MIA > Biblioteca > Marx/Engels > Novidades
"O valor (venal) é a pedra angular do edifício econômico".
O valor "constituído" é a pedra angular do sistema das contradições econômicas.
Que é, pois, este "valor constituído", que constitui toda a descoberta do sr. Proudhon em economia política?
Uma vez admitida a utilidade, o trabalho é a fonte do valor. A medida do trabalho é o tempo. O valor relativo dos produtos é determinado pelo tempo de trabalho que foi preciso para produzi-los. O preço é a expressão monetária do valor relativo de um produto. Enfim, o valor constituído de um produto é simplesmente o valor que se constitui pelo tempo do trabalho nele fixado.
Assim como Adam Smith descobriu a divisão do trabalho, (neste ponto há uma falha na edição transcrita - o texto em colchetes a seguir foi extraído da edição da Editora Leitura, Rio, 1955) [assim também , o sr. Proudhon pretende ter descoberto o valor constituído.] Não se trata precisamente de "algo de inaudito", mas é preciso convir em que não há nada de inaudito em nenhuma descoberta da Ciência Econômica. O sr. Proudhon, que sente toda a importância de sua invenção, procura contudo atenuar o mérito de tal coisa "a fim de tranquilizar o leitor sobre suas pretensões à originalidade, e conciliar os espíritos cuja timidez os torna pouco favoráveis às ideias novas". Entretanto, à medida que relata o que cada um de seus predecessores fez para a apreciação do valor, ele é forçosamente levado a confessar bem alto que a ele que cabe a maior parte, a parte do leão.
"A ideia sintética do valor tinha sido vagamente percebida por Adam Smith... Mas esta ideia do valor era inteiramente intuitiva em A. Smith. A sociedade não muda seus hábitos através da crença em intuições: ela não se decide senão através da autoridade dos fatos. Era preciso que a antinomia se exprimisse de uma maneira mais sensível e mais nítida: J. B. Say foi seu principal intérprete".
Eis a história completa da descoberta do valor sintético: cabe a Adam Smith a intuição vaga, a J. B. Say a antinomia, ao sr. Proudhon a verdade constituinte e "constituída". E que não haja aí nenhum engano: todos os outros economistas, de Say a Proudhon, nada mais fizeram senão se arrastar na rotina da antinomia.
"É incrível que tantos homens de senso se debatam há quarenta anos contra uma ideia tão simples. A comparação dos valores se efetua sem que haja entre eles qualquer ponto de comparação e sem unidade de medida: eis aí o que os economistas do século XIX, no lugar de adotar a teoria revolucionária da igualdade, resolveram sustentar contra a opinião de toda a gente. Que dirá a posteridade?" (Tomo I, pág. 68).
A posteridade, tão bruscamente apostrofada, começará por se sentir embaraçada ante a cronologia. Ela deve necessariamente perguntar a si mesma: Ricardo e os de sua escola não são, pois, economistas do século XIX? O sistema de Ricardo, que apresenta como princípio "que o valor relativo das mercadorias decorre exclusivamente da quantidade de trabalho requerida para sua produção", remonta a 1817. Ricardo é o chefe de toda uma escola, que reina na Inglaterra a partir da Restauração. A doutrina ricardiana resume rigorosamente, impiedosamente, toda a burguesia moderna. "Que dirá a posteridade?" Ela não dirá que o sr. Proudhon não conheceu Ricardo, pois que fala dele, e fala longamente, e sempre volta a falar, acabando por dizer que sua obra é uma "moxinifada". Se porventura a posteridade intervir nisso, ela dirá talvez que o sr. Proudhon, temendo chocar a anglofobia de seus leitores, preferiu tornar-se o editor responsável das ideias de Ricardo. Seja como for, ela achará muito ingênuo o fato de o sr. Proudhon apresentar como "teoria revolucionária do futuro" aquilo que Ricardo expôs cientificamente como a teoria da sociedade atual, da sociedade burguesa, e que tome assim para a solução da antinomia entre a utilidade e o valor de troca aquilo que Ricardo e sua escola apresentaram muito tempo antes dele como a fórmula científica de um único lado da antinomia, do valor em troca. Mas deixemos para sempre a posteridade de lado, e confrontemos o sr. Proudhon com seu predecessor Ricardo. Eis algumas passagens deste autor, que resumem sua doutrina sobre o valor:
"Não é a utilidade que é a medida do valor de troca ainda que ela lhe seja absolutamente necessária." (P. 3, tomo I dos Príncipes de l'économie politique, etc., traduzido do inglês por F. S. Constâncio, Paris, 1835).
"As cousas, uma vez reconhecidas úteis por si mesmas, tiram seu valor de troca de duas fontes: de sua raridade e da quantidade de trabalho necessário para obtê-las. Há cousas cujo valor não depende senão de sua raridade. Nenhum trabalho podendo aumentar-lhe a quantidade, o seu valor não pode baixar em consequência de sua maior abundância. Tal acontece com as estátuas, com os quadros preciosos, etc. Este valor depende unicamente das faculdades, do gosto e do capricho daqueles que têm desejo de possuir tais objetos" (N.° 4 e 5, t. I, obr. cit.)." Eles não formam, contudo, senão uma parte muito pequena das mercadorias que se trocam diariamente. Sendo fruto da indústria, o maior número dos objetos que se deseja possuir, eles podem ser multiplicados, não somente num país mas em vários, num grau a que é quase impossível assinalar limites, todas as vezes que se quiser empregar a indústria necessária para criá-los" (P. 5, t. I, obr. cit.). "Quando, pois, falamos de mercadorias, de seu valor de troca e dos princípios que regulam o seu preço relativo, não temos em vista senão as mercadorias cuja quantidade podem aumentar pela indústria do homem, cuja produção é encorajada pela concorrência e não é contrariada por nenhum entrave " (T. I, pág. 5).
Ricardo cita Adam Smith, que, segundo ele, "definiu com muita precisão a fonte primitiva de todo valor permutável" (Cap. V. t. I), e acrescenta:
"Que tal seja, na realidade, a base do valor permutável de todas as cousas, isto é, o tempo de trabalho, com exceção daquelas que a indústria dos homens não pode multiplicar à vontade, é um ponto de doutrina da mais alta importância em economia política: pois não existem fontes de onde tenham brotado tantos erros, e de onde tenham nascido tantas opiniões diversas nesta ciência, como o sentido vago e pouco preciso que se atribui à palavra valor" (P. 8, t. I). "Se é a quantidade de trabalho fixada numa cousa que regula seu valor de troca, segue-se que todo aumento na quantidade do trabalho deve necessariamente aumentar o valor do objeto ao qual ele tenha sido aplicado, e do mesmo modo toda diminuição de trabalho deve diminuir-lhe o preço" (P. 9, t. I).
Ricardo critica em seguida A. Smith:
Ricardo esforça-se por demonstrar que a propriedade das terras, ou seja a renda, não poderia alterar o valor relativo da dos gêneros, e que a acumulação dos capitais não exerce senão uma ação passageira e oscilatória sobre os valores relativos determinados peia quantidade comparativa de trabalho empregado na sua produção. Em apoio desta tese ele apresenta a sua famosa teoria da renda fundiária, decompõe o capital, e chega, em última análise, a não encontrar ali senão trabalho acumulado. Ele desenvolve, em seguida, toda uma teoria do salário e do lucro, e demonstra que o salário e o lucro têm seus movimentos de alta e de baixa, em razão inversa um do outro, sem influírem sobre o valor relativo do produto. Ele não despreza a influência que a acumulação dos capitais e a diferença de sua natureza (capitais fixos e capitais circulantes), assim como a taxa dos salários, podem exercer sobre o valor proporcional dos produtos. São esses, aliás, os principais problemas de que se ocupa Ricardo.
"Qualquer economia no trabalho, diz ele, faz sempre baixar o valor relativo de uma mercadoria, refira-se esta economia ao trabalho necessário à fabricação do próprio objeto, ou ao trabalho necessário à formação do capital empregado nesta produção" (T. I. pág. 48). "Por conseguinte, enquanto um dia de trabalho continue a dar a um a mesma quantidade de peixe e a outro a mesma quantidade de caça, a taxa natural dos preços respectivos de troca permanecerá sempre a mesma, qualquer que seja, aliás, a variação nos salários e no lucro, e apesar de todos os efeitos da acumulação do capital" (T. I, pág. 32). "Consideramos o trabalho como o fundamento do valor das cousas, e a quantidade de trabalho necessário à sua produção como a regra que determina as quantidades respectivas das mercadorias que se devem dar em troca de outras: mas não pretendemos negar que tenha havido no preço corrente das mercadorias algum desvio acidental e passageiro em relação a este preço primitivo e natural" (T. I, pág. 105, loc. cit.). "São as despesas de produção que regulam, em última análise, os preços das cousas, e não, como se tem afirmado muitas vezes, a proporção entre a oferta e a procura " (T. II, pág. 253).
Lord Lauderdale tinha desenvolvido as variações do valor permutável segundo a lei da oferta e da procura, ou da raridade e da abundância relativamente à procura. Segundo ele, o valor de uma cousa pode aumentar quando a quantidade dela diminui ou que a procura aumenta; ela pode diminuir em razão do aumento de sua quantidade ou em razão da diminuição da procura. Assim, o valor de uma cousa pode mudar pela atuação de oito causas diferentes, a saber, das quatro causas aplicadas a esta mesma cousa, e das quatro causas aplicadas ao dinheiro ou a qualquer outra mercadoria que sirva de medida de seu valor. Eis a refutação de Ricardo:
"Os produtos de que um particular ou uma companhia têm o monopólio variam de valor segundo a lei que Lord Lauderdale enunciou: baixam à proporção que são oferecidos em maior quantidade, e sobem com o desejo que demonstram os compradores de os adquirir; o seu preço não tem relação necessária com seu valor natural. Mas quanto às cousas que estão sujeitas à concorrência entre os vendedores e cuja quantidade pode aumentar em limites moderados, seu preço depende, em definitivo, não do estado da procura e do abastecimento, mas sim do aumento das despesas de produção." (T. II, pág. 159).
Deixaremos ao leitor o cuidado de fazer a comparação entre a linguagem tão precisa, tão clara, tão simples de Ricardo, e os esforços de retórica que faz o sr. Proudhon para chegar à determinação do valor relativo pelo tempo de trabalho.
Ricardo mostra-nos o movimento real da produção burguesa, que constitui o valor. O sr. Proudhon, fazendo abstração deste movimento real, "agita-se" para inventar novos processos, para regular o mundo segundo uma fórmula pretensamente nova, que não é senão a expressão teórica do movimento real existente e tão bem exposto por Ricardo. Ricardo escolhe seu ponto de partida na sociedade atual, para nos demonstrar como ela constitui o valor: o sr. Proudhon escolhe como ponto de partida o valor constituído, para constituir um novo mundo social por meio deste valor. Para ele, o sr. Proudhon, o valor constituído deve dar uma volta e tornar constituinte para um mundo já todo constituído segundo este modo de apreciação. A determinação do valor pelo tempo de trabalho é, para Ricardo, a lei do valor permutável; para o sr. Proudhon, ela é a síntese do valor útil e do valor permutável. A teoria dos valores de Ricardo é a interpretação científica da vida econômica atual: a teoria dos valores do sr. Proudhon é a interpretação utópica da teoria de Ricardo. Ricardo verifica a verdade de sua fórmula fazendo-a derivar de todas as relações econômicas, e explicando por este meio todos os fenômenos, mesmo aqueles que, à primeira vista, parecem contradizê-la, como a renda, a acumulação dos capitais e a relação entre os salários e os lucros; é isso, precisamente, o que faz de sua doutrina um sistema científico: o sr. Proudhon, que reencontrou esta fórmula de Ricardo por meio de hipóteses inteiramente arbitrárias, é forçado em seguida a procurar fatos econômicos isolados que ele desnatura e falsifica, a fim de fazê-los passar como exemplos, como aplicações já existentes, como começo de realização de sua ideia regeneradora (Ver o parágr. 3: Aplicação do valor constituído).
Passemos agora às conclusões que o sr. Proudhon tira do valor constituído (pelo tempo do trabalho).
— Uma certa quantidade de trabalho equivale ao produto criado por esta mesma quantidade de trabalho.
— Todo dia de trabalho vale outro dia de trabalho; isso quer dizer que, em quantidade igual, o trabalho de um vale o trabalho de outro: não há diferença qualificativa. Havendo quantidade igual de trabalho, o produto de um se dá em troca do produto de outro. Todos os homens são trabalhadores assalariados, e assalariados igualmente pagos por um tempo igual de trabalho. A igualdade perfeita preside às trocas.
Estas conclusões são as consequências naturais, rigorosas do valor "constituído" ou determinado pelo tempo de trabalho.
Se o valor relativo de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho requerida para produzi-la, segue-se naturalmente que o valor relativo do trabalho, ou o salário, é igualmente determinado pela quantidade de trabalho que é preciso para produzir o salário. O salário, ou seja o valor relativo ou o preço do trabalho, é pois determinado pelo tempo do trabalho que é preciso para produzir tudo aquilo que é necessário para o sustento do operário.
"Diminuí as despesas de fabricação dos chapéus e seu preço acabará por descer para seu novo preço natural, embora a procura possa duplicar, triplicar ou quadruplicar. Diminuí as despesas da manutenção dos homens, diminuindo o preço natural das roupas e dos alimentos que sustentam a vida, e vereis os salários acabarem baixando, embora a procura de braços tenha podido crescer consideravelmente." (Ricardo, tomo II, pág. 253).
Certamente, a linguagem de Ricardo não podia ser mais cínica. Colocar no mesmo plano as despesas de fabricação dos chapéus e as despesas da manutenção do homem é transformar o homem em chapéu. O cinismo está nas cousas e não nas palavras que exprimem as cousas. Escritores franceses, tais como os srs. Droz, Blanqui, Rossi e outros, proporcionam-se a inocente satisfação de provar a sua superioridade sobre os economistas ingleses, procurando observar a etiqueta de uma linguagem "humanitária"; se reprovam a Ricardo e à sua escola sua linguagem cínica, é que se sentem vexados de verem as relações econômicas expostas em toda a sua crueza, de verem traídos os mistérios da burguesia.
Resumamos: o trabalho, sendo ele próprio mercadoria, é medido como tal pelo tempo do trabalho que é preciso para produzir o trabalho-mercadoria. E o que é preciso para produzir o trabalho-mercadoria? Justamente aquilo que é preciso de tempo de trabalho para produzir os objetos indispensáveis à manutenção incessante do trabalho, ou seja, para fazer viver o trabalhador e pô-lo em condições de propagar a sua raça. O preço natural do trabalho não é outra cousa senão o mínimo de salário. Se o preço corrente do salário se eleva acima do preço natural, é precisamente porque a lei do valor, apresentada como princípio pelo sr. Proudhon, se acha contrabalançada pelas consequências das variações da relação entre a oferta e a procura. Mas o mínimo de salário não deixa de ser o centro para o qual gravitam os preços correntes do salário.
Assim o valor relativo, medido pelo tempo de trabalho, é fatalmente a fórmula da escravidão moderna do operário, em vez de ser, como o sr. Proudhon o quer, a "teoria revolucionária" da emancipação do proletariado.
Vejamos agora em quantos casos a aplicação do tempo de trabalho como medida do valor é incompatível com o antagonismo existente das classes e a retribuição desigual do produto entre o trabalhador imediato e o possuidor do trabalho acumulado.
Suponhamos um produto qualquer, por exemplo, o tecido de linho. Este produto, como tal, encerra uma quantidade de trabalho determinada. Esta quantidade de trabalho será sempre a mesma, seja qual for a situação recíproca daqueles que concorreram para criar esse produto.
Tomemos outro exemplo: um pano de lã, que teria exigido a mesma quantidade de trabalho que o tecido de linho.
Se houver troca desses produtos, haverá troca de quantidades iguais de trabalho. Trocando-se estas quantidades iguais de trabalho, não se modifica a situação recíproca dos produtores, do mesmo modo como não se modifica a situação dos operários e dos fabricantes entre eles. Dizer que esta troca de produtos medidos pelo tempo tem por consequência a retribuição igualitária de todos os produtores é supor que a igualdade de participação do produto subsistiu anteriormente à troca. Desde que a troca do pano de lã pelo tecido de linho seja efetuada, os produtores do pano de lã participarão do tecido de linho numa proporção igual àquela na qual eles tinham participado antes do pano de lã.
A ilusão do sr. Proudhon provém do fato de tomar como consequência aquilo que só poderia ser, quanto muito, uma suposição gratuita.
Vamos mais longe.
O tempo de trabalho, como medida de valor, supõe pelo menos que os dias sejam equivalentes, e que o dia de um operário valha o dia de outro? Não.
Admitamos por um momento que o dia de um joalheiro equivale a três dias de um tecelão; verifica-se sempre que qualquer mudança do valor das joias relativamente ao dos tecidos, a não ser que seja o resultado passageiro das oscilações da procura e da oferta, deve ter como causa uma diminuição ou um aumento do tempo de trabalho empregado de um lado ou de outro na produção. Se três dias de trabalho de diferentes trabalhadores estiverem entre eles como 1, 2, 3, toda mudança no valor relativo de seus produtos será uma mudança nesta proporção de 1, 2, 3. Assim, pode-se medir os valores pelo tempo de trabalho, apesar da desigualdade do valor dos diferentes dias de trabalho; mas, para aplicar semelhante medida, é preciso que façamos uso de uma escala comparativa dos diferentes dias de trabalho: é a concorrência que estabelece esta escala.
Vossa hora de trabalho valerá a minha? É uma questão que se resolve pela concorrência.
A concorrência, segundo um economista americano, determina quantos dias de trabalho simples contém um dia de trabalho complexo. Esta redução de dias de trabalho complexo a dias de trabalho simples não pressupõe que o próprio trabalho simples seja tomado como medida de valor? A quantidade de trabalho servindo somente ela de medida ao valor sem se considerar a qualidade supõe por sua vez que o trabalho simples se tornou o "pivot" da indústria. Ela supõe que os trabalhos se igualam pela subordinação do homem à máquina ou pela divisão extrema do trabalho; que os homens se curvam diante do trabalho; que o pêndulo do relógio se torna a medida exata da atividade relativa de dois operários, como o é da velocidade de duas locomotivas. Assim, não se deve dizer que uma hora de um homem vale uma hora de outro homem, mas antes que um homem de uma hora vale outro homem de uma hora. O tempo é tudo, o homem não é mais nada; ele é quando muito a carcaça do tempo. Não se trata mais de qualidade. A quantidade decide tudo sozinha: hora por hora, dia por dia. Mas esta igualação do trabalho não é obra da justiça eterna do sr. Proudhon; é simplesmente a consequência da indústria moderna.
Na oficina automática, o trabalho de um operário quase que não se distingue mais do trabalho de outro operário: os operários não podem mais se distinguir entre eles senão pela quantidade de tempo que empregam no trabalho. Entretanto, esta diferença quantitativa torna-se, de um certo ponto de vista, qualitativa, na medida em que o tempo a ser empregado no trabalho depende, em parte, de causas puramente materiais, tais como a constituição física, a idade, o sexo; em parte, de causas morais, puramente negativas, tais como a paciência, a impassibilidade, a assiduidade. Enfim, se há uma diferença de qualidade no trabalho dos operários, é quando muito uma qualidade da última qualidade, que está longe de ser uma especialidade distintiva. Eis qual é, em última análise, o estado de cousas na indústria moderna. É desta igualdade já realizada do trabalho automático que o sr. Proudhon tira a sua plaina de "igualamento", que ele se propõe realizar universalmente nos "tempos vindouros".
Todas as consequências "igualitárias" que o sr. Proudhon tira da doutrina de Ricardo repousam sobre um erro fundamental. É que ele confunde o valor das mercadorias medido pela quantidade de trabalho nelas fixado com o valor das mercadorias medido pelo "valor do trabalho". Se estas duas maneiras de medir o valor das mercadorias se confundissem numa só, poder-se-ia dizer indiferentemente: o valor relativo de uma mercadoria qualquer é medido pela quantidade de trabalho nela fixado. Ou então: é medido pela quantidade de trabalho que esteja em condições de comprar. Ou ainda: é medido pela quantidade de trabalho que esteja em estado de adquiri-lo. Mas as cousas não se passam assim. O valor do trabalho, do mesmo modo que o valor de qualquer outra mercadoria, não poderia servir de medida do valor. Alguns exemplos bastarão para explicar ainda melhor aquilo que acabamos de dizer.
Se o moio de trigo custasse dois dias de trabalho em vez de um só, ele teria o dobro de seu valor primitivo: mas não poria em movimento o dobro da quantidade de trabalho, pois não conteria mais matéria nutritiva que antes. Assim, o valor do trigo medido pela quantidade de trabalho empregado em sua produção teria dobrado; mas medido, seja pela quantidade de trabalho que pode comprar, seja pela quantidade de trabalho pela qual pode ser comprado, ele estaria longe de haver dobrado. De outro lado, se o mesmo trabalho produzisse o dobro de roupas que antes, o valor relativo baixaria de metade; entretanto, esta dupla quantidade de roupas não seria por isso levada a exigir senão a metade da quantidade de trabalho, ou o mesmo trabalho não poderia exigir a quantidade dupla de roupas; pois a metade das roupas continuaria a prestar ao operário o mesmo serviço que antes.
Assim, determinar o valor relativo das mercadorias pelo valor do trabalho está contra os fatos econômicos. E ficar num círculo vicioso, é determinar o valor relativo por um valor relativo que, por sua vez, tem necessidade de ser determinado.
Está fora de dúvida que o sr. Proudhon confunde as duas medidas, a medida pelo tempo do trabalho necessário para a produção de uma mercadoria e a medida pelo valor do trabalho.
"O trabalho de qualquer homem, diz ele, pode comprar o valor que encerra."
Assim, segundo o sr. Proudhon, uma certa quantidade de trabalho fixado num produto equivale à retribuição do trabalhador, ou seja, do valor do trabalho. É ainda a mesma razão que o leva a confundir as despesas de produção com os salários.
"Que é o salário? É o preço de custo do trigo, etc., é o preço integrante de todas as cousas." Vamos mais longe ainda: "O salário é a proporcionalidade dos elementos que compõem a riqueza."
Que é o salário? É o valor do trabalho.
Adam Smith toma por medida de valor ora o tempo do trabalho necessário para a produção de uma mercadoria, ora o valor do trabalho. Ricardo mostrou este erro fazendo ver claramente a disparidade destas maneiras de medir. O sr. Proudhon vai além do erro de Adam Smith identificando as duas cousas, com as quais este não tinha feito senão uma justaposição.
É para encontrar a justa proporção na qual os operários devem participar dos produtos, ou, em outros termos, para determinar o valor relativo do trabalho, que o sr. Proudhon procura uma medida do valor relativo das mercadorias. Para determinar a medida do valor relativo das mercadorias, ele nada imagina de melhor que dar como equivalente de uma certa quantidade de trabalho a soma dos produtos que ela criou, o que leva a supor que toda a sociedade não consiste senão em trabalhadores imediatos, recebendo como salário o seu próprio produto. Em segundo lugar, ele estabelece de fato a equivalência dos dias dos diversos trabalhadores. Em resumo, o sr Proudhon procura a medida do valor relativo das mercadorias, para encontrar a retribuição igual dos trabalhadores, e toma a igualdade dos salários como um dado que já encontrasse pronto, para pôr-se à procura do valor relativo das mercadorias. Que admirável dialética!
"Say e os economistas que o seguiram observaram que o trabalho estando ele próprio sujeito à avaliação, sendo uma mercadoria como qualquer outra, ficar-se-ia num círculo vicioso se se a considerasse como princípio e causa eficiente do valor. Estes economistas, que se me permita dizê-lo, deram prova nisto de uma prodigiosa falta de atenção. Do trabalho se diz que vale não como mercadoria propriamente, mas tendo-se em vista os valores que se supõem encerrados potencialmente nele. O valor do trabalho é uma expressão figurada, uma antecipação da causa sobre o efeito. É uma ficção do mesmo modo como a produtividade do capital. O trabalho produz, o capital vale... Por uma espécie de elipse diz-se valor do trabalho... O trabalho como a liberdade... é cousa vaga e indeterminada por sua natureza, mas que se define qualitativamente pelo seu objeto, o que equivale a dizer que se torna uma realidade pelo produto.
Mas será necessário insistir? Desde o momento em que o economista (lêde: o sr. Proudhon) muda o nome das cousas, vera rerum vocabula, ele confessa implicitamente a sua impotência e se põe fora de causa." (Proudhon, I, 188).
Vimos que o sr. Proudhon faz do valor do trabalho "a causa eficiente" do valor dos produtos, de maneira que para ele o salário, nome oficial do "valor do trabalho", forma o preço integrante de todas as cousas. Eis porque a objeção de Say o perturba. No trabalho-mercadoria, que é uma realidade assustadora, ele não vê senão uma elipse gramatical. Assim, toda a sociedade atual, fundada sobre o trabalho-mercadoria, passa a fundar-se sobre uma licença poética, sobre uma expressão figurada. A sociedade quer "eliminar todos os inconvenientes" que a atormentam. Pois bem! Que elimine os termos malsonantes, que mude de linguagem, e para isso nada mais tem a fazer senão se dirigir à Academia para pedir-lhe uma nova edição de seu dicionário. Depois de tudo o que acabamos de ver, é-nos fácil compreender porque o sr. Proudhon, numa obra de economia política, teve de entrar em longas dissertações sobre a etimologia e outras partes da gramática. Assim, vemo-lo ainda a discutir sapientemente a derivação sediça de servus a servare. Estas dissertações filológicas têm um sentido profundo, um sentido esotérico; elas constituem uma parte essencial da argumentação do sr. Proudhon.
O trabalho, a força de trabalho, enquanto é vendida e comprada, é uma mercadoria como qualquer outra mercadoria, e tem, por conseguinte, um valor de troca. Mas o valor do trabalho, ou o trabalho, enquanto mercadoria, produz tão pouco quanto o valor do trigo ou o trigo, considerado como mercadoria, serve de alimento.
O trabalho "vale" mais ou menos, na medida em que os gêneros alimentícios estejam mais caros ou menos caros, na medida em que a oferta e a procura de braços se apresentem neste ou naquele grau, etc. etc.
O trabalho não é uma "cousa vaga"; é sempre um trabalho determinado, não é jamais o trabalho em geral que se vende ou se compra. Não é somente o trabalho que se define qualitativamente pelo objeto, mas é também o objeto que é determinado pela qualidade específica do trabalho.
O trabalho, enquanto é vendido e comprado, é ele próprio mercadoria. Porque é ele comprado? "Em vista dos valores que se supõem existir potencialmente encerrados nele." Mas se se diz que tal cousa é uma mercadoria, não se trata mais do fim para o qual é comprado, ou seja a utilidade que dela se queira tirar, a aplicação que dela se queira fazer. Ele é mercadoria como objeto de tráfico. Todos os raciocínios do sr. Proudhon se limitam a isto: o trabalho não é comprado como objeto imediato de consumo. Não, ele é comprado como instrumento de produção, do mesmo modo como se compra uma máquina. Considerado como mercadoria, o trabalho vale e não produz. O sr. Proudhon também poderia ter dito que não existe mercadoria, pois que todas as mercadorias não são adquiridas senão com um fim de utilidade qualquer e jamais como mercadoria em si mesma.
Ao medir o valor das mercadorias pelo trabalho, o sr. Proudhon entrevê vagamente a impossibilidade de subtrair a esta mesma medida o trabalho que apresenta um valor, o trabalho- mercadoria. Ele pressente que isso é fazer do mínimo do salário o preço natural e normal do trabalho imediato, que é aceitar o estado atual da sociedade. Outrossim, para fugir a esta consequência fatal, ele muda de opinião e pretende que o trabalho não é uma mercadoria, que não poderia ter um valor. Esquece-se de que ele mesmo havia tomado como medida o valor do trabalho, esquece-se de que todo o seu sistema repousa sobre o trabalho-mercadoria, sobre o trabalho que se troca, se vende e se compra, se troca com os produtos, etc.; sobre o trabalho enfim, que é uma fonte imediata de renda para o trabalhador. Ele se esquece de tudo.
Para salvar o seu sistema, ele consente em sacrificar a sua base.
Et propter vitam vivendi perdere causas!
Chegamos agora a uma nova determinação do "valor constituído".
"O valor é a relação da proporcionalidade dos produtos que formam a riqueza".
Notemos primeiramente que as simples palavras "valor relativo ou permutável" implicam a ideia de uma relação qualquer, na qual os produtos se trocam reciprocamente. Pode-se dar a esta relação o nome de "relação de proporcionalidade", mas em nada ficará alterado o valor relativo, a não ser a expressão. Nem a depreciação, nem a alta do valor de um produto destroem a qualidade que ele tem de estar numa "relação de proporcionalidade" qualquer com os outros produtos que formam a riqueza.
Por que, então, este novo termo, que não traz uma nova ideia?
A "relação de proporcionalidade" faz pensar em muitas outras relações econômicas, tais como a proporcionalidade da produção, a justa proporção entre a oferta e a procura, etc.; e o sr. Proudhon pensou em tudo isso ao formular esta paráfrase didática do valor venal.
Em primeiro lugar, sendo o valor relativo dos produtos determinado pela quantidade comparativa do trabalho empregado na produção de cada um deles, a relação da proporcionalidade, aplicada neste caso especial, significa a quantidaderespectiva dos produtos que podem ser fabricados num tempo dado e que, em consequência, são dados em troca.
Vejamos que partido tira o sr. Proudhon desta relação de proporcionalidade.
Toda gente sabe que, quando a oferta e a procura se equilibram, o valor relativo de um produto qualquer é exatamente determinado pela quantidade de trabalho que nele foi fixada, o que equivale a dizer que este valor relativo exprime a relação da proporcionalidade precisamente no sentido que lhe acabamos de dar. O sr. Proudhon transtornou a ordem das coisas. Começai, diz ele, por medir o valor relativo de um produto pela quantidade de trabalho que nele está fixada, e a oferta e a procura ficarão infalivelmente equilibradas. A produção corresponderá ao consumo, o produto será sempre permutável. Seu preço corrente exprimirá exatamente seu justo valor. Em vez de dizer como todo mundo: quando o tempo é bom vê-se muita gente passeando, o sr. Proudhon faz sua gente passear para poder assegurar-lhe um bom tempo.
Aquilo que o sr. Proudhon apresenta como consequência do valor venal determinado a priori pelo tempo de trabalho não se poderia justificar senão por uma lei, redigida mais ou menos nestes termos:
Os produtos serão daqui em diante trocados na razão exata do tempo de trabalho que custaram. Seja qual for a proporção entre a oferta e a procura, a troca das mercadorias far-se-á sempre como se elas tivessem sido produzidas proporcionalmente à procura. Que o sr. Proudhon se resolva a formular e fazer semelhante lei, e nós o auxiliaremos. Se, ao contrário, ele fizer questão de justificar a sua teoria, não como legislador, mas como economista, terá de provar que o tempo que é preciso para criar uma mercadoria indica exatamente o seu grau de utilidade e assinala sua relação de proporcionalidade com a procura, e, em consequência, com o conjunto das riquezas. Neste caso, se um produto é vendido por um preço igual ao seu custo de produção, a oferta e a procura sempre se equilibrarão; pois o custo de produção é considerado como capaz de exprimir a verdadeira relação entre a oferta e a procura.
O sr. Proudhon esforça-se, efetivamente, em provar que o tempo do trabalho que é preciso para criar um produto assinala sua justa proporção relativamente às necessidades, de tal modo que as coisas cuja produção custa menos tempo são as mais imediatamente úteis, e assim a seguir, gradualmente. Basta a produção de um objeto de luxo para provar, segundo esta doutrina, que a sociedade dispõe de tempo de sobra que lhe permite satisfazer uma necessidade de luxo.
A própria prova de sua tese, o sr. Proudhon vai encontrá-la na observação de que as cousas mais úteis custam menos tempo de produção, que a sociedade começa sempre pelas indústrias mais fáceis, e que sucessivamente ela "se entrega à produção dos objetos que custam maior tempo de trabalho e que correspondem à necessidade de uma ordem mais elevada".
O sr. Proudhon toma de empréstimo ao sr. Dunoyer o exemplo da indústria extrativa, — colheita, forragens, caça, pesca, etc. — que é a indústria mais simples, a menos custosa e pela qual o homem começou "o primeiro dia de sua segunda criação". O primeiro dia de sua primeira criação está consignado no Gênese, que nos faz ver em Deus o primeiro industrial do mundo.
As coisas se passam de modo muito diferente do que pensa o sr. Proudhon. No próprio momento em que a civilização começa, a produção começa a se fundar sobre o antagonismo das ordens, dos estados, das classes, enfim sobre o antagonismo do trabalho acumulado e do trabalho imediato. Sem antagonismo, não há progresso. Essa a lei que a civilização seguiu até nossos dias. Até o presente as forças produtivas se desenvolveram graças a este regime de antagonismo das classes. Dizer agora que, estando satisfeitas todas as necessidades de todos os trabalhadores, os homens podiam se entregar à criação de produtos de uma ordem superior, as indústrias mais complicadas, seria fazer abstração do antagonismo das classes e submeter todo o desenvolvimento histórico. É como se se quisesse dizer que, como se alimentavam moreias em piscinas artificiais, no tempo dos imperadores romanos, havia com que alimentar abundantemente toda a população de Roma; a verdade é que, pelo contrário, ao povo romano faltava o necessário para comprar pão, enquanto que aos aristocratas romanos não faltavam escravos para serem dados como alimento às moreias.
O preço dos víveres tem subido quase continuamente, enquanto que o preço dos objetos manufaturados e de luxo tem quase continuamente baixado. Considerai a própria indústria agrícola: os produtos mais indispensáveis, tais como o trigo, a carne, etc., sobem de preço, enquanto que o algodão, o açúcar, o café, etc., baixam continuamente numa proporção surpreendente. E o mesmo se passa entre os comestíveis propriamente ditos, os produtos de luxo, tais como as alcachofras, os espargos, etc., e estão hoje relativamente por preços menores do que os gêneros de primeira necessidade. Em nossa época, o supérfluo é mais fácil de produzir do que o necessário. Afinal, em diversas épocas históricas, as relações recíprocas dos preços são não somente diferentes, mas opostas. Em toda a Idade Média, os produtos agrícolas eram relativamente mais baratos do que os produtos manufaturados; nos tempos modernos eles estão em razão inversa. A utilidade dos produtos agrícolas terá por isso diminuído depois da Idade Média?
O uso dos produtos é determinado pelas condições sociais nas quais se encontram colocados os consumidores, e estas condições repousam elas próprias sobre os antagonismos das classes.
O algodão, as batatas e a aguardente são produtos de uso dos mais comuns. As batatas engendraram as escrófulas; o algodão expulsou em grande parte o linho e a lã, ainda que a lã e o linho sejam, em muitos casos, de maior utilidade, não fosse do ponto de vista da higiene; a aguardente, enfim, acabou levando vantagem sobre a cerveja e o vinho, ainda que a aguardente empregada como substância alimentar seja geralmente tida como um veneno. Durante um século inteiro os governos lutaram em vão contra o ópio europeu; a economia prevaleceu, e ditou suas ordens ao consumo.
Por que, pois, o algodão, a batata e a aguardente constituem os "pivots" da sociedade burguesa? Porque é preciso, para produzi-los, menos trabalho, e estão em consequência, aos preços mais baixos. Por que o mínimo do preço decide do máximo do consumo? Seria por acaso devido à utilidade absoluta destes artigos, à sua utilidade intrínseca, à sua utilidade na, medida em que correspondem da maneira mais eficiente às necessidades do operário como homem, e não do homem como operário? Não; é porque, numa sociedade fundada sobre a miséria, os produtos mais miseráveis têm a prerrogativa fatal de servir para o uso do maior número.
Dizer agora que as coisas menos custosas, sendo de um uso maior, devem ser de maior utilidade, é dizer que o uso tão generalizado da aguardente, por motivo do pequeno custo de sua produção, é a prova concludente de sua utilidade; é dizer ao proletário que a batata lhe é mais salutar do que a carne; é aceitar o estado de coisas existentes; é fazer, enfim, com o sr. Proudhon, a apologia de uma sociedade sem a compreender.
Numa sociedade futura, na qual tivesse cessado o antagonismo das classes, na qual não houvesse mais classes, o uso não seria mais determinado pelo mínimo do tempo de produção, mas o tempo de produção social que se consagraria aos diferentes objetos seria determinado pelo seu grau de utilidade social.
Para voltar à tese do sr. Proudhon: desde que o tempo do trabalho necessário à produção de um objeto não é a expressão de seu grau de utilidade, o valor de troca deste mesmo objeto, determinado com antecedência pelo tempo de trabalho nele fixado, não poderia jamais regular a relação justa entre a oferta e a procura, isto é, a relação de proporcionalidade no sentido que o sr. Proudhon no momento lhe atribui.
Não é a venda de um produto qualquer pelo preço de seu custo de produção que constitui "a relação de proporcionalidade" entre a oferta e a procura, ou a quantidadeproporcional deste produto relativamente ao conjunto da produção; são as variações da procura e da oferta que indicam ao produtor a quantidade na qual é preciso produzir uma dada mercadoria, para receber em troca pelo menos as despesas de produção. E como estas variações são contínuas, há também um movimento contínuo de retração e de aplicação dos capitais, quanto aos diferentes ramos da indústria.
"Não é senão por motivo de semelhantes variações que os capitais são aplicados precisamente na proporção requerida, e não além, na produção das diferentes mercadorias para as quais existe procura. Pela alta ou pela baixa dos preços, os lucros se elevam acima ou caem abaixo de seu nível geral, e desse modo os capitais são atraídos ou desviados do modo de emprego particular que acabe de passar por uma ou outra dessas variações." "Se observarmos os mercados das grandes cidades, veremos com que regularidade são eles abastecidos de todas as espécies de artigos, nacionais e estrangeiros, na quantidade requerida, sejam quais forem as diferenças da procura por efeito do capricho, do gosto ou devido às variações na população, e sem que haja engorgitamentos frequentes em consequência de fornecimentos superabundantes, nem encarecimento excessivo devido à fraqueza do abastecimento em relação à procura: deve-se admitir que o princípio que distribui o capital em cada ramo de indústria, nas proporções exatamente convenientes, é mais poderoso do que, em geral, se supõe" (Ricardo, t.I, págs. 105 e 108).
Se o sr. Proudhon aceita o valor dos produtos como determinado pelo tempo de trabalho, ele deve aceitar igualmente o movimento oscilatório, que, só ele, faz do trabalho a medida do valor. Não existe "relação de proporcionalidade" já constituída, o que existe é um movimento constituinte.
Acabamos de ver em que sentido é acertado falar da "proporcionalidade", como de uma consequência do valor determinado pelo tempo do trabalho. Vamos ver agora como esta medida pelo tempo, chamada pelo sr. Proudhon de "lei de proporcionalidade", se transforma em lei de desproporcionalidade.
Todas as invenções novas que permitem produzir numa hora aquilo que até então era produzido em duas horas depreciam todos os produtos homogêneos que se encontram no mercado. A concorrência força o produtor a vender o produto de duas horas pelos mesmos preços baratos do produto de uma hora. A concorrência realiza a lei segundo a qual o valor relativo de um produto é determinado pelo tempo do trabalho necessário para produzi-lo. O tempo do trabalho servindo de medida ao valor venal torna-se assim a lei de uma depreciação contínua do trabalho. Diremos mais. Haverá depreciação não somente para as mercadorias: levadas ao mercado, mas também para os instrumentos de produção, e para toda uma oficina. Este fato já foi assinalado por Ricardo ao escrever:
"Aumentando constantemente a facilidade de produção, diminuímos constantemente o valor de algumas das coisas produzidas anteriormente" (Tomo II, pág. 58).
Sismondi vai mais longe. Ele vê, neste "valor constituído" pelo tempo de trabalho, a fonte de todas as contradições da indústria e do comércio modernos.
"O valor mercantil, diz ele, está sempre fixado, em última análise, na quantidade de trabalho necessária para se obter a coisa avaliada: não é aquela que custou atualmente, mas a que custaria daqui por diante com meios de produção talvez aperfeiçoados; e esta quantidade, embora seja difícil de ser apreciada, é sempre estabelecida com fidelidade pela concorrência... É sobre esta base que se calcula tanto a procura do vendedor quanto a oferta do comprador. O primeiro afirmará talvez que a coisa lhe custou dez dias de trabalho; mas se o segundo reconhece que ela pode dali por diante ser feita com oito dias de trabalho, se a concorrência demonstrar tal coisa aos dois contratantes, será a oito dias somente que se reduzirá o valor, estabelecendo-se nessa mesma base o preço do mercado. Um e outro contratantes têm, é verdade, a noção de que a coisa é útil, de que ela é desejada, de que sem desejo não haveria venda; mas a fixação do preço não conserva nenhuma relação com a utilidade" (Etudes, etc., t.II, pág. 267, ed. de Bruxelas).
É importante insistir sobre este ponto: aquilo que determina o valor não é o tempo no qual a coisa tenha sido produzida, mas o mínimo de tempo no qual ela é suscetível de ser produzida, e este mínimo é verificado pela concorrência. Suponhamos por um momento que não haja mais concorrência e, como consequência, que não haja mais meios de precisar o mínimo de trabalho necessário para a produção de um artigo. O que acontecerá? Bastará empregar na produção de um objeto seis horas de trabalho, para se ter o direito, segundo o sr. Proudhon, de exigir em troca seis vezes mais do que aquele que não tenha empregado senão uma hora na produção do mesmo objeto.
No lugar de uma "relação de proporcionalidade" temos uma relação de desproporcionalidade, se é que ainda temos de ficar nas relações, boas ou más.
A depreciação contínua do trabalho não é senão um dos lados, uma das consequências da avaliação dos artigos pelo tempo de trabalho. A elevação dos preços, a superprodução, e muitos outros fenômenos de anarquia industrial têm a sua interpretação neste modo de avaliação.
Mas o tempo do trabalho, servindo de medida ao valor, fará pelo menos nascer a variedade proporcional nos produtos que tanto encanta o sr. Proudhon.
Muito ao contrário, o monopólio, com toda a sua monotonia, segue-se a ele, para invadir o mundo dos produtos, do mesmo modo como, aos olhos de toda gente, o monopólio invadiu o mundo dos instrumentos de produção. Apenas alguns ramos da produção industrial, como a indústria do algodão, podem fazer progressos muito rápidos. A consequência natural destes progressos é que os produtos da manufatura algodoeira, por exemplo, baixam rapidamente de preço; mas à medida que o preço do algodão baixa, o preço do linho deve comparativamente subir. Que resultará disso? O linho será substituído pelo algodão. É desta maneira que o linho foi expelido de quase toda a América do Norte. E obtivemos, no lugar da variedade proporcional dos produtos, o reino do algodão.
Que resta desta "relação de proporcionalidade"? Nada mais senão o voto de um homem honesto, que queria que as mercadorias se produzissem em proporções tais que pudessem ser vendidas por um preço honesto. Os bons burgueses e os economistas filantropos sempre gostaram de formular este voto inocente.
Passemos a palavra ao velho Bois-Guillebert:
"O preço dos artigos, diz ele, deve sempre ser proporcionado, não devendo haver nisso senão o entendimento que possa fazê-los viver juntos, para se oferecerem a qualquer momento (eis a permutabilidade contínua do sr. Proudhon), e receberem reciprocamente o nascimento uns dos outros... Como a riqueza não é, assim, senão esta mistura contínua de homem com homem, de profissão com profissão, etc., é uma cegueira espantosa ir procurar a causa da miséria em outro lugar que não a cessação de tal comércio, ocasionada pela desordem das proporções nos preços". (Dissertation sur la nature des richesses, edição Daire).
Ouçamos também um economista moderno:
"Uma grande lei que se deve aplicar à produção é a lei da proporcionalidade (the law of proportion), que é a única que pode preservar a continuidade do valor... O equivalente deve ser garantido... Todas as nações tentaram em diversas épocas, por meio de numerosos regulamentos e restrições comerciais, realizar até um certo ponto esta lei de proporcionalidade; mas o egoísmo, inerente à natureza do homem, levou-o a subverter todo este regime regulamentar. Uma produção proporcionada (proportvonate production) é a realização de toda a verdade da ciência da economia social". (W. Atkinson, Principies of Political Economy, London, 1840, págs. 170-195).
Fuit Troja! Esta justa proporção entre a oferta e a procura, que começa a ser de novo o objeto de tantos votos, há muito tempo que cessou de existir. Ela passou à condição de velharia. Ela não foi possível senão nas épocas em que os meios de produção eram limitados, em que a troca se verificava em limites extremamente restritos. Com o nascimento da grande indústria, esta justa proporção teve de cessar, e a produção é fatalmente constrangida a passar, numa sucessão perpétua, pelas vicissitudes de prosperidade e de depressão, de crise e de estagnação, de nova prosperidade, e assim por diante.
Aqueles que, como Sismondi, querem voltar à justa proporcionalidade da produção, conservando ao mesmo tempo as bases atuais da sociedade, são reacionários, pois que, para serem consequentes, eles deviam também querer restabelecer todas as outras condições da indústria dos tempos passados.
Que é que mantinha a produção em proporções justas ou quase justas? Era a procura que determinava a oferta, que a precedia. A produção seguia passo a passo o consumo. A grande indústria, forçada pelos próprios instrumentos de que dispõe para produzir numa escala cada vez maior, não pode mais esperar a procura. A produção precede o consumo, a oferta força a procura.
Na sociedade atual, na indústria baseada nas trocas individuais, a anarquia da produção, que é a fonte de tanta miséria, é ao mesmo tempo a fonte de todo progresso.
Assim, das duas coisas, uma:
Ou quereis as proporções justas dos séculos passados com os meios de produção de nossa época, e então sereis ao mesmo tempo reacionários e utopistas.
Ou quereis o progresso sem a anarquia: então, para conservar as forças produtivas, tereis de abandonar as trocas individuais.
As trocas individuais não se conciliam senão com a pequena indústria dos séculos passados, com o corolário da "justa proporção", ou então com a grande indústria, mas com todo o seu cortejo de miséria e anarquia.
Afinal, a determinação do valor pelo tempo do trabalho, ou seja a fórmula que o sr. Proudhon nos apresenta como a fórmula regeneradora do futuro, não é pois senão a expressão científica das relações econômicas da sociedade atual, da maneira como Ricardo clara e nitidamente demonstrou muito antes do sr. Proudhon.
Mas nem mesmo a aplicação "igualitária" desta fórmula pertenceria ao sr. Proudhon? Não terá sido ele o primeiro a imaginar a reforma da sociedade com a transformação de todos os homens em trabalhadores imediatos, trocando quantidades de trabalho iguais? E caberá a ele censurar os comunistas — gente desprovida de qualquer conhecimento de economia política, "homens obstinadamente estúpidos", "estes sonhadores paradisíacos" — por não terem encontrado, antes dele, esta "solução do problema do proletariado"?
Qualquer pessoa, por menos familiarizada que esteja com o movimento da economia política na Inglaterra, sabe que quase todos os socialistas desse país têm, em diferentes épocas, proposto a aplicação igualitária da teoria ricardiana. Poderíamos citar ao sr. Proudhon: Hopkins, Économie Politique, 1822; William Thompson, An Inquiry into the Principies of the Distribution of Wealth most conducive to Human Happiness, 1827; T. R. Edmonds, Pratical, moral and political Economy, 1828, etc., etc., e quatro páginas de etc. Contentar-nos-emos em dar a palavra a um comunista inglês, o sr. Bray. Reproduziremos as passagens decisivas de sua obra notável — Labour’s wrongs and Labour’s remedy, Leeds, 1839 — e nisso nos demoraremos bastante, primeiramente porque Bray é pouco conhecido na França, e em segundo lugar porque acreditamos ter aí encontrado a chave das obras passadas, presentes e futuras do sr. Proudhon.
"O único meio de chegar à verdade é abordar de frente os primeiros princípios. Remontemos diretamente à fonte de onde se originam os próprios governos. Indo assim à origem da coisa, veremos que toda força de governo, que todas as injustiças sociais e governamentais provêm do sistema social atualmente em vigor — da instituição da propriedade tal como existe presentemente (the institution of property as it at present exists), e que assim, para pôr fim, para sempre, às injustiças e às misérias dos nossos dias, é preciso derribar de alto a baixo o estado atual da sociedade... Atacando os economistas no seu próprio terreno e com suas próprias armas, evitaremos a absurda tagarelice sobre os visionários e teóricos à qual eles estão sempre prontos a se entregar. A não ser que neguem ou desaprovem as verdades e os princípios já aceitos, sobre os quais fundam os seus próprios argumentos, os economistas não poderão repelir as conclusões às quais chegamos por este método (Bray, págs. 17 e 41). É somente o trabalho que dá valor (It is labour alone which bestows value)... Cada homem tem um direito indubitável a tudo aquilo que seu trabalho honesto pode lhe proporcionar. Apropriando-se assim dos frutos de seu trabalho, ele não comete nenhuma injustiça em relação aos outros homens; pois não prejudica o direito que qualquer outra pessoa tem de agir do mesmo modo... Todas as ideias de superioridade e de inferioridade, de patrão e assalariado, nascem porque se esqueceram os primeiros princípios, e, como consequência, a desigualdade se introduziu na posse (and to the consequent rise of inequalilgr of possessions). Enquanto for mantida esta desigualdade, será impossível desarraigar tais ideias ou derribar as instituições que se baseiam sobre elas. Até o presente, tem-se tido sempre a vã esperança de remediar um estado de coisas que é contra a natureza, tal como nos rege no presente, destruindo a desigualdade existente e deixando subsistir a causa da desigualdade; mas demonstraremos logo que o governo não é uma causa, mas um efeito, que não cria, mas que é criado — que numa palavra, ele é o resultado da desigualdade na posse (the offspring of inequality of possessions) e que a desigualdade de posse está inseparavelmente ligada ao sistema social atual" (Bray, págs. 33, 36 e 37).
"O sistema de igualdade tem a seu favor não somente as maiores vantagens, mas também a estrita justiça... Cada homem é um elo, e um elo indispensável na cadeia dos efeitos, que tem o seu ponto de partida numa ideia, para chegar talvez à produção de uma peça de pano. Assim, do fato de não serem as mesmas as nossas inclinações para as diferentes profissões, não se deve concluir que o trabalho de uma pessoa deve ser melhor retribuído do que o trabalho de outra. O inventor receberá sempre, além de sua recompensa em dinheiro, o tributo de nossa admiração, que somente o gênio pode merecer de nós..."
"Pela própria natureza do trabalho e da troca, a estrita justiça requer que todos os que trocam tenham benefícios, não somente mútuos, mas iguais (ali exchangers should be not only mutually but they should likewise be equally benefitted). Não existem senão duas cousas que os homens possam trocar entre eles: o trabalho e o produto do trabalho. Se as trocas se verificassem segundo um sistema equitativo, o valor de todos os artigos seria determinado pelo seu custo de produção completo; e valores iguais seriam sempre trocados por valores iguais (If a just system of exchanges were acted upon, the value of ali articles would be determined by the entire cost of production, and equal values should always exchange for equal values). Se, por exemplo, um chapeleiro leva um dia de trabalho para fazer um chapéu, e o sapateiro o mesmo tempo para fazer um par de sapatos (supondo-se que a matéria-prima que empregam tem o mesmo valor) e se trocarem esses artigos entre eles, o lucro que terão é ao mesmo tempo mútuo e igual. A vantagem que decorre da troca para cada uma das partes não pode constituir uma desvantagem para o outro, pois que cada uma forneceu a mesma quantidade de trabalho e que os materiais de que elas haviam se servido eram de valor igual. Mas se o chapeleiro tivesse obtido dois pares de sapatos por um chapéu, sempre de acordo com a nossa primeira suposição, é evidente que a troca não seria justa. O chapeleiro privaria o sapateiro de um dia de trabalho; e se agisse assim em todas as suas trocas, ele receberia pelo trabalho de meio-ano o produto de um ano inteiro de outra pessoa. Até aqui, seguimos sempre este sistema de troca soberanamente injusto: os operários têm dado ao capitalista o trabalho de um ano inteiro em troca do valor de meio-ano (the workmen have given the capitalist the labour of a whole year, in exchange for the value of only half a year) — e é daí, e não de uma desigualdade suposta nas forças físicas e intelectuais dos indivíduos, que proveio a desigualdade da riqueza e do poder. A desigualdade das trocas, a diferença dos preços nas compras e nas vendas não podem existir senão com a condição de que para todo o sempre os capitalistas permaneçam capitalistas e os operários, operários — formando uns uma classe de tiranos, os outros uma classe de escravos... Esta transação prova, pois, claramente, que os capitalistas e os proprietários não fazem outra cousa senão dar ao operário, pelo seu trabalho de uma semana, uma parte da riqueza que obtiveram dele a semana precedente, o que quer dizer que, por algo, eles não lhe dão nada (nothing for something)... A transação entre o trabalhador e o capitalista é uma verdadeira comédia; com efeito, ela não é, em muitas circunstâncias, senão um roubo impudente embora legal" (The whole transaction between the producer and the capitalist is a mere farce: it is, in fact, in thousands of instances, no other than a barefaced though legal robbery.) (Bray, págs. 45, 48, 49 e 50).
O lucro do capitalista será sempre uma perda para o operário — até que as trocas entre as partes sejam iguais; e as trocas não podem ser iguais enquanto a sociedade estiver dividida entre capitalistas e produtores, e enquanto estes últimos viverem de seu trabalho e os primeiros se intumesçam com o produto desse trabalho..."
"É claro, continua Bray, que procurareis em vão estabelecer esta ou aquela forma de governo... que em vão pregareis em nome da moral e da fraternidade... a reciprocidade é incompatível com a desigualdade das trocas. A desigualdade das trocas pelo fato de ser a fonte da desigualdade das posses, é o inimigo secreto que nos devora" (No reciprocity can exist where there are unequal exchanges. Inequality of exchanges, as being the cause of inequality of possessions, is the secret enemy that devours us.) (Bray, págs. 51 e 52).
"A consideração do fim da sociedade autoriza-me a concluir que não somente todos os homens devem trabalhar e assim chegar a poder trocar, mas também que valores iguais devem ser trocados por valores iguais. Além disso, como o lucro de um não deve constituir uma perda para outro, o valor deve ser determinado pelo custo de produção. Entretanto, vimos que sob o regime atual, o lucro do capitalista e do homem rico representa sempre uma perda do operário — e este resultado deve inevitavelmente continuar, permanecendo o pobre inteiramente abandonado à vontade do rico, sob qualquer forma de governo, enquanto subsistir a desigualdade das trocas — e que a igualdade das trocas não pode ser assegurada senão por um regime social que reconheça a universalidade do trabalho... A igualdade das trocas faria a riqueza passar gradualmente das mãos dos capitalistas atuais para as das classes operárias " (Bray, págs. 54 e 55).
"Enquanto este sistema de desigualdade das trocas estiver em vigor, os produtores serão sempre tão pobres, tão ignorantes, tão sobrecarregados de trabalho, quanto o são atualmente, ainda mesmo se se abolissem todas as taxas, todos os impostos governamentais... Somente uma transformação total do sistema, com a introdução da igualdade do trabalho e das trocas, poderá melhorar este estado de cousas e assegurar aos homens a verdadeira igualdade de direitos... Os produtores não têm senão que fazer um esforço — e é por eles mesmos que todos os esforços para a sua própria salvação devem ser feitos — para que suas cadeias se rompam para sempre... Como objetivo, a igualdade política é um erro; ela é mesmo um erro como meio." (As an end, the political equality is there a faillure, as a means, also, it is there a failure.)
"Com a igualdade das trocas, o lucro de um não pode ser a perda de outro; pois toda troca não será mais do que uma simples transferência de trabalho e de riqueza, não exigindo nenhum sacrifício. Assim, num sistema social baseado na igualdade das trocas, o produtor poderá também chegar à riqueza por meio de suas economias; mas sua riqueza não será senão o produto acumulado de seu próprio trabalho. Ele poderá trocar sua riqueza ou dá-la a outrem; mas ser-lhe-á impossível permanecer rico por um período um tanto prolongado depois que tenha deixado de trabalhar. Com a igualdade das trocas, a riqueza perde o poder atual de se renovar e de se reproduzir por assim dizer por ela mesma: ela não poderá mais encher o vácuo que o consumo terá criado; pois, a não ser que seja reproduzida pelo trabalho, a riqueza, uma vez consumida, estará perdida para sempre. Aquilo que chamamos agora lucros e juros não poderá mais existir sob o regime das trocas iguais. O produtor e o distribuidor seriam igualmente recompensados e é a soma total de seu trabalho que serviria para determinar o valor de todos os artigos criados e postos ao alcance do consumidor...
O princípio da igualdade nas trocas deve, pela sua própria natureza, levar ao trabalho universal " (Bray, págs. 76. 88, 89, 92 e 109).
Depois de refutar as objeções dos economistas contra o comunismo, o sr. Bray assim continua:
"Se uma mudança de caráter é indispensável para fazer vingar um sistema social de comunidade na sua forma perfeita; se, de outro lado, o regime atual não apresenta nem as circunstâncias, nem as facilidades requeridas para se chegar a esta mudança de caráter e para preparar os homens para uma situação melhor que todos desejamos, é evidente que as cousas devem, necessariamente, ficar tal como estão, a não ser que se descubra e aplique um termo social preparatório — um movimento que participe tanto do sistema atual como do sistema futuro (do sistema de comunidade) — uma espécie de parada intermediária à qual a sociedade possa chegar com todos os seus excessos e todas suas loucuras, para deixá-la em seguida, rica de qualidades e de atributos que são as condições vitais do sistema de comunidade" (Bray, pág. 136).
"Todo o movimento não exigiria senão a cooperação na sua forma mais simples... O custo de produção determinaria, em qualquer circunstância, o valor do produto, e valores iguais seriam trocados sempre por valores iguais. De duas pessoas, uma das quais tivesse trabalhado a semana inteira e a outra meia semana, a primeira receberia o dobro da remuneração da segunda; mas este excedente de pagamento não seria dado a uma pessoa com prejuízo de outra: a perda sofrida pela última não recairia de nenhum modo sobre a primeira. Cada pessoa trocaria o salário que tivesse recebido individualmente por objetos do mesmo valor que seu salário, e, em nenhum caso, o lucro realizado por um homem ou uma indústria constituiria a perda de um outro homem ou de um outro ramo de indústria. O trabalho de cada indivíduo seria a única medida de seus lucros e de sua perda...
...Por meio de agências (boards of trade) gerais ou locais, determinar-se-ia a quantidade de objetos diferentes exigidos pelo consumo, e o valor relativo de cada objeto em comparação com os outros (o número de operários a empregar nos ramos de trabalho), numa palavra, tudo aquilo que se relaciona com a produção e com a distribuição sociais. Estas operações seriam executadas, numa nação, em tão pouco tempo com tanta facilidade quanto o são, sob o regime atual, numa sociedade particular... Os indivíduos se agrupariam em famílias, as famílias em comunas, como sob o regime atual... Não se aboliria nem mesmo, diretamente, a distribuição das populações na cidade e no campo, apesar de todos os seus inconvenientes. Nesta associação, cada indivíduo continuaria a gozar da liberdade que possui presentemente de acumular na quantidade que melhor lhe parecer, e de fazer destas acumulações o uso que julgar conveniente... Nossa sociedade será por assim dizer uma grande sociedade por ações, composta de um número infinito de sociedades por ações menores, as quais trabalham, produzem e trocam seus produtos numa base da mais perfeita igualdade... Nosso novo sistema de sociedade por ações, que não é senão uma concessão feita à sociedade atual, para chegar ao comunismo, e estabelecido de maneira a fazer coexistir a propriedade individual dos produtos com a propriedade em comum das forças produtivas, faz depender a sorte de cada indivíduo de sua própria atividade, e lhe concede uma parte igual em todas as vantagens proporcionadas pela natureza e pelo progresso das artes. Desse modo pode se aplicar à sociedade tal como existe, e prepará-la para mudanças ulteriores" (Bray, págs. 158, 160, 162, 194 e 199).
Bastam-nos apenas mais algumas palavras para responder ao sr. Bray que, sem que tenhamos qualquer culpa, suplantou, como vemos, o sr. Proudhon, com a exceção de que o primeiro, longe de querer possuir a última palavra da humanidade, propõe somente medidas que supõe boas para uma época de transição entre a sociedade atual e o regime de comunidade.
Uma hora de trabalho de Pedro é trocada por uma hora de trabalho de Paulo. Eis o axioma fundamental do sr. Bray.
Suponhamos que Pedro tenha a seu dispor doze horas de trabalho e Paulo apenas seis: Pedro não poderá assim fazer com Paulo senão uma troca de seis horas por seis. Pedro terá, por conseguinte, seis horas de trabalho de sobra. Que fará ele destas seis horas de trabalho?
Ou não fará nada, o que significará que terá trabalhado seis horas a troco de nada; ou então deixará de trabalhar outras seis horas para estabelecer o equilíbrio; ou ainda, e é este o seu último recurso, dará a Paulo estas seis horas, das quais não sabe o que fazer.
Assim, no final de contas, que terá ganho Pedro a mais do que Paulo? Horas de trabalho, não. Não terá ganho senão horas de lazer: ele será forçado durante seis horas a viver como um ocioso. E, para que este novo direito à ociosidade seja não apenas aproveitado, mas também apreciado na nova sociedade, é preciso que esta encontre a sua mais alta felicidade na preguiça, e que o trabalho lhe pese como uma cadeia da qual deverá se livrar custe o que custar. E se ainda, para voltar ao nosso exemplo, estas horas de lazer que Pedro teve a mais sobre Paulo fossem um ganho real! Mas não; Paulo, não trabalhando no começo senão seis horas, chega por meio de um trabalho regular e regrado ao resultado que Pedro não obtêm senão por um excesso de trabalho. Todos quererão ser Paulo, haverá concorrência para conseguir o lugar de Paulo, concorrência de preguiça.
Pois bem! A troca de quantidades iguais de trabalho que nos deu ela? Superprodução, depreciação, excesso de trabalho seguido de desocupação, enfim as relações econômicas tais como as vemos constituídas na sociedade atual, menos a concorrência de trabalho.
Mas não, nós nos enganamos. Haverá ainda um expediente que poderá salvar a sociedade nova, a sociedade dos Pedros e dos Paulos. Pedro consumirá sozinho o produto das seis horas de trabalho que lhe sobram. Mas desde que ele não tem mais de trocar por haver produzido, ele também não tem de produzir para trocar, e toda a suposição de uma sociedade baseada sobre a troca e a divisão de trabalho cairia. Ter-se-á salvo a igualdade das trocas pelo próprio fato de que as trocas terão cessado de existir: Paulo e Pedro ficariam reduzidos à condição de Robinson.
Assim, se se supõem todos os membros da sociedade trabalhadores imediatos, a troca de quantidades iguais de horas de trabalho não será possível senão com a condição de que se combine com antecedência o número de horas que será preciso empregar na produção material. Mas uma tal convenção nega a troca individual.
Chegaremos ainda à mesma consequência, se tomarmos como ponto de partida não mais a distribuição dos produtos criados, mas o ato da produção. Na grande indústria, Pedro não tem a liberdade de fixar ele próprio o tempo de seu trabalho, pois o trabalho de Pedro nada vale sem o concurso de todos os Pedros e de todos os Paulos que formam a oficina. É isto que explica a resistência tenaz que os comerciantes ingleses opuseram à lei das dez horas. É que sabiam muito bem que uma diminuição de duas horas, concedida às mulheres e às crianças, devia igualmente acarretar uma diminuição de tempo de trabalho para os adultos. É da natureza da grande indústria que o tempo de trabalho seja igual para todos. O que é hoje o resultado do capital e da concorrência dos operários entre eles será amanhã, se se suprimir a relação entre o trabalho e o capital, a consequência de uma convenção baseada sobre a relação entre a soma das forças produtivas e a soma das necessidades existentes.
Mas uma tal convenção é a condenação da troca individual, e eis-nos chegados de novo ao nosso primeiro resultado.
A princípio, não há troca dos produtos, mas troca dos trabalhos que concorrem à produção. É do modo de troca das forças produtivas que depende o modo de troca dos produtos. Em geral, a forma da troca dos produtos corresponde à forma da produção. Mudai a última, e a primeira, como consequência, será também mudada. Vemos também na história da sociedade o modo de trocar os produtos se regular pelo modo de sua produção. A troca individual corresponde, ainda, a um modo de produção determinado, que, ele próprio, corresponde ao antagonismo das classes.
Mas as consciências honestas se recusam a esta evidência. Enquanto se é burguês não se pode fazer outra cousa senão ver nesta relação de antagonismo uma relação de harmonia e de justiça eterna, que não permite a ninguém obter vantagens à custa de outrem. Para o burguês, a troca individual pode subsistir sem o antagonismo das classes: para ele são duas cousas inteiramente separadas. A troca individual como a imagina o burguês está longe de se parecer com a troca individual tal como é praticada.
O sr. Bray faz da ilusão do honesto burguês o ideal que queria ver realizado. Depurando a troca individual, livrando-a de todos os elementos antagônicos que nela sejam encontrados, ele acredita achar uma relação "igualitária", que desejaria fazer passar para a sociedade.
O sr. Bray não vê que esta relação igualitária, este ideal corretivo, que desejaria aplicar ao mundo, não é senão o reflexo do mundo atual, e que é por conseguinte inteiramente impossível reconstituir a sociedade sobre uma base que não é senão uma sombra embelezada dela mesma. À medida que a sombra volta a ser corpo, vê-se que este corpo, longe de ser a transfiguração sonhada, é o corpo atual da sociedade(1).
Notas de rodapé:
(1) Como qualquer outra teoria, a do sr. Bray encontrou partidários que se deixaram enganar pelas aparências. Fundou-se em Londres, em Sheffield, em Leeds e em muitas outras cidades da Inglaterra, equitable-labour-exchange-bazars. Estes bazares, depois de terem absorvido capitais consideráveis, chegaram todos eles a falências escandalosas. Perdeu-se para sempre o gosto por tais cousas: aviso ao sr. Proudhon! (retornar ao texto)
Inclusão | 21/02/2013 |