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Primeira Edição: Publicado pela primeira vez no livro: K. Marx, Das Kapital. Kritik der politischen Oekonomie, Erster Band, Hamburg, 1867. Publicado segundo o texto da 4." edição alemã de 1890. Traduzido do alemão.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!"
Tradução: Traduzido do alemão por José BARATA-MOURA.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, julho 2008.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial
"Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.
A obra, cujo primeiro volume entrego ao público, constitui a continuação do meu escrito publicado em 1859: Zur Kritik der Politischen Oekonomie [Para a Crítica da Economia Política]. Do longo intervalo entre começo e continuação é culpada uma doença de muitos anos que repetidamente interrompeu o meu trabalho.
O conteúdo daquele escrito anterior está resumido no primeiro capítulo deste volume[N49]. Isto não aconteceu apenas por causa da conexão e da integralidade. A exposição está melhorada. Tanto quanto a matéria de alguma maneira o permitiu, muitos pontos primeiramente apenas aludidos estão aqui desenvolvidos, enquanto inversamente o ali circunstanciadamente desenvolvido é aqui apenas aludido. As secções acerca da história da teoria do valor e do dinheiro naturalmente foram agora completamente suprimidas. Contudo, o leitor do escrito anterior encontra patentes, nas notas do primeiro capítulo, novas fontes para a história daquela teoria.
Todo o começo é difícil — isto vale em qualquer ciência. A compreensão do primeiro capítulo, nomeadamente da secção que contém a análise da mercadoria, constituirá, portanto, a maior dificuldade. Tornei o mais possível popular aquilo que mais de perto diz respeito à análise da substância do valor e da grandeza do valor(1*). A forma-valor, cuja figura acabada é a forma-dinheiro, é muito vazia de conteúdo e simples. Não obstante, o espírito humano, desde há mais de 2000 anos, tem em vão procurado sondar-lhe os fundamentos, enquanto, por outro lado, a análise de formas muito mais plenas de conteúdo e complicadas, pelo menos, aproximadamente resultou. Porquê? Porque o corpo [já] formado é mais fácil de estudar do que a célula do corpo. Além disso, na análise das formas económicas não podem servir nem o microscópio nem os reagentes químicos. A força da abstracção tem de os substituir a ambos. Para a sociedade burguesa, porém, a forma-mercadoria do produto do trabalho ou a forma-valor da mercadoria é a forma económica celular. Ao não instruído a análise destas parece perder-se em meras subtilezas. Trata-se aqui de facto de subtilezas, só que, porém, do mesmo modo que delas se trata na anatomia micrológica.
À excepção da secção sobre a forma-valor não se poderá, portanto, acusar este livro de difícil inteligibilidade. Suponho, naturalmente, leitores que querem aprender algo de novo e que, portanto, também querem pensar por si.
O físico observa processos da Natureza ou onde aparecem na forma mais expressiva e menos encoberta por influências perturbadoras ou, quando possível, faz experiências em condições que asseguram o puro curso do processo. O que eu tenho de investigar nesta obra é o modo de produção capitalista e as relações de produção e de troca que lhe correspondem. A sua morada clássica é, até agora, a Inglaterra. Esta é a razão pela qual ela serve de ilustração principal do meu desenvolvimento teórico. Se, contudo, o leitor alemão farisaicamente encolher os ombros acerca da situação dos operários ingleses da indústria e da agricultura ou se optimistamente se tranquilizar porque na Alemanha durante muito tempo as coisas ainda não estarão tão más, terei de lhe lembrar: De te fabula narratur!(2*)
Em si e para si, não se trata do grau maior ou menor de desenvolvimento dos antagonismos sociais, os quais provêm das leis naturais da produção capitalista. Trata-se dessas próprias leis, dessas tendências que operam e se impõem com férrea necessidade. O país industrialmente mais desenvolvido mostra ao menos desenvolvido apenas a imagem do seu próprio futuro.
Mas abstraindo disto: Onde a produção capitalista está completamente implantada entre nós, por exemplo, nas fábricas propriamente ditas, a situação é muito pior do que na Inglaterra, porque falta o contrapeso das leis fabris. Em todas as outras esferas, atormenta-nos, assim como a todo o resto da Europa ocidental continental, não só o desenvolvimento da produção capitalista como também a falta do seu desenvolvimento. Além das calamidades modernas, aflige-nos toda uma série de calamidades hereditárias, provenientes da vegetação continuada de modos de produção arcaicos, antiquados, com o seu séquito de anacrónicas relações sociais e políticas. Sofremos não apenas com os vivos mas também com os mortos. Le mort saisit le vif!(3*)
A estatística social da Alemanha e do resto da Europa ocidental continental é, em comparação com a inglesa, miserável. Contudo, levanta suficientemente o véu para fazer pressentir por detrás dele uma cabeça de Medusa. Assustar-nos-íamos com a nossa própria situação, se os nossos governos e parlamentos nomeassem, tal como em Inglaterra, comissões de inquérito periódicas acerca das condições económicas, se essas comissões estivessem armadas, tal como em Inglaterra, com a mesma plenitude de poderes para a investigação da verdade, se se conseguisse encontrar para este efeito homens tão competentes, imparciais e sem rodeios, como são os inspectores fabris da Inglaterra, os seus relatores médicos sobre Public Health (Saúde Pública), os seus comissários de inquérito acerca da exploração das mulheres e crianças, acerca da situação de habitação e alimentação, etc. Perseu servia-se de um elmo de bruma para a perseguição de monstros. Nós enterramos profundamente o elmo de bruma sobre os olhos e os ouvidos para podermos negar a existência dos monstros.
Temos de não nos iludir acerca disto. Assim como a guerra da independência americana[N13] do século XVIII tocou a rebate para a classe média europeia, assim também a guerra civil americana[N4] do século XIX tocou a rebate para a classe operária europeia. Em Inglaterra, o processo de revolucionamento é palpável. Num certo ponto culminante terá de se repercutir no continente. Aí movimentar-se-á em formas mais brutais ou mais humanas, segundo o grau de desenvolvimento da própria classe operária. Sem considerar motivos mais elevados, o interesse mais próprio das classes agora dominantes impõe-lhes, portanto, a remoção de todos os obstáculos legalmenfe controláveis que entravem o desenvolvimento da classe operária. Por isso eu dei um lugar tão circunstanciado neste volume, entre outras coisas, à história, ao conteúdo e aos resultados da legislação fabril inglesa. Uma nação deve e pode aprender com outra. Mesmo quando uma sociedade chega a descobrir a pista da lei natural do seu movimento — e o fim último desta obra é desvendar a lei económica do movimento da sociedade moderna —, ela não pode nem saltar por cima nem pôr de lado por decreto fases de desenvolvimento conformes à natureza. Mas pode encurtar e atenuar as dores do parto.
Para evitar possíveis mal-entendidos uma palavra [ainda]. Eu de modo nenhum pinto de cor-de-rosa as figuras do capitalista e do proprietário fundiário. Mas trata-se aqui de pessoas apenas na medida em que são a personificação de categorias económicas, portadoras de determinadas relações de classes e interesses. Menos do que qualquer outro pode o meu ponto de vista — que apreende o desenvolvimento da formação económica da sociedade como um processo histórico natural — tornar o indivíduo responsável por relações, das quais ele socialmente permanece criação, por muito que subjectivamente ele se possa elevar acima delas.
No domínio da Economia Política a investigação científica livre não encontra apenas o mesmo inimigo que em todos os outros domínios. A natureza peculiar da matéria que manuseia chama ao campo da luta contra ela as paixões mais violentas, mais mesquinhas e mais odiosas do peito humano, as Fúrias do interesse privado. A Igreja Alta inglesa[N51], por exemplo, mais depressa perdoa o ataque a 38 dos seus 39 artigos de fé do que a 1/39 do seu rendimento em dinheiro. Hoje em dia, o próprio ateísmo é uma culpa levis(4*), em comparação com a crítica das relações de propriedade legadas. Contudo, há aqui um progresso que se não pode desconhecer. Remeto, por exemplo, para o Livro Azul publicado nas últimas semanas: Correspondence with Her Majesty's Missions Abroad, regarding Industrial Questions and Trades Unions [Correspondência com as Missões de Sua Majestade no Estrangeiro, no tocante a Questões Industriais e Sindicatos][N3]. Os representantes externos da Coroa inglesa exprimem aqui secamente que, na Alemanha, França, em suma, em todos os estados civilizados [Kulturstaaten] do continente europeu, uma transformação das relações existentes entre capital e trabalho é tão sensível e tão inevitável como em Inglaterra. Ao mesmo tempo, do outro lado do oceano Atlântico, o Sr. Wade, Vice-Presidente dos Estados Unidos da América do Norte, declarava em meetings(5*) públicos: depois da abolição da escravatura a transformação das relações de capital e de propriedade fundiária entrou na ordem do dia! Estes são sinais dos tempos que não se deixam esconder por mantos de púrpura nem sotainas pretas. Não significam que amanhã acontecerá um milagre. Mostram como mesmo nas classes dominantes desponta o pressentimento de que a sociedade actual não é um cristal sólido mas um organismo capaz de transformação e que está constantemente em processo de transformação.
O segundo volume deste escrito tratará do processo de circulação do capital (Livro II) e das configurações [que ele vai assumindo] no processo total (Livro III); o terceiro e último (Livro IV), da história da teoria.
Todo o juízo da crítica científica é para mim bem-vindo. Face aos pré-juízos da chamada opinião pública, a quem nunca fiz concessões, vale para mim, tal como anteriormente, a divisa do grande florentino:
Segui il tuo corso, e lascia dir le gentil(6*)
Londres, 25 de Julho de 1867.
Karl Marx
Notas de rodapé:
(1*) Isto pareceu tanto mais necessário quanto a própria secção do escrito de F. Lassalle contra Schulze-Delitzsch, em que ele esclarece que dá «a quinta-essência espiritual» do meu desenvolvimento acerca destes temas, contém significativas incompreensões[N50]. En passant (Em francês no texto: de passagem. (Nota da edição portuguesa.). Se F. Lassalle tirou dos meus escritos, quase literalmente e sem indicação das fontes, todas as proposições teóricas universais dos seus trabalhos económicos, por exemplo, acerca do carácter histórico do capital, acerca da conexão entre relações de produção e modo de produção, etc, etc. [e] mesmo até a terminologia por mim criada, este comportamento foi determinado certamente por propósitos de propaganda. Não falo, naturalmente, das suas exposições de pormenor e aplicações, com as quais nada tenho a ver. (Nota de Marx.) (retornar ao texto)
(2*) Em latim no texto: É de ti que a história fala! Cf. Horácio, Satirae [Sátiras], I, I. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(3*) Em francês no texto: O morto apodera-se do vivo! (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(4*) Em latim no texto: culpa leve. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(5*) Em inglês no texto: reuniões, comícios. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(6*) Em italiano no texto: Segue o teu caminho, e deixa falar as gentes. Divisa adaptada de Dante, La Divina Commedia (A Divina Comédia), Purgatório V. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N3] Livros Azuis (Blue Books): denominação geral — devida à cor da capa — das
publicações dos materiais do Parlamento britânico e dos documentos diplomáticos
do Foreign Office (Ministério dos Negócios Estrangeiros). São editados em Inglaterra desde o século XVII e constituem a principal fonte oficial sobre a história económica e diplomática do país.
Trata-se na p. 6 do Report of the Commissioners Appointed to Inquire into the Operation of the Acts Relating to Transportation and Penal Servitude (Relatórios dos Comissários Nomeados para Inquirir acerca das Leis Que Se Relacionam com a Deportação e a Servidão Penal), t. 1, Londres, 1863. (retornar ao texto)
[N4] A Guerra Civil na América (1861-1865) opôs, nos Estados Unidos, os Estados industriais do Norte e os Estados escravistas do Sul, que se rebelaram contra a abolição da escravatura. A classe operária da Inglaterra opôs-se à política da burguesia inglesa, que apoiava os plantadores escravistas, e impediu a ingerência da Inglaterra na Guerra Civil nos Estados Unidos. (retornar ao texto)
[N13] A Guerra da Independência das colónicas inglesas na América do Norte (1775-1783) contra a dominação inglesa foi causada pela aspiração da nação burguesa americana, em formação, à independência e à supressão dos obstáculos que entravavam o desenvolvimento do capitalismo. Em resultado da vitória dos norte-americanos foi criado um Estado burguês independente: os Estados Unidos da América. (retornar ao texto)
[N48] O Capital: obra principal de Marx, que trabalhou quarenta anos na sua elaboração, desde o início dos anos 40 até ao final da sua vida.
Foi em Paris, nos finais de 1843, que Marx empreendeu um estudo sistemático da Economia Política. As suas primeiras investigações neste domínio reflectiram-se em obras como Manuscritos Económico-Filosóficos de 1844, A Ideologia Alemã, Miséria da Filosofia, Trabalho Assalariado e Capital, Manifesto do Partido Comunista, etc.
Depois de um certo intervalo, provocado pelas revoluções de 1848-1849, Marx só pôde prosseguir os seus estudos económicos em Londres, onde foi obrigado a exilar-se em Agosto de 1849.
Em 1857-1858 Marx redige um manuscrito contando mais de 50 folhas que constitui como que um esboço de O Capital. Foi publicado pela primeira vez em 1939-1941, em alemão, pelo Instituto do Marxismo-Leninismo anexo ao CC do PCUS, sob o título de Grundrisse der Kritik der politischen Oekonomie. Ao mesmo tempo Marx faz um primeiro esboço de plano do conjunto da obra, que pormenoriza no decurso dos meses seguintes e em Abril de 1858 toma a decisão de expor toda a obra em seis livros. Contudo, Marx em breve muda de opinião e prevê a publicação do seu trabalho em partes, em volumes separados.
Em 1858 começou a escrever o primeiro volume, intitulado Para a Crítica da Economia Política. O livro é publicado em 1859.
No decurso do trabalho, Marx modifica o plano inicial da sua obra. O plano de seis livros é substituído pelo plano dos quatro volumes de O Capital. Em 1863-1865 Marx redige um novo e enorme manuscrito, que é a primeira versão elaborada pormenorizadamente dos três volumes teóricos de O Capital. E só depois de escrita toda a obra no seu conjunto (Janeiro de 1866) é que Marx empreende a revisão definitiva do texto com vista à publicação. Além disso, a conselho de Engels, decide não preparar imediatamente toda a obra, mas em primeiro lugar o primeiro volume de O Capital. Esta revisão definitiva foi feita por Marx com grande minúcia e constituiu no fundo mais uma reelaboração do primeiro volume de O Capital no seu conjunto. Após o aparecimento do primeiro volume de O Capital (Setembro de 1867), Marx continua a trabalhá-lo com vista à preparação de novas edições em alemão e a traduções em línguas estrangeiras. Introduz múltiplas alterações na segunda edição (1872); dá indicações substanciais para a edição russa, que apareceu em Sampetersburgo em 1872 e foi a primeira tradução de O Capital em língua estrangeira. Marx reelabora e corrige assinalavelmente a tradução francesa, que foi publicada em vários fascículos entre 1872 e 1875.
Por outro lado, após o aparecimento do primeiro volume de O Capital, Marx continuada redigir os volumes seguintes, tencionando terminar em breve toda a obra. Mas não o conseguiu. A sua variada actividade no Conselho Geral da Primeira Internacional ocupa-lhe muito tempo. A sua saúde precária força-o cada vez mais frequentemente a interromper o trabalho.
Os dois volumes seguintes de O Capital foram preparados para a impressão e editados por Engels depois da morte de Marx (o segundo em 1885 e o terceiro em 1894). Engels presta, deste modo, uma contribuição inestimável para o acervo do comunismo científico. (retornar ao texto)
[N49] Marx tem em vista o primeiro capítulo («A mercadoria e a moeda») da primeira edição alemã do primeiro volume de O Capital. Nas seguintes edições alemãs deste volume corresponde-lhe a primeira secção. (retornar ao texto)
[N50] Trata-se do terceiro capítulo da obra de Ferdinand Lassalle Herr Bastiat—Schulze von Delitzsch, der ökonomische Julian, oder: Kapital und Arbeit, Berlin, 1864 (O Senhor Bastiat-Schulze von Delitzsch, o Juliano Económico, ou: Capital e Trabalho, Berlim, 1864). (retornar ao texto)
[N51] Igreja Alta (no original Hochkirche, em inglês High Church): corrente da Igreja Anglicana que tinha adeptos principalmente entre os aristocratas. Mantinha antigos ritos faustosos, sublinhando os laços de continuidade entre a Igreja Alta e o catolicismo. (retornar ao texto)
Inclusão | 11/07/2008 |