitenta e três seccões. de extensão mais ou menos igual. A Assembleia Constituinte eliminou a antiga divisão em três estados e aboliu todos os títulos aristocráticos. Num decreto de 2 de Novembro de 1789, a Assembleia Constituinte ordenou que todas as propriedades e terras da Igreja fossem postas à disposição da nação. As terras da Igreja confiscadas, a que se ia chamar «propriedade nacional», foram postas à venda. A Igreja foi também privada de algumas das suas antigas funções (por exemplo, o registo de nascimentos, casamentos e mortes) que foram confiadas ao Estado. Várias outras leis então aprovadas eliminaram todas as restrições que vinham obstruindo a iniciativa comercial e industrial.
As leis burguesas aprovadas pela Assembleia Constituinte estavam de acordo com os interesses de todas as classes que constituíam o antigo terceiro estado, incluindo, é claro, a burguesia, que tinha sido a sua força impulsionadora. Para este sector da sociedade, contudo, a aprovação destas leis representava todas as tarefas a serem realizadas pela revolução burguesa. Depois de subir ao Poder e de realizar todas as mudanças revolucionárias necessárias à promoção dos seus interesses particulares, a grande burguesia em breve degeneraria numa força conservadora oposta a qualquer outro avanço revolucionário.
Entretanto o povo e os sectores democráticos da burguesia viram nestas medidas apenas um começo. O ulterior progresso da revolução dizia-lhes directamente respeito. O campesinato, que constituía a grande maioria da população, exigia que todas as práticas feudais e serviços fossem abolidos e que lhe dessem terras. Na semana de 4 a 11 de Agosto de 1789, a Assembleia Constituinte aboliu a servidão, mas esta não foi mais que uma reforma no papel, porque de facto só foram afectados alguns aspectos da servidão que se referiam à liberdade pessoal dos camponeses; o problema central, o do sistema agrário como um todo, continuou por resolver.
Em 1790 houve uma nova vaga de agitação camponesa depois de os camponeses se terem recusado a prestar os antigos serviços e a pagar os antigos impostos aos seus senhores: nalgumas regiões houve mesmo revoltas declaradas.
Os pobres das cidades estavam também longe da satisfação, porque estavam ainda privados de todos os direitos e tinham agora de enfrentar uma pobreza ainda mais desesperada do que antes. Uma grande parte da nobreza tinha emigrado e as encomendas de artigos de luxo tinham praticamente acabado, abalando assim seriamente o comércio local. E ainda por cima sucederam-se grandes faltas de alimentos em Paris e noutras cidades.
Em 5 e 6 de Outubro de 1789, os pobres de Paris e especialmente as mulheres trabalhadoras e as mulheres dos artesãos e pequenos conuirciantes iniciaram uma marcha de protesto sobre Versalhes contra a falta de pão e o seu preço exorbitante. Cercaram o palácio e entraram mesmo nos aposentos da rainha Maria Antonieta. Por duas vezes Luís XVI saiu à varanda a acalmar a multidão. Por exigência do povo, o Rei e mais tarde a Assembleia Constituinte, mudaram-se de Versalhes para Paris.
Alarmada com a acção do povo, a 21 de Outubro de 1789 a Assembleia Constituinte fez uma lei que permitia o uso da forca armada para reprimir manifestações populares. Mais tarde, em 14 de Junho de 1791, passou a lei de Chapelier, que proibia a formação de sindicatos de trabalhadores e as greves. Apesar destas duras medidas e das repressões a grande burguesia, que tinha agora a última palavra na Assembleia Constituinte, foi incapaz de reprimir o crescente descontentamento popular.
Dois defensores dos interesses do povo, Maximilien Robespierre (1758-1794) deputado à Assembleia, e Jean-Paul Marat, editor do jornal O Amigo do Povo, denunciaram ousadamente a natureza interesseira e antidemocrática da política seguida pelo partido da alta burguesia na Assembleia e apontaram as consequências, que seriam fatais para a revolução.
Os receios destes ousados revolucionários não eram sem fundamento. O grupo contra-revolucionário, que mantinha ligações secretas com a corte, não se tinha de modo algum resignado com a derrota. Maria Antonieta mantinha uma correspondência secreta, através dos emigrantes, com vários monarcas europeus, incitando-os a tentar uma intervenção armada contra a França.
Em Junho de 1791, o Rei e a Rainha tentaram fugir para o estrangeiro e juntar-se aos inimigos da revolução. Conseguiram fugir de Paris disfarçados de criados. Contudo, não longe da fronteira, na pequena cidade de Varennes, foram reconhecidos, detiveram-lhes a carruagem e levaram-nos de regresso a Paris com uma escolta popular.
A traiçoeira fuga do Rei para se juntar aos inimigos da revolução, teve um impacto enorme no espírito do povo. Até aí, a maioria dos franceses, profundamente dedicada à causa revolucionária, acreditava nas boas intenções do Rei; as pessoas simples partiam do princípio de que o Rei era um homem bom e de que eram os seus ministros que tinham a culpa de tudo. Depois do incidente em Varennes eram cada vez mais as pessoas que começavam a apoiar a ideia de uma república.
Entretanto, a maioria conservadora da Assembleia Constituinte começou a defender o Rei, Embora possuindo provas incontestáveis da sua traição à Assembleia divulgou uma versão falseada do incidente, alegando que o Rei tinha sido raptado, devolveu a Luís os seus antigos poderes. Este facto causou uma grande indignação nos círculos democráticos de Paris. Em alguns clubes políticos (que na época eram o equivalente mais próximo dos partidos modernos) começou um sério movimento a favor da república.
Em 17 de Julho realizou-se uma grande manifestação pacífica contra a monarquia no Champ-de-Mars. A Assembleia deu ordem para que se enviassem destacamentos da Guarda Nacional sob o comando de La Fayette para dispersar a multidão. A Guarda abriu fogo e muitas pessoas foram mortas e feridas. Este massacre foi o sinal para uma cisão aberta nas fileiras do terceiro estado. A alta burguesia começava a defender-se pela força das armas contra o povo. Os elementos conservadores da Assembleia entregaram-se então à acção contra-revolucionária declarada.
Na véspera do massacre do Champ-de-Mars houve uma cisão no clube político mais influente, o dos Jacobinos. A alta direita agrupou-se em torno de La Fayette e doutros líderes da alta burguesia saíram do clube e fundaram outro com inscrições controladas, o dos Feuillants.
A chefia dos Jacobinos passou para as mãos daqueles que eram a favor de levar a revolução à sua conclusão lógica, conduzidos por Robespierre e Brissot.
A 13 de Setembro, o Rei assinou uma Constituição elaborada pela Assembleia que estabelecia uma monarquia constitucional e instituía uma regulamentação eleitoral antidemocrática. A 30 de Setembro foi dissolvida a Assembleia Constituinte.
A 1 de Outubro de 1791 foi inaugurada uma nova Assembleia Legislativa, que tinha sido eleita exclusivamente pelos «cidadãos activos», isto é, pela gente rica. Nesta Assembleia dominavam os Feuillants, embora este domínio não correspondesse à opinião pública do país.
Em 20 de Abril de 1792 a França declarou guerra à Áustria. Esta guerra tinha sido preparada desde há muito pelos monarcas da Europa, que planeavam esmagar a revolução em França pela força. Luís XVI e um grupo de cortesãos tinham também trabalhado neste sentido, na esperança de que a intervenção estrangeira aguentasse a insegura monarquia francesa. Por esta razão, Robespierre, Marat e seus sequazes protestaram contra a participação da França nesta guerra, dizendo que era essencial esmagar a contra-revolução na sua pátria antes de tratar da contra-revolução noutros países.
Brissot e os seus partidários por outro lado — primeiro chamados Brissotins e depois Girondinos — eram a favor de uma imediata declaração de guerra. Isto levou a um choque, entre os partidários de Robespierre e os Girondinos, que se ia tornar cada vez mais agudo.
Em Março de 1792, o rei deu ordem aos Girondinos para se apoderarem dos ministérios. Depois de se colocarem no papel de governo oficialmente aceite, os Girondinos utilizaram o poder para tornar a guerra iminente, esperando obter vitórias rápidas e fáceis. Mas, como Robespierre e Marat tinham predito, a guerra começou com uma derrota francesa. O Rei demitiu os ministros Girondinos e mais uma vez os Feuillants subiram ao poder.
Os que comandavam o exército — La Fayette e outros generais — opunham-se vigorosamente à ideia de quaisquer vitórias do exército revolucionário. A rainha Maria Antonieta conseguiu enviar mensagens secretas para Viena com informações sobre os planos do exército francês. Isto deu aos exércitos da Áustria e da Prússia (que nesta altura também já tinham entrado na guerra) a possibilidade de conseguir um sucesso total com poucas dificuldades, expulsando as desmoralizadas tropas francesas.
Nesta hora crucial o povo levantou-se para defender a sua pátria revolucionária. Visto que a guerra era já um fait accompli, era vital conduzi-la de uma maneira revolucionária, declararam Robespierre, Marat e Danton (1759-1794) que nesta altura tinham adquirido uma influência considerável entre os seus compatriotas. Os Jacobinos eram agora a principal força organizadora do movimento popular. Observaram com razão que era impossível vencer na frente sem consolidar a situação na retaguarda e controlar as possibilidades de traição na pátria.
Milhares de voluntários alistaram-se nos batalhões organizados para reforçar o exército. A 1 de Junho, sob pressão popular, a Assembleia Legislativa aprovou um decreto que declarava o estado de emergência no país. Todos os homens válidos seriam alistados. Este decreto teve aprovação geral, porque o povo desejava barrar o caminho aos intervencionistas. Foi neste período que apareceu o hino de batalha, a Marselhesa, que logo ganhou uma grande popularidade: foi com esta canção nos lábios que os batalhões de voluntários foram ao encontro do inimigo.
Contra este fundo de fervor revolucionário popular a incapacidade da Assembleia Legislativa e do governo de canalizar este entusiasmo popular e de suprimir a traição tornava-se ainda mais clara. A fonte de todas as conspirações e intrigas criminosas era a corte, e o instinto revolucionário das massas levou-as a este cortiço de traições. A partir de Julho a exigência de derrube de Luís XVI ia ressoar cada vez mais alto tanto em Paris como na Província. Na noite de 9 de Agosto ouviram-se mais uma vez em Paris toques dos sinos, intercalados por salvas de canhão. Logo na manhã seguinte, destacamentos armados marcharam sobre as Tulherias. A guarda suíça abriu fogo e seguiu-se uma luta curta mas desesperada depois da qual o povo entrou à força no palácio.
A revolta de 10 de Agosto de 1792 marcou a queda da monarquia francesa que tinha uma história de mais de mil anos. Luís XVI, foi destronado e preso no Templo e os seus ministros foram demitidos. Formou-se então um novo governo — o Conselho Executivo Provisório — que era constituído sobretudo por girondinos. A distinção entre cidadãos «activos» e «passivos» foi abolida e foram anunciadas novas eleições para um Convenção Nacional nas quais todos os homens adultos tinham o direito de votar.
A revolta popular de 10 de Agosto de 1792 anunciou um novo e mais avançado estádio da Revolução. Contudo, a consequência imediata da revolta foi a transferência do poder para os Girondinos. Tanto no governo como na Assembleia Legislativa os Feuillants foram obrigados a ceder perante os Girondinos, que tomavam a chefia.
Os Girondinos e os seus líderes, Brissot, Roland, Verginaud e outros representavam em primeiro lugar a burguesia comercial, industrial e proprietária de terras das províncias. De início este grupo opôs-se audaciosamente aos defensores do absolutismo feudal. No entanto, uma vez chegados ao poder em consequência da bem sucedida revolta popular na qual verdadeiramente não tinham tomado parte, partiram do princípio de que os principais objectivos da revolução já tinham sido realizados e tornaram-se uma força conservadora.
Entretanto os Jacobinos ou Montanheses não representavam ainda um corpo unido. Os Jacobinos eram um bloco formado pela burguesia democrática (média e pequena), o campesinato e os pobres das cidãdes ou, por outras palavras, quase todos os sectores da população cujas principais exigências ainda não tinham sido satisfeitas. Embora as várias classes e grupos de classes que formavam este bloco nãõ tivessem os mesmos objectivos, estavam unidos pela firme decisão de defender a revolução e de a fazer avançar até que todas as suas exigências fossem finalmente satisfeitas.
Os Girondinos por outro lado procuravam deter a maré revolucionária, satisfeitos com os resultados que já tinham sido alcançados. Tal era a profunda divergência de objectivos entre eles e os jacobinos.
A sessão inaugural da Convenção realizou-se em 21 de Setembro de 1792 no meio de grande júbilo, depois da derrota e retirada da Prússia na véspera na batalha de Valmy — a primeira vitória da França revolucionária sobre a coligação contra-revolucionária das potências europeias. Os deputados à Convenção estavam inspirados por esta primeira vitória e entre grandes ovações foi aprovado um decreto que abolia a monarquia e em 21 de Setembro foi proclamado o primeiro dia da «era republicana» — o Ano IV da Liberdade. o Ano I da República. A implantação da República foi recebida entusiasticamente por todo o país que rejubilava ainda com a vitória de Valmy.
No entanto, pouco depois destes dias de exaltação a cena política foi mais uma vez dominada pela luta entre girondinos e jacobinos. A questão do destino a dar ao Rei tinha de ser decidida e enquanto os jacobinos pediam a sua execução, os girondinos pediam uma alternativa mais suave, compreendendo que a execução do Rei prepararia o caminho para outros avanços da revolução. O Rei foi trazido perante a Convenção para ser julgado e o julgamento que ia durar até Janeiro de 1793 havia de tornar-se uma arena para as lutas entre os girondinos e os jacobinos. Apesar de todos os esforços, dos girondinos para salvar o Rei, este foi declarado culpado de traição e condenado à morte. Em 21 de Janeiro de 1793 Luís XVI foi mandado para a guilhotina.
Entretanto a guerra prolongava-se, arrastando cada vez mais nações europeias. Em 1793 a Inglaterra, Espanha e a Holanda, alguns estados Alemães e a Itália juntaram-se à coligação contra-revolucionâria. O Império Russo, com Catarina II, também apoiou a coligação antifrancesa e a França revolucionária viu-se praticamente contra toda a Europa.
Depois da vitória de Valmy, as tropas francesas empreenderam uma contra-ofensiva. Os intervencionistas foram imediatamente expulsos do território francês e a esta proeza seguiu-se um avanço francês na Bélgica. Em Março de 1793 o General Dumouriez conspirou com os girondinos, traiu a França e passou-se para o campo inimigo. Depois disso as tropas francesas começaram a retirar e no fim da Primavera desse ano a sua situação estava muito deteriorada. Mais uma vez os intervencionistas invadiram a França.
Ao longo duma deseperada guerra, que provocou grandes prejuízos materiais e perdas de vidas, o completo isolamento da França e o caos da economia do país deram origem a uma dura falta de alimentos. Os preços dos géneros subiram muito e houve uma grande falta de pão que atingiu, sobretudo, os pobres das cidades e do campo. A fome, e a penúria cada vez maior, levou-os a exigir medidas decisivas: a introdução do «máximo» (limitação governamental de preços) e o fim da especulação. Os interesses dos pobres das cidades foram expressos por agitadores populares como Jacques Roux, Varlet, chamados «sans-culottes» pelos girondinos.
Nas aldeias o campesinato que ainda não tinha sido libertado de todas as espécies de serviços e impostos feudais também protestou abertamente contra os seus problemas.
Os girondinos mantinham-se alheados das condições em que vivia o povo. Separados do povo e isolados dentro da sua elite, as suas energias concentravam-se exclusivamente na luta com os jacobinos e não prestaram suficiente atenção quer ao sofrimento do povo quer à situação na frente.
Os jacobinos organizaram com os «sans-culottes» uma revolta armada contra os girondinos. De 31 de Maio a 2 de Junho de 1793 Paris esteve mais uma vez a braços com uma revolta popular. A multidão conseguiu expulsar vinte e nove deputados girondinos da Convenção e corrê-los dos principais postos governamentais. O poder estava finalmente nas mãos dos jacobinos.
Os jacobinos subiram ao poder numa fase crítica da revolução. As exaustas e pobremente equipadas tropas francesas estavam a ser duramente postas à prova por cinco potências estrangeiras. Uma revolta contra-revolucionária realista com origem na Vendeia ganhava rapidamente terreno no ocidente do país. No sul e no sudoeste os girondinos, depois de escaparem à prisão, começaram a organizar uma revolta contra-revolucionária. Uma por uma, as regiões onde os girondinos dominavam pegaram em armas contra Paris. Em meados de Junho, 60 dos 83 distritos estavam a braços com a revolta. A Convenção conseguiu manter o controlo da esfomeada Paris e do território em volta, que estava cercado por exércitos inimigos que pouco a pouco se aproximavam da cidade. Parecia que estava próxima a queda da República.
No entanto, nesta hora de perigo fatal, os jacobinos iam revelar uma energia infatigável e uma coragem que não admitia compromisso nem derrota. Nas suas notas escritas durante a revolta de 31 de Maio -2 de Junho de 1793, Robespierre apontava as tarefas da revolução com estas palavras:
«É necessária uma vontade unida...o perigo de dentro vem da burguesia; para derrotar a burguesia o povo tem de estar unido... O povo e a convenção têm de actuar como um só corpo, a Convenção tem de juntar as suas forças às do povo...»
Dentro de pouco tempo os jacobinos iam resolver o mais importante dos principais problemas da revolução. As principais exigências dos camponeses foram satisfeitas pelas leis de 3 de Junho e de 10 e 17 de Julho. As terras dos nobres emigrados foram confiscadas, divididas em pequenas parcelas e vendidas na base de um crédito de dez anos. As terras comunais foram divididas entre os camponeses em lotes iguais para calda cidadão. Todas as práticas feudais foram abolidas de uma vez para sempre e os camponeses foram a partir de então libertados da obrigação de prestar serviços de trabalho aos nobres. Os jacobinos em duas semanas fizeram o que outros governos revolucionários não tinham conseguido em quatro anos.
Este ousado acto revolucionário que ia ao encontro das exigências básicas do campesinato — que equivalia a uma abolição completa dos padrões de agricultura feudais — conquistou para a Convenção jacobina o apoio do campesinato que era a maior parte da população. Enquanto anteriormente tinha hesitado em apoiar os girondinos ou os jacobinos, agora o campesinato em massa alinhava com a República jacobina. Os camponeses alistados no exército republicano consideravam-se agora defensores não só das ideias revolucionárias mas também dos seus próprios interesses.
Em três semanas os jacobinos tinham elaborado e ratificado uma nova constituição. A constituição de 1793 era a mais democrática que a França tinha conhecido. Cada um dos seus artigos respirava uma fé inabalável na vitória do povo.
Contudo, depois de adoptar esta Constituição extremamente democrática, a Convenção não estava ainda em posição de a pôr imediatamente em prática. A tensa situação na frente onde o final da guerra estava agora a ser decidido, a vaga crescente da guerra civil que dividia o país em dois campos irreconciliáveis, a vaga de crimes, assassínios e conspirações — tudo exigia métodos de governo muito diferentes dos que até aí tinham sido utilizados.
Ora a este respeito os jacobinos e os seus líderes não tinham teorias nem planos muito claros. Nem sequer tinham previsto que esta situação podia surgir mas o próprio curso dos acontecimentos obrigou-os a seguir um novo rumo.
Em 13 de Julho Marat foi assassinado. Foi apunhalado pela jovem Charlotte Corday, que entrara na sua casa disfarçada de peticionária depois de ter sido convencida a cometer este crime hediondo pelos girondinos. O destemido amigo do povo que sempre tinha defendido a causa revolucionária e foi um campeão dos pobres era extremamente popular e a sua morte foi um grande golpe para todos os parienses. Três dias mais tarde, um líder jacobino de Lião, chamado Chalier foi também assassinado. Os contra-revolucionários girondinos tinham adoptado claramente tácticas terroristas.
Os jacobinos foram obrigados a responder a esta onda de terror contra-revolucionário com o terror revolucionário. Algum tempo antes, o Comité de Salvação Pública que tinha sido instituído pela Convenção em Abril de 1793 tinha recebido poder para prender pessoas suspeitas; o tribunal revolucionário aumentava agora os seus poderes. A ex-Rainha, Maria Antonieta, foi entregue aos juizes do Tribunal para ser julgada e condenada à morte pela guilhotina. A propriedade dos inimigos da República passava a ser susceptível de confiscação.
Em 4 e 5 de Setembro de 1793 os pobres de Paris exigiram à Convenção que intensificasse o terror contra os elementos contra-revolucionários e que os preços fixos (máximo) dos alimentos fossem aprovados. Os jacobinos atenderam a voz do povo e o terror foi intensificado. Foram aprovados preços fixos para quase todos os tipos de alimentos e também um salário máximo para os trabalhadores. Esta última decisão atesta a ambivalência da política jacobina.
Em 23 de Agosto a Convenção aprovou um decreto que praticamente alistava toda a nação. O recrutamento em massa foi posto em prática num curto espaço de tempo e em breve se reuniu um exército de um milhão de homens. Este enorme exército tinha agora de ser equipado com armas e munições. Tanto o exército como as cidades estavam esfomeados; as revolta contra-revolucionárias tinham de ser esmagadas e as conspirações desmascaradas. Finalmente, restava a titânica tarefa de repelir e derrotar de uma vez para sempre os grandes exércitos da coligação contra-revolucionária.
Para cumprir estes formidáveis objectivos era preciso um governo revolucionário centralizado e forte. Mas isto em si não era suficiente um tal governo tinha de ter um fiel apoio popular, de exprimir a vontade do povo e de utilizar bem a iniciativa popular e a actividade revolucionária criadora das massas.
O curso real dos acontecimentos indicou aos jacobinos, os métodos que era necessário pôr em prática para realizar estas tarefas. Estas envolviam o abandono temporário de um governo constitucional amplamente democrático e a elaboração de formas apropriadas de ditadura democrática revolucionária que estivessem de acordo com a situação.
A própria lógica da luta revolucionária exigia que a Convenção se tornasse o supremo órgão legislativo e executivo, combinando assim ambas as funções num só corpo. Os comissários da Convenção que foram mandados para as províncias e para o exército tinham largos poderes. O governo revolucionário foi identificado com o Comité de Salvação Pública. Era este Comité que superintendia directamente em todos os aspectos da administração de estado da república, que iam desde questões, de defesa até decisões práticas relacionadas com o fornecimento de alimentos e o equipamento militar. O Comité de Salvação Pública foi chefiado pelo destemido revolucionário e notável estadista Maximilien Robespierre, conhecido entre o povo pelo «íncorruptível», pelo ardente jovem campeão do povo Saint-Just (que tinha apenas 22 anos quando estalou a Revolução) e pelo astuto político Georges Couthon. As questões de defesa foram entregues ao matemático e competente organizador Lazare Carnot. Todos os órgãos estatais eram responsáveis perante o Comité de Salvação Pública, cujas ordens tinham de ser cumpridas sem hesitações.
A principal força do governo revolucionário não residia tanto no firme poder centralizado como no sólido apoio que lhe era dado pelo povo. Todos os principais órgãos da ditadura jacobina, que vinham da Convenção, mantinham um constante contacto com o povo. O Comité de Salvação Pública e a Convenção também eram apoiados por numerosos comités revolucionários locais, que haviam sido criados em todo o território.
Estes eram formados por doze membros eleitos de entre os cidadãos politicamente mais conscientes de cada comuna rural ou distrito urbano. Os comités tornaram possível uma grande participação de massas na estrutura do estado e a formulação de políticas revolucionárias. O Clube dos jacobinos com as suas centenas de filiais espalhadas pelo país desempenhou também um papel importante na vida política da República. As medidas políticas, tanto as que estavam a ser discutidas como as que iam ser postas em prática pela Convenção e outros órgãos estatais, eram submetidas a discussões preliminares em reuniões de clube nas províncias. Nestas reuniões todos os membros eram iguais, não havia ministros, comissários ou generais.
Os esforços incansáveis do povo dirigido pelo governo jacobino deram os seus primeiros frutos no inverno de 1793. Por esta altura a agitação contra-revolucionária dentro do país tinha sido finalmente debelada. Os exércitos de coligação enfrentavam agora catorze exércitos revolucionários que no Outono tinham detido o avanço inimigo. Pouco depois seguiu-se uma rápida série de vitórias francesas e os exércitos republicanos puderam lançar uma grande contra-ofensiva. Novos comandantes de origem humilde iam mostrar-se chefes notáveis. O antigo sargento Lazare-Gauche, a quem foi confiado todo um exército, que tinha só 25 anos, inspirou aos seus homens uma grande vontade de vencer. Na primavera de 1794 os soldados da República tinham expulsado os intervencionistas para fora das fronteiras da França e o teatro da guerra foi transferido para o território inimigo.
Num período extremamente curto a ditadura jacobina conseguiu alcançar os principais objectivos da revolução: os padrões sociais feudais haviam sido abolidos; a contra-revolução na pátria tinha sido repelida para lá das fronteiras da República. Os jacobinos puderam realizá-lo porque o povo estava unido atrás deles e porque na sua política eles defenderam os interesses dos pobres das cidades e das massas populares.
Enquanto ainda existia uma real ameaça de restauração da ordem pré-revolucionária pela mão dos intervencionistas estrangeiros, a burguesia e as camadas proprietárias da população rural e urbana estavam todos preparados para aceitar as rigorosas restrições da ditadura Jacobina, os preços fixos, as penalidades impostas por especulação ou por exigência da prestação de serviços.
No entanto, uma vez o perigo passado e depois de os exércitos jacobinos terem derrotado o inimigo na batalha de Fleurus, em 26 de Junho de 1794, a burguesia começou a procurar maneiras de evitar o poder jacobino. Em breve os camponeses prósperos e mesmo os médios se lhes seguiram e deslocaram-se para a direita. A revolução tinha libertado os camponeses da opressão feudal e havia-lhes dado terras, mas as restrições impostas pelo regime jacobino tornavam impossível para as camadas proprietárias do campo utilizar ao máximo as vantagens que acabavam de adquirir. Isto levou-os a uma oposição à ditadura jacobina, à qual pouco antes davam um apoio total.
Entretanto, o governo jacobino já não estava seguro do firme apoio do sector mais pobre da sociedade — os pobres do campo e das cidades. A sua política para com estes grupos tinha um carácter contraditório. Enquanto os preços fixos dos alimentos eram a favor dos seus interesses, os limites fixos dos salários, as prestações de serviços e várias outras medidas provocavam um certo antagonismo.
Sem terem perfeita consciência do curso que as coisas estavam a tomar, os jacobinos estavam a defender os interesses da burguesia. As condições históricas daquele tempo não eram ainda propícias para a transição para outra estrutura social superior. Isto significava que todos os esforços por parte dos líderes jacobinos como Robespierre e Saint-Just, para conseguir uma sociedade que trouxesse aos homens a felicidade e a justiça estavam destinados a falhar; era a burguesia e só a burguesia que ia colher os frutos da sua luta heróica.
Todos estes factores preparavam o caminho para uma crise na ditadura jacobina.
Esta crise reflectiu-se antes de mais numa cisão entre as fileiras do próprio partido jacobino. Primeiro, os jacobinos uniram-se para expulsar os «sans-coulottes». Depois, surgiu uma séria controvérsia dentro das suas próprias fileiras. O governo revolucionário chefiado por Robespierre foi atacado, à direita, por Danton e pelos seus partidários, e, à esquerda, pelo jornalista Hébert que tinha muitos partidários na Comuna de Paris e no clube dos Cordeliers.
O governo revolucionário chefiado por Robespierre libertar-se-ia destes dois grupos. Em Março o tribunal revolucionário mandou os Hebertistas para a guilhotina e em Abril o mesmo destino esperava Danton e seus sequazes. Durante algum tempo ainda pareceu que todos os inimigos dos jacobinos haviam sido vencidos.
Mas apenas dois ou três meses haviam de passar antes de se erguer outro movimento contra o governo revolucionário dentro do partido Jacobino. Desta vez, contudo, não foi uma oposição declarada mas uma conspiração rigorosamente secreta. Nesta conspiração tomaram parte o que restou dos Dantonistas, Hebertistas e outros inimigos de Robespierre. Os conspiradores conseguiram o apoio dos «marais» na Convenção e também tinham os seus homens no Comité de Salvação Pública.
Em nove do Termidor (27 de Julho de 1794) os conspiradores conseguiram interromper os discursos de Saint-Just e Robespierre e anunciar a sua prisão, que foi então ratificada. «A República morreu, o domínio dos ladrões está a chegar», foram as últimas palavras de Robespierre.
Entretanto o povo de Paris ergueu-se para defender os líderes jacobinos, compreendendo que, ao defender Robespierre e os seus amigos, estava a defender a revolução. Robespierre, Saint-Just e Couthon foram libertados da prisão e levados para a Câmara da cidade.
Mas demasiado tarde. Os conspiradores em nome da Convenção reuniram à sua volta todos os elementos contra-revolucionários burgueses e mandaram tropas contra a Comuna. Às três horas da manhã uma das colunas das tropas contra-revolucionárias conseguiu entrar na Câmara. Na manhã seguinte, a 10 do Termidor, Robespierre Saint-Just, Couthon e os seus partidários mais afectos foram guilhotinados sem julgamento na Place de Grèves. Este golpe contra-revolucionário marcou o fim da ditadura jacobina. Depois da morte de Robespierre a reacção burguesa ia triunfar.
Inclusão | 11/08/2016 |